Thaís Oyama, de Honduras
Fotos Thomas Coex/AFP, Orlando Sierra/AFP e Orlando Brito |
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Manuel Zelaya encerrou sua segunda semana como "hóspede" da embaixada brasileira em Honduras com o entourage reduzido a um quinto, as ideias de perseguição elevadas ao cubo e nenhuma mostra de que está disposto a desistir de voltar ao poder, de onde foi apeado no último dia 28 de junho por determinação da Suprema Corte de Justiça. Ao longo da semana, com o beneplácito do governo brasileiro, ele conclamou à insurreição, convocou a população para a "ofensiva final" e pediu que seus apoiadores fizessem greve de fome. Desde o dia em que voltou clandestinamente a Honduras, numa operação patrocinada pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, Zelaya tinha como objetivo promover um levante popular que o conduzisse de volta à Presidência. Diante do fracasso do plano, parece ter desistido de usar seus apoiadores como bucha de canhão. Na quinta-feira, disse estar disposto a ser julgado pelos dezoito crimes pelos quais é acusado e a abrir mão de uma boa – e não especificada – parte dos poderes presidenciais caso retome o cargo. Isso, claro, se os "raios" permitirem.
A casa onde funciona a missão diplomática do Brasil em Tegucigalpa, a capital de Honduras, chegou a ter mais de 300 pessoas nos dias seguintes à chegada do presidente deposto. Na última sexta-feira, ela abrigava 53 – sem contar o próprio Zelaya, onze jornalistas e dois diplomatas. Destes 53 ocupantes, 24 trabalham como seguranças (pagos) do hondurenho. Os demais podem ser divididos em duas categorias: a dos simpatizantes do presidente deposto e a dos que mal sabem por que estão lá (como é o caso de cinco desempregados que, antes de abrigar-se na embaixada, viviam nas ruas, e para os quais a estada no Big Brother zelayista não passa de uma chance de dormir ao abrigo do relento). Os seguranças estão divididos em dois turnos: doze trabalham durante o dia e doze se encarregam de vigiar as entradas da casa e a porta do quarto de Zelaya durante a noite. A insistência dele em relação à "iminência de um ataque" à embaixada, se antes soava como forma de chamar atenção, agora parece ter-se convertido em fixação. Na quinta-feira, quando uma comissão de deputados brasileiros visitou o local, Zelaya se opôs à entrada dos jornalistas que acompanhavam o grupo por temer que, entre eles, houvesse agentes infiltrados do governo hondurenho. Nos últimos dias, mudou de aposento pelo menos duas vezes, com medo de ser bombardeado pelos tais "raios de alta frequência" que acredita serem emitidos de alguma maneira e de algum lugar a mando de alguém. Os executores dessa missão, segundo Zelaya, seriam "mercenários israelenses". Diante da afirmação, David Romero, diretor da Rádio Globo de Tegucigalpa, simpatizante do presidente deposto, fez a seguinte declaração: "Às vezes me pergunto se Hitler não teve razão de haver terminado com essa raça, com o famoso holocausto. Se há gente que causa dano a este país são os judeus, os israelitas". A Rádio Globo foi fechada pelo governo Micheletti no segundo dia do estado de exceção, o que provocou grande gritaria por parte dos zelaystas. Mas nem Zelaya nem qualquer apoiador seu protestou quando Romero fez sua obscena declaração antissemita.
Durante o dia, Zelaya fica na sala destinada ao embaixador, agora transformada em suíte para ele e a mulher, Xiomara. À noite, vai dormir no almoxarifado. O hondurenho nunca acorda antes das 10 da manhã, passa boa parte do dia falando ao telefone e, à noite, lê o livro El Candidato, do argentino Jorge Bucay, autor de best-sellers de autoajuda como Vinte Passos para a Felicidade e Amar de Olhos Abertos. Raramente deixa a sala e, quando o faz, é para dar entrevistas coletivas ou distribuir comunicados aos jornalistas presentes. Um desses comunicados, exortando a população a praticar atos de desobediência civil contra o governo, foi o principal argumento para que o presidente Roberto Micheletti, que substituiu Zelaya no dia 28 de junho, decretasse o estado de exceção no país.
A passividade do Itamaraty diante das incitações de Zelaya à violência, feitas do interior da embaixada, não foi a única contribuição do governo brasileiro ao espetáculo hondurenho nesta semana. O assessor especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, também fez sua parte ao declarar em Pittsburgh, durante reunião do Grupo dos Vinte, que o governo "golpista de Roberto Micheletti é feito de mentirosos". Ao contrário de Garcia, o presidente Hugo Chávez, autor do roteiro de filme B que trouxe Zelaya de volta a Honduras, guardou silêncio estratégico. No enredo criado pelo venezuelano, um aprendiz de caudilho aceita sofrer uma transmutação "ideológica" em troca da fórmula do poder perpétuo (e, claro, dinheiro). Expelido do país, retorna clandestina e bravamente para ser reconduzido ao poder nos braços do povo, que ele governará com a tutela de seu mestre. Embora essa última parte tenha tido de ser reescrita, a fita barata e de atores ruins continua a se desenrolar conforme as ordens do seu diretor. O mais triste é que, nesse filme, o Brasil segue fazendo um papel feio.
Fizeram tudo dentro da lei, menos a deportação de ZelayaA Constituição de Honduras, aprovada democraticamente em 1982,
Artigo 239 "O cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser presidente ou vice-presidente. Quem transgredir essa disposição ou propuser sua reforma perderá imediatamente seus respectivos cargos e ficará inabilitado por dez anos para o exercício de qualquer função pública"
Artigo 272 "As Forças Armadas de Honduras existem para defender os princípios do livre sufrágio e a alternância no exercício da Presidência da República" Artigo 373 "A reforma desta Constituição poderá ser decretada pelo Congresso Nacional, com dois terços dos votos" Artigo 374 "Não poderão reformar-se, em nenhum caso, os artigos constitucionais que se referem à forma de governo, ao período presidencial e à proibição para ser novamente presidente da República" Artigo 102 "Nenhum hondurenho poderá ser expatriado nem entregue pelas autoridades a um estado estrangeiro" |
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