28.3.08

O nome é Erenice!

Braço direito de Dilma fez dossiê contra família FHC

Ordem para reunir dados sigilosos partiu de secretária-executiva da Casa Civil

Erenice Guerra nega ter se reunido com secretários do ministério para discutir "levantamento de dados de suprimento de fundos"


Partiu da secretária-executiva da Casa Civil, braço direito da ministra Dilma Rousseff, a ordem para a organização de um dossiê com todas as despesas realizadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sua mulher Ruth e ministros da gestão tucana a partir de 1998. O banco de dados montado a pedido de Erenice Alves Guerra é paralelo ao Suprim, o sistema oficial de controle de despesas com suprimentos de fundos do governo.
O governo nega tratar-se de um dossiê. A interlocutores Erenice se responsabiliza pela decisão de organizar processos de despesas de FHC, isentando a chefe de ter tomado a decisão. Ela é conhecida como "faz-tudo" de Dilma, sendo a funcionária mais próxima da ministra que Luiz Inácio Lula da Silva vê como presidenciável para 2010.
Quando o trabalho começou a ser feito, corriam as negociações no Congresso para investigar gastos com cartões corporativos do presidente Lula. Por pressão de governistas, as investigações recuariam ao período de governo tucano. O banco de dados avançara sobre parte do material guardado no arquivo morto, num dos prédios anexos do Planalto.
Um dos relatórios produzidos na Casa Civil, a que a Folha teve acesso, mostra que os dados foram organizados de forma diversa do Suprim (Sistema de Controle de Suprimento de Fundos), que tem os registros dos gastos do período Lula.
Com 13 páginas, o documento registra detalhes, fora da ordem cronológica, de diversos gastos, com ênfase nos feitos pela ex-primeira-dama Ruth e naqueles que envolvem bebidas e itens como lixas de unha.
Na primeira semana após o Carnaval, segundo a Folha apurou, Erenice marcou reunião no Planalto com membros da Secretaria de Administração, da Secretaria de Controle Interno da Presidência e de outras áreas da Casa Civil.
Solicitou que fossem cedidos funcionários de cada área para que se criasse uma força-tarefa encarregada de desarquivar documentos referentes aos gastos do governo anterior a partir da rubrica suprimento de fundos, que inclui cartões corporativos e contas "tipo B" (despesa justificada por nota depois de o servidor receber uma determinada verba).
A Folha apurou que Erenice justificou a empreitada aos subordinados alegando ser preciso fazer o levantamento para atender a eventuais demandas da CPI dos Cartões e destacou sua chefe-de-gabinete, Maria de La Soledad Castrillo, para coordenar os trabalhos.
Por meio de sua assessoria, Erenice negou que tivesse tido reunião com os secretários de Controle Interno e da Secretaria de Administração e Diretoria de Logística, "para discutir qualquer tipo de assunto referente a levantamento de dados de suprimento de fundos".
Mas confirmou que a Casa Civil está alimentando banco de dados com informações do suprimento de fundos entre 1998 e 2002 e admitiu que a gestão da base de dados é da Secretaria de Administração e o trabalho envolve áreas de Tecnologia da Informação, Orçamento e Finanças e Logística.
A seleção e a organização de despesas do governo FHC durou um mês e meio, até os primeiros lançamentos das despesas no Suprim -que seria o destino das informações. Com a publicação da última edição da revista "Veja", em que trechos do relatório com 13 páginas a que a Folha teve acesso ontem foram divulgados, os dados passaram a ser digitados diretamente no Suprim.
Por isso a Casa Civil afirma que as informações "vazadas" à imprensa seriam fragmentos de relatórios de gastos ainda em fase de digitação.
Folha

24.3.08

Um dossiê feito para chantagear

Para intimidar a oposição, o Planalto usa documentos com informações sigilosas sobre as despesas do ex-presidente FHC

