30.10.09

Então, fecha, presidente!

por Lúcio Vaz - Correio Brasiliense

O debate sobre o papel do Tribunal de Contas da União foi lançado pela Associação Nacional das Empreiteiras e parece ter se tornado uma obsessão do presidente Lula. Ambos não gostam do TCU. Não aceitam a paralisação de obras apenas porque há indícios de superfaturamento, fraude, conluio em licitações, desvio de recursos públicos. Na última ofensiva, o presidente fez algumas colocações que merecem reparos. Disse que, às vezes, “uma pessoa nos confins de um estado qualquer tem mais poder que um presidente da República. Às vezes é uma pessoa de quarto escalão”, discursou. Primeiro, por que “um estado qualquer”? Há algum estado melhor do que os outros? Segundo, quem decide a paralisação de uma obra é o plenário do TCU.

Terceiro, não é demérito para um servidor ser de quarto escalão. E as decisões técnicas são tomadas com base em pareceres técnicos, elaborados por alguém que está lá, nos confins de um dos estados da nação, por mais longínquo e pobre que seja. A outra opção seria uma decisão política, tomada nos gabinetes de Brasília, muitas vezes ao sabor de interesses eleitorais, sem considerar as questões técnicas.

Outro dia, o ministro Paulo Bernardo falou da criação de “auditorias externas, independentes”. Agora, o presidente fala na criação de uma “câmara de nível superior, inatacável, para decidir”. Não seria melhor fechar o TCU, presidente? Afinal, por que manter um órgão tão caro se ele é considerado desnecessário ou inadequado? Mas ocorre que o tribunal apenas recomenda. Quem aprova a paralisação é o Congresso. Seria, então, o caso de fechar o Congresso? O amigo Chávez poderia dar a receita de como fazer a coisa de forma que parecesse democrática, constitucional, pelo menos aos olhos da esquerda brasileira.

O presidente Lula usa como argumentos histórias que envolvem machadinhas e pererecas. Vamos aos fatos. Nos últimos cinco anos, tivemos as operações Sanguessugas, Navalha, Castelo de Areia. Quadrilhas organizadas para saquear os cofres públicos. Em 2006, a Gautama tinha nove obras paralisadas pelo TCU, por indícios de fraudes. Ainda assim, Lula incluiu numa medida provisória a liberação de R$ 70 milhões para nova obra da empresa. No ano seguinte, a Operação Navalha confirmou as fraudes. A Controladoria-Geral da República (CGU) declarou a inidoneidade da empreiteira. O TCU tem falhas, comete erros, mas muito pior seria sem ele.

PT já lança portal para 2010 com custo de R$ 600 mil

O presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini (SP), e o secretário de Comunicação, Gleber Naime, divulgaram ontem o novo sistema de comunicação do partido na internet, um portal que integra o site, uma TV web e uma rádio web, com equipamentos de última geração, a um custo inicial de R$ 600 mil. O portal do PT, com custo mensal de manutenção estimado em R$ 60 mil, terá uma programação dirigida à militância petista. A ideia é fazer debates e encontros com dirigentes do partido e ministros, inclusive a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata petista à Presidência.

Ao lançar o novo portal, ontem à noite, na sede do PT em Brasília, o tesoureiro do partido, Paulo Ferreira, disse que a previsão de custo da campanha nacional de Dilma ficará acima de R$ 190 milhões. Ele levou em conta o valor das três contas — comitê, candidato e diretório — de 2006. Ferreira disse não acreditar em grandes doações pela internet, uma novidade da legislação eleitoral: — As contas da campanha nacional a presidente ficarão acima dos R$ 190 milhões

Tesoureiro: arrecadação via web esbarra na legislação

O tesoureiro disse que, mesmo com as novas regras de captação de doações pela internet, não deve se repetir no Brasil o “case Obama”, ou seja, o fenômeno de arrecadação via web.

— A legislação cria uma dificuldade, já que a doação via internet exige que, para efeito de prestação de contas, o partido vá atrás do doador para lhe dar um recibo. Isso vai dificultar para todos os partidos, a não ser que o TSE, na regulamentação, permita na prestação de contas o simples documento bancário com CPF do doador — disse Ferreira, informando que, na campanha de 2006, as doações por meio eletrônico significaram “ridículos” 2%.

O novo esquema de comunicação do PT, mais direcionado para a militância, vai estrear dia 6 de novembro, com a cobertura do encontro de prefeitos do partido em Guarulhos.

Mas o grande teste da rádio e TV web será a cobertura do Processo de Eleição Direta (PED), para escolha do novo diretório, com um debate entre os candidatos em 22 de novembro.

— A ideia era fazer uma reformulação e ampliação do sistema de comunicação via rádio e TV, buscando outras formas de interação com a militância.

O mais viável economicamente foi via internet — explicou Berzoini.

Para a construção do novo portal, foram contratadas quatro empresas especializadas no setor. A rádio terá programação de música ao vivo e noticiário. O Globo

26.10.09

Os "Judas" da caravana da ministra

Dilma Rousseff busca apoio político para sua candidatura à Presidência da República em partidos envolvidos em escândalos, como o PMDB, o PR e o PP


Otávio Cabral

Celso Junior/AE e Andre Dusek/AE
PÚBLICO, MAS ESCONDIDO
Dilma, no alto do palanque em Belo Horizonte, quer a companhia
de peemedebistas, como os senadores Renan Calheiros e José Sarney
(acima), mas, por enquanto, sem fotos para não prejudicar sua imagem

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No evangelho político do presidente Lula, se Judas Iscariotes, o apóstolo traidor, fosse brasileiro, Jesus Cristo teria de fazer com ele uma aliança tática para governar. A analogia é estranha, mas deriva de uma receita testada nos últimos anos pelo próprio presidente. Para garantir uma maioria folgada no Congresso, Lula lançou-se nos braços dos fariseus históricos da política brasileira. Dá-lhes cargos, verbas e visibilidade. Em troca, recebe apoio e proteção. Apesar dos escândalos que fraternidades assim estão fadadas a produzir – e já produziram aos borbotões –, os altíssimos índices de popularidade do governo sustentam a convicção oficial de que esse é o caminho certo, o modelo mais apropriado para viabilizar ambiciosos projetos de poder. A ministra Dilma Rousseff, a candidata do governo à sucessão de Lula, já assimilou os ensinamentos do mestre. Nas últimas semanas, ela selou pactos de fidelidade com alguns partidos, entre os quais o PMDB de José Sarney, Renan Calheiros e Jader Barbalho, o PR do mensaleiro Valdemar Costa Neto e do deputado Edmar Moreira, o homem do castelo, e o PP de Paulo Maluf.

A um ano da eleição, Dilma Rousseff já conta com a promessa de apoio de seis partidos à sua candidatura, além do PT. Esse arco de alianças, se confirmado, vai garantir um tempo maior na propaganda eleitoral na televisão, um ponto considerado de fundamental importância dentro da estratégia oficial de tentar transferir a popularidade do presidente Lula à ministra e, assim, tornar sua candidatura competitiva. A operação, porém, está sujeita a alguns riscos reais. Dilma quer ser conhecida como herdeira e âncora da continuidade do governo do presidente Lula, mas apenas na parte bem avaliada pela população, como a execução de obras, a estabilidade econômica, os programas sociais. Corrupção, desvios de dinheiro, escândalos monumentais no Congresso? Não, a candidata, assim como o presidente Lula, não participou nem sabia de nada. O problema é que a ministra não pode alegar, hoje, que desconhece que o ex-presidente do PR, o deputado Valdemar Costa Neto, é apontado em processo no Supremo Tribunal Federal como um dos preeminentes representantes dos mensaleiros, aquele grupo de parlamentares que recebiam propina para apoiar o governo no Congresso. Há duas semanas, Dilma esteve em um jantar oferecido a ela pelo PR. Ciceroneada por Costa Neto, ela discursou e disse que o PR e o PT continuarão juntos.

O encontro com as lideranças do PR ocorreu em uma casa de festas de Brasília chamada Oásis. Embora se tratasse de um evento político, previamente divulgado, não foram autorizadas imagens. Ao perceber que na lista de convidados havia, além de Costa Neto, o deputado Edmar Moreira, o dono do castelo, que recentemente foi investigado por quebra de decoro parlamentar, e o ex-governador do Rio Anthony Garotinho, não menos polêmico, a assessoria da ministra proibiu a entrada de jornalistas. A explicação de um de seus auxiliares: "Uma foto da Dilma com esse pessoal seria destruidora. No auge da campanha, todos terão aliados indesejáveis, mas agora o ônus seria todo nosso". O mesmo cuidado foi tomado na última terça-feira, dessa vez em um jantar no Palácio da Alvorada que reuniu Lula, Dilma e as cúpulas do PT e do PMDB. No encontro, ficou definido que os peemedebistas indicarão o vice de Dilma, terão um dos coordenadores do programa de governo e o direito de usar a imagem de Lula em seus palanques estaduais. Nem os fotógrafos oficiais da Presidência registraram imagens da ceia – a primeira – a que estavam presentes José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá, que dividiram com Lula e Dilma garrafas de vinho tinto e pratos de costela de tambaqui e de filé ao molho de cogumelos.

Wilson Pedrosa/AE

DE INIMIGO A ALIADO
Maluf agora está ao lado de Lula e do PT


"É como um casamento de conveniência. O PMDB tem um dote enorme, que é seu tempo de TV e sua força nos estados. Mas tem defeitos constrangedores que não podem ser mostrados para as famílias e para os amigos", explica um dirigente petista, com uma honestidade que só é possível obter sob compromisso de seu anonimato. Dilma ainda terá de evitar fotos com outros aliados publicamente indesejáveis. Nesta semana, a ministra jantará com a bancada do PP, que tem como um de seus ícones ninguém menos do que o ex-governador Paulo Maluf. Ela também espera obter o compromisso de ter em seu palanque o PDT de Paulinho da Força Sindical e o PRB da Igreja Universal e suas arcas de dinheiro. Foi essa composição político-policial-eleitoral precipitada (veja o quadro abaixo) que o presidente tentou explicar na semana passada em uma entrevista ao jornal Folha de S.Pau-lo: "Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão". O modelo brasileiro poderia até induzir Jesus Cristo a governar com Judas – e uma das razões é que o presidente Lula está há quase sete anos no poder e nada fez para mudá-lo. Ao contrário, aproveita-se e utiliza-o da maneira mais conveniente possível.

