24.6.08

Teixeira fez ao menos 6 reuniões no Planalto

Encontros de Lula com o advogado do caso VarigLog ocorridos desde 2006 não foram registrados na agenda pública do presidente

Compadre de Lula é acusado de interferir na venda da empresa aérea; Planalto afirma que nem todos os compromissos são divulgados


A Presidência reconheceu que o advogado Roberto Teixeira esteve pelo menos seis vezes no Palácio do Planalto com Luiz Inácio Lula da Silva, seu compadre, desde 2006, em encontros não registrados na agenda pública do presidente.
Teixeira é acusado de usar sua influência junto ao governo para aprovar a venda da Va- rigLog para o fundo americano Matlin Patterson e três sócios brasileiros, que o contrataram.
Ao menos dois desses encontros estão relacionados diretamente com o negócio, aprovado pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) em junho de 2006. No mês seguinte, a Va- rigLog adquiriu a Varig. A assessoria de Teixeira diz que as demais visitas foram apenas de cortesia ao amigo Lula.
No dia 15 de dezembro daquele ano, Teixeira foi ao encontro de Lula acompanhado dos sócios da Varig um dia depois de a companhia receber da Anac, em cerimônia em Brasília, certificado que lhe deu autorização para voar.
Segundo Marco Antonio Audi, sócio afastado da VarigLog, o encontro foi convocado às pressas por Teixeira na manhã do dia 15, quando todos já haviam retornado a São Paulo, após a cerimônia. Audi então alugou um jatinho particular, onde viajaram, além dele e de Teixeira, os sócios brasileiros Eduardo Gallo e Marcos Haftel e o representante do fundo americano, o chinês Lap Chan.
Outro encontro de Teixeira com Lula ocorreu em 28 de março de 2007. Naquele dia, o advogado foi ao Planalto acompanhado dos empresários Nenê Constantino e Constantino de Oliveira Jr., donos da Gol. O motivo da reunião, segundo os empresários, era comunicar oficialmente a Lula a compra da Varig pela Gol.
Nas duas ocasiões, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), acusada de interferir na venda da VarigLog, estava presente.
O Planalto argumenta que nem todos os compromissos do presidente são divulgados.