Claus Meyer/TIBA

A CPI que investiga o uso dos cartões corporativos do governo começou a ouvir depoimentos na semana passada num falso clima de cordialidade. Comandada pelo PT e pelo PSDB, a comissão não analisou os pedidos de quebra de sigilo nem os requerimentos de convocação de ministros, mas chamou atenção pelo tom desafiador de algumas declarações de representantes do governo. O ministro Jorge Hage, chefe da Controladoria-Geral da União, depois de minimizar a importância das denúncias investigadas, disse aos parlamentares que "é possível que surjam coisas mais graves do que as que já foram descobertas até agora". O quê? Ele não revelou. Mais explícito, o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, sugeriu que a comissão se dedicasse ao exame das chamadas contas tipo B, um fundo de despesas que antecedeu a criação dos cartões. Por quê? Ele também não revelou. Os dois ministros do governo Lula, na verdade, foram usados como porta-vozes de uma tentativa de intimidação. O Palácio do Planalto mandou fazer um dossiê sobre os gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seus últimos cinco anos de governo – e ameaça divulgá-lo para tentar constranger os oposicionistas que insistem em investigar o presidente Lula.

VEJA teve acesso a parte do dossiê. Elaborado com base em dados considerados sigilosos pelo próprio governo, o material reúne detalhes das despesas do ex-presidente Fernando Henrique, de sua mulher, Ruth Cardoso, e de assessores próximos nos anos de 1998, 2000 e 2001 nas chamadas contas tipo B – aquelas a que o ministro Paulo Bernardo se referiu. O documento lista centenas de compras realizadas pelo gabinete do ex-presidente, desce a insignificâncias, como pagamento de gorjetas e aquisição de material de higiene pessoal, e faz insinuações potencialmente graves, se verídicas, sobre a mistura de recursos públicos com despesas de campanha eleitoral. Estão também discriminados compras de bebidas, alimentos e aluguel de carros. As planilhas ainda revelam as iniciais de quatro agentes da Agência Brasileira de Inteligência (JCS, PSWR, SLCC e JCSB), seus CPFs e os valores que eles sacaram em dinheiro, 1,6 milhão de reais em 2002, usando as chamadas "despesas secretas". Uma simples consulta ao site da Receita Federal permite a identificação dos agentes. Os autores do dossiê queriam mostrar que no governo passado também houve abuso nos gastos secretos.

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ARMAÇÃO OFICIAL
O dossiê lista centenas de compras realizadas principalmente no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Elaborado dentro do Palácio do Planalto, detalha gastos pessoais da família presidencial – informações consideradas pelo próprio governo como sigilosas. A intenção é mostrar que o governo Lula não inovou ao usar os cartões corporativos para quitar despesas como bebidas caras, hotéis de luxo e produtos de higiene. O documento sugere que houve promiscuidade entre o dinheiro público e a campanha eleitoral dos tucanos (à esq.), e foi usado por governistas para mandar recados aos adversários (á dir.).


Fotos Alejandro Pagni/AFP e Paulo Vitale
Lula e Fernando Henrique: os gastos do atual presidente são mantidos em sigilo, mas os de FHC foram parar no Congresso

É grave saber que informações de estado, algumas sigilosas por lei, estão sendo usadas para chantagear políticos de oposição. Mais grave ainda saber que a estrutura funcional do estado está sendo utilizada para montar um dossiê contra adversários – e, o que é mais espantoso, dentro do Palácio do Planalto, na vizinhança do gabinete do presidente Lula. Com o início da crise dos cartões, um grupo de funcionários da Casa Civil da Presidência da República se debruçou, durante semanas, sobre uma imensa pilha de processos, notas fiscais e relatórios de viagem. Oficialmente, fazia um levantamento administrativo de rotina sobre todas as despesas realizadas pelo gabinete do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Extra-oficialmente, a missão tinha outro objetivo: juntar material para ser usado, se necessário, numa operação para neutralizar a ação dos parlamentares da oposição no Congresso. Milhares de transações de 1998 a 2002 foram analisadas, e separadas apenas as que continham despesas pessoais do presidente, da primeira-dama e de seus auxiliares mais próximos. Todas foram selecionadas em uma planilha que identifica o número do processo, o servidor que efetuou a despesa, a empresa beneficiada, a data de execução e o número da nota fiscal referente ao desembolso. Além de listar valores, o documento descreve o serviço e o beneficiário do gasto.

