30.9.09

Silas Rondeau recebeu ajuda de Toffoli!

Afastado por corrupção diz que recebeu ajuda de Toffoli

Em grampo, ex-ministro Silas Rondeau conta que defensor foi indicado por advogado-geral

Segundo relato gravado pela PF, Toffoli ajudou a escolher possível adversário da AGU nos tribunais; ele diz não se lembrar de ter dado sugestão

Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Supremo Tribunal Federal, o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, ignorou o princípio de uma lei federal e ajudou na defesa de um ex-ministro afastado do cargo e denunciado à Justiça por corrupção e formação de quadrilha. Quem afirma isso é o próprio ex-servidor, Silas Rondeau (Minas e Energia), em conversa gravada pela Polícia Federal.
"Quem me deu o nome [do advogado] foi o Toffoli e foi aprovado pela Erenice [Guerra, secretária-executiva da Casa Civil] e pela própria [ministra] Dilma [Rousseff]", afirma Rondeau em 14 de maio de 2008, um ano depois de ele ter sido exonerado do cargo e dois dias após ter sido formalizada a denúncia contra ele no Superior Tribunal de Justiça.
De acordo com a lei 9.028/ 1995, a AGU só pode participar da defesa de autoridades "quando vítimas de crime quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições" -por exemplo, um funcionário público que foi alvo de assédio moral por parte de um superior ou que, diante de uma tentativa de suborno, recusou a oferta e resolveu levar o caso à Justiça.
Ao contrário, por lei, em casos como o de Rondeau, a AGU é encarregada de processar o agente público para reaver o dinheiro desviado do erário.
O órgão, aliás, já está analisando mais de 200 volumes de processos enviados pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria-Geral da União para pedir ressarcimento por supostos prejuízos aos cofres públicos no caso que envolve o ex-ministro -a PF acusa Rondeau de receber propina de R$ 100 mil em troca de favorecimento em obras federais.
Ou seja, se Silas falou a verdade nos diálogos interceptados pela polícia, Toffoli ajudou um ex-servidor a escolher o advogado que a AGU possivelmente irá enfrentar na Justiça.
Procurado pela Folha, Toffoli, que será sabatinado hoje pelo Senado sobre a ida ao STF, declarou não se lembrar de ter conversado com o ex-ministro.
Ao ser confrontado com o conteúdo da escuta, obtida pela PF com autorização da Justiça no âmbito das investigações da Operação Boi Barrica (rebatizada de Faktor), o ex-ministro afirmou "que jamais procuraria o advogado da União para resolver uma questão pessoal".
No diálogo, porém, ele diz a um advogado que atende diretores da estatal Eletrobrás que "a decisão foi tomada no gabinete do quarto andar [do Palácio do Planalto]" e que o defensor indicado por Toffoli e chancelado pela Casa Civil era "pessoa da confiança do governo".
O ex-ministro prossegue e dá o nome de quem teria sido indicado por Toffoli: José Gerardo Grossi. Em 2006, Grossi tinha sido nomeado por Lula ministro efetivo do Tribunal Superior Eleitoral. Naquele ano, Lula disputou a reeleição.
"Nem sabia quem era [Grossi]. Se era novo, se era velho e tudo mais. Fui lá, gostei", diz Rondeau, na escuta. O ex-ministro levou adiante o conselho dos ex-colegas de primeiro escalão e assinou contrato com Grossi em 5 de junho de 2007.

A história do grampo
As primeiras acusações contra Rondeau foram resultado da Operação Navalha, que, em 17 de maio de 2007, prendeu 46 pessoas acusadas de desviar recursos públicos em projetos de eletrificação rural, saneamento e manutenção de ferrovias.
Uma semana após a operação, o ministro foi "exonerado a pedido" pelo presidente Lula.
Quando foi denunciado na Navalha, em maio de 2008, Rondeau já era alvo de outro inquérito da PF -desta vez, destinado a apurar tráfico de influência em órgãos públicos e outros ilícitos, também com o envolvimento do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de quem Rondeau é amigo e aliado político.
Nessa investigação, chamada inicialmente de Boi Barrica, a PF grampeou os telefones do ex-ministro. Entre as conversas interceptadas está a que Rondeau fala sobre Toffoli. Há também um diálogo com Erenice sobre a permanência de Grossi como defensor do ex-ministro. Os diálogos mostram que o governo continuou dando suporte a Rondeau mesmo um ano depois de ele ter sido afastado do ministério.
Em e-mail enviado ontem à Folha, a assessoria de imprensa da Casa Civil negou ter feito qualquer tipo de sugestão ao ex-ministro. No grampo de 14 de maio de 2008, porém, Erenice é explícita ao tratar da defesa do ex-colega. "Acho que você fica com o Grossi." Rondeau estava apreensivo, pois havia sido denunciado dias antes, mas foi consolado por ela: "Querido, eu não [me] esqueci de você". Folha

Bate-boca federal

Correio Brasiliense

TCU aponta irregularidades em obras do PAC e provoca reação agressiva do governo, que acusa o tribunal de querer acumular funções de julgar, legislar e executar.
A inclusão de 15 projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na lista de obras que serão paralisadas por causa de irregulares apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) provocou ontem um bate-boca entre o ministro do Planejamento, Paulo Bernando, e os ministros da Corte de contas. Eles estão assumindo funções de Judiciário, Legislativo, e querem executar também. Tenho certeza que há uma anomalia nisso , afirmou Bernardo, que chegou a defender a contratação de auditorias externas e independentes . O tribunal, por não ser uma casa política, não se curva a nenhum tipo de pressão , respondeu o ministro Aroldo Cedraz, relator da auditoria que apontou as obras com indícios de irregularidades graves.

Das 65 obras nessa situação, 32 fazem parte do PAC, o principal trunfo eleitoral do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Desse total, 15 empreendimentos com contratos no valor total de R$ 21,3 bilhões serão paralisados. Os 17 restantes no valor de R$ 3,9 bilhões poderão ter continuidade, mas sofrerão uma retenção cautelar de recursos no valor de R$ 437 milhões, por causa de indícios de sobrepreço.

A maior obra a sofrer corte de recursos será a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, cujos contratos somam R$ 11 bilhões. Também houve recomendação de paralisação dos serviços na Refinaria Presidente Getúlio Vargas, no Paraná, uma obra de R$ 8,8 bilhões. A palavra final será do Congresso, mas as recomendações do TCU têm sido seguidas quase que integralmente nos últimos anos.

Entre os projetos que terão retenção parcial de recursos destacam-se dois trechos da Ferrovia Norte-Sul, um em Goiás, no valor de R$ 709 milhões, e outro em Tocantins (R$ 1,37 bilhão). Ao todo, são 10 contratos que terão cortes entre 5% e 10%. Outras obras de grande porte que sofrerão retenção cautelar são as implantações de trens urbanos em Salvador, com contratos de R$ 456 milhões, e Fortaleza R$ 680 milhões.

Ataque
Paulo Bernardo atacou duramente o TCU. O tribunal diz que tem indícios. Às vezes, tem problemas, às vezes não tem. Vou citar um caso. Nós temos uma Copa do Mundo, que vai acontecer em 2014. Já tem uma comissão especial no TCU para fiscalizar. Se continuar desse jeito, nós temos que combinar com a Fifa (Federação Internacional de Futebol) e fazer essa Copa em 2020, porque provavelmente eles vão parar tudo , ironizou.

O ministro do Planejamento apontou uma alternativa ao trabalho do TCU: Poderíamos modernizar, fazer auditorias externas nesses negócios e contratar auditorias externas. Contratar auditores independentes, porque não é possível a gente ficar o tempo todo nesse bate-boca se tem ou não tem (indícios de irregularidades). E, normalmente, quando acaba o problema, ninguém fala mais no assunto. Você só fala quando alguém diz que tem indícios. O que são indícios? Tem que ir claramente lá e dizer. Apontar onde está superfaturado é uma coisa. Levantar suspeitas, dizer que tem indícios e ficar seis meses sem resolver o problema é completamente diferente .

O papel do TCU foi discutido em detalhes pelo ministro de Lula. O TCU é uma Corte de fiscalização ligada ao Congresso Nacional. Quem faz a lei é o Congresso. O Executivo, executa. O que nós temos observado é que, muitas vezes, o TCU quer dizer para o governo o que tem que ser feito. Isso aí não é função deles. Eles têm que fiscalizar de acordo com as leis, e não querer fazer leis como eles fazem.

Defesa
Na sessão que aprovou a lista de obras irregulares, o presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, praticamente se antecipou às críticas de Bernardo. Mas ele, na verdade, referia-se a ataques anteriores do presidente Lula. O TCU não está subordinado a nenhum poder, está subordinado à lei. Não nos interessa a paralisação de obras, mas não podemos deixar prosperar a fraude e o conluio. Ele também condenou o lobby das empresas de construção civil para retirar atribuições e poderes do tribunal. Desejamos a contribuição da iniciativa privada, mas não promovendo estudos, contratando escritórios para comparar o trabalho do TCU com o de Cortes anglo-saxônicas, que vivem uma realidade diferente , criticou.

O ministro Valmir Campelo, do TCU, também procurou analisar os interesses daqueles que atacam o tribunal. Seria o desejo daqueles que querem superfaturar obras. Querem mudar nossas atribuições? Que mudem. Já o ministro José Jorge preferiu a ironia: Eu me preocuparia mais se quem a gente fiscaliza nos elogiasse. Que dissessem: O TCU é uma mãe .

Dilma
Considerada a mãe do PAC , a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi mais comedida nas críticas ao TCU, já incorporando o discurso de candidata à Presidência em 2010. Sempre que o TCU divulga isso (indícios de irregularidades), algumas vezes nós concordamos, outras vezes, nós discordamos. Quando nós discordamos, procuramos, em várias etapas, direito de resposta e o contraditório. Eu acredito que não vai ser diferente nesse caso , disse.

28.9.09

O incerto destino dos votos da direita em 2010

Editorial do Valor Econômico

Comemora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o fato de a eleição presidencial de 2010, até agora, não apresentar nenhuma pré-candidatura de trogloditas de direita. É de se louvar o fato de nas próximas eleições não haver trogloditas, de esquerda ou de direita, embora o comportamento passado de alguns recomende muita cautela. O que talvez se deva discutir é se é saudável para a jovem democracia brasileira não haver candidatos assumidamente à direita no espectro político nacional.