Folha

23.6.08

Transparência na Anac tem sido menor com novo comando

As alterações patrocinadas na Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) pelo ministro Nelson Jobim trocaram a agência da esfera de influência da Casa Civil, conforme acusa a ex-diretora Denise Abreu, para a da Defesa. À frente, a fiel escudeira de Jobim, Solange Vieira, na Anac desde dezembro.
A transparência também diminuiu com o novo comando: não é mais possível saber a agenda diária dos diretores e, até o mês passado, as atas das reuniões do colegiado não eram publicadas na íntegra.
A agência só recuou depois de ser questionada pelo Snea (Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias) na Justiça. As atas permitem conhecer a posição de cada um dos diretores, mas, da forma como vinha sendo divulgado, era possível saber apenas a posição final da Anac. O Snea retirou a ação.
A Folha apurou que numa das primeiras reuniões da nova diretoria, Solange afirmou que na sua gestão as votações seriam cinco a zero ou quatro a um e, neste caso, ela levaria o resultado para conhecimento de Jobim. Foi o ministro quem indicou Solange para a presidência da Anac depois da crise que resultou na renúncia dos cinco diretores.
Jobim diz que "as agências são absolutamente independentes e autônomas". Mas ressaltou que "a autonomia das agências não significa que elas possam desprezar o diálogo com os outros pontos do sistema, senão não funciona."
Ele diz que não havia diálogo na outra gestão da Anac, da qual participaram Denise Abreu e Milton Zuanazzi. "Cada pilar tinha agenda própria. O que fizemos foi integrar o sistema." As agências reguladoras são órgãos autônomos, vinculados aos ministérios. Portanto não há obrigação de submeter decisões aos ministros.
A falta de conhecimento dos diretores sobre aviação também é criticada por profissionais da área. "Nós tínhamos antes pessoas que não entendiam nada. Agora temos acadêmicos que não têm noção do dia-a-dia da aviação", disse Apostole Lazaro Chryssafidis, diretor-presidente da Abetar, que representa as pequenas empresas aéreas.
Por divergências com Solange, o diretor Allemander Pereira Filho, brigadeiro indicado por Jobim, pediu demissão em maio. Considerado o único especialista na área e remanescente do antigo DAC (Departamento de Aviação Civil), ele discordava com freqüência das decisões do colegiado, votando contra a maioria.
A Folha apurou que Jobim cobrou o brigadeiro por suas posições discordantes. Entre os votos contra do brigadeiro estão o esvaziamento da Anac, que tem devolvido servidores para a FAB e Infraero. E ainda a aprovação da cláusula comunitária da Europa, primeiro passo para a política de céus abertos que, na avaliação do ex-diretor, prejudicaria as empresas brasileiras.
As atas com os votos do brigadeiro nunca foram publicadas no portal da Anac. A Folha pediu para ter acesso aos documentos, mas a agência condicionou a divulgação à aprovação da diretoria e à exclusão do que ela considerar sigiloso.
A atuação de Jobim no setor aéreo é intensa. Nos últimos três meses, ele se reuniu oficialmente pelo menos três vezes com representantes do Snea. Também participou de reuniões da Anac. A assessoria da Anac, falando por Solange, nega falta de transparência "porque divulga tudo o que é previsto no regimento interno, como decisões de diretoria e fatos relevantes". Além disso, diz que a nova direção também publica a pauta das reuniões. Sobre a agenda dos diretores, alega que não há obrigação de divulgá-la. Com relação à interferência do ministro, a agência afirma que há um trabalho conjunto do Decea, Infraero e Anac, coordenado pela Secretaria de Aviação Civil, mas que isso não significa ingerência.
Folha

Teixeira admite contrato de até US$ 5 mi com VarigLog

Teixeira admite contrato de até US$ 5 mi com VarigLog
Antes, advogado da empresa afirmara que havia recebido apenas US$ 350 mil
Agora, ele diz que valor é referente a 22 meses de serviços em mais de 300 processos, e não só para atuar na venda da empresa


O advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula, disse ontem, por meio de sua assessoria, que pode chegar a US$ 5 milhões o valor total de seus contratos com a VarigLog, entre honorários, custas judiciais e outras despesas. Segundo ele, a quantia se refere a um ano e dez meses de serviços em mais de 300 processos, e não apenas a sua atuação na venda da companhia, em 2006, para o fundo americano Matlin Patterson e três sócios brasileiros.
O negócio foi posto sob suspeita pela ex-diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) Denise Abreu, que denunciou ter sido pressionada pela Casa Civil para não exigir documentos que pudessem revelar que o sócio estrangeiro era o real controlador da companhia, o que fere a lei.
Um dos sócios brasileiros, Marco Antonio Audi, disse que Teixeira recebeu US$ 5 milhões "para resolver" o problema. Teixeira negou ter usado sua influência e disse que o valor recebido era "bem menor", sem falar em números.
A assessoria do advogado informou que ele não voltou atrás em suas declarações e deu uma explicação semântica. Teixeira disse que desmentiu Audi porque este afirmou ter pago os US$ 5 milhões "do contrato até a aprovação" da venda da VarigLog, período de quatro meses, entre março e junho de 2006.
Segundo ele, os pagamentos que, somados, se aproximam dessa quantia aconteceram de março daquele ano a janeiro deste ano. "A totalidade da remuneração jamais foi objeto de questionamento", diz nota do escritório Teixeira, Martins Advogados em resposta à reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" publicada ontem.
A mesma explicação foi usada em relação à declaração dada por Teixeira na quarta-feira passada no Senado, quando disse ter recebido US$ 350 mil da VarigLog. A quantia, sustenta ele, é o valor exato recebido naqueles quatro meses (março a junho de 2006).
Ainda na quarta-feira, em entrevista à Folha, questionado sobre o valor total pago pelos serviços prestados à VarigLog, Teixeira disse ser "menos" que os US$ 5 milhões, mas se recusou a falar em valores. A Folha voltou a pedir ontem o valor exato pago ao escritório, mas não recebeu resposta.
Planilhas publicadas ontem pelo jornal "O Estado de S. Paulo" mostram pagamentos de US$ 3,26 milhões feitos à Teixeira, Martins e Advogados, entre eles o de uma taxa de sucesso de US$ 750 mil paga assim que a Varig, adquirida pela VarigLog, conseguiu autorização da Anac para voar.
Os pagamentos, segundo a planilha, foram feitos por sete empresas pertencentes aos sócios da VarigLog: VRG Linhas Aéreas, VBP do Brasil, Volo do Brasil, Varig Logística, Volo Logistics, Matlin Patterson USA e Matlin Patterson LA.

