17.10.09

"Quatro patas bom, duas patas ruim".

Norman Parkinson/Corbis/Latinstock
A Dama de Ferro
Ela tirou a Inglaterra da estagnação e devolveu o orgulho nacional ao privatizar estatais ineficientes

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No mundo do Twitter, cujo criador é o entrevistado das Páginas Amarelas desta edição de VEJA, cada mensagem pode ter no máximo 140 caracteres de extensão. Pode-se dizer muita coisa com o uso de poucas palavras. Uma pesquisa entre linguistas feita recentemente pelo professor americano Brooks Landon elegeu como a mais significativa sentença de todos os tempos uma frase bíblica de apenas duas palavras tirada do Evangelho de João: "Jesus chorou". O que pode haver de mais poderoso do que a imagem do filho de Deus em prantos? Nada. Mas, de modo geral, a linguagem telegráfica dos slogans publicitários que acaba dominando as campanhas políticas mais esconde do que revela.

Em assuntos econômicos, o reducionismo eleitoral a slogans é mais desastroso ainda.Tome-se como exemplo a questão do papel do estado na economia. Para o PT, a questão está resolvida à moda de A Revolução dos Bichos, de George Orwell: "Quatro patas bom, duas patas ruim" – ou seja, estatização bom, privatização ruim; estatização nós, privatização eles. O público pode até comprar essa conversa. Já o fez em 2006, quando Lula derrotou Geraldo Alckmin com tais argumentos simplistas. A ideia do PT é repetir a dose em 2010. A tentativa de reestatizar a Vale (leia a reportagem anterior) faz parte dessa estratégia. Ela seria facilitada pelo atual momento mundial. Depois de duas bolhas especulativas seguidas, o sistema financeiro global está começando agora a se reerguer graças à injeção de trilhões de dólares de ajuda dos governos. Há a sensação generalizada de que o mercado irresponsável foi salvo pelo estado e que, portanto, é melhor deixar com os burocratas a condução dos assuntos econômicos daqui para a frente. Estado bom, mercado ruim? O slogan é bom em eleição, mas falho como representação da realidade. É muito educativo prestar atenção na maneira como os economistas se referem à ajuda dos governos. Os economistas dizem que os governos se "endividaram". É correto. Governos não produzem um centavo e precisaram arrecadar impostos ou tomar emprestado o dinheiro que usaram para salvar os bancos. Portanto, não é absurda a conclusão de que quem salvou os mercados foram os próprios mercados – entendidos aqui não apenas como os bancos, mas como as empresas não financeiras, os pagadores de impostos e os consumidores que fizeram empréstimos aos governos comprando seus títulos.

A questão da estatização versus privatização também não é tão simples. Com privatizações, a ex-primeira-ministra Margaret Thatcher (1979-1990), a Dama de Ferro, salvou a Inglaterra da estagnação a que foi levada pelo socialismo fabiano dos seus antecessores trabalhistas. Thatcher pegou uma nação refém dos sindicatos, paralisada pela burocracia e sangrada por estatais ineficientes. Deixou a Inglaterra de novo competitiva e orgulhosa de sua economia. "Não é função do governo fazer um pouco melhor, ou um pouco pior, o que os outros podem fazer, e, sim, fazer o que ninguém pode fazer", escreveu John Maynard Keynes, economista erradamente confundido como estatizante. Keynes mostra que o assunto é complexo e não se resolve com slogans eleitoreiros.

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