Não tem e nunca teve, pois ainda hoje são raros os candidatos que têm coragem de assumir claramente uma posição de direita. Reflexo, quem sabe, do longo inverno da ditadura militar (1964-1985). Quando fala em trogloditas de direita, aliás, Lula nem está se referindo às eleições de 1989, quando foi vítima de intrigas inomináveis, como a de que iria confiscar poupança ou avalizar que os sem-teto e classe média teriam que dividir o mesmo teto, caso eleito.

Lula tem em mente, na realidade, a última eleição presidencial. O presidente acha que Geraldo Alckmin, o candidato tucano, mudou até o estilo afável que o caracterizava por uma agressividade, inesperada para o petista, quando foi confrontado com a questão da privatização e recuou. Lula pode se ressentir da mudança no estilo Alckmin, mas é certo que, ao recuar, o candidato tucano deixou órfão um eleitorado nada desprezível e que nada tem de troglodita.

São liberais que defendem o Estado enxuto e menos impostos, ou sociais liberais que incorporaram a seu discurso a estruturação de uma rede de proteção social por um governo que não gaste mais do que arrecada.

Os quatro atuais pré-candidatos a presidente são identificados com a esquerda, pelo menos na sigla, como é o caso de Ciro Gomes, que teve origem no PDS e hoje se habilita à indicação do PSB para candidato. No momento, Ciro corre na faixa da esquerda com uma bandeira moralista na política. Ele costuma usar a frouxidão moral da aliança PT-PMDB e tira votos da candidata do governo, Dilma Rousseff.

A senadora Marina Silva (PV-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, é a novidade e quem pode trazer uma atitude diferente às eleições. Dificilmente será candidata monotemática (o meio ambiente) e deve atrair parte do eleitorado de Lula desapontado com o que vê como declínio moral do governo e do PT. Mas também atrai uma direita mais conservadora no que se refere aos costumes. Para não haver mal entendidos: Marina Silva nunca deixou que suas opções pessoais (sobre aborto e o criacionismo, por exemplo) contaminassem o discurso político da candidata.

O governo e sua candidata devem tentar pregar a pecha da privataria nos tucanos, sendo o candidato José Serra ou Aécio Neves. Acontece que Serra tem um passado nacionalista e no governo paulista, quando teve de vender um bem (Nossa Caixa), o fez para uma estatal federal, o Banco do Brasil. No entanto, é certo que tanto um como o outro serão empurrados para um discurso civilizado de bandeiras da direita, devido a total falta de um representante desse segmento da sociedade para assumí-lo. Trata-se de segmento capaz de decidir uma eleição disputada palmo a palmo, como a que se prevê para 2010.

Os mais expressivos candidatos identificados com direita e os liberais, na eleição de 1989 obtiveram 10,2 milhões de votos: Paulo Maluf, que levou 8,28% do eleitorado, no primeiro turno, Guilherme Afif Domingos, com 4,53%, Ronaldo Caiado, com 0,68% e Aureliano Chaves e Enéas, com 600 mil e 360 mil votos cada um. Isso para não falar de Mário Covas (PSB), o primeiro a falar em choque de capitalismo, e seus 7,7 milhões de votos, e do próprio Fernando Collor, que venceria o pleito com Lula e no primeiro turno assegurou 22,6 milhões de votos.

Naquela eleição, a maior parte do espectro político esteve representada. Com o tempo, a direita liberal foi se desmilinguindo. Hoje seu representante mais orgânico é o Democratas. É o partido que tem um ideário liberal e faz reuniões programáticas com frequência incomum entre os partidos brasileiros. Seria bom, para o amadurecimento da democracia no país, que todas as variantes ideológicas se apresentassem na eleição. Tornaria mais clara e rica a discussão.

Temporada de dossiês

Denise Rothenburg - Correio Brasiliense

Às vésperas de uma eleição tão acirrada como promete ser a de 2010, convém às autoridades ficarem atentas sobre os falsos dossiês que prometem pipocar. Um foi desmontado na semana passada, mas outros virão
Na semana passada, os jornais divulgaram, alguns de forma discreta, outros com altos de página, que era falso o tal dossiê que chegou à imprensa em abril deste ano, tendo como alvo o diretor da Agencia Nacional do Petróleo, Vítor Martins. As últimas notícias apontam que o documento foi produzido com base em desrespeito às garantias individuais, como grampos telefônicos sem autorização judicial e análise de declarações de imposto renda obtidas de forma ilegal.

O caso poderia até passar despercebido não fosse Vítor, o diretor, irmão do ministro da Comunicação, Franklin Martins também citado por ter os telefonemas grampeados de forma ilegal, assim como outras nove pessoas. O fato de o dossiê ter sido atestado como falso é de fazer com que autoridades e jornalistas pensem bem antes de se deixar levar por qualquer papel que chegue às suas mãos, em especial, nessa temporada pré-eleitoral antecipada.

A história recente do país está recheada de documentos que se revelaram falsos. Em 1989, o então candidato a presidente Fernando Collor de Mello invadiu a privacidade do então adversário Luiz Inácio Lula da Silva para, na reta final da campanha, tentar evitar que o petista conquistasse alguns pontinhos a mais e vencesse o pleito. Você que é muito jovem não se lembra, mas Collor levou uma ex-namorada de Lula ao horário eleitoral gratuito para acusá-lo de ter sugerido que ela fizesse um aborto. Lula, que estava embalado, teve um baque com a mentira e chegou completamente desequilibrado aos últimos dias da eleição.

A cena ilustra a que expedientes um político cego pela vitória é capaz de recorrer para chegar à ribalta. Em 1998, por exemplo, quando Fernando Henrique Cardoso concorreu à reeleição, foi a vez dos tucanos sentirem na pele o estrago que informações falsas podem causar. Naquela época, um conjunto de papéis de autencidade não comprovada, o tal dossiê Cayman, falava da existência de uma empresa criada para envio ilegal de recursos ao exterior. A companhia estaria em nome de Fernando Henrique e de outros tucanos, como o ex-governador de São Paulo Mário Covas.

Na eleição daquele ano, cópias do falso dossiê foram espalhadas e vendidas a candidatos da oposição ao governo. Na época, Fernando Collor foi acusado de comprar o documento por US$ 2 milhões o que também nunca foi comprovado, mas está nos jornais.

No pleito seguinte, 2002, esse expediente começou cedo com a invasão da Policia Federal à empresa Lunus, da família da então governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Roseana desistiu da corrida presidencial por causa do dinheiro fotografado sobre uma das mesas da Lunus. Mais tarde, o Supremo Tribunal Federal mandou devolver os recursos apreendidos na Lunus.

A moral da história da invasão da Lunus é de levar a uma reflexão. O episódio não só tirou Roseana da sucessão de Fernando Henrique Cardoso como também serviu para afastar o então partido da governadora, o PFL, do palanque do PSDB de José Serra, que concorreu à Presidência da República naquele ano.

Às vésperas de uma eleição tão acirrada como promete ser a de 2010, convém às autoridades ficarem atentas sobre os falsos dossiês que prometem pipocar. Um foi desmontado na semana passada, mas outros certamente virão.

27.9.09

Zelaya pede desobediência civil em Honduras

Dentro da embaixada brasileira em Tegucigalpa, presidente deposto chama "cada bairro e povoado" para "resistência"

Chanceler brasileiro, Celso Amorim, pedira a Zelaya que evitasse "manifestação que possa ser interpretada de maneira equivocada"


Contrariando orientações do governo Lula, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, abrigado na embaixada brasileira há seis dias, exortou ontem a população do país a "promover atos de desobediência civil" contra o regime de Roberto Micheletti.
"Chamamos [o povo] à resistência para vencer aos que nos roubaram a paz, e a organizar-se, em cada aldeia, bairro, povoado, município, para fazer atos de desobediência civil contra a ditadura", diz o comunicado, distribuído no final da tarde de anteontem aos jornalistas que também estão dormindo na embaixada, entre os quais a reportagem da Folha.
Em conversa telefônica, o chanceler Celso Amorim havia pedido a Zelaya que não fizesse a partir da embaixada "qualquer tipo de manifestação que possa ser interpretada de maneira equivocada", como definiu anteontem, em Nova York.
As constantes declarações de Zelaya exortando à desobediência e as duras respostas de Micheletti têm turvado ainda mais a possibilidade de reabertura dos diálogos entre os dois lados. Na quarta-feira, um emissário do governo golpista visitou a embaixada, mas todos concordaram que não houve avanços reais.
Apesar de apenas uma porta separar Zelaya da imprensa, o presidente deposto preferiu se comunicar via nota. Para economizar papel, foi feita apenas uma cópia, passada de mão em mão entre os nove jornalistas que estão no local.
Na mesma nota, Zelaya diz que "se encontra bem de saúde" depois de a embaixada brasileira ter sido atingida anteontem por um gás não identificado. Ele comparou o episódio "às temíveis duchas nazistas dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial".
O incidente provocou mal-estar entre algumas das 63 pessoas abrigadas no prédio, entre os quais um funcionário da embaixada. Este repórter sentiu o cheiro de gás, semelhante a um pesticida, mas não foi afetado. Três médicos foram autorizados a entrar para examinar os afetados pelo gás, incluindo Zelaya, mas ninguém precisou de cuidados médicos adicionais.
Micheletti diz que não houve ataque de gás contra a embaixada e tem dito que respeitará a soberania da representação.
O Conselho de Segurança da ONU condenou os "atos de intimidação" contra a embaixada brasileira, cercada desde a última terça-feira por policiais e militares e que teve a luz e a água cortadas no início da semana -os telefones fixos seguiam inoperantes.
Por determinação de Zelaya, seguranças dele e de sua família entregaram 17 pistolas a um funcionário da embaixada brasileira, na última quarta. As armas continuam dentro do prédio, em uma sala à qual os militantes não têm acesso.
Apesar de proibição do Itamaraty, parte dos seguidores de presidente deposto continuam usando panos para esconder o seu rosto, principalmente quando estão vigiando a entrada do local.
Na Venezuela para a 2ª Cúpula América do Sul-África, Lula voltou a condenar o golpe, e o Brasil liderou a preparação de comunicado conjunto que exorta o governo golpista a reconduzir Zelaya ao cargo e a respeitar a inviolabilidade da embaixada brasileira.