"Não precisava mentir"
Audi disse ontem que pode ter cometido um "erro cronológico" em alguma declaração, mas que em diversas entrevistas dadas nas duas últimas semanas afirmou que se referia a pagamentos feitos até 2008. "Tenho falado semanalmente que esses valores eram de 2006 para cá. Teixeira vai se enforcar na própria corda; ele não precisava ter mentido."
Audi, afastado do comando da VarigLog pela Justiça, disse ainda não saber o valor exato pago a Teixeira, mas que ultrapassam os US$ 5 milhões. "Nos valores de dólares de hoje, passou de US$ 5 milhões. Não tem jeito, está lá no SAP (sistema de gestão) da empresa."
Folha

18.6.08

Crise na TV Brasil

Responsável pela TV Brasil pede demissão e revela divergências

Orlando Senna diz ter saído por discordar dos "modelos de gestão" adotados


O cineasta e escritor Orlando Senna deixou ontem o cargo de diretor-geral da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), responsável pela TV Brasil, e revelou divergências com a gestão da empresa. Outra diretoria, a de Relacionamento e Rede, também ficou vaga com a saída de Mário Borgneth.
Senna afirmou à Folha que um dos motivos que o levaram a deixar a EBC é "não estar de acordo com os modelos de gestão adotados pela empresa, que espero que logo a própria empresa possa solucionar".
Em um texto endereçado a "companheiros da atividade audiovisual", Senna diz que a forma de gestão adotada "concentra poderes excessivos na Presidência, engessando as instâncias operacionais, que necessitam de autonomia executiva para produzir em série, como em qualquer TV".
Senna continua o relato afirmando que, feitos os ajustes que ele considera necessários, "a EBC/TV Brasil poderá cumprir o objetivo de liderar uma comunicação pública plural, isenta, inteligente, interativa e formadora de cidadania".
O ex-diretor diz que não saiu "brigado" da empresa e que outro motivo para deixar o cargo é o cansaço depois de seis anos de atividades no governo. Senna era secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura antes da criação da TV pública pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, em dezembro.
Em nota, a empresa afirmou que Senna deixou a empresa por motivos pessoais e "considerando já ter dado sua contribuição para a implantação da TV Pública no Brasil". Diz também que "a empresa agradece seu empenho e dedicação que foram fundamentais para os primeiros passos da EBC".
A saída de Borgneth não foi explicada na nota da EBC, que se limitou a dizer que ele "também deu contribuição relevante, conduzindo até agora o diálogo com as emissoras educativas estaduais, com vistas à formação da rede pública de televisão". A Folha não conseguiu contato com o ex-diretor até a conclusão desta edição.
Senna informou que elaborou um balanço da EBC no fim do mês passado, o que, segundo ele, pode auxiliar na modificação de alguns pontos delicados.
A EBC informou que as funções de Orlando Senna serão "absorvidas transitoriamente" por Tereza Cruvinel, diretora-presidente. Borgneth será substituído provisoriamente pelo diretor de serviços, José Roberto Garcez.
Há dois meses, um jornalista da TV Brasil, Luiz Lobo, acusou o governo, depois de ser demitido, de interferência e controle na produção jornalística. À época, Lobo disse à Folha que havia na empresa "cuidado que vai além do jornalístico".
Folha

