Paulo Vannuchi, ministro da Secretaria de Direitos Humanos, festejou, em artigo publicado na Folha no último domingo, as "boas notícias de maio", quando "o Brasil foi o mais votado entre os países que representarão a América Latina no Conselho de Direitos Humanos, que acaba de ser criado na ONU". Previsivelmente, ele se esqueceu das "más notícias", que explicam a suposta conquista: os votos recebidos pelo Brasil foram negociados num bazar de apoios mútuos com Arábia Saudita, China, Rússia, Argélia e Cuba. Esses países constam em todos os relatórios imparciais como inclementes e maciços violadores dos direitos humanos básicos.
Na antiga Comissão de Direitos Humanos, o Brasil recusava-se a condenar violadores notórios sob o razoável argumento de que o órgão desmoralizara-se por completo. O novo conselho, com poderes mais amplos, foi criado precisamente para restaurar uma credibilidade perdida. A regra da eleição de seus integrantes por toda a Assembléia Geral destinava-se a dificultar o ingresso dos mais pervertidos regimes.
O México elegeu-se oferecendo um exemplo. O país anunciou que recusaria a prática de "escambo de votos" e não "revelaria suas intenções de voto, evitando assim a influência de fatores estranhos à agenda dos direitos humanos". O Brasil fez o oposto. A óbvia estratégia é desmoralizar o conselho hoje para retomar amanhã, sob o argumento de que o órgão se desmoralizou, a postura de proteção a violadores.
No balaio de votos brasileiro, cabem tanto os pelotões de fuzilamento de Fidel Castro, que matam sob orgiásticos aplausos da esquerda verde-amarela, como a polícia de costumes saudita e os esquadrões de extermínio russos na Tchetchênia. A pusilânime confraternização do governo Lula e do Itamaraty com alguns dos piores regimes do mundo não encontra explicação na lógica da ideologia, mas em concepções de fundo sobre as relações internacionais.
O sistema de Estados contemporâneo é uma teia intrincada, que articula interesses nacionais e valores universais. A arte de identificar a natureza das questões em jogo distingue os estadistas. Nossos maquiavéis de província fracassam seguidamente nesse teste: falta-lhes a palavra dura na crise da Bolívia; sobra-lhes o desprezo pelos princípios na eleição para o Conselho de Direitos Humanos. No artigo 4º, nossa Constituição estabelece que o Brasil "rege-se nas suas relações internacionais" pela "prevalência dos direitos humanos". O governo atual trai os princípios nacionais mais valiosos ao oferecer o aval do seu voto aos ditadores e às suas máquinas de repressão e tortura.
Entregue à ruidosa campanha por uma cadeira de membro permanente no Conselho de Segurança, o Brasil atuou como figurante na única reforma real da ONU, que foi a criação do Conselho de Direitos Humanos. A declaração brasileira de candidatura ao novo órgão é um monumento à indignidade, que retoma em tom menor as fórmulas usadas na declaração de Cuba para desvalorizar os direitos de expressão, de opinião e de organização política. Os Estados Unidos, que não se candidataram ao conselho, celebram discretamente o voto do Brasil. A administração Bush tem pouco a temer quando sauditas, chineses, argelinos, cubanos e russos forem chamados a se pronunciar sobre a rede de centros de tortura da "guerra ao terror".
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Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras na Folha
@ - magnoli@ajato.com.br
4 comentários:
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