Manifestações
Também ontem, manifestantes pró-Zelaya -estimados em "milhares"- saíram às ruas de Tegucigalpa para revindicar a restituição do presidente deposto. As manifestações foram convocadas para marcar os 90 dias do golpe de 28 de junho.
"Mel [apelido de Zelaya], amigo, o povo está contigo", entoavam os apoiadores do presidente deposto, que atravessaram uma das principais avenidas da capital hondurenha.
Durante todo o trajeto, os manifestantes foram observados por centenas de policiais e militares, que portavam equipamentos antimotim. Não houve registro de confrontos.
Ao chegar às cercanias da embaixada brasileira, os manifestantes interromperam a caminhada para proferir novos versos, enquanto forças de segurança mantinham bloqueado o acesso à representação.

26.9.09

Essa Deus não perdoa

Em 2005, o bispo da diocese de Barra, na Bahia, dom Luiz Flávio Cappio, ganhou os holofotes ao fazer uma greve de fome em protesto contra a transposição do Rio São Francisco. Em 2007, repetiu a dose com o apoio de esquerdistas e artistas de TV. Agora, o bispo volta à cena: quer construir um santuário no local onde o terrorista Carlos Lamarca foi morto, no sertão baiano


Leonardo Coutinho

Marco Aurélio Martins/A Tarde/AE

Dom Cappio em defesa
de um terrorista assassino


O senhor vai erguer um templo para Lamarca?

Farei um santuário para todos os mártires da diocese. Considero mártir quem morre em defesa de uma causa justa e derrama seu sangue por valores evangélicos. O Lamarca é um mártir.

Lamarca optou pelo caminho da violência e matou gente. Isso é evangélico?
Não quero canonizar ninguém. Sei que o Lamarca teve culpas, e não podemos eximi-las, mas quero valorizar o que ele fez de bom.

O que ele fez de bom?
Lutou contra a ditadura. Estou na região há 35 anos e já ouvi histórias terríveis sobre ele. Diziam que comia gente e estrangulava crianças. Eram coisas que a ditadura colocava na cabeça do povo.

Como o senhor vai bancar a obra?
Com recursos de dois prêmios internacionais que recebi por defender o Rio São Francisco.

Quanto o senhor ganhou?
Um valor simbólico.

Mas quanto?
Só posso dizer que dá para começar.

O senhor não tinha nenhuma obra social com que gastar esse dinheiro?
Já fazemos isso. O santuário será um lugar onde gente que foi maltratada pela história poderá ter seus restos mortais depositados e descansar em paz.

Quem serão os outros mártires?
Trabalhadores rurais mortos em conflitos.

O número 2 de Lula

Preocupado com a queda de Dilma Rousseff, o governo revê sua estratégia para 2010 e decide incentivar uma segunda candidatura chapa-branca – a do deputado Ciro Gomes


Otávio Cabral

Fotos Sergio Dutti/AE
DIVISÃO DE TAREFAS
Dilma seguirá o roteiro de herdeira de Lula, enquanto Ciro se encarregará de atacar os tucanos:
o compromisso fechado com o presidente é que não haja fogo amigo entre seus aliados

Para o presidente Lula, eleger o sucessor em 2010 é uma obsessão. Ele é dono de índices espetaculares de aprovação, coleciona comendas mundo afora e está convicto de que a história do Brasil será dividida entre os períodos a.L. e d.L. – antes de Lula e depois de Lula. A derrota nas urnas de um herdeiro político não cabe nesse currículo. Há mais de seis meses o presidente está em campanha apresentando nos palanques sua candidata, a ministra Dilma Rousseff. Até agora, porém, a fama de eficiente dela e a popularidade dele não têm se transformado em intenções de voto no volume esperado. O que parecia ser a receita correta para o continuísmo está se mostrando um fracasso na prática. Diante do quadro até agora desfavorável, Lula pôs em andamento um plano alternativo. O governo decidiu dividir as bênçãos da aprovação plebiscitária de Lula entre Dilma e um segundo nome identificado com a atual administração – o deputado Ciro Gomes, do PSB.

Disputar a eleição presidencial com dois candidatos ungidos pelo Planalto parece, à primeira vista, mais uma daquelas obras de arquitetura política muito atraentes no papel, mas que não se sustentam no mundo do concreto. A estratégia faz mais sentido quando examinada em dois tempos. Dar publicidade a esse caminho agora aumenta, pelo menos teoricamente, a perspectiva de continuidade no poder do atual grupo governante. Isso soa como música aos ouvidos dos potenciais aliados que abominam a ideia de sentir saudade das emas do Palácio da Alvorada a partir de janeiro de 2011. Quanto maior a perspectiva de vitória, maior o poder de atração de apoios. Quem se beneficiou disso foi Ciro Gomes. O deputado apareceu na última pesquisa de intenção de voto empatado na segunda colocação com Dilma Rousseff – ambos muito atrás do governador de São Paulo, José Serra. A diferença é que Ciro está em ascensão, enquanto Dilma vem perdendo fôlego, principalmente depois do anúncio da candidatura da senadora Marina Silva, do PV (veja o gráfico abaixo).

Craig Ruttle/AP
OBSESSÃO
Lula quer garantir um candidato
oficial no segundo turno. Mas quem?


Lula relutou em abraçar a candidatura Ciro Gomes. Nos últimos três meses, o presidente se empenhou em tentar convencer o deputado a transferir o domicílio eleitoral para São Paulo e disputar o governo estadual. Assim, com uma única tacada, ele se livraria de um adversário incômodo no plano federal e ganharia um aliado em São Paulo. As últimas pesquisas, porém, mostraram que Ciro e Dilma podem, pelo menos no primeiro turno, constituir uma aliança informal pelo parentesco ideológico e, principalmente, pelo adversário comum. Ciro é um orador inflamado, exímio construtor de frases que, a despeito da falta de lógica e amparo na realidade, têm poderoso efeito comunicador. Os julgamentos sobre o que é certo ou errado, bom ou ruim, velho ou novo, saem da boca de Ciro com a certeza de um pregador protestante. Ele faz o mundo parecer simples. Isso agrada aos ouvidos de certo tipo de eleitor incapaz ou indisposto diante do desafio de destrinchar discursos mais complexos. Nesse particular, Ciro é o oposto de Dilma. A ministra é quase sempre cerebral ao ponto de enregelar as audiências com o fogo frio de seu olhar e a cordilheira de números que deita sobre seus ouvidos.

O ponto decisivo para convencer Lula foi o fato de a estratégia ter dado certo antes. Eduardo Campos, atual governador de Pernambuco, estava em terceiro lugar, mas acabou vencendo a eleição no segundo turno. Para superar o candidato que liderava com folga todas as pesquisas, PT e PSB, aliados, lançaram cada um seu próprio candidato com o compromisso de que o perdedor apoiaria o vencedor num eventual segundo turno. Deu Campos. Diz Ciro Gomes, que adorou o arranjo: "Eu não serei um candidato contra o governo ou contra Dilma. Pelo contrário, a condição para eu ser candidato é ser aliado de Lula. A candidata do partido dele é Dilma, mas ele também vai me apoiar". Na campanha, uma das principais funções do candidato do PSB, segundo o plano traçado pelo governo, será fustigar José Serra. Enquanto Dilma fará uma campanha propositiva, aos moldes do "Lulinha paz e amor" de 2002, Ciro vai atacar o tucano, relembrando escândalos do governo FHC e mostrando os pontos fracos do governo paulista. Ele não terá dificuldades em cumprir esse papel. Ciro, que já foi do PSDB, tem uma antiga rixa com o governador paulista. Ele abandonou o ninho tucano por desavenças políticas e pessoais com a ala paulista do partido, principalmente com Serra. Na campanha de 2002, ele atribuiu ao tucano o naufrágio de sua candidatura. "Havia uma equipe de TV do Serra no meu encalço o tempo todo. Todo escorregão que eu dava estava no dia seguinte no programa de TV do PSDB", conta, ainda demonstrando muita mágoa. Ciro repetirá que o governo de Lula foi melhor que o de Fernando Henrique Cardoso e que a eleição de um novo presidente tucano seria um retrocesso. "Não podemos deixar que eles voltem" é bordão repetido em entrevistas e debates do candidato.

Eleitoralmente, Ciro também representa um contraponto à própria Dilma, o que pode parecer um problema, mas também já foi devidamente calculado. Lula acredita que essa diferença é útil em uma campanha, pois cada um pode enfraquecer Serra em uma frente distinta. Dilma, a número 1, é novata em disputas eleitorais, enquanto Ciro, o número 2, está no ramo há quase trinta anos. Dilma é mineira e fez carreira no Rio Grande do Sul, enquanto Ciro é paulista e fez a vida no Nordeste. A petista lutou na clandestinidade contra a ditadura quando o socialista ainda nem pensava em fazer política. Pelas pesquisas, Dilma tem mais penetração no eleitorado menos esclarecido, mais pobre e morador do interior, enquanto Ciro se destaca entre os mais escolarizados, com mais dinheiro e moradores de grandes cidades. Parece perfeito, mas o PSB e o governo têm uma preocupação capital: a personalidade do próprio Ciro. Em 2002, quando estava bem cotado nas pesquisas, ele mesmo se derrotou ao chamar um eleitor de burro em um programa de rádio. Depois, disse que a função de sua mulher, a atriz Patrícia Pillar, era apenas dormir com ele. Para tentar evitar novos contratempos, o PSB estabeleceu condições para aprovar a candidatura. Ciro não poderá falar mal de Lula e do governo, nem hostilizar o PT – e terá de manter o equilíbrio, sem reagir a provocações. Diz o deputado: "A política é cruel, aprendi. Vão me provocar, mas eu vou ter de engolir, vou ter paciência, dar uma risadinha e deixar pra lá".