15.6.08

Projeto de Eliasch na Amazônia era conhecido do governo Lula

Sonia Racy

Altamente reservado, o sueco Johan Eliasch - um dos homens mais ricos da Inglaterra e da Suécia - dá a entender, por declarações monossilábicas, que seu projeto na Amazônia era conhecido do governo Lula. Portanto, a ação de órgãos do governo contra sua proposta seria algo política, coincidindo com o momento em que o Brasil anuncia desmatamento recorde. O empresário caiu na malha da Abin, ressuscitando antigo preconceito contra estrangeiros no País. O gancho foi uma declaração sua, durante reunião em uma seguradora, onde teria dito que a Amazônia poderia ser comprada por US$ 50 bilhões. “Não disse isso”, afirmou Eliasch, em conversa esta semana, em Paris, logo após a partida final do torneio de Roland Garros, do qual sua empresa, Head, é patrocinadora.

O tycoon sueco tem evitado dar declarações. Na condição de assessor “verde” do primeiro-ministro inglês Gordon Brown, prefere não dar continuidade a uma história que teve pouca repercussão na Europa e nos EUA, foco de seus principais negócios. No Brasil, seu principal interesse é outro: Ana Paula Junqueira, companheira dos últimos seis anos. “O Brasil é hoje minha segunda casa”, diz Eliasch, que, depois de muita insistência, acabou sendo convencido por Ana Paula a dar esta entrevista. Afinal, o celular da brasileira foi literalmente invadido por telefonemas do Brasil, em busca de informações.

Você está tentando comprar a Amazônia?

Definitivamente não. A Amazônia é do povo brasileiro.

É verdade que você disse que a Amazônia pode ser comprada por US$ 50 bilhões?

Não. O que eu disse é que a indústria de seguros seria incentivada financeiramente a preservar as florestas tropicais no Amazonas, lembrando o que aconteceu com o Katrina, que custou US$ 75 bilhões. Existe claramente uma correlação entre desflorestamento e desastres naturais.

Por que você comprou terras na Amazônia?

Eu amo o Brasil. É como uma segunda casa para mim. Minha relação vem também de meu casamento com Ana Paula, há 6 anos. Sou apaixonado pelo povo e pelo País. O processo de conservação da floresta amazônica me atrai e pensei que poderia fazer a diferença tentando protegê-la.

Você tem algum projeto sustentável para a Amazônia?

Sim. O que fazemos é dar para as comunidades locais 100% dos direitos sobre o que plantarem e colherem. Damos oportunidades para as pessoas na própria terra.

Vocês escolhem quem vai entrar na terra?

Todas as comunidades locais podem entrar. Elas protegem as florestas porque é a vida delas. Não querem que ninguém entre lá e corte as árvores.

Hoje, é permitido que se desmate até 20% da área, certo? E é isso que está desmatado hoje?

Não, mas isso já estava assim antes de eu chegar.

E a multa do Ibama, de R$ 381 milhões?

Foi aplicada muito antes da compra que fiz. Jamais derrubamos uma árvore. Ao contrário: plantamos algumas.

Desde que a terra é sua, você nunca derrubou árvores?

Não. Quando comprei as companhias elas desmatavam, mas assim que assumi, parei com a atividade.

Que companhias eram essas?

