ONG criada pelo presidente recebeu, após sua posse, recursos da Vale, Usiminas e Telemar
Sob Lula, doações ao Instituto Cidadania atingem R$ 2,5 mi
O Instituto Cidadania, ONG que abrigou Luiz Inácio Lula da Silva em seus anos de oposição e mantém laços com a cúpula do governo, passou a atrair doações de empresas privadas e ao menos de uma estatal desde que o PT chegou ao poder. Foram pelo menos R$ 2,5 milhões nos últimos três anos. Paradoxalmente, o prédio de fachada envidraçada, que já foi o centro nervoso das campanhas de Lula, é hoje quase um esqueleto vazio. O instituto, apesar da injeção financeira sem precedentes, reduziu o número de projetos.
A posse de Lula foi um divisor de águas em uma instituição criada por ele em 1992, na qual despachou por dez anos. Foi no instituto que se conceberam as Caravanas da Cidadania e em que surgiu o polêmico Fome Zero, em 2001.
Lá trabalharam os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil), o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, e a assessora da Presidência Clara Ant. Até 2002, o presidente foi Paulo Okamotto, que hoje preside o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), responsável pelo pagamento de uma dívida de Lula com o PT. Ele e Ant continuam no conselho fiscal do instituto.
Em 2002, o instituto financiava-se à moda antiga, com a ajuda de sindicatos, associados e uma modesta "mesada" do PT. Os principais projetos -Moradia, Energia, Segurança, além do próprio Fome Zero- tinham orçamento de R$ 350 mil (em valores atualizados), segundo informou Okamotto à Folha na época. Sua única parceira empresarial era a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), de Araxá (MG). Em 2002, a CBMM foi a maior doadora para a campanha de Lula, desembolsando R$ 1 milhão. O presidente da empresa à época, José Alberto de Camargo, hoje preside o instituto.
Metamorfose
Em 2003, houve uma transformação. Os cofres da ONG passaram a ser recheados por doações polpudas de gigantes como as siderúrgicas Vale do Rio Doce e Usiminas, a empresa de telefonia Telemar e a Bunge, de alimentos.
O orçamento dos projetos quadruplicou. O de Desenvolvimento Local, que tem o cronograma atrasado, custa R$ 1,3 milhão. Uma pesquisa que integra o projeto é custeada pelo Banco do Brasil, segundo o site oficial, mas o instituto não diz o valor.
Nos últimos três anos, as empresas doaram R$ 2,5 milhões, segundo Camargo. A Vale diz que deu R$ 300 mil, e a CBMM, R$ 800 mil. As outras não informam os valores. Já o Sebrae, nominalmente privado, mas com grande influência do governo, aparece como "parceiro". Em 2005, o instituto anunciou que receberia R$ 1,2 milhão do Sebrae -ou seja, uma instituição presidida por Okamotto doaria para uma que o mantém no conselho fiscal.
Agora, o Sebrae diz que o repasse não ocorreu. "Okamotto foi um dos fundadores do instituto. Nada mais natural que participe do conselho, função sem remuneração. Não há restrição legal", disse sua assessoria. O instituto ainda arrecada R$ 500 mil por ano de 20 associados, pessoas físicas e jurídicas, que não especifica (média de R$ 25 mil por doador). Há quatro anos, o valor era similar, mas pulverizado por 250 associados.
Ao crescimento financeiro do instituto não correspondeu a uma expansão dos serviços prestados. Na verdade, houve redução drástica na produtividade. Foram só dois projetos desde 2003: além do Desenvolvimento Local, houve o projeto Juventude, entregue a Lula em junho de 2004. Dando expediente hoje no prédio que já foi o escritório de Lula há apenas duas pessoas. Camargo aparece raramente. Na última sexta de manhã, somente um segurança estava lá.
Empresa pioneira no patrocínio ao Instituto Cidadania, a CBMM foi a maior doadora da campanha presidencial de Lula em 2002. Contribuiu com R$ 1 milhão, ou 4,76% de tudo o que foi arrecadado pelo petista. Na época, o presidente da CBMM era José Alberto de Camargo, que deixou o cargo em 2004, mantendo-se consultor da empresa. Camargo agora preside o Instituto Cidadania. Como pessoa física, ele doou mais R$ 5.000 ao candidato Lula.
Camargo tem relação próxima com o presidente. Lula, após ganhar a eleição, passou alguns dias descansando em uma propriedade da CBMM, em Araxá (MG).
Outros petistas foram agraciados com doações da empresa. O ex-deputado José Dirceu (SP) recebeu R$ 100 mil, mesmo valor destinado ao senador Aloizio Mercadante (SP). No total, foi R$ 1,83 milhão doado ao PT. A campanha presidencial do PSDB recebeu R$ 250 mil, e houve doações menores para PMDB, PTB e PFL.
Camargo foi breve ao falar das doações. Questionado sobre os critérios da CBMM para distribuir o dinheiro em 2002, disse que "não houve critério". E o fato de a companhia ter doado R$ 1 milhão a Lula pesou na sua escolha para o Instituto? "Não. Penso que fui convidado para a presidência do Instituto porque em minha vida profissional eu vinha trabalhando com programas relacionados com comunidade e cidadania".
Folha
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