O pesadelo é nosso

Na contramão da tradição diplomática nacional, o Brasil se intromete na política interna de outro país e o faz da pior maneira possível: como coadjuvante de Hugo Chávez


Otávio Cabral e Duda Teixeira

Edgard Garrido/Reuters
À vontade
Zelaya dorme na embaixada brasileira em Tegucigalpa: ele se diz torturado por "mercenários de Israel" com "radiação de alta frequência"

Lula tem na política o instinto matador que caracteriza os grandes artilheiros do futebol tão admirados por ele. Na semana passada, essa habilidade abandonou o presidente da República. Ele esteve em Nova York para discursar na abertura da 64ª Assembleia-Geral da ONU, palco privilegiado para fazer aquilo de que mais gosta e que faz como poucos: enaltecer o Brasil aos olhos do mundo. Em sua fala, Lula assinalou os avanços no uso de energias limpas no Brasil e mesmerizou os burocratas internacionais com ataques à caricatura do mercado onipotente. Ficou nisso. A maior parte do tempo passado sob os holofotes foi dedicada por Lula a falar de um país estrangeiro, Honduras, uma nação paupérrima sem nenhuma relação especial com o Brasil. Politicamente instável, Honduras vem de ejetar do posto e exilar um presidente, Manuel Zelaya, pela tentativa de desrespeitar a Constituição e, por meio da convocação de um plebiscito, perpetuar-se no poder.

Caso típico da contaminação ideológica patrocinada pelo venezuelano Hugo Chávez, Zelaya vendeu a Caracas seu pouco valorizado passado de latifundiário direitista. De repente, começou a se pautar pela cartilha populista chavista de miséria moral e material, supressão de liberdades individuais, desrespeito às leis, aos costumes civilizados, associação com o narcotráfico e, claro, eternização no poder – receita que estranhamente passou a ser chamada de esquerda na América Latina. Em uma operação comandada por Chávez, Zelaya foi conduzido de volta a Honduras e se materializou com numerosa comitiva na casa onde funciona a Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Esse hóspede incômodo, de aparência bizarra e com sinais evidentes de distúrbios mentais – ele se diz vítima de ataques por radiação de alta frequência e gases tóxicos que ninguém mais percebe –, foi o grande assunto de Lula em Nova York. O Brasil pode esperar outra oportunidade.

Zelaya é um problema dos hondurenhos que encurtaram seu mandato antes que ele o espichasse indefinidamente. É um problema também de Chávez, que não se conforma em perder o investimento feito na conversão dele ao seu credo. É um problema dos Estados Unidos pela proximidade geográfica e por estar na sua esfera de influência histórica. Pois a semana acabou com Zelaya sendo um problema e constrangimento para o Brasil. Golpe de mestre de Chávez, que evitou alojar Zelaya na Embaixada da Venezuela, ordenando a seus amigos na paradiplomacia brasileira chefiada por Marco Aurélio Garcia que o acolhessem na representação brasileira. "Hoje, o Brasil tem um problema em Honduras e Chávez, que o produziu, não tem nenhum", diz Maristela Basso, professora de direito internacional da Universidade de São Paulo. Chávez age como o líder do subcontinente americano. Faz troça dos Estados Unidos e ignora Lula.

Edgard Garrido/Reuters
SINTAM-SE EM CASA
Partidários de Zelaya sob proteção brasileira: a embaixada em Honduras foi convertida em palanque eleitoral


Com as eleições marcadas para o próximo dia 29 de novembro, o governo interino que derrubou Zelaya se preparava para reconduzir o país à normalidade democrática. O candidato ligado a Manuel Zelaya aparecia até bem colocado nas pesquisas de intenção de voto. Seria uma saída rápida e democrática para um golpe, coisa inédita na América Latina. Seria. Agora o desfecho da crise é imprevisível. O mais lógico seria deixar o retornado sob os cuidados dos amigos brasileiros até depois das eleições, que, se legítimas, convenceriam a comunidade internacional das intenções democráticas dos golpistas. E, claro, com-binar isso com os apoiadores e detratores de Zelaya nas ruas (veja a reportagem da enviada especial de VEJA, Thaís Oyama), já que elas costumam ter sua própria e volátil dinâmica. O Brasil, que poderia ser parte da solução da crise de Honduras, tornou-se, graças a Chávez, o problema. A embaixada brasileira agora tem um hóspede que ouve vozes e uma paradiplomacia que ouve ditadores estrangeiros.

"O Brasil passou à condição de refém de Zelaya. Ele jamais quis nossa proteção, tudo o que quer é usar a embaixada como palanque eleitoral", definiu na sexta-feira passada o embaixador Marcos Azambuja, expoente do passado de diplomacia profissional de padrão mundial que um dia prevaleceu no Itamaraty. O ministro-conselheiro Francisco Catunda Resende, único diplomata brasileiro em Honduras, foi quem recebeu Zelaya, acompanhado da mulher, Xiomara, filhos e bagagem, às 11 horas da manhã de segunda-feira. Catunda Resende já tinha sido informado, em termos misteriosos, da iminente chegada de um visitante ilustre, conforme VEJA apurou no Itamaraty. O que não estava combinado era que Zelaya transformaria a embaixada em comitê de campanha, com centenas de correligionários acampados dentro do prédio. Ele deu entrevistas dentro da embaixada e proferiu um discurso da varanda do 2º andar. Disse que lutaria pelo cargo até a morte e conclamou a população a resistir. Tomou conta do lugar com tal desfaçatez que seu pessoal se recusou a dividir com os funcionários brasileiros a comida enviada pela ONU. A situação é inédita nas relações internacionais (veja o quadro). Em geral, um país dá asilo em sua embaixada a alguém que é perseguido e corre risco no país. Não é o caso de Zelaya, que estava em segurança na Nicarágua e resolveu voltar para Honduras, onde há um mandado de prisão contra ele. A versão oficial do Itamaraty é que está "abrigando o presidente Zelaya numa situação peculiar, na qual ele corre risco" e que ele "não é um asilado". "Se eu estivesse lá, deixaria o presidente deposto entrar na embaixada e o manteria lá. O que não tem cabimento é a chegada de 300 aliados políticos, que passaram a utilizar a embaixada como um comitê", diz Roberto Abdenur, que foi embaixador em Washington.

Fotos Henry Romero/Reuters e Franklin Rivera/AFP
PAÍS TUMULTUADO
Hondurenhos protestam contra Chávez e, ao lado, partidário de Zelaya: o incrível latifundiário que virou ícone esquerdista


A ajuda a Zelaya é a confirmação da primazia da ideologia sobre o interesse nacional no governo Lula. Honduras só tem importância na retórica e nos planos de Chávez, que procura ampliar sua influência entre os pequenos países centro-americanos. Honduras não está na agenda diplomática do Brasil – aliás, de nenhum país exceto seus vizinhos e a Venezuela – porque não tem importância política ou econômica. É um exportador de bananas e, com sua instabilidade crônica, serviu de modelo para a criação da expressão "república bananeira". Praticamente, só conta com um parceiro comercial, os Estados Unidos. A crise é um daqueles casos em que os dois lados envolvidos não têm razão. Incentivado por Chávez, Zelaya tentou modificar uma cláusula pétrea da Constituição e instituir a reeleição. O Congresso e o Judiciário proibiram um plebiscito sobre o tema, que foi mantido por Zelaya. A Suprema Corte, então, decretou sua prisão. Em vez de prendê-lo, porém, um comando militar invadiu sua casa durante a madrugada e o expulsou do país, ainda de pijama. Em seu lugar foi empossado Roberto Micheletti, presidente do Congresso e membro do mesmo partido de Zelaya.

Houve um golpe de estado? Sim. País pequeno e pobre, Honduras foi transformada num caso exemplar do repúdio da comunidade internacional aos golpes de estado. Foi castigada com sanções econômicas e congelamento nas relações diplomáticas. Exceto por isso, o problema não era tão grande. A medida de força foi, até certo ponto, justificável pelas leis do país. Até o momento do golpe, o maior perigo para a democracia era o presidente Manuel Zelaya. Ele seguia os passos de Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales, e queria reescrever a Constituição para ampliar o próprio mandato. Não foi um golpe revolucionário, que rasga a Constituição, militariza o Poder Executivo e elimina a liberdade de expressão. Ao contrário, o objetivo era preservar as instituições. As eleições foram mantidas, com a presença da oposição, em 29 de novembro. Havia calma nas ruas, apesar de o país sentir o peso das sanções econômicas. A situação em Honduras só tinha importância para Zelaya. Se as eleições fossem realizadas, um novo presidente assumiria e o deposto cairia no anonimato. Em entrevista a VEJA, o americano Peter Hakim, do Diálogo Inter-Americano, um centro de estudos em Washington, colocou a questão em termos realistas: "Honduras pode ter cometido um pecado, mas não é a Sérvia ou Darfur. A comunidade internacional deveria focar no retorno da melhor democracia que eles possam ter". O governo Lula preferiu apoiar os planos de continuísmo de Zelaya. Essa intervenção jogou lenha na fogueira e pôs Honduras à beira da anarquia.

Rodrigo Abd/AP
CAOS E TEMOR
O país estava em paz, mas a volta do presidente deposto esquentou os ânimos: supermercado saqueado


Manuel Zelaya é o mais improvável dos ícones adotados pela esquerda pró-Chávez. Um homem rico, dono de fazendas e madeireiras, anda sempre de botas, guayabera (a camisa típica da América Central) e chapéu branco, de abas largas. Com quase 2 metros de altura, bigodão de mexicano em filme americano, ele cultiva a imagem de um homem do campo honesto e trabalhador. Gosta de ser chamado de "Comandante Vaqueiro". Filho de uma família tradicional de fazendeiros, Zelaya filiou-se ao Partido Liberal, o mais à direita de Honduras, em 1970. Seu pai tinha sido do mesmo partido, mas teve suas ambições políticas frustradas quando passou sete anos na cadeia. Foi condenado como mandante do assassinato de dois padres e treze agricultores sem-terra que haviam invadido sua propriedade. A aproximação com Chávez ocorreu em 2008 e contou, no início, com apoio no Congresso. Em troca de 130 milhões de dólares, 4 milhões de lâmpadas e 100 tratores, Honduras entrou para a Alba, a associação de amigos de Chávez.