Eram empresas que pertenciam ao U.S. Fund Management Company. O que eles faziam era uma atividade de desenvolvimento sustentável. Não seguiam os 20% da lei brasileira, seguiam as linhas do Forest Steward Council, que aliás, é muito mais severo que as linhas brasileiras.

Então, essa terra já era estrangeira?

Sim. Desde 1999. Eu a comprei há três anos.

Por quanto?

Não posso dizer. É informação confidencial.

O que é o Cool Earth?

Eu e Frank Field (ex-ministro do governo de John Mayor) somos os co-fundadores do Cool Earth. Tudo começou com proposta feita ao Brasil, em 2006, cujos termos comunicamos tanto a Tony Blair como ao presidente Lula.

Recebeu resposta para a sua idéia?

Não.

Esse projeto tem alguma semelhança com as idéias da ex-ministra Marina Silva?

Sim. O conceito é bastante similar.

Como funciona esse projeto?

A proposta é criar um fundo internacional que possa garantir a proteção da floresta.

Qualquer floresta?

Não, florestas na Amazônia, Congo e Ásia.

Você já havia sofrido ataques em 2006 por causa das terras que comprou. Como resolveu isto?

Deixei claro para o Ministério das Relações Exteriores que qualquer sugestão de compra de florestas na Amazônia era considerada incorreta por nós.

O Itamaraty entrou em contato com vocês?

Sim, Frank Field e eu fomos contatados pelo embaixador José Bustani. E expusemos nossa posição. Explicamos a declaração sobra a Amazônia, que não foi feita. E que o Cool Earth não tinha nenhuma intenção de comprar mais terras e preservaria a floresta na sua totalidade.

O Bustani tinha conhecimento dos contatos de vocês com as autoridades brasileiras?

Surpreendentemente, não.

É correto que você se encontrou com o ministro Celso Amorim em Davos, em 2007, para falar sobre este assunto?

Sim, é correto.

Marina Silva acabou de sair do ministério e temos agora um novo ministro. O desmatamento é assunto central já que cresceu 774,48% , segundo o Inpe. Os ataques a você têm conotação política?

Adoraria pensar que não, mas considerando a conjuntura... As coisas estavam acontecendo na mesma semana. As ações do Ibama têm algumas (conotações políticas).

Você se arrepende? Não.

Por conta dessa pressão, pretende vender?

Não. Estou totalmente comprometido com o meu trabalho.

A maneira nada amigável com que tem sido tratado pode afastar outros investidores estrangeiros?

Espero que os investidores vejam isso como uma exceção. O povo brasileiro é amigável. Na verdade, o Brasil é um exemplo para o resto do mundo. É a única nação onde pessoas de diferentes etnias convivem em paz e não existem tensões raciais.

O fundo para a Amazônia, criado pelo ex-secretário Virgílio Vianna e o Bradesco, tem alguma ligação com o Cool Earth?

Não.

Mas vocês ajudaram?

Informalmente. Tive reuniões com o Virgílio, que pediu conselhos. E Matthew Owen, diretor do Cool Earth, participou de vários workshops organizados por ele.

Qual é o papel de Johan Eliasch? Foi você que fundou a Head Company?

Não, eu a comprei em 1995. Há 25 anos, eu compro empresas com problemas e faço reestruturações, a partir de Londres.

Sua família tem empresas de siderurgia?

Sim.

Você é sempre assim, monossilábico?

Sou sueco...

Uma pergunta ainda no ar

Depoimento de Denise Abreu ao Senado não esclarece porque a Varig foi vendida pela proposta mais baixa


Fábio Portela


Lula Marques/Folha Imagem
Denise Abreu no Senado: "A ministra Dilma nunca me mandaria fazer nada"