O dossiê construído dentro do Palácio do Planalto, usado pelos assessores do presidente na CPI em tom de ameaça e vazado pelos petistas como estratégia de intimidação, contém informações consideradas sigilosas e iguais às que o governo Lula briga para manter longe dos olhos da opinião pública. De um universo de gastos de 408 milhões de reais, os funcionários do Planalto pinçaram 295 transações em três anos, num total de 612.000 reais. A ex-primeira-dama Ruth Cardoso é mencionada 23 vezes como beneficiária de despesas com locação de carros, hospedagem em hotéis, compra de ingressos para peças de teatro no exterior e até como ordenadora da compra de um porta-retratos, no valor de 100 dólares, para presentear um oficial da Colômbia designado para acompanhá-la durante visita ao país. Gastos com vinhos importados, champanhes franceses, carnes raras e até caviar foram compilados da documentação armazenada na Presidência da República e reproduzidos no dossiê. O levantamento tem o objetivo de mostrar que a equipe do presidente Lula não inovou ao usar as contas tipo B e os cartões corporativos para bancar despesas exóticas. Seus autores chegam a insinuar que dinheiro público usado para a compra de garrafas de champanhe teria sido desviado para a campanha eleitoral que reelegeu FHC em 1998.

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Foto: Nilton Fukuda/AE
O ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira é personagem oculto de uma nota publicada nos jornais por meio da qual o governo pretendia mandar recados à oposição: ele diz que viajou a trabalho

Produzido com base em dados disponíveis na Secretaria de Controle Interno da Presidência da República, órgão responsável pela fiscalização dos gastos palacianos e subordinado à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, o dossiê começou a circular parcialmente pelo Congresso Nacional em meados do mês passado, logo após o deputado Carlos Sampaio, do PSDB de São Paulo, anunciar que tinha em mãos as assinaturas suficientes para a criação da CPI dos Cartões. Os tucanos dizem ter tomado conhecimento da existência do documento apenas na semana passada, embora admitam que muitas das informações contidas nele já vinham sendo divulgadas de maneira cifrada.

Foi dentro desse clima de intimidação que a CPI dos Cartões foi criada e começou a funcionar. Um fato: o discurso oposicionista que levou à instalação da comissão foi se abrandando à medida que o governo mandava sinais de que tinha munição contra políticos que integraram o governo FHC. No início de fevereiro, em um acordo de bastidores que acabou se tornando público, emissários do PSDB e do PT combinaram que a CPI seria instalada, mas pouparia os gastos pessoais de Lula, FHC e seus familiares e também dos principais dirigentes dos dois partidos. O acerto previu também a divisão dos principais cargos da comissão. A senadora tucana Marisa Serrano, com o aval dos petistas, ficou com a presidência e o deputado petista Luiz Sérgio, com o aval dos tucanos, garantiu a relatoria.

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Foto: Bruno Miranda/Folha Imagem
Os gastos da ex-primeira-dama Ruth Cardoso aparecem em destaque no dossiê. São 23 referências a despesas com aluguel de veículos, hospedagem, bilhetes para peças de teatro no exterior e presente oficial

A disputa subterrânea entre PT e PSDB pela abrangência das investigações, no entanto, continuou intensa, com parlamentares da oposição ameaçando não cumprir o acordo. Críticas às dificuldades criadas pelo governo para investigar passaram a ser imediatamente respondidas por petistas que invocavam a divulgação das contas tipo B. A guerra nos bastidores ganhou, por fim, as páginas dos jornais. Algumas notas publicadas apresentam uma incrível simetria com as informações do dossiê produzido dentro do Planalto. Uma delas informou, em 15 de fevereiro, que o governo armazenava dados sobre gastos na gestão de FHC. Dizia também que um ministro tucano costumava passar os fins de semana no Rio de Janeiro e que sua fatura incluía a hospedagem em um hotel de luxo. A nota terminava reproduzindo a declaração de um líder do governo no Congresso, mantido sob anonimato. "Se abrir esse baú, a Matilde (ex-ministra que perdeu o cargo por fazer compras em um free shop com o cartão do governo) vira uma freira franciscana." Analisando o dossiê, descobre-se que o ministro em questão pode ser Aloysio Nunes Ferreira, que ocupou a Pasta da Justiça durante o governo de FHC. No dia 17 de maio de 2001, ele ficou hospedado no Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. A fatura custou 1.231 reais, segundo o dossiê. "Essa concepção detetivesca é vil. Estive no Rio a trabalho e, de fato, fiquei hospedado no Copacabana Palace. Se havia alguma irregularidade, em vez de produzir um dossiê, o governo deveria ter encaminhado o caso para o Ministério Público", afirma Nunes Ferreira.