Sérgio Lima/Folha Imagem

MENSALEIRO
Dilma fechou acordo com o PR de Valdemar Costa Neto


Até parece campanha

Sérgio Castro/AE

LULA EM AÇÃO
Como a lei é omissa, basta não pedir voto nem anunciar
a candidatura da ministra


A agenda da ministra Dilma Rousseff está, a cada dia que passa, perdendo mais espaço para a agenda da candidata Dilma Rousseff. Na última segunda-feira, Dilma foi a Araraquara, em São Paulo, onde inaugurou um estádio de futebol. No dia seguinte, Lula e Dilma se reuniram no Palácio da Alvorada, em Brasília, com a cúpula do PT e do PMDB para fechar um acordo eleitoral. Na quarta, compareceram a dois eventos políticos em Minas. Havia também toda uma programação de visita a obras pelo interior do estado, cancelada na última hora devido à chuva. Na semana anterior, Lula e Dilma passaram três dias em uma caravana pelo Rio São Francisco. No roteiro não faltaram comícios, provocações a adversários, alusões à disputa presidencial de 2010, faixas, cartazes, fotos, promessas, beijinhos, alianças – enfim, todos os ingredientes naturais de uma campanha eleitoral. Mas, segundo se apressaram em explicar os assessores do governo, apesar de parecer, nada disso é campanha, até porque, se fosse, seria ilegal – e o presidente da República deve dar o exemplo. O que está acontecendo é mera rotina de governo. No máximo, uma pré-campanha.

O presidente Lula não esconde que Dilma Rousseff é a candidata oficial à sua sucessão e se aproveita de uma omissão legal para torná-la conhecida entre os eleitores. De acordo com a lei, a campanha começa apenas seis meses antes do pleito. Como não existem candidatos registrados e ninguém está pedindo voto, ao menos diretamente, a conclusão é óbvia: não há como caracterizar campanha e, portanto, não se pode falar em irregularidade. "A legislação tem uma brecha, uma zona cinzenta, que beneficia naturalmente quem está no poder. A pré-campanha deveria ter uma regulamentação efetiva", diz o advogado Eduardo Nobre, especialista em direito eleitoral. Graças a essas brechas, Lula já escapou de três representações protocoladas no Tribunal Superior Eleitoral e usa as decisões como um salvo-conduto para legitimar o que se convencionou chamar de "pré-campanha". As andanças de Lula e Dilma Rousseff Brasil afora são movimentos políticos que miram as eleições presidenciais do ano que vem. "Estão testando a Justiça Eleitoral. Não se tinha visto até então a ministra Dilma fiscalizar obras", disse o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. "O conjunto indica o benefício eleitoral dos atos do governo. Há motivos de sobra para apurar um eventual abuso de poder político", afirma Eduardo Nobre.

"Pra quebrar tudo é mais caro"

De olho no dinheiro do imposto sindical, centrais de trabalhadores contratam capangas armados a 180 reais por cabeça para invadir territórios rivais e "roubar" filiados umas das outras


Laura Diniz

NA BASE DA PANCADARIA
Para impedirem a criação de sindicatos "concorrentes" na cidade de Osasco (SP), capangas alugados
pela CUT enfrentam homens contratados pela Nova Central: teve pancadaria, coquetéis molotov,
portões arrancados e cadeiras voando



Poucos negócios no Brasil são tão lucrativos quanto montar um sindicato. Sim, você leu direito. Na república sindical instalada no Brasil pelo governo petista, conseguir representar uma categoria de trabalhadores virou excelente negócio. Mas não um negócio qualquer. Para começar, o sindicato tem monopólio local garantido por lei. Essa categoria é minha e ninguém tasca! A segunda característica desse ramo especialíssimo de negócio é o fato de que o dinheiro cai no caixa automaticamente, sem que seja preciso mexer uma palha. As contribuições, para filiados ou não, são compulsórias. Delas, dos impostos e da morte, ninguém escapa. Uma terceira faceta do negócio é ainda mais atraente. A lei garante a inviolabilidade de suas finanças. Isso significa que os sindicatos estão dispensados de prestar contas sobre como gastam o dinheiro arrecadado compulsoriamente. Quando se somam essas facilidades todas, fica evidente que os sindicalistas chegaram não apenas ao Planalto, mas ao paraíso. Digamos que, mesmo em um ambiente favorável assim, um dirigente sindical brasileiro sinta-se insatisfeito. Sem problema. Passa pela direção de um sindicato o caminho mais curto para conseguir a nomeação para algum alto posto no governo federal em Brasília, que tem 12% dos cargos de confiança ocupados por pessoas ligadas às centrais sindicais.

Mas – e sempre tem um mas – um negócio desses, garantido e lucrativo, é muito disputado. Como se verá nesta reportagem, disputado a pau e pedra. Para evitarem que um sindicato "roube" o monopólio de filiação de outro, lideranças desenvolveram uma estratégia previsível quando se trabalha fora do alcance da lei. Estão contratando capangas armados para, na base do quebra-quebra e da pancadaria, impedir a realização de assembleias de fundação de sindicatos potencialmente concorrentes. Em São Paulo, desde o ano passado, já foram registradas dezenas de confrontos do tipo, alguns envolvendo até 300 homens de cada lado – pois a parte ameaçada reage com a mesma moeda e sai a contratar arruaceiros. Desarmado, cada um custa 130 reais; armado, sai por 180 reais – ou 250 reais caso seja policial. "Agora, se for pra quebrar tudo, fica mais caro", disse a VEJA o chefe de um dos mais ativos serviços de milícia de aluguel de São Paulo. Ele garante ter trabalhado para três das seis principais centrais sindicais do país.

O gangsterismo sindical, agora em sua versão explícita, começou com uma mudança legal ocorrida no ano passado. No Brasil, desde o governo Getúlio Vargas, vigora o sistema de unicidade sindical, que permite a existência de apenas um sindicato por categoria em determinada região. Uma portaria do governo, porém, passou a admitir a abertura de entidades "concorrentes" em uma mesma região desde que a sede da mais nova não fique no mesmo local que a sede da mais antiga. Imagine-se o Sindicato dos Garçons, com sede na cidade de São Paulo e atuação em toda a Grande São Paulo. Ele era o único autorizado a representar os profissionais da região. Hoje, com as atuais regras, qualquer um pode montar o, digamos, Sindicato dos Garçons do B, desde que a sua base fique, por exemplo, em Santo André – onde a primeira entidade não mais poderá atuar. Do ponto de vista do modelo sindical, a mudança não significa nenhum avanço. Ela é apenas a fragmentação de um monopólio. Os garçons brasileiros – ao contrário dos seus colegas americanos ou da maior parte dos europeus – continuam sem ter o direito de decidir se querem ou não contribuir com os seus sindicatos e também sem poder escolher qual a entidade que vai representá-los. O fato de a "contribuição" ser compulsória garante que o dinheiro seja entregue ao sindicato que fica na região em que o contribuinte trabalha. Já do ponto de vista prático, deu no que deu.

No mês passado, para fundar mais dois sindicatos na cidade de Bertioga (litoral de São Paulo), a CUT levou 400 "seguranças", como o secretário de organização da entidade, Jacy Afonso de Melo, prefere chamar os capangas de aluguel. "Dona" do pedaço, a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário do Estado de São Paulo (Feticom) recepcionou a CUT com 600 homens, prontos para impedir a realização das assembleias ("Metade era trabalhador, metade a gente pagou", admite o presidente da Feticom, Emílio Alves Ferreira Júnior). O embate só não aconteceu porque, na última hora, os líderes dos dois lados decidiram sentar-se para lotear entre si as cidades que permaneceriam sob a esfera de influência de cada um. Já o desfecho do embate ocorrido em 31 de julho, em Osasco, entre a mesma CUT e a Nova Central foi menos diplomático. A disputa para abocanhar as "contribuições" de trabalhadores do setor de bares e restaurantes envolveu 300 cavalheiros, muitos sopapos, coquetéis molotov e cadeiras voando pelos ares. "Estamos vivendo numa anarquia sindical. E a razão é que o movimento está sendo dirigido por interesses financeiros e pessoais", diz Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT).

A CUT e a Força Sindical, as duas maiores centrais do país, perderam território para as novas entidades, criadas por lideranças de olho na reestruturação da divisão do imposto sindical sacramentada pelo presidente Lula no ano passado. A mudança agraciou as centrais com 10% do imposto arrecadado pelos sindicatos, porcentagem que antes ficava para o governo. Foi um presentão do "paizão" Lula – como, na ocasião, se referiu ao presidente da República um sindicalista. O "presentão do paizão" foi comemorado em grande estilo. Dirigentes de classe organizaram um festão no Congresso, com vinho e uísque 12 anos rolando solto.