Duas semanas depois de publicadas as primeiras denúncias sobre a venda da Varig, feitas ao jornal O Estado de S. Paulo pela ex-diretora da Anac Denise Abreu, uma pergunta persiste: por que a VarigLog decidiu vender a Varig para a Gol por 320 milhões de dólares se tinha uma proposta da TAM para fazer o mesmo negócio por 738 milhões de dólares? A solução a essa dúvida é crucial. Só ela pode dissipar ou reforçar as duas suspeitas sobre esse episódio: a de tráfico de influência contra o advogado Roberto Teixeira, amigo de três décadas do presidente Lula, e a de favorecimento do governo a uma empresa privada em uma disputa comercial dentro de um setor altamente dependente da regulação estatal. Em sua entrevista ao Estado, Denise contou ter sido pressionada por Teixeira e pelo governo, na pessoa de Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil, a tomar duas decisões:

autorizar, em junho de 2006, a compra da VarigLog por um grupo de investidores formado por três empresários brasileiros e por Lap Wai Chan, um cidadão chinês crescido no Brasil. Teixeira advogava para o grupo. A Anac relutava em autorizar a operação porque suspeitava que os três brasileiros constassem do negócio apenas como laranjas, para atender ao Código Brasileiro de Aeronáutica, que impede o controle acionário de empresas aéreas por estrangeiros;

mudar, em julho de 2006, a interpretação jurídica da Anac segundo a qual quem comprasse a Varig teria de arcar com as dívidas trabalhistas e fiscais da companhia. Após a agência mudar sua posição sobre o tema, a Gol comprou a Varig livre de dívidas pelo valor de 320 milhões de dólares. Dias antes, a TAM tentou sem sucesso comprar a mesma Varig, acenando com um valor de 738 milhões de dólares – a TAM diz estar impedida, por obrigação de confidencialidade, de comentar detalhes das negociações.

Na semana passada, em depoimento à Comissão de Infra-Estrutura do Senado, Denise Abreu esfriou suas próprias denúncias negando pressões diretas da ministra Dilma: "Sejamos objetivos. A ministra nunca me mandaria fazer nada". Sobre a atuação do escritório de Teixeira, descreveu-a apenas como imoral, não mais como ilegal: "Sem dúvida, as ingerências praticadas e a forma truculenta como o escritório Teixeira Martins agiu dentro da Anac são ações inequivocamente, no mínimo, imorais e podem ocasionar alguma ilegalidade". Para um bom entendedor da linguagem de sinais utilizada em Brasília, o recuo de Denise demonstra claramente que, se não surgirem fatos novos, a denúncia caminha para o esquecimento. Resta, no entanto, a dúvida com que se inicia o presente texto, sobre a qual Denise se negou a falar em seu longo depoimento no Senado: por que, tendo uma oferta 418 milhões de dólares superior, feita pela TAM, a VarigLog, então dona da Varig, optou por uma proposta da Gol de 320 milhões de dólares? A Gol levou a Varig pelo menor preço porque contou com o favorecimento do governo e com a intermediação do advogado Roberto Teixeira?

Para começar a responder a essas perguntas é preciso retroagir no tempo. Em dezembro de 2005, a Gol anunciou sua intenção de investir 19 milhões de dólares para abrir uma empresa aérea de baixo custo no México. Com esse projeto, a companhia criada por Nenê Constantino planejava transformar-se, até 2010, no veí-culo de popularização do transporte aéreo na América Latina. O início das operações no México, previsto para meados de 2006, foi abortado pelo súbito ingresso de outras três concorrentes de peso no mercado mexicano. A Gol então se viu no dilema de ter dinheiro em caixa sem oportunidades de expansão na região. Os controladores da Gol redirecionaram sua atenção para o mercado nacional. A empresa cogitou adquirir a Varig, que se afundava em dívidas e parecia inviável. Só os débitos da empresa com a Receita e com o INSS inscritos no Cadastro da Dívida Ativa da União alcançavam a casa de 2 bilhões de reais. Aviões eram semanalmente arrestados e faltava dinheiro para a compra de combustível.