Os hondurenhos desconheciam então que o presidente também recebera de Chávez conselhos perversos sobre como se utilizar de mecanismos democráticos, como eleições e plebiscitos, para aniquilar a democracia e se perpetuar no poder. Um comunista diria que faltaram ao chavista neófito as condições objetivas para aplicar o modelo bolivariano de tomada do poder. Em fim de mandato, com popularidade baixa (30%), andava às turras com os companheiros liberais e, quando não conseguiu cooptar o chefe das Forças Armadas para a realização do plebiscito, ele fez a besteira de demiti-lo sumariamente. É um mistério como ele pretendia ser aceito como caudilho sem ter o apoio do Judiciário, do Legislativo, das Forças Armadas e da população. É difícil deduzir se Zelaya se atrapalhou por esperteza ou ingenuidade. Não se deve descartar a hipótese de que o homem seja um lunático. Como sugere sua queixa, na semana passada, de que "um grupo de mercenários israelenses" estava perturbando seu cérebro com "radiações de alta frequência". A paranoia dos raios mentais é um sintoma clássico de esquizofrenia. O certo é que Zelaya não cabe no figurino de um mártir da democracia.

Oswaldo Ribas/Reuters
SEQUELAS DO GOLPE
Roberto Micheletti, presidente interino de Honduras: sanções econômicas já causaram uma queda de 6% no PIB hondurenho


Desde que foi deposto e expulso do país, em 28 de junho, Zelaya conta com a ajuda do Brasil. O presidente Lula e o senador José Sarney o receberam em Brasília com honras de chefe de estado. Um exagero, mas ainda dentro do razoável. Lula é obcecado por fazer do Brasil um protagonista no cenário mundial. Daí a mania de dar palpite em temas sobre os quais seria melhor ser discreto. O Brasil está bem equipado para desempenhar um papel mais ativo. Uma das dez maiores economias do mundo, o país é uma democracia de dimensões continentais. Seu presidente, por sua vez, é festejado e bem-vindo no exterior. Pode-se contar também com o apoio dos Estados Unidos, que veem o fortalecimento do Brasil como uma boa forma de conter a influência de Chávez no continente. Se o país é humilhado pelos vizinhos, tem suas riquezas roubadas impunemente e acumula derrotas nos organismos internacionais, é porque o presidente e seus diplomatas escolheram o caminho da ideologização da diplomacia nacional (veja o quadro). Qualquer regime minimamente antiamericano conta com o apoio tático do governo brasileiro – ainda que esteja envolvido em genocídio, como o do Sudão, ou seja tratado como pária mundial, como o do Irã. As estripulias dos governantes de esquerda da região – mesmo que eles estejam agindo contra os interesses brasileiros – são toleradas em silêncio pelo presidente Lula. "Por causa dessa política externa, estamos sempre a reboque dos acontecimentos", disse a VEJA Rubens Barbosa, que foi embaixador brasileiro em Washington. O Brasil poderia ser protagonista de uma solução pacífica em Honduras, cujo formato foi definido por Oscar Arias, Prêmio Nobel da Paz e presidente da Costa Rica, com o apoio dos Estados Unidos e da Organização dos Estados Americanos. Chávez foi mais convincente. Na Assembleia-Geral da ONU, em rompante, Lula chegou a dar ultimato ao governo de Honduras. Vai mandar os fuzileiros navais? Seria a suprema vitória de Chávez na armadilha que armou para Lula.

Com reportagem de Thomaz Favaro

21.9.09

Ministro e réu

Indicado a uma vaga no STF, Antonio Toffoli foi condenado duas vezes a devolver dinheiro aos cofres públicos, mas as sentenças não são definitivas


Diego Escosteguy

Sergio Lima/Folha Imagem

"CONLUIO"
Toffoli foi condenado por ter se beneficiado "indevidamente" de um contrato de advocacia celebrado com o governo do Amapá, após uma "suposta licitação". A Justiça local julgou "absolutamente ilegal" a contratação e determinou a devolução dos recursos recebidos: o advogado já recorreu da decisão e, precavido, alertou o presidente Lula antes da indicação


Cabe a somente onze brasileiros, homens e mulheres que compõem a mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal, a nobre tarefa de proteger o espírito da Constituição da República – documento que consagra os princípios e os valores da democracia e da Justiça no Brasil. Não é fácil tornar-se um desses defensores. O candidato precisa ser brasileiro nato, ter mais de 35 anos, exibir notável saber jurídico e apresentar reputação ilibada. O presidente da República indica um candidato. Cabe ao Senado confirmar ou rejeitar a escolha presidencial. Esse é um processo que costuma ser rápido, formal e reverente. Ou seja, o Senado nunca rejeita as indicações do Planalto. Essa tradição pode mudar com a mais nova indicação do presidente da República, José Antonio Dias Toffoli, advogado-geral da União, que pleiteia a vaga deixada pelo jurista Carlos Alberto Direito, morto no começo deste mês. Toffoli é brasileiro nato, tem 41 anos, não tem mestrado, foi reprovado duas vezes no concurso para juiz estadual e apresenta escassa produção acadêmica. Sua experiência profissional mais evidente, antes de entrar no governo, foi a de advogar para o PT. O fraco currículo, porém, não é o seu maior obstáculo. Toffoli é duas vezes réu. Ele foi condenado pela Justiça, em dois processos que correm em primeira instância no estado do Amapá. Em termos solenemente pesados, a sentença mais recente manda Toffoli devolver aos cofres públicos a quantia de 700.000 reais – dinheiro recebido "indevidamente e imoralmente" por contratos "absolutamente ilegais", celebrados entre seu escritório e o governo do Amapá.


Os negócios que resultaram na dupla condenação do candidato a ministro do STF ocorreram entre 2000 e 2002, na gestão do então governador do Amapá, João Capiberibe. Nesse período, Toffoli acumulou dois trabalhos prestados a Capiberibe. O primeiro foi o de "colaborador eventual" do governo do estado. O segundo, levado a cabo pelo escritório de advocacia de Toffoli, foi o de defender os interesses pessoais de Capiberibe e de seu grupo político junto ao Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília. Até aqui nada de ilegal aos olhos da Justiça ou de pouco ético do ponto de vista de quem precisa ter "reputação ilibada" para se candidatar a uma vaga no STF. A coincidência de data dos dois trabalhos prestados por Toffoli e seu escritório a Capiberibe, no entanto, chama atenção. Enquanto recebia dinheiro para assessorar o governo do Amapá, Toffoli defendia também interesses pessoais de Capiberibe em três processos no TSE. No dia 14 de julho de 2000, o governo do Amapá contratou Toffoli como "colaborador eventual", sem precisar honorários ou função específica. Dez dias depois, Toffoli ingressou com uma ação no TSE em favor de Capiberibe. A sentença condenatória contra Toffoli sugere que se está aqui diante não de uma coincidência, mas de uma manobra para pagar com dinheiro público um advogado e seu escritório por prestarem serviços particulares ao governador.

A recente indicação do sentenciado para ocupar uma vaga no STF transforma uma questão cível corriqueira em um embaraço do tamanho do Pico da Neblina. Apenas para se ter uma ideia da confusão, o que ocorreria se Toffoli for confirmado pelo Senado para o STF e, mais tarde, seu processo for subindo de instância e chegar ao próprio STF? Não é incomum que juízes se tornem réus de ações cíveis e até criminais. O que pode haver de extraordinariamente novo aqui é um réu se tornar não apenas juiz – mas ministro da corte constitucional brasileira. Os processos contra o futuro ministro tramitam no Tribunal de Justiça do Amapá. Ambos resultam de ações populares, um instrumento jurídico que, segundo a Constituição que Toffoli talvez venha a defender, pode ser utilizado por qualquer cidadão que pretenda anular um "ato lesivo ao patrimônio público ou à moralidade". O ato lesivo resultou da contratação do escritório do atual advogado-geral da União pelo governo do Amapá. O objeto do contrato era "prestar serviços técnicos profissionais na esfera judicial e/ou administrativa". Toffoli e seu sócio receberam 420 000 reais no decorrer de um ano. Nas palavras de Mário Cézar Kaskelis, um dos juízes do caso, trata-se da "exorbitante quantia" de 35 000 reais mensais (60 000 reais, em valores atualizados), para deixar à disposição do governo do estado dois advogados.

Complica ainda mais o caso o fato de os advogados terem sido contratados ao cabo de um mecanismo que pareceu ao juiz Kaskelis uma "suposta licitação... eivada de nulidade". Escreveu o juiz: "Houve simplesmente uma espécie de terceirização dos serviços que a administração pública já dispunha, através do seu quadro de procuradores. O contrato é absolutamente ilegal, estando viciado por afronta ao conjunto de regras da administração pública e da moral jurídica". Em outro processo, que corre na 4ª Vara Cível de Macapá, o juiz Luiz Carlos Kopes Brandão condenou Toffoli, em 2006, a devolver 20 000 reais recebidos diretamente do governo do Amapá, como "colaborador eventual". Diz o juiz Brandão: "Não é preciso esforço algum para perceber a ilegalidade e a lesividade do contrato. Houve afronta aos princípios da impessoalidade e da moralidade".

Antonio Milena

NÃO
Capiberibe contratou,
mas não lembra


Toffoli não quis conversar com os repórteres de VEJA sobre os processos, mas orientou sua advogada, Daniela Teixeira, a dizer à revista que já apelara da condenação e que a sentença "está suspensa". Esse é o ponto de vista do réu. A Justiça do Amapá informa que ainda não se pronunciou sobre os argumentos de Toffoli para anular a sentença. Até que o juiz
se manifeste, a sentença permanece válida. A favor do candidato de Lula para a vaga do ministro Direito no STF, é preciso reconhecer que as evidências mais fortes de ilegalidade apontam mesmo para o comportamento do governador do Amapá e de seus auxiliares. Qual seria a responsabilidade do escritório de Toffoli caso os honorários tenham sido pagos ilegalmente, mas essa circunstância lhe tenha sido sonegada? Os juízes de primeira instância debruçaram-se sobre essa questão e, na visão deles, Toffoli e seu escritório, cientes ou não da ilegalidade do contrato, devem arcar com o prejuízo. Os juízes se baseiam na lei que regula a ação popular, o instrumento utilizado nos dois processos. O juiz Kaskelis é especialmente contundente nesse particular: "Eles (os advogados) estavam conscientes de que lesavam o Erário e, após receberem pelos contratos ilegais/imorais, não podem agora ter chancelados tais procedimentos pelo Judiciário". O juiz observa ainda um elemento agravante no caso: "Não se pode vislumbrar a existência de boa-fé da sociedade de advogados e seus membros que, pela própria natureza dos serviços que prestam em conluio com agentes administrativos, desempenharam conduta sabidamente contrária à lei".