Fotos Roberto Stuckert Filho e José Cruz /ABR

"PRESENTÃO DO PAIZÃO"
Dirigentes de centrais sindicais comemoram com uísque a lei, apoiada por Lula (acima, conversando
com o sindicalista e então ministro Luiz Marinho
), que transfere para os cofres das entidades 10%
do imposto sindical


Não foi o único mimo ofertado por Lula aos companheiros sindicalistas. Em março de 2008, ele vetou um dispositivo que autorizava o Tribunal de Contas da União (TCU) a fiscalizar as contas dos sindicatos – inescrutáveis desde a Constituição de 1988, que pretendeu, dessa forma, proteger as organizações de interferências do poder público. "Esse veto é inacreditável. É a primeira vez em que alguém diz que dinheiro público não precisa ser auditado. Nem o Banco Central tem essa autonomia", afirma o sociólogo José Pastore. Nas poucas vezes em que um órgão logrou escarafunchar a caixa-preta das entidades, como o TCU em 2003, os resultados foram alarmantes. Dos 137 milhões de reais em verbas federais destinadas a centrais sindicais pelo Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor), ninguém soube dizer onde foram parar 30,6 milhões. A auditoria do TCU só foi possível porque o dinheiro investigado não provinha do imposto sindical, mas de verbas federais. A apuração do TCU inspirou o governo de São Paulo a investigar com lupa os contratos e convênios firmados com sindicatos usando dinheiro do Planfor. Até agora, foram analisados 206 dos 876 contratos firmados de 1999 a 2006. Todos mostraram algum tipo de irregularidade, formal ou envolvendo de notas frias a listas de alunos-fantasma.

"O modelo sindical brasileiro reúne as três piores características possíveis. Primeiro a unicidade sindical, seguida do sustento das entidades por contribuição compulsória e, claro, a blindagem contra fiscalização", afirma Otávio Pinto e Silva, professor de direito da USP. Mesmo com seu figurino fora de moda, o sindicalismo nacional ganha cada vez mais espaço e dinheiro – o que, mais uma vez, coloca o Brasil na contramão da história. Para o sociólogo Leôncio Martins, as entidades de classe estão em franco declínio. "A mobilidade do capital internacional, a flexibilização da produção e a maior heterogeneidade da força de trabalho, resultado do crescimento da mão de obra imigrante, são alguns dos fatores que apontam para isso", diz. Mas no Brasil, ao menos por enquanto, os dirigentes não precisam se preocupar, já que têm o sustento garantido por um governo "companheiro". Na Argentina, Juan Domingo Perón inundou os sindicatos de dinheiro e, em troca, pôde usá-los como armas de auxílio direto para a sua sustentação na Presidência. No Brasil, os sindicatos já deram incontáveis provas de lealdade ao governo do qual dependem. Assumiram uma atitude de contemplação bovina diante de questões antes explosivas, como o salário mínimo e o desemprego. Mas o maior favor prestado ao "governo companheiro" é o ensurdecedor silêncio que os sindicatos dedicam aos escândalos da administração petista. Lula, o "paizão", tem retribuído à altura – fingindo ignorar que seus "filhos" agem como gângsteres na luta para manter os lucrativos territórios.

23.10.09

Lula e o TCU!

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva elevou nesta sexta-feira o tom das críticas contra a paralisação de obras por ordem da Justiça e do Tribunal de Contas da União (TCU). Ele afirmou que o país está travado, disse que é difícil governar com a máquina de fiscalização e ameaçou divulgar uma "lista de absurdos" com a relação de obras que teriam sido interrompidas sem motivo.O

-O Brasil está travado. Não é fácil governar um país, um estado ou uma cidade com a poderosa máquina de fiscalização e a pequena máquina de execução que nós temos. Estou tentando fazer uma relação dos absurdos. As pessoas não têm dimensão do que significa a paralisação de obras neste país - afirmou Lula, ao dar posse ao novo chefe da Advocacia-Geral da União, Luis Inácio Adams , que assume no lugar de José Dias Toffoli, com posse marcada
também para esta sexta como ministro do Supremo Tribunal Federal.

Lula: burocratas de quarto escalão têm mais poder que o presidente

Lula disse que os órgãos fiscalizadores estão acima da lei e que burocratas de quarto escalão teriam mais poder que o presidente para interromper obras importantes.

- Quem dá ordem para executar está submetido a todas as leis e quem dá ordem para parar não está a nenhuma. E se parte do pressuposto de que todo mundo é desonesto, até que prove o contrário - acusou.

O presidente disse ainda que pretende "harmonizar" a relação entre governo e órgãos de fiscalização antes de encerrar seu mandato, em dezembro de 2010:

- Com que direito alguém para uma obra por nove meses? Quantos milhões nós deixamos de ganhar com aquela obra parada? Hoje, uma pessoa lá nos confins de um estado qualquer tem mais poder que o presidente da República, muitas vezes uma pessoa de quarto escalão - afirmou Lula.


- Com esse negócio de um remar para a frente e cinco para trás, a gente nunca vai ganhar a medalha de ouro para o desenvolvimento e a economia do país - completou. O Globo

Imperador Obama fica nu ao despir rede Fox

por Caio Blinder, de Nova York

O governo Obama tem todo o direito de detestar a rede Fox de televisão. O sentimento é mútuo e no geral esta emissora conservadora é extremamente partidária e distorce o seu noticiário.Mas é censurável a decisão da Casa Branca de declarar guerra aberta contra a Fox, acusando a emissora de ser um braço de propaganda do Partido Republicano e assumindo seu propósito de isolá-la ao não conferir acesso a notícias do Executivo.

Em primeiro lugar, o Poder Executivo em uma sociedade democrática não deve intimidar seus inimigos na imprensa. Pode criticar, questionar ou mesmo ridicularizar abordagens absurdas e panfletárias como tratar o presidente Obama como camarada de terroristas, empenhado em criar uma sociedade totalitária ou ser antiamericano.

A campanha de Obama na verdade dá legitimidade a algumas acusações da Fox. Por esta razão, esta guerra aberta deve ser recebida não apenas com indignação, mas com perplexidade. O que o governo ganha com esta briga? Um motivo óbvio é mobilizar a base liberal desencantada com Obama, alvejando de forma preferencial um oponente que realmente irrita os não conservadores. Mas a Fox não está tão irritada assim com a campanha do governo. Pelo contrário. Ela cresce na guerra, não só na audiência, mas na convicção de que sua causa é justa. Já o governo fica menor.

Repito que o governo Obama tem o direito de detestar a Fox, mas é inadmissível sua exigência que todo mundo, em particular o resto da imprensa, deteste e boicote a emissora conservadora. Neste capítulo falta indignação de jornalistas, mesmo daqueles mais liberais ou simpáticos ao governo. Afinal não cabe ao Poder Executivo ditar regras de comportamento ao Quarto Poder. Basta ver que logo após os atentados de 11 de setembro de 2001 e em meio a uma febre patriótica, Ari Fleischer, o então assessor de imprensa da Casa Branca do republicano George W. Bush disse que pessoas "deveriam tomar mais cuidado" sobre o que falavam sobre o governo e o país. Houve um furor na imprensa contra este tipo de intimidação.

No entanto, o mesmo furor não acontece agora. É uma pena, pois, desde os tempos em que Richard Nixon conspirou com sua "lista de inimigos", uma Casa Branca não recorria com tanto empenho à sua influência para remover a legitimidade de uma organizaçao de mídia crítica do governo.

A Fox pode exagerar, distorcer e criar uma realidade alternativa para os seus fiéis espectadores, mas em um universo jornalístico em que Obama é tão adulado (já foi mais) é sempre saudável ter um setor da imprensa lembrando que o presidente imperial está nu. Deve ser assim em qualquer república democrática.

21.10.09

Dilma: Dirceu é uma pessoa injustiçada!

A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, negou nesta terça-feira a existência do mensalão - escândalo que abalou o governo Lula em 2005- e disse que o ex-ministro José Dirceu é uma pessoa injustiçada. Dirceu teve o mandato de deputado cassado pela Câmara em novembro daquele ano, sob acusação de ser o mentor do mensalão - suposto esquema de pagamento de propina a parlamentares pelo governo. Dilma prestou depoimento nesta terça à juíza Pollyana Kelly Martins Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, como testemunha de defesa do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson (RJ), que também teve o mandato cassado, e do ex-deputado José Janene (PP-PR).

- Acho o ex-ministro José Dirceu uma pessoa injustiçada. Tenho grande respeito por ele - disse Dilma, em resposta a uma pergunta do advogado de Dirceu, José Luiz Oliveira Lima.

Dilma disse não ter conhecimento da atuação de Dirceu na administração de assuntos internos do PT nem na negociação do crédito consignado com instituições financeiras, quando era ministro da Casa Civil. O depoimento durou uma hora e foi realizado no Centro Cultural Banco do Brasil, onde está instalada provisoriamente a Presidência. Como ministra, Dilma tem a prerrogativa de marcar hora, data e local do depoimento.

A juíza está colhendo depoimentos no processo do mensalão, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), com 39 réus, incluindo Dirceu, Janene e Jefferson. Como há cerca de 650 testemunhas, o relator do processo no STF, ministro Joaquim Barbosa, delegou a oitiva para juízes de primeira instância.

Ministra diz que tomou conhecimento do mensalão pela imprensa

A ministra disse ter tomado conhecimento do mensalão pela imprensa, mas afirmou que o pagamento de qualquer vantagem financeira a parlamentares em troca de voto a favor dos projetos do Palácio do Planalto não seria aceito pelo governo.

- Só sei o que foi noticiado pelos jornais - disse.

Mais adiante, perguntada sobre o pagamento a Janene, a ministra respondeu:

- Não aconteceu, até porque era impossível acontecer aqui. Isso não seria aceito por nós. Não só em relação ao Janene, mas a quem quer que seja.

