4.10.09

A politização do pré-sal

Editorial de O Estado de S. Paulo

A pressa do governo por encerrar o debate sobre o projeto de exploração do petróleo do pré-sal e sua notória disposição de tentar desqualificar, como antipatriótica ou "entreguista", qualquer crítica à proposta do novo marco regulatório para o setor não deixam dúvidas quanto a sua decisão de transformar esse assunto em um dos principais temas da campanha eleitoral de 2010.

Por isso, é inteiramente procedente a advertência feita pelo governador do Espírito Santo, Paulo Hartung - filiado ao PMDB, partido da base governista -, de que a discussão está sendo feita de maneira "açodada" e com forte componente eleitoral.

Hartung foi um dos participantes do Debate Estadão "O futuro do pré-sal", realizado na quarta-feira. A deliberada politização do pré-sal foi criticada também pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), ao observar, durante o debate, que "a questão foi colocada de forma muito emotiva, como disputa entre nacionalistas e entreguistas". É preciso, por isso, "colocar o debate um pouco mais no chão, para que possa ser feito com clareza", disse Jereissati.

Trata-se de um projeto que, por suas dimensões e por seu enorme impacto na economia brasileira - e mundial, se se confirmarem as reservas de petróleo anunciadas pelo governo -, exige discussão séria, objetiva e aprofundada.

Diante da imensa quantidade de dúvidas e questões técnicas, financeiras e políticas que precisam ser debatidas e esclarecidas antes de qualquer decisão, a pressa do governo só se explica por seu interesse eleitoral.

Entre os muitos pontos que precisam ser debatidos está a estratégia de nacionalização dos equipamentos necessários para a exploração do pré-sal. A estratégia anunciada repete modelos que fracassaram durante o regime militar, como alertou o senador cearense.

Ele lembrou a lei de reserva de mercado de informática - aprovada no governo Geisel (1974-1979) -, que, em nome do desenvolvimento da indústria nacional de computadores e periféricos, fechou o mercado doméstico e produziu graves distorções. Durante anos, o Brasil só pôde dispor de equipamentos obsoletos e muito caros, o que retardou a modernização da economia e reduziu sua competitividade.

Outro exemplo que pode ser citado é o da Lei de Similar Nacional - na versão que vigorou no governo Geisel -, que, além de estabelecer várias exigências para o aumento dos índices de nacionalização de equipamentos e componentes fornecidos para as estatais e da participação do capital nacional no mercado, limitou o número de fornecedores para as empresas do governo.

Grupos empresariais escolhidos pelo governo foram grandemente beneficiados por esse esquema - em detrimento do restante da economia -, mas a abertura econômica, no início da década de 1990, revelou o quanto essas empresas ficaram atrasadas e pouco competitivas por causa da proteção de que gozavam. Muitas não sobreviveram à abertura, outras tiveram imensas dificuldades para operar em ambiente de maior competição.

Há também a questão das dimensões econômicas e financeiras do pré-sal. Alguns números apresentados no Debate Estadão pelo presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, não deixam dúvidas quanto aos problemas que surgirão na estrutura industrial brasileira e no mercado financeiro, caso o projeto do governo tenha êxito.

Gabrielli lembrou que a Petrobrás pretende investir US$ 111,4 bilhões no pré-sal até 2020. Para cada dólar investido pela empresa, há a necessidade de investimento de outros quatro na ampliação da capacidade dos fornecedores de bens e serviços. Ou seja, a indústria terá de investir mais de US$ 400 bilhões para atender ao programa do pré-sal.

Seria bom se a indústria brasileira tivesse capacidade financeira para fazer os investimentos necessários e estivesse habilitada tecnologicamente para atender à demanda. Nem tem os recursos nem dispõe da tecnologia. Canalizar todo esse dinheiro para a produção de equipamentos para o pré-sal implicará abandonar outros setores industriais.

Também a capitalização da Petrobrás, prevista já para o ano que vem, exigirá tanto dinheiro - será a maior subscrição de capital de uma única empresa já feita no mundo - que, se for bem-sucedida, drenará quase todo o mercado financeiro. E, se o investidor privado não exercer seu direito de subscrição, o governo ficará com as sobras, aumentando seu controle sobre a Petrobrás.

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