Mesmo sob o choque de palavras tão duras como as da sentença acima, Toffoli pode estar certo. Seu escritório pode não ter nenhuma responsabilidade nos contratos com o governo do Amapá. Os contratos podem não ser ilegais. Os serviços podem ter sido prestados. Sua atuação como advogado no TSE em favor do grupo político com o qual assinou esse contrato pode não ter relação com a licitação estadual. Poder, pode. Mas um aspirante a ministro do STF com um currículo pouco convincente deveria ao menos chegar às portas da indicação sem estar na condição de réu. Procurado por VEJA, o ex-governador João Capiberibe, também condenado no caso, forneceu a seguinte negativa: "Estou achando tudo isso muito estranho. Tenho convicção de que o Toffoli nunca advogou para mim. Não tenho a menor lembrança de ter passado alguma procuração para ele. Eu nunca assinaria esses contratos de advocacia porque sei que seriam ilegais". Mas assinou – e Toffoli comprovadamente trabalhou para Capiberibe como advogado em pelo menos outros oito processos envolvendo aliados do governador.

A indicação de Toffoli é a oitava de Lula para o Supremo. Até agora, o presidente – que foi informado da condenação – havia conseguido modular sabiamente suas escolhas, equilibrando-se entre o dever republicano de optar por juristas de indiscutível capacidade intelectual e a inevitável tentação de apadrinhar simpatizantes do projeto político petista. Carlos Ayres Britto, ministro indicado por Lula e próximo ao PT, apresenta um inconteste domínio das leis, das teorias jurídicas e do bom senso. Joaquim Barbosa é de esquerda, mas sua visão ideológica não impediu que desferisse um golpe contra a quadrilha de mesma ideologia que produziu o mensalão. A indicação de Toffoli é de outra natureza. Um dos empecilhos mais incontornáveis para ele é sua visceral ligação com o PT, especialmente com o ex-ministro José Dirceu, o chefe da quadrilha do mensalão. De todos os ministros indicados por Lula para o Supremo, Toffoli é o que tem mais proximidade política e ideológica com o presidente e o partido. Sua carreira confunde-se com a trajetória de militante petista – essa simbiose é, ao fundo e ao cabo, a única justificativa para encaminhá-lo ao Supremo.

Formado pela USP, ele jamais fez pós-graduação, mestrado ou doutorado. Em 1994 e 1995, foi reprovado em concursos para juiz estadual em São Paulo. Depois disso, abriu um escritório e começou a atuar em movimentos populares. Nessa militância, aproximou-se do deputado federal Arlindo Chinaglia e deu o grande salto na carreira ao unir-se ao PT. Em Brasília, aproximou-se de Lula e de José Dirceu, que o escolheram para ser o advogado das campanhas de 1998, 2002 e 2006. Com a vitória de Lula em 2002, foi nomeado subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, então comandada por Dirceu. Com a queda do chefe, pediu demissão e voltou à banca privada. Longe do governo, trabalhou na campanha à reeleição de Lula, serviço que lhe rendeu 1 milhão de reais apenas em honorários. No segundo mandato, voltou ao governo como chefe da Advocacia-Geral da União. Toffoli pode vir a ser o terceiro ministro mais jovem da história do STF. Dependendo do que os senadores considerem como reputação ilibada, pode, também, ser o primeiro a viver o constrangimento de ter sua indicação rejeitada.

18.9.09

PF vai indiciar empreiteiros, diz delegado

Responsável pela operação, que vazou para alguns investigados, afirma que "já há elementos" contra todos os envolvidos

César Hübner não culpa imprensa pelo vazamento e avalia que as buscas seriam apenas "a cerejinha do bolo" da investigação policial

Responsável pela operação da Polícia Federal contra as maiores empreiteiras do país, o delegado César Hübner, 41, disse em entrevista à Folha que "já há elementos para indiciar todos os envolvidos" por crimes relacionados a fraude a licitações realizadas pela Infraero, a estatal que administra aeroportos brasileiros.
A operação, que Hübner arrisca dizer que seria talvez a maior da história do país na área de fraude a licitações, ainda não tinha nome (internamente na polícia era chamada de "caso Infraero"). Segundo a reportagem apurou, entre as empresas investigadas estão OAS, Camargo Corrêa, Odebrecht, Nielsen e Gautama Na semana passada, Justiça, Ministério Público e PF souberam que vazara a decisão judicial da busca e apreensão na casa de investigados. No sábado, a Folha divulgou a gestação da operação. A PF abriu inquérito para apurar o vazamento.
O pedido inicial da PF incluía prisões, mas a Justiça concedeu apenas as buscas, em 2 de setembro, decisão registrada no andamento processual do caso disponível na internet. Com sete anos de PF, dois dos quais dedicados ao "caso Infraero", Hübner disse que apesar do vazamento "este trabalho está bem sólido".



FOLHA - A ação será deflagrada?
CÉSAR HÜBNER - Estamos avaliando os prejuízos efetivos. Há, por exemplo, os prejuízos materiais, relacionados a todo aquele trabalho de levantamento dos alvos, que tinha sido feito. Essa seria uma das maiores, senão a maior operação envolvendo investigação de crimes relacionados a licitações públicas. Este trabalho está bem instruído. Já há elementos para indiciar todos os envolvidos. O passo primordial, agora, nós já tomamos, que era instaurar um inquérito para apurar o vazamento das informações.

FOLHA - Que crimes estão comprovados?
HÜBNER - Os previsíveis quando se trata de fraude a licitação.

FOLHA - Corrupção ativa, passiva, quadrilha...
HÜBNER - Com certeza.

FOLHA - O indiciamento normalmente ocorre depois que os investigados foram ouvidos. Já foram?
HÜBNER - Não.

FOLHA - A PF pretende indiciá-los agora, antes do depoimento, no que se chama de indiciamento indireto?
HÜBNER - Vamos avaliar o melhor momento. Existe a possibilidade de contar com eventual colaboração, há também a delação premiada... É como disse: este trabalho, que já vimos desenvolvendo nos dois últimos anos, está bem sólido. Nosso propósito com as buscas, seria, como vocês escreveram, chegar a um complemento, uma cerejinha no bolo.

FOLHA - A PF sabia que a informação havia vazado?
HÜBNER - Ficamos sabendo, quando procurados pela imprensa, que a informação sobre a operação já circulava. Essa investigação transcorre há dois anos. Tomamos todos os cuidados para não haver vazamento. Os trabalhos policiais foram conduzidos fora da sede da PF, por exemplo. No limiar de deflagrar, ocorreu esse vazamento. Não culpamos a imprensa, que está cumprindo o seu trabalho. Mas tem um inquérito instaurado e vamos buscar saber como isso ocorreu.

15.9.09

Dilemas e argúcia petistas

Dilemas e argúcia petistas
Denise Rothenburg - Nas Entrelinhas - Correio Brasiliense

O PT vai reunir seu diretório nacional nesta quinta-feira para começar a analisar a criação de um Grupo de Trabalho Eleitoral (GTE) para cuidar da pré-campanha da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República. São vários temas que esse grupo abordará: planejamento de captação de recursos, sistema de pesquisas pré-eleitorais, alianças nos estados.

A ideia é criar um grupo que tenha peso político, com a presença de nomes de expressão dentro das tendências partidárias e fora delas, como o ex-presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, pelo movimento PT, e Antonio Palocci (PT-SP), que os petistas de uma forma geral estão ávidos por ver reabilitado. Também serão chamados os ex-prefeitos de Belo Horizonte Fernando Pimentel; de Recife João Paulo; e de São Paulo Marta Suplicy, que já vinham há alguns meses cuidando dessa etapa da campanha.

A intenção do PT ao criar esse grupo é sair de dois dilemas. O primeiro é saber quem vai trabalhar de fato dentro do partido pela candidatura da ministra nessa fase. O problema é que a maioria dos petistas está hoje voltada ao processo de eleição direta (PED), como eles se referem ao período de campanha pelo comando partidário municipal, estadual e federal.

A eleição está marcada para 22 de novembro. Ou seja, num momento em que todos os demais partidos estão se movimentando em busca de alianças para 2010, o PT estará parado cuidando do próprio umbigo. Daí a necessidade de ter pelo menos um grupo voltado à essa missão com a ótica do PT, para não deixar que tudo seja resolvido pelo presidente Lula, no papel de magistrado que, na visão dos petistas, é capaz de deixar o próprio partido a ver navios para agradar outras agremiações, em especial, o PMDB. Fez isso, por exemplo, ao deixar a relatoria do projeto de partilha do óleo do pré-sal nas mãos do líder peemedebista, Henrique Eduardo Alves (RN). O PT não está disposto a perder outras batalhas na sucessão.

O outro dilema que o PT pensa em resolver e logo é a própria candidata. A criação do GTE — os petistas amam uma sigla! — ajuda a exorcizar alguns fantasmas que ainda povoam o imaginário popular e até mesmo de alguns petistas que duvidam de que Lula queira mesmo fazer de Dilma Rousseff a sua representante empunhando a bandeira do PT na corrida presidencial de 2010.

Ora, Lula não tem outro nome a quem recorrer neste momento, a não ser que faça um movimento mais ousado no sentido de deslocar Jaques Wagner da Bahia ou Marcelo Déda de Sergipe, ou um Patrus Ananias do Ministério do Desenvolvimento Social. Antonio Palocci, por mais que tenha sido absolvido, só emplacaria de tivesse o caseiro de candidato a vice na chapa, como brincam os petistas que não gostam de Palocci.

Até agora, Lula não demonstrou em momento algum que deseja trocar Dilma por outro nome. Por isso, ao criar um grupo de trabalho para cuidar da campanha dela, o PT também passa a cuidar desse assunto — e da candidata — como fato consumado. Assim, se houver alguma mudança lá na frente e, para alguns petistas essa esperança é a ultima que morre, será por acidente de percurso e não uma ação premeditada, do tipo "Dilma nunca foi a candidata e agora chegou o verdadeiro nome".

Assim, enquanto o GTE cuidará da pré-campanha partidária, o presidente Lula faz seu papel de cuidar da promoção da candidata de fato. Revigorada pelas férias depois do banho de pré-sal do fim de agosto, Dilma voltou a desfilar ontem ao lado do presidente em Roraima. E dá-lhe anúncio de obras.