A ministra também defendeu o deputado Paulo Rocha (PT-PA) e o ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP), ambos réus no processo. O Globo

19.10.09

Relatório de CPI vê braço do MST na Câmara

Relatório da CPI das ONGs, no Senado, mapeou entidades ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que contam com representantes na Câmara a trabalhar por mais verbas para si.
O documento revela que parte delas recebeu mais recursos da União depois que seus representantes foram trabalhar para deputados.
O texto cita assessores e ex-assessores dos deputados petistas Marco Maia (RS), Assis do Couto (PR), Anselmo de Jesus (RO) e Adão Preto (RS), já morto. Suspeita-se da ocorrência de desvio de recursos públicos, bem como formação de quadrilha, diz o relatório.
A Folha apurou que o documento deu base para as quebras de sigilos de ao menos quatro entidades parceiras do MST que receberam cerca R$ 50 milhões dos cofres públicos. São elas: Anca (Associação Nacional de Cooperação Agrícola), Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil), Cepatec (Centro de Formação e Pesquisas Contestado) e Fetraf-Sul (Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul).
Os deputados localizados pela reportagem admitem que empregaram representantes das entidades. Mas negam ter ligação com o MST.
É uma afirmativa falsa dizer que há um braço do MST na Câmara. O que existe são deputados ligados a pequenos e grandes agricultores, disse Marco Maia. Durante dois anos, ele manteve um funcionário que, segundo o relatório, tinha relação com 13 entidades.
Assessores e ex-assessores do deputado Assis do Couto também foram citados no documento, que contabilizou repasses de até R$ 46 milhões para entidades representadas por eles. Desse total, R$ 38 milhões foram liberados quando trabalhavam para o deputado.
O texto diz que Couto apresentou 11 emendas no valor de R$ 4,83 milhões para ações da Concrab, da Anca e do MST, ligadas a seus funcionários. Folha

17.10.09

O talibã de Obama é... uma TV!

A Casa Branca perde a linha e parte para cima da Fox News,
a única emissora que fiscaliza o governo numa imprensa ainda
apaixonada por Obama. A TV, claro, deitou, rolou e rolará


André Petry, de Nova York

Jill Greenberg / Corbis / Latinstock
ck


"ESTE É O INIMIGO, AMÉRICA!"

Glenn Beck e, na sequência de fotos, sua sátira da Casa Branca atacando os estúdios da Fox no mapa de Nova York: prontidão no telefone vermelho


A sincronia dos acontecimentos não deixa margem a dúvida. Primeiro, o presidente Barack Obama aplicou um castigo no inimigo. Depois, tentou amansá-lo, mandando um assessor com uma conversa de lábios de mel. Também não deu certo. Aí, na semana passada, abriram-se as baterias contra o inimigo – no caso, a Fox News, o canal de notícia mais popular da TV a cabo dos Estados Unidos. O primeiro torpedo veio quando o porta-voz do governo, Robert Gibbs, disse que já viu muitas reportagens na Fox que "não são verdadeiras". Em seguida, despejando chumbo mais grosso, veio o segundo torpedo. Em entrevista à CNN, concorrente da inimiga, a chefe da assessoria de imprensa da Casa Branca, Anita Dunn, acusou a emissora de ser um "braço do Partido Republicano" e anunciou que o governo vai tratá-la do "mesmo jeito que trata um oposicionista". Foi como uma declaração oficial de guerra. Tudo porque a Fox critica, denuncia e azucrina a administração Obama dia após dia. Das grandes redes, é a única emissora da televisão americana que faz o que toda a imprensa deveria estar fazendo: fiscalizar o governo.

O troco veio na forma amarga do ridículo. O apresentador Glenn Beck, 45 anos, humorista nato, dono da audiência que mais cresce no país, deitou e rolou. Na segunda-feira, abriu seu programa na Fox com um mapa de Nova York, marcou o local do edifício da emissora, cercou-o com aviões e tanques militares de plástico e esbravejou: "Este é o inimigo, América! Tudo o que está errado no país acontece bem aqui!". No dia seguinte, instalou no estúdio um telefone vermelho para que a Casa Branca ligue quando ouvir uma informação mentirosa. Desde então, ele vive sussurrando ao telespectador: "Anita Dunn ainda não ligou...". Pegou no pé da moça. Mostrou um vídeo em que Dunn exibe a coe-rência de seu ideário – é fã, em igual medida, de Madre Teresa de Calcutá e Mao Tsé-tung. As escaramuças contra a Fox vêm de antes. Em setembro, Obama fez um tour dominical pelas TVs e excluiu a Fox. Depois, despachou seu auxiliar, David Axelrod, para uma conversa sigilosa com Roger Ailes, cérebro do sucesso da emissora. A conversa não serviu para sossegar o governo.

Fundada em 1996, a Fox News integra o conglomerado do bilionário Rupert Murdoch, do qual faz parte o Wall Street Journal, que acaba de roubar do USA Today a coroa de o maior jornal do país. Já na campanha eleitoral, a Fox ficou nos calcanhares de Obama. Jogou luz sobre seu pastor, Jeremiah Wright, o amalucado que pedia "Deus amaldiçoe a América". Obama deixou a igreja. Depois da posse, coube à Fox divulgar que o responsável por empregos ecológicos da Casa Branca, um tal de Van Jones, era um radical esquerdista do tipo que acusa o governo de tramar o 11 de Setembro. Jones foi demitido. A Fox também noticiou que a Acorn, entidade ligada aos democratas que atua no movimento comunitário e recebe dinheiro público, é um antro de ilegalidades. Equipes flagraram funcionários da Acorn ensinando a sujeitos que se faziam passar por imigrantes como montar uma casa de prostituição com meninas menores de idade. Não foi um azar da Acorn. Ensinar a cometer crimes parece parte dos seus serviços. O flagra deu-se em seis escritórios da Acorn em diversos estados, e em todos a orientação sobre como explorar sexualmente menores de idade foi dada com a mesma precisão. O Congresso se limitou a cortar o dinheiro da Acorn.

Chris Bowe/Corbis/Latinstock
SOB CONTROLE TOTAL
O’Reilly, líder de audiência: malho no governo e "psiu" para entrevistado


A Fox não falsifica fatos. Ela os relata com a crueza necessária. Assim, destaca-se no cenário de jornalismo serviçal à Casa Branca que se instalou nos EUA. Os leitores do New York Times, por exemplo, foram informados do escândalo da Acorn de forma truncada, parcial e vergonhosamente partidária. Nesse ambiente, a Fox sente-se segura para caricaturar e reafirmar a ideologia e os preconceitos de sua audiência. Glenn Beck, com seus olhos arregalados, parece um pregador messiânico, a última esperança para "salvar a América dos comunistas marxistas revolucionários". A visão é desagradável até para os conservadores. Michael Savage, o popular radialista conservador, diz que Beck é "uma hemorroida com olhos". Desde que a Casa Branca decidiu competir com Beck para ver quem reage de forma mais ridícula, seu show tem sido mais engraçado que ofensivo. O mapinha de guerra e o telefone vermelho são achados cômicos sensacionais. Governos, de esquerda, centro ou direita, acima ou abaixo do Equador, têm de lidar com a imprensa, com toda a imprensa: a chapa-branca e aduladora, a crítica e independente e a sensacionalista ou irresponsável. Os presidentes americanos costumam ser mestres nessa arte que, agora, parece perdida. E virou piada: além da Al Qaeda, Bin Laden, talibãs e aiatolás, Obama tem agora a Fox.

A história americana é crivada de exemplos de imprensa atacando o governo impiedosamente. George Washington? Um déspota que "ameaçou a própria existência da liberdade", segundo The Aurora. Abraham Lincoln? Um "gorila tirano que usurpou a Presidência", de acordo com The Old Guard. Franklin Roosevelt? Implementava "o manifesto comunista de 1848 com mais competência que a Rússia", segundo The Nation’s Business. Mas é raro encontrar exemplo do contrário, de governo atacando a imprensa. Acontece. Aconteceu com Richard Nixon, quando o jornal The Washington Post denunciava o Watergate. É raro porque é incompatível com a democracia americana – na verdade, com qualquer democracia que mereça o nome. George W. Bush e o vice Dick Cheney achavam que o New York Times e a CNN eram um braço do Partido Democrata. E aí? Presidentes devem ficar acima disso. A lição vem dos tempos de Thomas Jefferson (1743-1826), que, se tivesse de escolher, preferiria "uma imprensa sem governo a um governo sem imprensa".

Alexis C. Glenn / UPI / Landov
BARULHENTO ELE É
Limbaugh, o radialista mais popular dos EUA: esbraveja e provoca, mas não dá as cartas do jogo político


Em vez de se contentar com a docilidade generalizada que já desfruta na imprensa, a Casa Branca, ao confrontar a Fox, exige nada menos que a unanimidade a favor. É mau sinal, mas é também um equívoco de curto e longo alcances. De curto alcance, porque a tendência é que o telespectador da Fox se torne ainda mais fiel. O erro de longo alcance é comparar a Fox com os republicanos. No governo Bush, do qual era devota, a emissora não mostrou um décimo da combatividade atual. Mas não é republicana. Faz uma agitação direitista que é mais espetáculo e fanfarra do que manifesto ou linha partidária. A Fox não quer eleitores. Quer audiência. E está conseguindo. Dos dez programas mais vistos dos canais de notícias a cabo, todos – sim, todos – são da Fox. O líder é The O’Reilly Factor, apresentado por Bill O’Reilly, um senhor que desce o malho no governo e faz "psiu" para mandar o entrevistado calar a boca. Está há mais de 100 semanas no topo de audiência.

A Fox faz parte de um nicho dominado por essa direita estridente. Nas rádios, a supremacia é acachapante. Todos os dez programas mais ouvidos são apresentados por algum radialista conservador. A explicação é singela. "Acontece que eles são os mais talentosos, oferecem o que o público busca: informação e entretenimento", diz Michael Harrison, da revista Talkers, a bíblia do rádio do país. O campeão, com 14 milhões de ouvintes semanais, é Rush Limbaugh, eterno guru da provocação política. Faz tanto sucesso que enriqueceu. Coleciona carrões, tem avião de 54 milhões de dólares e cinco casas na Flórida. Uma delas, de 6 000 metros quadrados, tem réplica do lustre de cristal Baccarat do hotel Plaza, em Nova York, e quarto de hóspedes que imita a suíte presidencial do George V, em Paris. Na lista dos livros mais vendidos do New York Times, todos os títulos de política, com uma exceção, são de autores da direita. O sucesso do momento é Arguing with Idiots (Discutindo com Idiotas), do mesmo Glenn Beck da Fox. Seu livro é um manual de instruções para debater com democratas liberais e esquerdistas em geral – os "idiotas".