Apesar dessa situação caótica, uma nova lei de falências, ainda não testada, abria a possibilidade de que a Varig fosse comprada limpa, livre de suas dívidas trabalhistas e tributárias. Mas a Anac, responsável pela concessão do Cheta (a autorização oficial de funcionamento das companhias aéreas), discordava. A agência acreditava que a Varig não poderia ser integralmente coberta pela nova lei. Mesmo diante da dúvida, a Gol sentiu-se confortável para avançar nas negociações. Segundo as denúncias iniciais de Denise Abreu e de Marco Antonio Audi, um dos três empresários brasileiros que venderam a Varig, a interferência do advogado Roberto Teixeira foi crucial para que a Anac mudasse de opinião e o negócio decolasse na direção da Gol. Não há provas cabais nesse sentido – nem de que a TAM queria mesmo comprar a Varig ou só atropelar as negociações da concorrente. O advogado Teixeira hoje nega tráfico de influência e lembra que o processo de venda da Varig foi integralmente conduzido pela Justiça, não pelo governo. É possível que Teixeira tenha de fato tido uma participação estritamente técnica no negócio, como alega hoje. O difícil é explicar os documentos reproduzidos nesta página. Em uma cobrança enviada à VarigLog em janeiro deste ano, além de exigir honorários atrasados, o compadre de Lula enaltece seu próprio esforço para livrar a Varig de suas dívidas, tarefa que, ele mesmo ressalta, "a muitos pareceria impossível".


Adriano Machado/Folha Imagem
Teixeira atuou em todas as operações da Varig e da VarigLog nos últimos dois anos

A contratação
Roberto Teixeira foi contratado pela VarigLog em abril de 2006, quando a Anac resistia a conceder autorização para a companhia operar com novos donos. Para resolver o problema, cobrou uma taxa de sucesso de 750 000 dólares


O resultado
Em uma cobrança de honorários atrasados enviada aos antigos clientes em janeiro de 2008, Teixeira vangloria-se de ter ajudado a livrar a nova Varig das dívidas trabalhistas da velha Varig. "A muitos pareceria impossível", gaba-se o compadre de Lula

12.6.08

Ativismo transgênico

Editorial Folha

Verba pública alimenta os atos de depredação e o atraso ideológico de organizações como o MST e a Via Campesina

TREZE Estados, 6.900 militantes e o objetivo de deter o desenvolvimento da economia nacional. Marcaram-se pelo mais primário vandalismo as ações articuladas nesta terça-feira pela Via Campesina -entidade que reúne os sem-terra do MST, os atingidos por barragens e ativistas de movimentos urbanos de diversa denominação.
Em tempos passados, a principal bandeira dos sem-terra era a eliminação do latifúndio improdutivo. Ainda que fossem profundamente condenáveis os seus métodos, dada sua ilegalidade e truculência, podia-se ao menos argumentar que se insurgiam contra um clássico fator de arcaísmo na sociedade brasileira.
No Nordeste de 1930, como na América Latina de 50 anos atrás, na Europa feudal ou no Japão há mais de um século, coronéis, "terratenientes", barões e "daimyôs" opuseram indiscutíveis obstáculos à dinamização de suas respectivas sociedades. Por mais duvidosos que tenham sido os resultados de muitas experiências de redistribuição de terras ao longo da história mundial, não era difícil identificar na oligarquia rural um foco de tradicionalismo e resistência à modernização da sociedade.
Inverteu-se radicalmente o quadro nos dias de hoje. O tema do latifúndio improdutivo deixa de constar das reivindicações de movimentos "campesinos" -cuja artificialidade, no Brasil, já se faz sentir pelo próprio nome.
É contra o agronegócio, contra a pesquisa em biotecnologia, contra hidrelétricas e siderúrgicas que se mobilizaram os manifestantes desta terça-feira.
Mudas de cana-de-açúcar utilizadas em pesquisas foram destruídas em Pernambuco; uma usina hidrelétrica foi invadida na Bahia; ferrovias da Vale do Rio Doce foram bloqueadas em Minas Gerais e Tocantins; o porto de Pecém (CE) foi ocupado.
Não se trata de colocar acima de questionamento os possíveis impactos ambientais e humanos do agronegócio, da mineração ou da construção de hidrelétricas. Mas o que está em jogo não é a reparação de prejuízos isolados, e sim uma ação em escala nacional, voltada para recriar um sistema de coletivismo neolítico num país que acumula sucessos internacionais na produção de alimentos e matérias-primas.
Arcaicos os objetivos, primitivos os métodos, obscurantista a mentalidade. Só no financiamento e na organização interna os movimentos "campesinos" se distinguem pela sofisticação.
Contam com o aparelhamento de órgãos estatais sob o governo Lula e com as verbas -que com justiça se poderia chamar de transgênicas- oriundas do repasse governamental a sindicalistas e assentados. Recursos em tese dirigidos ao desenvolvimento da agricultura familiar são a fonte dos "dízimos" de que se nutrem essas organizações.
É assim que os impostos gerados pelo progresso industrial e agrícola financiam, com a leniência do governo, os fanáticos do vandalismo, da primariedade e da estagnação.