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A nota relata que o petista Pepe Vargas quer investigar os gastos com a compra de vinhos durante o governo FHC. Coincidência: o dossiê fala de vinhos

Em entrevista a VEJA, o ex-presidente Fernando Henrique disse que já sabia que as contas de seu governo vinham sendo bisbilhotadas no Palácio do Planalto, mas que só foi informado da existência do dossiê na semana passada, ainda assim por comentários de alguns aliados. "Isso é um absurdo. É uma chantagem feita a partir do Palácio do Planalto. Uma tentativa de intimidar e de desmoralizar que eu nunca vi em um regime democrático", afirma Fernando Henrique. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, também se mostrou indignado com a produção do dossiê oficial. "Informações sobre as contas do governo passado circulavam no Congresso na base da fumaça. Era uma coisa nojenta, chantagista, mas nunca imaginamos que chegariam ao ponto de produzir um dossiê com base em dados que o próprio governo considera secretos", diz Virgílio. Em nota, a Casa Civil informa que os gastos da Presidência são sistematicamente auditados pela Secretaria de Controle Interno e que as eventuais irregularidades são sanadas e encaminhadas ao Tribunal de Contas da União.


Nabor Goulart/AE
Dilma Rousseff, da Casa Civil, informou que os gastos da Presidência são auditados, inclusive os do governo passado

A produção de dossiês para intimidar e chantagear adversários políticos não é uma novidade na política brasileira, muito menos em sua fração petista. Na última eleição presidencial, um membro do comitê de campanha do presidente Lula foi preso tentando comprar um dossiê fajuto com o qual o PT pretendia constranger José Serra, então candidato à Presidência da República. Ninguém foi punido até hoje, mas a investigação revelou que a trama foi planejada e executada com o conhecimento, a participação e o aval da cúpula de campanha do presidente Lula. No topo da cadeia de comando estava o presidente do PT, Ricardo Berzoini, que chegou a ser afastado do cargo, mas nem sequer foi indiciado pela polícia. Na ocasião, o presidente Lula reprovou a ação dos companheiros publicamente, chamando-os de "aloprados". O dossiê dos gastos guarda uma série de semelhanças com a armação da campanha eleitoral, mas tem uma grande diferença: a ação de 2006 foi executada por pessoas próximas ao presidente. A de agora foi produzida dentro do Palácio do Planalto. O que os aloprados de hoje não entendem é que, por uma questão de simetria político-jurídica, a divulgação dos gastos secretos do então presidente Fernando Henrique Cardoso implica necessariamente a divulgação dos gastos secretos do atual presidente, Lula. Popularmente, isso tem um nome: tiro pela culatra.


Dida Sampaio/AE
Lula Marques/Folha Imagem
Ricardo Berzoini chefiava a campanha de Lula quando seus subordinados foram presos comprando um dossiê contra José Serra Hamilton Lacerda, um dos "aloprados", foi filmado carregando uma mala de dinheiro, mas ainda assim negou seu envolvimento


Celso Junior/AE
Dida Sampaio/AE
Gedimar Passos foi preso com dólares e reais para comprar o dossiê contra os tucanos: ele envolveu o Planalto e, depois, disse que foi coagido Jorge Lorenzetti, conhecido como o churrasqueiro do presidente Lula, era um dos coordenadores da campanha e também da operação de 2006

15.3.08

Terror premiado

Vítima da guerrilha recebe um terço do que o governo paga ao terrorista que o mutilou


Alexandre Oltramari

Robson Fernandjes/AE
Lovecchio Filho perdeu a perna com a explosão: "Só quero justiça"