Por falar em pré-sal…

O PT criou um adesivo que seus deputados e senadores usam na lapela. Está escrito em letras brancas sobre um fundo vermelho: "O pré-sal é nosso". Abaixo da inscrição, a sigla do partido saindo de um prisma verde e amarelo. Alguns integrantes do partido chegaram a brincar, dizendo que a dubiedade é ensaiada: o pré-sal é nosso, dos brasileiros, ou o "nosso", seguido da sigla PT quer dizer que ele é do Partido dos Trabalhadores? É óbvio que o pré do Brasil. Mas a vinculação ao PT, num adesivo que de inocente não tem nada, é sinal que o grupo de marketing do partido está firme e forte no sentido de jogar a dúvida no ar…

14.9.09

Incra faz acordo com MST para proteger Lula em Roraima

O presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, teve que fazer um acordo de última hora, no início da noite deste domingo, com representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pequenos agricultores para evitar um protesto do grupo na primeira visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Roraima, nesta segunda. É o que mostra reportagem de Jaílton de Carvalho e Luiza Damé na edição desta segunda-feira do jornal O GLOBO, segundo a qual, o acerto, que inclui repasse de verbas para as famílias assentadas, pode custar ainda o cargo do superintendente do Incra, Titonho Bezerra, indicado para o posto pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

Segundo a reportagem, no encontro, ficou acertado que Hackbart levará a proposta de exoneração de Titonho ao ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel e, se for o caso, também ao presidente Lula. O acordo, que deverá ser referendado nesta segunda, garante a liberação de R$ 18 mil para cada uma das famílias assentadas que até o momento não tiveram condições de iniciar a produção.

- O presidente ficou de assinar a ata e dar uma resposta sobre a demissão em 15 dias. Se ele assinar, não faremos protestos, como estava previsto - afirmou Ezequias David da Silva, coordenador local do movimento.

A reportagem mostra ainda que Hackbart considerou bom o acordo, e disse que o Incra de Roraima, com um orçamento de R$ 29 milhões, tem dinheiro suficiente:

- Terra também não falta. O que falta é organizar o trabalho.

A comitiva presidencial, porém, pode ser surpreendida com outros protestos. Arrozeiros, empresários e até índios descontentes com a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol em terras contínuas estariam preparando uma manifestação contra Lula. O Globo

Distribuição de propaganda privilegia plano habitacional


Fábio Zanini

Lançado em março, plano de habitação tem R$ 17,08 mi para publicidade neste ano, o dobro do já designado ao Bolsa Família para 2009

Alan Marques - 25.mar.09/Folha Imagem
A ministra Dilma e o presidente Lula durante evento de lançamento do Minha Casa, Minha Vida

Com seis meses de existência, o Minha Casa, Minha Vida já tem direito a tratamento VIP na distribuição do bolo publicitário do governo.
Dos três principais programas do governo (os outros são o PAC e o Bolsa Família), o plano habitacional é o que mais uso fez da propaganda de TV no primeiro semestre de 2009.
Foram 27 emissoras contempladas com anúncios de 30 segundos e de 1 minuto no período, segundo dados enviados pela Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) ao Congresso em 30 de julho.
Embora tenha sido lançado só em março, o Minha Casa tem R$ 17,08 milhões para publicidade em 2009, o dobro do já estabelecido Bolsa Família. Segundo avaliações do governo, o programa, com sua meta ambiciosa de construir 1 milhão de casas populares, tem o potencial para ser a grande alavanca da candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff.
O governo deu atenção especial a segmentos estratégicos, como os veículos de cunho religioso. Dos 515 anúncios televisivos veiculados no período, 21% destinaram-se a sete emissoras religiosas. São elas as redes católicas TV Aparecida, Rede Vida e Canção Nova, as evangélicas RIT (da Igreja Internacional da Graça de Deus), Rede Família (ligada à Universal do Reino de Deus) e Rede Gênesis (da Sara Nossa Terra) e a Rede Boa Vontade, ligada à Legião da Boa Vontade.
Ao contrário dos demais programas, o Minha Casa teve direito, no primeiro semestre de 2009, a propaganda em telões e circuitos fechados em meios de transporte de massas.
Suas inserções apareceram no metrô de São Paulo, nos trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e nos da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Também houve exibição em ônibus executivos em São Paulo, Rio, Brasília, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte e Salvador.
O lançamento do Minha Casa, Minha Vida tinha como alvo a sociedade em geral, mas com foco nas classes C, D e E, a quem ele se destina, diz o secretário-adjunto de Comunicação, Ottoni Fernandes Jr.
Embora seja um projeto habitacional direcionado às classes mais baixas, o Minha Casa recebeu destaque do governo em um espectro amplo de veículos. Neste ano, foi o único a ser anunciado em revistas populares, destinadas a fofocas e notícias sobre artistas, como Ti Ti Ti e TV Novelas. Mas também marcou presença na Harvard Business Review, da prestigiosa universidade norte-americana, e em revistas voltadas ao setor da construção civil.
No total, 359 veículos no país receberam anúncios do programa -227 rádios, 77 jornais (nas capitais estaduais), 27 TVs, 23 revistas e 5 canais ligados a meios de transportes.
Segundo Fernandes, a opção pelas TVs religiosas (que ele chama de mídia segmentada) é uma decorrência de dados estatísticos que mostram que esse veículos têm 53% de penetração nas classes C, D e E. As revistas populares possuem, também, grande penetração na população de baixa renda, diz o secretário.

Colaborou DANIEL CASTRO, colunista da Folha.

12.9.09

Coreia do Norte treinou guerrilha brasileira!

País comunista também remeteu dólares para grupos de esquerda que pegaram em armas contra a ditadura

Marcelo Godoy - O Estado de S. Paulo


Reuters

Encontro pelos 94 anos de Kim Il-sung, em Pyongyang

BRASÍLIA - Em segredo, a Coreia do Norte treinou guerrilheiros brasileiros e enviou dólares a grupos de esquerda que pegaram em armas contra a ditadura militar nos anos 70. Instrutores do Exército coreano que falavam espanhol davam aulas de formação política, de marcha, emboscada, explosivos e manejo de armas leves, como fuzis e carabinas, aos alunos brasileiros.

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Treinamento no exterior também atraiu Exército

O Estado entrevistou três dos integrantes de uma turma de brasileiros que treinou táticas de guerrilha rural naquele país - um deles pediu anonimato. Integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), eles revelaram um segredo da guerra fria, parte da história do apoio dado pelos países comunistas à luta armada no Brasil.

De fato, Cuba e China também treinaram guerrilheiros, que depois voltaram ao Brasil. No caso dos alunos dos coreanos, isso só não ocorreu porque os planos fizeram água após a desagregação de sua organização. "O curso foi muito bom. Tinha a parte militar clássica, mas sempre voltada para o trabalho de guerrilha", afirmou o sindicalista Irany Campos, um dos guerrilheiros do curso.

A turma de brasileiros era formada em sua maioria por militantes de esquerda que foram banidos do Brasil. Presos pelo regime, eles haviam sido enviados para fora do País em troca da libertação de diplomatas estrangeiros sequestrados em 1970 pelos guerrilheiros, como os embaixadores alemão ocidental (Ehrenfried von Holleben) e suíço (Giovanni Bücher).

A direção da VPR acertou com a Embaixada da Coreia em Cuba o envio dos militantes - a ALN quase fechou acordo semelhante. "Tenho conhecimento só de uma turma que esteve lá: a nossa", disse Campos.

Os nove da VPR saíram do Chile e foram para Cuba. Ali pegaram um avião em Havana, que fez escalas no Canadá, em Marrocos e em Moscou, quando houve uma pausa de dois dias. Os soviéticos permitiram a estadia dos brasileiros, que, depois, rumaram à Sibéria, onde o avião fez a última escala antes de Pyongyang.

O acampamento dos brasileiros era próximo da capital. "A gente permaneceu isolado. Só saía de lá com os coreanos", afirmou Jovelina Tonello, única mulher do grupo. A alimentação e estada eram por conta dos coreanos. Toda semana havia sessão de cinema com filmes coreanos traduzidos pelos instrutores. "O professor de caratê era um cara que havia matado 13 em uma emboscada", disse Jovelina. O fato ocorrera na Guerra da Coreia (1950-53).

Parte do treinamento, que durou três meses, ocorreu quando ainda havia gelo. As aulas de formação política eram dadas por coreanos. "Dentro da visão que eles tinham de solidariedade internacional do camarada Kim Il-sung. Nós estávamos ali em função da solidariedade internacional", afirmou Campos, citando o secretário-geral do PC daquele país. Ali o guerrilheiro aprendeu a manusear o fuzil AK-47.

"No fim, tivemos a honra de o governo mandar um representante para almoçar com a gente", disse Jovelina. Ela ainda fez curso de auxiliar de enfermagem, que seria útil mais tarde. Após três meses, os guerrilheiros voltaram a Cuba pela mesma rota. "A maioria seguiu para o Chile", disse um dos guerrilheiros, carioca que militou na VPR.

'Voltar para lutar'

O objetivo era voltar para o Brasil. "Voltar para lutar", disse Campos. Na época, o Chile era governado pela União Popular, liderada pelo socialista Salvador Allende. Jovelina foi uma das militantes que foram parar em Santiago. Naquele período, em 1972, a situação da VPR havia se deteriorado. Três grupos se digladiavam pelo controle da organização. O líder de um deles, o sargento Onofre Pinto, era acusado de traição por sua ligação com José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo, que foi preso e passou a trabalhar para o delegado Sérgio Paranhos Fleury, da polícia paulista.

"Um dia me encontrei com o Onofre e ele me deu um beijo. Eu não entendi nada. Ele disse: ‘Eu recebi o relatório. Muito bom, muito bom’. Aí fiquei sabendo que era o relatório sobre o curso na Coreia", disse Jovelina. A direção da VPR recebeu o relatório dos coreanos por meio dos cubanos. "Eles me felicitaram pelo meu comportamento durante o treinamento."

Jovelina estava em um dos grupos contrários a Onofre e, depois, desligou-se da organização. Passou a trabalhar como enfermeira em uma fábrica até ser presa após o golpe militar contra Allende, em 1973. Como não foi identificada como estrangeira, acabou liberada.