Amanda Lucidon / The New York Times
BALAIO DE CONTRAS
Manifestação contra o governo de Obama: o entusiasmo popular está nas ruas, mas onde estão as ideias?


Glenn Beck é, ele mesmo, o melhor exemplo da ascensão da direita festiva pós-Obama. Há dez anos, sua vida poderia ser resumida assim: filho de mãe suicida e alcoólatra em recuperação, ele acaba de se casar de novo e perder o emprego de radialista – pela quarta vez. Hoje, uma década depois, ele é um fenômeno. Escreveu seis livros, e quatro chegaram à lista do Times. Seu site recebe 5 milhões de visitantes únicos por mês. No rádio, com 8 milhões de ouvintes semanais, tem a quinta maior audiência. Mas explodiu mesmo foi na Fox. Seu programa estreou em janeiro, junto com Obama na Casa Branca. Em setembro, Beck apareceu, de língua de fora, na capa da revista Time. Já ganhou 23 milhões de dólares. Apesar do sucesso na TV, em rádios e livrarias, essa turma não dá as cartas no jogo político, nem no Partido Republicano. "Não devemos confundir barulho com influência", diz Markus Prior, professor de Princeton e autor de Post-Broadcast Democracy, uma análise sobre a TV e a internet na política americana. "A vasta maioria dos americanos é politicamente moderada."

No período glorioso do movimento conservador americano, dos anos 60 até o governo de Ronald Reagan, havia um equilíbrio entre a direita fanfarrona e os intelectuais do conservadorismo, como William Buckley e Milton Friedman. Hoje, restou só a fanfarra. Obama, com seus assessores torpedeando a Fox, parece profundamente irritado de ser chamado de "comunista do Quênia" ou ser acusado de querer matar velhinhos, doutrinar crianças na ideologia marxista ou despachar adolescentes para campos de reeducação. Talvez tudo isso faça mais estrago ao próprio conservadorismo americano, que, assim, arrisca passar a imagem de ser constituído apenas dessas frivolidades paranoicas, como a de dizer – essa é impagável – que Hillary Clinton, na verdade, é uma judia lésbica chamada Rodenhurst...! O pensador John Derbyshire, num artigo recente, disse que se o movimento conservador seguir na mão dessa direita midiática vai acabar parecido com "um McLanche Feliz: barato, infantil e familiar".

Susan Walsh/AP
A VOZ DO MAO
Anita Dunn, que criticou a Fox em entrevista na CNN: fã de Madre Teresa e Mao Tsé-tung


"O conservadorismo prospera mais quando os ataques contra o liberalismo combinam ideias alternativas sérias com entusiasmo popular", escreveu Steven Hayward, autor de A Era Reagan. Ninguém sabe onde estão as ideias sérias, mas o entusiasmo popular está aí – na audiência da TV e do rádio, na preferência pelos livros de crítica aos democratas e ao governo, e até nas ruas, território monopolizado pela esquerda. Em 12 de setembro, 70.000 pessoas fizeram uma manifestação em Washington. Sintomaticamente, não havia clareza nas mensagens dos manifestantes. Protestavam contra a ajuda bilionária a bancos e montadoras, a reforma do sistema de saúde, contra uma sensação de que o país está inclinando-se demais à esquerda. Parecia, no fundo, uma massa em busca de uma ideia e de um líder. Glenn Beck estava lá. Mas Glenn Beck já chamou Obama de "racista", atraiu um boicote de anunciantes ao seu programa – gente graúda como AT&T, Mercedes-Benz, HSBC – e obviamente não é um líder político. É um excelente animador de auditório, que ridiculariza a Casa Branca e, deitando e rolando, continua à espera da ligação de Anita Dunn...

"Quatro patas bom, duas patas ruim".

Norman Parkinson/Corbis/Latinstock
A Dama de Ferro
Ela tirou a Inglaterra da estagnação e devolveu o orgulho nacional ao privatizar estatais ineficientes

VEJA TAMBÉM

No mundo do Twitter, cujo criador é o entrevistado das Páginas Amarelas desta edição de VEJA, cada mensagem pode ter no máximo 140 caracteres de extensão. Pode-se dizer muita coisa com o uso de poucas palavras. Uma pesquisa entre linguistas feita recentemente pelo professor americano Brooks Landon elegeu como a mais significativa sentença de todos os tempos uma frase bíblica de apenas duas palavras tirada do Evangelho de João: "Jesus chorou". O que pode haver de mais poderoso do que a imagem do filho de Deus em prantos? Nada. Mas, de modo geral, a linguagem telegráfica dos slogans publicitários que acaba dominando as campanhas políticas mais esconde do que revela.

Em assuntos econômicos, o reducionismo eleitoral a slogans é mais desastroso ainda.Tome-se como exemplo a questão do papel do estado na economia. Para o PT, a questão está resolvida à moda de A Revolução dos Bichos, de George Orwell: "Quatro patas bom, duas patas ruim" – ou seja, estatização bom, privatização ruim; estatização nós, privatização eles. O público pode até comprar essa conversa. Já o fez em 2006, quando Lula derrotou Geraldo Alckmin com tais argumentos simplistas. A ideia do PT é repetir a dose em 2010. A tentativa de reestatizar a Vale (leia a reportagem anterior) faz parte dessa estratégia. Ela seria facilitada pelo atual momento mundial. Depois de duas bolhas especulativas seguidas, o sistema financeiro global está começando agora a se reerguer graças à injeção de trilhões de dólares de ajuda dos governos. Há a sensação generalizada de que o mercado irresponsável foi salvo pelo estado e que, portanto, é melhor deixar com os burocratas a condução dos assuntos econômicos daqui para a frente. Estado bom, mercado ruim? O slogan é bom em eleição, mas falho como representação da realidade. É muito educativo prestar atenção na maneira como os economistas se referem à ajuda dos governos. Os economistas dizem que os governos se "endividaram". É correto. Governos não produzem um centavo e precisaram arrecadar impostos ou tomar emprestado o dinheiro que usaram para salvar os bancos. Portanto, não é absurda a conclusão de que quem salvou os mercados foram os próprios mercados – entendidos aqui não apenas como os bancos, mas como as empresas não financeiras, os pagadores de impostos e os consumidores que fizeram empréstimos aos governos comprando seus títulos.

A questão da estatização versus privatização também não é tão simples. Com privatizações, a ex-primeira-ministra Margaret Thatcher (1979-1990), a Dama de Ferro, salvou a Inglaterra da estagnação a que foi levada pelo socialismo fabiano dos seus antecessores trabalhistas. Thatcher pegou uma nação refém dos sindicatos, paralisada pela burocracia e sangrada por estatais ineficientes. Deixou a Inglaterra de novo competitiva e orgulhosa de sua economia. "Não é função do governo fazer um pouco melhor, ou um pouco pior, o que os outros podem fazer, e, sim, fazer o que ninguém pode fazer", escreveu John Maynard Keynes, economista erradamente confundido como estatizante. Keynes mostra que o assunto é complexo e não se resolve com slogans eleitoreiros.

O PT quer engolir a Vale

Nos bastidores do violento ataque contra a maior empresa privada brasileira existe a articulação para subordiná-la aos planos do partido para 2010


Ronaldo França e Felipe Patury

Fotos Chip East/Reuters, Dida Sampaio/AE, Fabio Motta/AE e divulgaão/CVRD
A FERRO E FOGO
Agnelli, Lula e Eike no centro da disputa pelo controle da mineradora: a companheirada não desiste da Vale

Há duas maneiras de olhar para a Vale, a maior empresa privada do país. A primeira é com orgulho pelo colosso empresarial que se tornou, principalmente, depois da privatização, em 1997. Seus números são inquestionáveis. Ela mantém 60 000 pessoas empregadas e recolhe 3 bilhões de dólares em impostos. Em 2008, faturou 38,5 bilhões de dólares e foi responsável por metade do superávit primário do país. No primeiro trimestre deste ano, garantiu o superávit inteiro. Avaliada em 127 bilhões de dólares, a Vale perde em valor de mercado apenas para a anglo-australiana BHP Billiton e, sozinha, equivale quase à soma da terceira e da quarta colocadas no ranking das mineradoras. A outra forma de ver a Vale é pelo ângulo do oportunismo. A empresa tem a capacidade rara de agradar a governos – e ajudá-los a recolher votos – com sua força para construir ferrovias, estradas, portos e siderúrgicas. E é assim que a enxerga o governo do PT. Seu ponto de vista ficou mais claro nos últimos dois meses, quando se intensificaram as ações para desestabilizar a direção da empresa e enquadrá-la no ideário petista. Fizeram parte do arsenal uma torrente de críticas de integrantes do governo e a tentativa de uma mudança no controle, com estímulo ao empresário Eike Batista para que entrasse no quadro de acionistas com direito a voto.

Na superfície, as ações são movidas pelo descontentamento do presidente Lula em relação a três fatos ocorridos no último ano: a compra de doze navios da China, em detrimento de estaleiros nacionais; o atraso na construção de cinco usinas siderúrgicas no país, que acabaram virando promessa de campanha da candidata oficial, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff; e a demissão de 1 500 funcionários. Isso é o que se mostra na superfície. No fundo, o ataque tem o cheiro inconfundível do ranço estatizante e intervencionista do PT, que nunca se conformou com a privatização da Vale do Rio Doce, antigo nome da companhia. Aliás, com nenhuma privatização, como demonstraram as cenas de socos e pontapés em todos os leilões. Nos últimos tempos, essa parte fossilizada do pensamento petista ganhou fôlego e um banho de loja, inspirado no modelo chinês, de forte dirigismo estatal na economia. Assim como faz na Petrobras, que sozinha sustenta mais da metade do PAC, o governo pressiona a Vale para atender a seus interesses, sem levar em conta a missão da empresa, que é produzir riqueza a seus acionistas. Nisso a Vale é exemplar (veja o quadro). Até 1997, seu faturamento era de 4,9 bilhões de dólares. No ano passado, superou os 38 bilhões. A produção de minério triplicou. O Brasil não pode aspirar a um papel de liderança mundial sem empresas globais.