O Brasil continua vivendo o paradoxo de premiar quem deveria ser punido e punir quem deveria ser premiado. Em 1968, Orlando Lovecchio Filho, então com 22 anos, foi vítima de um ato terrorista. Uma bomba detonada por militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), um grupo terrorista de esquerda, dilacerou uma de suas pernas, que teve de ser amputada. A ação tinha como alvo o consulado americano em São Paulo. Mutilado, Lovecchio, a vítima, teve de abandonar o sonho de se tornar piloto comercial e, há quatro anos, passou a receber do INSS uma pensão por invalidez no valor de 571 reais. Na semana passada, o colunista Elio Gaspari, dos jornais O Globo e Folha de S.Paulo, revelou que o destino, ou melhor, o estado brasileiro foi bem mais generoso com um outro personagem da história. Diógenes Carvalho Oliveira, o autor do atentado, recebeu do governo federal a confirmação de sua aposentadoria como vítima da repressão durante o governo militar. Além de uma pensão vitalícia de 1 627 reais, Diógenes vai embolsar 400 000 reais referentes a pagamentos atrasados. Um prêmio, sem dúvida, ao absurdo.

Depois do atentado, Diógenes ainda participou de cursos de treinamento em explosivos em Cuba, atacou quartéis do Exército e esteve envolvido na execução de um americano considerado suspeito. Preso, ele foi torturado pelos agentes do governo e, depois, libertado em troca do cônsul do Japão em São Paulo, que havia sido seqüestrado pela guerrilha. O terrorista fugiu para o México, viveu na Europa e passou três anos na África. De volta ao Brasil, foi filiado ao PT até sua voz aparecer em uma gravação na qual pedia ao chefe da polícia do Rio Grande do Sul que aliviasse a repressão aos bicheiros gaúchos. Desde 2002, existe uma lei que garante aos anistiados políticos uma reparação financeira por eventuais danos ou abusos cometidos pela ditadura militar. Por mais absurdo que isso possa parecer, portanto, a indenização paga pelo governo a Diógenes Oliveira, o terrorista que matou e mutilou um inocente, é perfeitamente legal, embora possa ser considerada injusta.

Zero Hora
Diógenes Oliveira, autor do atentado terrorista: a lei nem sempre é justa

Lovecchio Filho, a vítima que foi mutilada, teve de abandonar o curso de piloto, estudou administração, montou uma empresa e faliu quando Fernando Collor confiscou a poupança. Hoje, separado e pai de um filho, trabalha como corretor de imóveis no litoral paulista. Ao saber do prêmio dado ao terrorista, ele apenas lamentou e disse que já escreveu três cartas ao presidente Lula para pedir que seja criada uma lei que garanta os mesmos benefícios às vítimas da guerrilha. "Não quero vantagem nenhuma. Só igualdade e justiça", diz ele. As cartas nunca foram respondidas.

1.3.08

A caixa-preta dos comunistas

Principal programa social do Ministério do Esporte, o Segundo Tempo é alvo de denúncias de desvio de dinheiro através de ONGs ligadas ao PCdoB


Ricardo Brito


Fabio Motta/AE e Claudio/Zero Hora
O ministro Orlando Silva e as crianças atendidas pelo Segundo Tempo: ONGs escolhidas sem critério, alunos-fantasma e até monitor acusado de pedofilia

O Ministério do Esporte coordena um dos programas mais bem-intencionados do governo Lula. Nos últimos cinco anos, 439 milhões de reais foram investidos no Segundo Tempo – um projeto que busca tirar das ruas crianças e jovens em situação de risco, oferecendo atividades esportivas e alimentação. Oficialmente, o programa atende 1 milhão de pessoas em todos os estados. Para implementar as ações e garantir a execução do projeto, o ministério selecionou 200 entidades filantrópicas sem fins lucrativos, as conhecidas organizações não-governamentais (ONGs). Uma bela parceria entre setores da sociedade, se a esperteza política e os aproveitadores de sempre não se unissem à empreitada. O resultado é que, além dos jovens, o programa Segundo Tempo tem ajudado também comunistas e amigos do PCdoB, o partido que comanda o Ministério do Esporte, a encher os bolsos de dinheiro. Sem controle ou nenhuma fiscalização, ONGs escolhidas a dedo receberam repasses milionários, simularam a criação de núcleos de treinamento, registraram alunos-fantasma, fraudaram as prestações de contas e surrupiaram parte dos recursos que deveriam ajudar crianças carentes.