Juntou-se ao marido e a socialistas chilenos na resistência ao golpe, mas em novembro todos procuraram o Refúgio de Padre Hurtado (Santiago), um abrigo para os perseguidos políticos patrocinado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Ela e seus companheiros saíram do Chile em fevereiro de 1974. Deixaram para trás a luta armada e rumaram para o exílio na Europa e em Cuba, levando com eles o segredo coreano.

11.9.09

Força Aérea atribui confusão a "precipitação" da imprensa

Para Juniti Saito, em nenhum momento Lula disse que o processo de seleção tinha acabado

Comandante da Aeronáutica diz que faz apenas "análise técnico-comercial" e que "o governo tem uma estratégia que nós não conhecemos"

O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, afirmou ontem que toda confusão da semana foi por "uma precipitação" da imprensa, porque o processo de seleção dos caças que vão renovar a frota da FAB continua e em nenhum minuto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse o contrário. (ELIANE CANTANHÊDE)



FOLHA - O favorito no FX [programa de renovação da frota de caças iniciado no governo FHC] acabou sendo o Gripen sueco. Por que não manter isso?
SAITO - Naquela época, concorreram o Sukhoi, o Mig, o F-16, o Gripen e o Mirage 2000-5 e, com esses concorrentes, o Gripen C e D recebeu uma boa colocação, sim. Agora, é um outro certame. Quem concorre é um outro Gripen, o NG, um avião ainda em desenvolvimento, o F-18 Super Honet, muito mais moderno, e o Rafale, que não é o Mirage, é um outro avião.

FOLHA - Por que o Sukhoi russo foi excluído?
SAITO - Não atendeu, por exemplo, o requisito de transferência de tecnologia.

FOLHA - Se o Sukhoi foi descartado porque os russos não transferiam tecnologia, conclui-se que todos os três transferem. Por que o governo diz que o Rafale é preferido por isso?
SAITO - Em que grau, eu não sei, mas todos os três transferem tecnologia.

FOLHA - O que significa transferência de tecnologia nessa área?
SAITO - Há várias áreas e vários graus de transferência de tecnologia e, numa determinada área, eu quero me capacitar ao ponto de ficar autônomo. No AMX, nos anos 80, que foi um consórcio Brasil-Itália, coube à Embraer uma participação importante na fabricação de componentes. Foi com esse conhecimento que a Embraer conseguiu evoluir para fabricar todos esses aviões que estão aí.

FOLHA - Há uma gradação nessa transferência de tecnologia?
SAITO - Pode haver uma parte muito sensível, e que o país diga assim: "Olha, eu cedo tecnologia nessa parte daqui, mas nessa outra, não". O avião é uma plataforma importante, mas o que vai nela é muito mais importante. Você tem de considerar o sistema de armas.

FOLHA - Quando afunila em três concorrentes, qual o peso do requisito preço?
SAITO - Lembre-se de que se trata de um produto de segurança e cada item tem seu peso específico. Você sabia que esse processo tem mais de 26 mil páginas? Há ofertas, contraofertas, e tudo está assinado.

FOLHA - Vocês falam em cinco aspectos da seleção, como os operacionais e a transferência de tecnologia. E o político?
SAITO - Fazemos uma análise técnico-comercial, mas isso tudo vai para o governo, que é quem analisará a parte estratégica, qual o país melhor... Sei lá. O governo tem uma estratégia que nós não conhecemos. A decisão final é dele.

FOLHA - Por que tanta turbulência com o comunicado de que a preferência era pela França?
SAITO - Eu não recebi do presidente: "Saito, encerra o processo porque eu já escolhi". Então, eu não sei por que tanto alarde. Quando me mostraram o comunicado, dizendo que tinha terminado, eu disse que não tinha entendido assim, não.

FOLHA - Foi uma surpresa?
SAITO - O que foi uma surpresa foram as manchetes dos jornais, porque, na minha interpretação, o comunicado conjunto não era para terminar e escolher um.

FOLHA - O comunicado explicitou que a aliança com a França englobava a área aeronáutica e usou o verbo "decidir" para anunciar o início de negociações para a aquisição dos Rafale. Não é claríssimo?
SAITO - Quando o comunicado fala em "aeronáutica", isso abrange vários setores, inclusive helicópteros, cuja compra já estava decidida.

FOLHA - Por que o governo manifestou preferência pelo Rafale?
SAITO - Não digo que é um indicador, mas foram eles que ofereceram transferência de tecnologia dos submarinos, ofereceram fazer o helicóptero aqui na Helibras.

FOLHA - Todo mundo acha que houve essa confusão toda, mas vai acabar dando o Rafale. Vai?
SAITO - Eu não sei. Pode até ser.

10.9.09

Câmara aprova Estatuto da Igualdade Racial

Com texto esvaziado dos pontos polêmicos, ficou de fora, por exemplo, a criação de cotas de 20% para negros nos filmes e programas da TV

Mas permaneceram medidas práticas, como a possibilidade de o governo criar incentivos fiscais para empresas com pelo menos 20% de negros


Em clima de celebração, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou ontem o Estatuto da Igualdade Racial, com um texto esvaziado dos pontos mais polêmicos.
Ficaram de fora a criação de cotas de 20% para negros em filmes e programas veiculados nas TVs e o detalhamento para demarcar terras quilombolas.
A proposta original, do senador Paulo Paim (PT-RS), também previa uma reserva fixa para negros em instituições públicas de ensino superior.
Para o ministro Edson Santos (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), o estatuto é um ponto de partida que reconhece e dá visibilidade à questão negra.
Como ficou, o estatuto estabelece políticas de proteção e promoção da comunidade negra em diversos campos. Há também pontos mais práticos, como a possibilidade de o governo criar incentivos fiscais para empresas com mais de 20 empregados e pelo menos 20% de negros. Diz ainda que o poder público adotará ações afirmativas em instituições públicas federais de ensino -sem prever cotas- e promoverá a igualdade de oportunidade no mercado de trabalho.
Foi aprovada ainda uma cota de 10% para negros nas candidaturas a vagas da Câmara dos Deputados, Assembleias Estaduais e Câmara de Vereadores .
O deputado Damião Feliciano (PDT-PB) disse que se aprovou um "estatuto desidratado", que recua sobre pontos "superados".
Vanda Pinedo, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado, também defende um texto com mais obrigatoriedades. "Se continuar retalhado como vem sendo, vai acabar como uma mera intenção."
Os trechos mais criticados foram retirados aos poucos, após meses de embate, na Câmara, com a oposição, que disse ter tirado todos os pontos com os quais não concordava.
"Saiu o germe da racialização, disse o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), principal articulador das alterações. Do mesmo partido, o deputado Indio da Costa (RJ) afirmou que o texto original poderia criar " uma espécie de MST negro", referindo-se à definição sobre as terras quilombolas, muito criticada pelos ruralistas.
Marinalva dos Santos, presidente da federação brasiliense e entorno de umbanda e candomblé, ressalta a garantia de assistência religiosa a presos de religiões de matrizes africanas, prevista na proposta.
O projeto será encaminhado agora ao Senado para nova análise. A intenção é que ele seja aprovado nos próximos meses e sancionado pelo presidente Lula em 20 de novembro, dia nacional da consciência negra. Folha

9.9.09

Senado gastou R$ 70mil em curso de Ideli em 3 países!

Senadora e assessor fizeram treinamento de empresa fundada no Brasil por filiado ao PT

"Grandes executivos" são os principais clientes do evento, diz representante no país; etapas foram no México, na Argentina e na Espanha


O Senado gastou pelo menos R$ 70 mil para a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) e um assessor participarem de um curso voltado para a capacitação de executivos realizado em três etapas, no México, na Argentina e na Espanha, entre abril de 2007 e janeiro de 2008.
Chamado "The Art of Business Coaching", o evento foi promovido pela empresa Newfield Consulting, cujo fundador no Brasil é Luiz Sérgio Gomes da Silva, ex-funcionário do Palácio do Planalto e ex-assessor da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e filiado ao PT.
Luiz Sérgio afirmou que o curso é mais voltado para executivos de empresas privadas, com técnicas e estratégias para capacitá-los a liderar equipes. "O principal cliente nosso é o gerente da grande empresa privada, em nível nacional e internacional. São os grandes executivos", disse.
Atual líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti foi acompanhada no curso pelo assessor Paulo André Argenta. Os dados das viagens constam na Tomada de Contas do Senado de 2008 enviada ao TCU (Tribunal de Contas da União).
Para os dois participarem do curso, o Senado desembolsou R$ 35.530 com as inscrições. Com diárias, a senadora gastou R$ 11.837,40 nas cidades onde o curso ocorreu: Cidade do México, Buenos Aires e Sevilha.
Além de participar das três etapas do curso com Ideli, o assessor Argenta fez mais três viagens sozinho para Buenos Aires, São Paulo e Florianópolis, entre julho e novembro de 2007. Recebeu R$ 15.208 para pagamento de diárias.
Argenta disse que ele e Ideli também tiveram as passagens aéreas pagas pelo Senado. A Folha fez uma estimativa e os dois teriam gasto, em valores atualizados, ao menos R$ 7.500 para comprar os bilhetes.
Em requerimento de 18 de abril de 2007, Ideli solicitou autorização para viajar e participar do curso no exterior. No documento, a senadora refere-se ao curso como "uma missão".
"Venho solicitar, nos termos do inciso 2, do artigo 40 do Regimento Interno do Senado Federal, que seja concedida licença para desempenhar a referida missão", diz o requerimento.
Junto com o documento, ela anexou uma carta da empresa Newfield Consulting escrita em espanhol. O texto diz que se trata de "uma empresa de consultoria e formação gerencial orientada a facilitar processos de mudança dentro das organizações e transformar os atuais modelos de gestão para possibilitar superiores níveis de produtividade e rentabilidade".
Fundador da Newfield no Brasil e filiado ao PT, o psicólogo Luiz Sérgio Gomes da Silva teve um cargo de assessor no Palácio do Planalto, na Secretaria de Relações Institucionais. Entre 2003 e 2005, auxiliou primeiro Tarso Genro e depois Jaques Wagner. Entre os clientes da Newfield no Brasil, estão três órgãos do governo do Estado da Bahia para o qual Wagner foi eleito em 2006. Folha