Fora essa "visão estratégica", que se integra bem com a imagem que o governo quer projetar interna e externamente, existem ambições menos proclamáveis. A mais forte delas é a utilidade eleitoral inestimável que o PT enxerga no fabuloso caixa da Vale. O presidente da empresa, Roger Agnelli, não menosprezou as delícias que essa situação traz junto aos centros de comando do Planalto. Desde o início do governo petista, Agnelli cultivou uma relação privilegiada com o Palácio do Planalto. O atual presidente da Vale deve seu acesso ao Planalto ao ex-ministro José Dirceu, que mantém antiga e amistosa relação com o Bradesco e com o presidente do conselho do banco, Lázaro Brandão. Ex-executivo do Bradesco, Agnelli foi introduzido por ele no gabinete de Lula. Esse canal começou a ser obstruído há um ano. Lula, que classificou o solavanco na economia de "marolinha", não engoliu a demissão de 1 500 funcionários para compensar os efeitos da crise mundial. O presidente temeu que a decisão da Vale fosse seguida por outras empresas. A relação com o governo azedou. O caldo entornou quando Agnelli respondeu às queixas com uma campanha publicitária, na tentativa de estancar as críticas e impedir um novo avanço do discurso da reestatização. Na semana passada, o executivo correu os gabinetes de Brasília para acalmar os ânimos. Com Lula, só falou por telefone. O presidente e Agnelli voltam a se encontrar em São Paulo na segunda-feira, quando a Vale anunciará seu plano de investimentos para 2010.

Lula e seus assessores já vinham cogitando forçar a substituição de Agnelli. Faltava um candidato. Há dois meses, depararam com Eike Batista, o homem mais rico do Brasil, o empreendedor ousado, trovador de um discurso nacionalista à feição do gosto petista. Eike trilhou um caminho parecido com o de Agnelli para se aproximar de Lula. No início do governo, recorreu ao senador Delcídio Amaral (PT-MS) para marcar audiências com o presidente e Dilma Rousseff, então ministra de Minas e Energia. A partir de 2007, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, ajudou-o na aproximação. O empresário financiou, com generosos 23 milhões de reais, a campanha para que o Rio sediasse a Olimpía-da de 2016. Há um mês, Cabral ajudou Batista a se reunir com Lula, em Nova York. Nesse encontro, o empresário expôs seu desejo de comprar a participação do Bradesco na Vale. Lula deu seu aval. A investida de Eike, que chegou a se reunir com Lázaro Brandão, não prosperou.

Fotos Ricardo Stuckert e Christina Bocayuva/Folha Imagem
FELIZMENTE, DERROTADOS
Manifestação contra a privatização da Vale e o pontapé que virou símbolo da irracionalidade no leilão da Usiminas: ainda há quem tenha saudade desse tempo


Foi quando o caso ganhou uma via alternativa. Eike compraria parte das ações dos fundos de pensão estatais. Juntas, a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, a Funcef (Caixa Econômica Federal) e a Petros, dos funcionários da Petrobras, detêm 49% do controle. O Bradesco só tem 21%. A Previ terá de se desfazer de uma parte de suas ações, porque não pode ter investido, em uma única companhia, mais do que 10% de seu patrimônio, hoje na casa dos 130 bilhões de reais. Estaria aí a chance de Eike, que chegou a sugerir o nome de Sérgio Rosa, presidente da Previ, para comandar a Vale. Nada disso andou. Mexer no controle da companhia não é tão fácil. A escolha de um novo diretor-presidente inclui a contratação de um headhunter oficialmente investido da missão de indicar três nomes. Nenhum sócio controlador tem privilégio nessa indicação. Na semana passada, o empresário comunicou que desistiu momentaneamente de seus planos. Eike viu suas investidas comerciais para controlar a Vale ser usadas politicamente e se assustou. "Sou homem da iniciativa privada. Não participo de movimentos políticos. Não sou homem do Lula ou do PT, nem de qualquer partido. Ninguém me usa, como andou saindo nos jornais", disse Eike a VEJA. O desabafo é sincero. Eike é mesmo um extraordinário empresário privado, suas empresas estão listadas em bolsa e é com a avaliação positiva do mercado que elas se valorizam. Mas a meia-volta de Eike no caso Vale foi muito radical e muito rápida para ter sido motivada apenas pela súbita constatação de que estava havendo aproveitamento político de suas investidas. Suas empresas têm negócios em estados governados por outros partidos que não o PT e seus aliados. Foi de territórios tucanos que partiram, na semana passada, alertas pouco amigáveis ao bilionário.

A retomada da Vale pela burocracia petista continua um objetivo a ser perseguido. O governo chegou a pedir a cabeça do publicitário Nizan Guanaes, mentor da campanha que incomodou o Planalto. Nizan foi conversar com o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, a quem a Vale imputa a orquestração dos ataques mais odiosos. Dois diretores executivos da empresa, Carla Grasso e Fabio Barbosa, também entraram na alça de mira, por serem identificados com o governo tucano. Agnelli esteve a ponto de pedir ao conselho da companhia uma declaração pública de que a diretoria executiva cumpria diretrizes determinadas pelo próprio conselho. Desistiu, por enquanto. Não há sinais de que o governo tenha desistido de seus planos. É inegável a força do núcleo jurássico do PT, do qual fazem parte colaboradores muito próximos do presidente. É claro também que, quando essa turma olha para a Vale, enxerga possibilidades eleitorais que seu gigantesco programa de investimentos pode trazer. O discurso contra a privatização da joia da coroa da era estatal ainda seduz parte do eleitorado. O marketing petista sonha em reavivar esse sentimento em 2010, a despeito de suas falácias. Se conseguir, pode até levar vantagem nas eleições. Mas todos os brasileiros perdem.

15.10.09

Dilma monta núcleo político da candidatura

Palocci, Gilberto Carvalho e Franklin Martins integram grupo, que já vem se reunindo com Lula e a ministra

Sob a orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, montou um núcleo político para coordenar sua campanha ao Palácio do Planalto. Integrado pelo deputado Antonio Palocci (PT-SP), que chefiou a equipe do programa de governo de Lula, em 2002, o grupo já se reuniu três vezes com o presidente e com Dilma, nos últimos dois meses, com o objetivo de traçar estratégias para a corrida de 2010.

Além de Palocci, fazem parte do time o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, o ministro Franklin Martins (Comunicação Social), o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), e o marqueteiro João Santana.

No último jantar, há cerca de um mês, Lula falou sobre dificuldades enfrentadas em suas campanhas para atrair apoios além das fronteiras da esquerda. Foi dessas conversas reservadas que saiu a ideia de Dilma comandar reuniões com os partidos aliados e apresentar-se como candidata disposta a fazer acordos políticos, e não apenas como gerentona do governo.

Santana, por sua vez, tem orientado a ministra a vestir o figurino da simpatia. Dona de temperamento explosivo, Dilma ficou conhecida na Casa Civil por distribuir broncas. Sou uma mulher dura, cercada por homens meigos, diz ela, toda vez que é lembrada de sua fama. O marqueteiro deixou Dilma sorridente e pediu a ela que usasse cores mais vivas.

Nos bastidores, porém, é Palocci que ocupa papel de destaque nessa fase de aquecimento da maratona eleitoral, por vezes trocando figurinha com o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. Não foi à toa que Palocci compareceu ao jantar na casa de Dilma com dirigentes e parlamentares do PDT, no último dia 6, e com os aliados do PR, na noite de terça-feira. Visto com uma espécie de curinga por Lula, o ex-ministro da Fazenda tanto pode ser candidato do PT ao governo paulista como coordenador da campanha de Dilma.

Na prática, o destino de Palocci está atrelado ao do deputado Ciro Gomes (PSB-CE), ex-ministro da Integração. O Planalto quer desidratar a candidatura de Ciro à Presidência - tanto que deflagrou ofensiva a fim de garantir o apoio de vários partidos a Dilma - e tenta empurrá-lo para a sucessão do governador José Serra (PSDB).

O cenário dos sonhos de Lula é uma disputa plebiscitária entre Dilma e Serra, para comparar os oito anos de governo do PT com o mesmo período da gestão do PSDB de Fernando Henrique. No xadrez montado pelo presidente, Ciro concorre a governador de São Paulo, com o apoio do PT, e sai do caminho de Dilma. Se esse jogo for confirmado, Palocci não entrará na corrida ao Bandeirantes e poderá coordenar a campanha de Dilma.

Absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da acusação de violar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, em 2006, o deputado também tem o nome citado para ocupar a Casa Civil, quando Dilma deixar o governo para assumir a candidatura. Lula, porém, tem dúvidas sobre quem deve ser o substituto da ministra.Estadão

Arrecadação de imposto sindical dispara

De janeiro a julho, trabalhadores e empresas pagaram R$ 1,7 bi para financiar movimento sindical, já superando o total de 2008

Até dezembro, o total arrecadado no país deve atingir o recorde de R$ 2 bilhões; entidades não detalham destino da verba


Apesar da crise financeira, o caixa das entidades sindicais brasileiras -confederações, centrais sindicais, federações e sindicatos- receberá neste ano um volume recorde de recursos do imposto sindical. Dados oficiais obtidos pela Folha mostram que, de janeiro a julho deste ano, trabalhadores e empresas desembolsaram R$ 1,707 bilhão para financiar o movimento sindical.
O valor, que corresponde a 10% dos gastos previstos para este ano com o pagamento do seguro-desemprego, já é maior que o total arrecadado em 2008, quando a receita da contribuição sindical somou R$ 1,655 bilhão. A projeção é que o total até dezembro fique próximo de R$ 2 bilhões, maior valor da história sindical.
Do montante recolhido, R$ 852 milhões foram destinados a sindicatos de trabalhadores e patronais, enquanto R$ 245 milhões ficaram com federações. As confederações levaram R$ 95,3 milhões. Na soma, os três grupos de entidades receberam R$ 1,192 bilhão, valor que supera o total contabilizado em 2008 (R$ 1,139 bilhão).
Na partilha dos recursos recolhidos de janeiro a julho, as seis maiores centrais sindicais foram beneficiadas com R$ 73,9 milhões -valor já 17,30% acima do volume total repassado em 2008.
Criado na década de 1940 por Getúlio Vargas, o imposto sindical não está sujeito à fiscalização de órgãos de controle, como o TCU (Tribunal de Contas da União), e a aplicação dos recursos por parte das entidades sindicais é considerada uma "caixa-preta".
O movimento sindical afirma que a fiscalização sujeitaria as entidades à interferência do poder público, mas reconhece que a atual contribuição compulsória financia sindicatos "cartoriais" (sem representatividade) pelo país.
"Não é o caso de fiscalização, em nenhum lugar do mundo há uma relação de tutela entre o governo e os sindicatos. Isso daria margem a uma atitude autoritária", afirma o diretor de operações da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Rafael Lucchesi.
A confederação afirma ser contra o imposto sindical, pregando um modelo em que somente associados recolheriam contribuições ao sindicato. Segundo Lucchesi, o repasse do atual imposto representa menos de 10% da receita da CNI.
Em 2007, a Câmara chegou a derrubar a obrigatoriedade da contribuição entre os trabalhadores, embora tenha mantido o imposto patronal. Pressionado por sindicalistas, o governo do presidente Lula, ex-líder sindical, interveio, e os parlamentares voltaram atrás, aprovando o retorno da contribuição.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores), que em seu estatuto combate o imposto sindical, também defendeu a manutenção da cobrança e hoje recebe a maior fatia destinada às centrais. Os recursos financiam a estratégia da CUT de ampliar sua base sindical.
"É um imposto espúrio, que torna viável a existência de muitos sindicatos que não têm referência nenhuma entre os trabalhadores. Fomos contrários à derrubada porque foi feito pelas metades", diz o secretário administrativo da CUT nacional, Vagner Freitas.
Embora tenha dito que o imposto é parcela importante da receita, Freitas não informou de quanto é o repasse feito pelo governo. Na campanha pela volta do imposto, sindicalistas e governo assumiram o compromisso de criar uma alternativa à contribuição sindical. Um projeto de lei foi encaminhado ao Legislativo para trocar o imposto sindical por uma contribuição negocial.
Oficialmente, a proposta conta com o apoio dos trabalhadores, mas encontra resistências no patronato. O projeto está parado no Congresso. "Somos a favor. Está faltando força do governo na base aliada para aprová-lo", afirma Freitas.
"Hoje, o imposto não é a maior fonte de recursos dos sindicatos. É a contribuição assistencial, mas os sindicatos vêm encontrando dificuldades na cobrança dessa contribuição. Somente com a criação da contribuição negocial isso vai se regularizar", disse o secretário-geral da Força Sindical, Luiz Carlos Gonçalves, ao defender o projeto do governo.
Para a Força Sindical, que recebeu R$ 15 milhões, o imposto sindical hoje representa com folga a sua maior fonte de financiamento. Folha

11.10.09

Família Sarney interfere em agenda do ministro do pré-sal

Grampo mostra que filho e aliado do senador têm ingerência em compromissos de Lobão

Fernando Sarney e Silas Rondeau incluem reuniões na agenda do ministério; Lobão cita amizade e diz que são "apenas solicitações"


O ministro encarregado pelo presidente Lula de administrar o pré-sal, a riqueza que representa o "passaporte para o futuro" do Brasil, é um aliado de José Sarney tão obediente que permite ao presidente do Senado interferir em sua agenda.
Conversas interceptadas pela Polícia Federal mostram que o filho mais velho de Sarney e um apadrinhado antigo do clã maranhense têm livre acesso ao ministro Edison Lobão (Minas e Energia) e a seu gabinete.
Nesses diálogos, eles ditam compromissos para Lobão ou para seus assessores e secretárias, marcam e cancelam reuniões do ministro sem avisá-lo previamente, orientam Lobão sobre o que dizer a empresários que irá receber, falam de nomeações no governo e discutem contratos que acabariam assinados pelo ministério.
As conversas, no entender da PF, configuram "tráfico de influência" -crime de solicitar ou obter vantagem para influir em órgão público-, que prevê de dois a cinco anos de prisão.
O relatório do inquérito diz que Fernando, o filho mais velho de Sarney, "coordenou a prática ilícita". Silas Rondeau, o aliado de Sarney que antecedeu Lobão no Ministério de Minas e Energia e de lá saiu em 2007 sob denúncias de corrupção, seria seu subordinado.
Obtidas pela PF com autorização da Justiça, as escutas fazem parte da Operação Boi Barrica (rebatizada de Faktor), que investigou negócios da família Sarney e culminou com o indiciamento de Fernando sob a acusação de crime de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.

Apelidos
Nas conversas, Lobão, Rondeau e Fernando se tratam quase sempre por apelidos. O ministro é chamado de "Magro Velho". Rondeau é o "Baixinho". Fernando é chamado de "Bomba", "Bombinha" ou "Madre", e José Sarney é chamado de "Madre Superiora".
Questionado pela Folha, Lobão negou que José Sarney, por meio de Fernando e Rondeau, interfira em sua agenda ou tenha influência sobre questões do governo. Eles "podem fazer solicitações", disse. "O [nosso] relacionamento é de amizade."
O conteúdo de oito grampos a que a Folha teve acesso, porém, mostra que o ministro "terceirizou" aos colegas a sua agenda de compromissos.
Num diálogo de 16 de setembro de 2008, Fernando conversou com o então assessor de imprensa de Lobão -Antônio Carlos Lima, o Pipoca- e contou que marcou um jantar de negócios para o ministro para a semana seguinte: "Depois eu me acerto com ele [Lobão]".
Nesse mesmo dia, Fernando falou com Lobão sobre dois compromissos que este teria no ministério e deu instruções.
O primeiro foi uma audiência com representantes de emissoras de rádio e de TV, para discutir como revogar o decreto presidencial que programava o início do horário de verão. Lobão resistiu. "Escuta e vê se é possível. Entendeu?", disse Fernando. "Tá bom."
O segundo foi uma reunião com Lauro Fiúza, da ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica). "Eu tinha acenado com ele que de repente você ia fazer um contato mais próximo. (...) Vão fazer uma exposição para você sobre os projetos", comunicou Fernando. Em 2008 Fiúza contratou por R$ 10 mil mensais a RV2 Consultoria, de Rondeau, para assessorar a ABEEólica.

Secretária
Noutra conversa, datada de 30 de junho de 2008, Rondeau pediu à secretária de Lobão, Telma, para inserir na agenda do ministro um encontro com o grupo espanhol Gás Natural em 9 de julho. "Como é o nome da empresa?", perguntou Telma.
Rondeau explicou que "é parceira da Petrobras na distribuição de gás natural no Rio" (embora tenha sido exonerado da pasta em 2007 e denunciado à Justiça um ano depois, Rondeau continua no Conselho de Administração da Petrobras.)
Dois minutos depois de acertar com a secretária de Lobão a audiência, Rondeau ligou para um executivo da Gás Natural e disse que o ministro tinha "bastante interesse em ouvir que vocês estariam dispostos [a investir] em caso do Maranhão como um mercado gasífero".
Ainda em 30 de junho de 2008, Rondeau contatou a secretária para agendar outra reunião. "Dia 4 está bom. São dois donos da Engevix que querem tratar o assunto do Peru. Ele [Lobão] sabe o que é", disse.
Rondeau ligou a seguir para José Antunes Sobrinho, sócio da Engevix, e ouviu o pedido para que o acompanhasse à reunião com Lobão para tratar da construção de hidrelétricas no Peru com a participação da Eletrobrás, estatal ligada à pasta: "Sua presença é fundamental pelo fato de que os próximos passos já saem na hora com sua cooperação", afirmou Antunes.
Na tarde de 4 de julho, Rondeau ligou de novo para Telma e solicitou a ela que alterasse os registros da agenda oficial: "Tira do registro. Tu te lembras das fofocas de agenda, de registro. Você está bem vacinada. Para evitar qualquer ilação, tira meu nome. Se eu puder ir, eu vou, mas tira do agendamento".
No sistema interno do Ministério de Minas e Energia não há anotação de reunião de Lobão com a Engevix no dia 4 -apenas de outra, no dia 9. Dois meses depois, a Engevix assinou acordo com a Eletrobrás para estudar a viabilidade de construir seis usinas em território peruano, num negócio estimado em US$ 16 bilhões.
Além de interferir na agenda de Lobão, a PF concluiu que Fernando Sarney tratava de nomeações no ministério. É o que indica conversa de 27 de agosto do ano passado com o assessor de imprensa de Lobão.
"Tu te lembras hoje de manhã que tu me falaste daqueles cargos que tinha de R$ 800, R$ 900, aquele negócio todo?", pergunta Fernando. "Eu vou pedir para uma amiga minha, que se chama Lina, vou dar o teu telefone pra ela. Eu queria que tu botasse [ela] nesse esquema", pediu o filho do presidente do Senado. "Manda ela ir me visitar lá", disse Pipoca. Folha

5.10.09

Governo prepara estatuto para internet

Ministério da Justiça abrirá blog neste mês para receber contribuições sobre o tema; projeto de lei será levado ao Congresso no ano que vem

Eduardo Anizelli - 21.abr.09/Folha Imagem
Internautas em lan house em São Paulo; governo discute como regular privacidade dos usuários

O governo federal planeja criar um marco regulatório civil para a internet, diante da atual ausência de uma regulação da rede no país. A proposta trará questões como a responsabilidade civil de provedores e usuários, a privacidade dos dados, a neutralidade da rede (vedação de discriminação ou filtragem de conteúdo, seja política, seja econômica, seja jurídica) e os direitos fundamentais do internauta, como a liberdade de expressão.
O plano, trabalhado pelo Ministério da Justiça, é lançar um blog adaptado com esses temas no fim do mês, abrindo 45 dias para que pessoas interessadas se manifestem e troquem argumentos sobre o que deveria ser regulado e como.
Após o prazo, a pasta vai recolher as contribuições e redigir um projeto de lei, que será, então, levado ao blog para mais 45 dias de comentários. A previsão é que a proposta chegue fechada ao Congresso Nacional no início do ano que vem.
O texto que será entregue aos deputados trará um conjunto de regras mínimas, segundo o Ministério da Justiça. A intenção é manter a dinâmica da rede, como prevê um dos princípios estabelecidos pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil.
Não fazer a regulação seria deixar do jeito que está, e do jeito que está é complicado, afirma Pedro Abramovay, secretário de assuntos legislativos do ministério.
Além disso, a iniciativa quer barrar tentativas de colocar regras de maneira casuística, como na recente reforma eleitoral, afirma Ronaldo Lemos, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, que está desenvolvendo a proposta em conjunto com o Ministério da Justiça.