VEJA teve acesso ao resultado de uma investigação realizada pela polícia de Brasília, e encaminhada à CPI das ONGs, no Senado, sobre a atuação de algumas entidades que receberam milhões para executar o Segundo Tempo. É uma amostra singular da farra em que se transformaram as chamadas parcerias do governo com o terceiro setor. O Ministério Público também investiga casos de entidades que receberam recursos e nem sequer existiam. Outras usavam falsos cadastros de alunos para fazer de conta que realizavam o trabalho. Apenas quatro entidades da periferia de Brasília – Associação João Dias de Kung Fu, Federação Brasiliense de Kung Fu, Associação dos Funcionários do Ceub e Associação Gomes de Matos – receberam 4,7 milhões de reais do Ministério do Esporte. Depoimentos colhidos de funcionários e ex-funcionários mostram como o dinheiro era desviado. Os donos das ONGs orientavam seus monitores a percorrer escolas públicas e colher assinaturas de estudantes para simular uma lista de freqüência nos cursos que não existiam. Recebiam o dinheiro, com--pravam notas fiscais frias para justificar as despesas e embolsavam a diferença – quase tudo. Além das histórias de fraude em comum, há mais um detalhe curioso que une as ONGs selecionadas pelo Ministério do Esporte em Brasília: elas são comandadas por pessoas ligadas ao PCdoB ou a militantes do partido. Coincidência? Talvez, mas improvável.


Antonio Cruz e U Marcelino/BG Press
O ex-ministro Agnelo Queiroz (à dir.) e o senador Inácio Arruda: camaradagem com as ONGs amigas e dificuldade para investigar

A suspeita é que uma parte do dinheiro desviado pelas ONGs, além de enriquecer alguns, ainda seja usada para abastecer campanhas políticas dos comunistas. Em Brasília, para onde foram destinados 71 milhões de reais do Segundo Tempo, donos de entidades se converteram ao comunismo depois de assinar os convênios com o ministério e alguns até disputaram eleições representando o PCdoB. Não por coincidência, logo no início, quando começaram as fraudes, o ministro encarregado do programa era Agnelo Queiroz, do PCdoB, que tem a capital como base eleitoral. As ONGs brasilienses, à época, receberam mais dinheiro que quaisquer outras no Brasil, apesar de a cidade registrar indicadores sociais invejáveis. Agnelo deixou o ministério para concorrer a uma vaga no Senado, sempre contando com o apoio camarada dos donos das ONGs milionárias. Em 2006, o ministro não foi eleito, e em seu lugar assumiu Orlando Silva, também do PCdoB, que redistribuiu os recursos, dessa vez privilegiando São Paulo, talvez por coincidência sua base eleitoral.

Orlando Silva admite que não havia critérios objetivos para escolher as ONGs e que também eram frágeis os mecanismos de controle sobre a destinação dos recursos e a execução do programa. A falta de fiscalização provocou situações absurdas, como a contratação de um acusado de pedofilia como monitor de crianças na periferia de Brasília. "Não podemos criminalizar as ONGs. Só que, para segurança do estado, é melhor firmar parcerias com os governos e estamos fazendo isso", explica o ministro. O problema é que uma boa parte dos recursos públicos destinados às crianças do Segundo Tempo já foi expropriada, o Ministério do Esporte não tem a mínima idéia de onde foi parar o dinheiro e, ao que parece, também não tem muita disposição em descobrir. Até agora, apenas uma denúncia que se tornou pública foi encaminhada à Controladoria-Geral da União para apuração. Membros da CPI das ONGs reclamam que, além da má vontade do ministério, há enorme dificuldade em investigar o programa Segundo Tempo no Congresso. "O senador Inácio Arruda, relator da comissão, foi indicado ao cargo para blindar os comunistas", diz o senador Alvaro Dias, do PSDB. Inácio Arruda, do PCdoB do Ceará, rebate: "É um escárnio. Não vou nem comentar".