Tópicos
Uma das questões levantadas pelo ministério e por especialistas como de regulação necessária é a polêmica dos logs (registros de acesso), até aqui discutida como algo a ser definido sob uma lei criminal.
O que será preciso definir: as informações sobre quais sites os usuários acessaram, quando e o que fizeram devem ser armazenadas? Por quanto tempo: três anos, como querem alguns? Esses dados podem ser vendidos? Passados à polícia? Em que situação? Podem ser requisitados pela Justiça? Com base em quais critérios?
Estabelecer isso em lei terá impacto imediato para o usuário, diz Lemos. Ele vai saber que, ao entrar num site, não vai ter o dado exposto de forma diferente como está na lei. Hoje, juízes tendem a conceder a abertura dos dados, a intimidade é facilmente devassável.
A proteção à privacidade dos dados incluirá a discussão sobre o spam, afirma Lemos. Outro ponto será a responsabilidade civil dos diversos provedores e suas garantias. Em que momento o provedor passa a responder pelo conteúdo?
Nos Estados Unidos, os provedores não são responsáveis pelo conteúdo disponibilizado pelos usuários, a não ser que sejam alertados de alguma ilegalidade e não tomem providências imediatas, explica Lemos. Também não há guarda prévia de logs. Na Europa, segundo diretiva do Parlamento Europeu, os registros são armazenados por dois anos.
No Brasil, a lei deveria garantir que os dados do usuário não sejam vendidos e que fiquem guardados por pouco tempo, diz Sérgio Amadeu da Silveira, sociólogo, ativista da liberdade na rede e professor da Faculdade Cásper Líbero. O rastro digital plenamente identificado é inaceitável, a navegação sem identificação é que garante a liberdade na rede, afirma.
Para Marcelo Branco, coordenador da Associação Software Livre, será necessário estabelecer mecanismos para evitar que, quando a gente estiver navegando, não possa ser investigado no Brasil, o que não é claro hoje. Questões pontuais, como e-mail corporativo e tributação do comércio on-line, deverão ficar de fora do marco regulatório. Folha


4.10.09

A denúncia do índio Kaiowá

Declaração de índio guarani/kaiuwá, por Escritura Pública no Tabelião Albuquerque, Amambaí – MS, convalidada na Comissão de Direitos Humanos do Senado, mostra a falta de controle do governo sobre as ONGs

A declaração pública do índio Kaiowá Adair G. Sanches, de Amambaí – MS, dá-nos uma visão de como as ONGs, o CIMI, o PKÑ (Projeto Kaiowá Ñandeva) e o PT estão agindo no Mato Grosso do Sul, “fabricando”supostas terras de ocupação tradicional. Isto tem servido de fundamento para falsos relatórios da FUNAI, com o objetivo de expropriar (roubar)terras de produtores rurais honestos, que as compraram na melhor formado Direito. Hoje muitos deles já foram expropriados por ações da FUNAI,algumas acolhidas pela justiça, que infelizmente deixou-se enganar poresses falsos relatórios.

Seguem trechos da transcrição da Declaração, apresentada em audiência no Senado Federal no dia 7 de abril de 2005.

* * *

“Perante mim, Tabelião, compareceu em pessoa, Adair Gonçalves Sanches, indígena ,lavrador, capaz, residente e domiciliado no Posto Indígena Amambaí,neste Distrito, portador do RG: 2320, Posto ADR, Amambaí, MS; CPF:408.038.561-72, reconhecido por mim, Tabelião.

“Por ele, foi-me dito que vinha, de sua livre e espontânea vontade, sem constrangimento de quem quer que seja, prestar a seguinte declaração,cujo teor transcrevo a seguir:

“Que é índio daTribo Guarani, nascido em 1959, na Aldeia Amambaí; Vereador eleito em Amambaí, MS, com o voto dos índios da Aldeia de Amambaí; ex-Presidentedo Conselho da Aldeia de Amambaí; ex-representante da União das Nações Indígenas do Mato Grosso do Sul; ex-companheiro do antropólogo japonêsCelso Aoki e Paulo Pepe, chefe de uma entidade que se chama PKÑ, Projeto Kaiowá-Ñandeva, entidade criada em nome do índio Kaiowá-Guarani, em Amambaí. O PKÑ, o CIMI — Conselho IndigenistaMissionário — e o Partido dos Trabalhadores (PT) são entidades ligadas entre si. Essas entidades, usando de — são as expressões que estão na escritura — ‘malandragem e safadagem’, fazem montagens aquiem Mato Grosso do Sul, coisas que ninguém nunca imagina e que eu, que fui companheiro e conhecedor, sei que eles fazem no Mato Grosso do Sul, o PKÑ recebe verba do exterior, Holanda, Canadá e Suíça, em nome do povo indígena do Mato Grosso do Sul, do Kaiuá e Guarani.

“Dizem que é para ajudar esses povos. Só que esses dólares que vêm do exterior, o indígena nem sabe, usa o nome do índio e usa o índio tambémda seguinte forma: todos os problemas de terras que estão ocorrendo no Mato Grosso do Sul, na fronteira do Paraguai, são mandados pelo Sr.Celso Aoki e Paulo Pepe, antropólogos e chefes do PKÑ.

“Eu fui companheiro dessa entidade e do Partido do PT por três anos, na época do Presidente José Sarney e do Ministro Ronaldo Costa Couto. Essa escritura é de 1992. Nós fazíamos assim: procurávamos onde o índioestava trabalhando e há quantos anos estava morando naquela fazenda. Se eles falavam que estavam há cinco, seis ou dez anos, nós perguntávamosse não tinham familiares que faleceram naquele local e nós já falávamospara esse índio dar entrevista dizendo que ali era terra indígena antigamente.

“Se tivesse algum cemitério dealguém da família ou parente, era para falar que eles já haviam nascidoali, se criaram ali, seus pais, avós, bisavós e netos, e assim pordiante. Já nós pegávamos o pai daquela família para ser líder naquelelugar.

“Os antropólogos Celso Aoki e PauloPepe são agitadores que pegam rios de dinheiro em troca desse tipo detrabalho. Já mandam elaborar documentos naquele lugar, naquela fazenda,já fazem um mapa baseado em mais ou menos quantos hectares, dizendo quea área é indígena e que só falta a demarcação; já colocam o nome decomo se chamava antigamente aquele lugar ou trocam o nome ou colocam onome da fazenda mesmo. Se tiver três ou quatro famílias trabalhando lá,colocam como se tivessem 80 ou 90 famílias naquela área, dizendo que a aldeia e o pessoal do PKÑ já vão comprar mercadorias baratas refugadas,gradil de gado, banha podre e já sai nas aldeias grandes, que são demarcadas, que têm segurança, juntas as lideranças em todas as aldeiasque são dominadas por eles e fazem uma reunião com todos os capitães doMato Grosso do Sul.

“Eles fazem o documento daquele lugar, dizendo que o índio mora naquela fazenda, mesmo que oíndio seja só peão. Já o indicam de capitão e mandam todos assinarem o documento, mandando para o Presidente da Funai em Brasília, dizendo que ali tem área indígena que falta demarcação, com 80 ou 90 famílias [...].

“Coma pressão, o Presidente da Funai assina o documento e manda para oMinistério da Reforma Agrária. Depois, passa para o grupão, depois parao Ministro do Interior. Na época, nós fazíamos assim. Hoje é Ministérioda Justiça.

“Eu não sou contra a demarcaçãode terras. Só que sou contra esses elementos que vocês não conhecem. Eu descobri porque eles não compram as terras. Com os dólares que pegam no exterior, em nome do índio, só ficam jogando os índios contra os proprietários de terras e proprietários de terras contra os índios.[...]

“Eles não querem ver o indígena se civilizar, melhorar. Para eles continuarem a usar e manipular. Se o índio se sensibilizar e estudar vai descobrir o que eles fazem, e elesnão vão ter mais como sobreviver à custa dos povos indígenas. [...]

“Estou pronto para fazer qualquer declaração ou debate, para ir perante o juiz com Celso Aoki e Paulo Pepe mostrar a realidade. As pessoas dessas entidades não querem que eu fale, e os administradores da Funai não querem que eu fale nada com os brancos. O novo administrador da Funai, José Antônio Martins Flores, pediu, pelo amor de Deus, para não fazeresse tipo de entrevista para os brancos e para a Justiça porque podem perder na Justiça as questões de terras.

“Uma vez já estive na rádio esclarecendo uma parte do trabalho sujo que eles estavam armando. Desde então, o administrador Antônio Martins Flores queria que eu guardasse segredo sobre isso. E de como assim disse e dou fé, me pediu e lavrei essa escritura”.

http://webthes.senado.gov.br/sil/Comissoes/Permanentes/CDHIGUAL/Atas/20050407IN001.rtf