9.6.08

Brasileiro levou VarigLog sem gastar

Toda a guerra de pressões políticas e lobbies na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) começou com um negócio nebuloso: a formação da sociedade entre estrangeiros e brasileiros para comprar a empresa de cargas VarigLog, entre 2005 e 2006. Segundo a Justiça paulista, o negócio foi arquitetado para burlar a legislação brasileira, que proíbe estrangeiros de serem donos de mais de 20% do capital votante de uma companhia aérea.

O que vem a público agora é que os três sócios brasileiros que aparecem como controladores da VarigLog, com 80% do capital votante, não desembolsaram um real para comprar a empresa. A parte deles foi comprada com dinheiro emprestado, numa operação financeira costurada pelo sócio estrangeiro, o fundo de investimentos americano Matlin Patterson.

O sócio do fundo, Lap Chan, nascido na China e criado no Brasil, contou ao Estado, há três meses, que ele mesmo procurou um banco para emprestar o dinheiro aos brasileiros para que eles comprassem a VarigLog. Marco Antônio Audi, Marcos Haftel e Luiz Eduardo Gallo receberam um empréstimo de US$ 1 milhão cada um. "Consegui um empréstimo para eles no banco JP Morgan", contou Lap.

A garantia dada ao empréstimo foram ações da Volo Brasil - empresa criada pelos brasileiros para comprar a VarigLog. Uma vez formado o grupo, foi travada uma feroz batalha jurídica e política para aprovar a composição acionária na Anac. Segundo a ex-diretora da agência, Denise Abreu, o jogo de pressões envolveu o escritório do advogado Roberto Teixeira e a Casa Civil. A aprovação permitiu que a VarigLog pudesse comprar a Varig.

Os sócios estrangeiros e brasileiros contam a mesma versão para explicar a origem do capital, mas divergem sobre quem montou a sociedade. Na versão de Lap, a iniciativa partiu dele.

"O Haftel é meu amigo desde os quatro anos. Estudamos juntos no Saint Paul?s. O Gallo é amigo do meu sócio Santiago Born. E o Audi foi recomendação do escritório de advocacia XBB", disse.

Ele contou que na época contratou detetives para investigar Audi. Mas mesmo desconfiando de Audi, Lap achava que não teria problemas porque era ligado aos outros dois sócios brasileiros. Hoje, os três brasileiros brigam com Lap pela VarigLog.

Audi, dono de uma empresa de helicópteros, conta uma história diferente. Ele nega ser "laranja" e diz que há tempos sonhava em comprar a Varig. Quando a Varig entrou em colapso, pediu ajuda ao amigo e consultor Marcos Mantovani para buscar um sócio capitalista para comprar a empresa.

Mantovani é acusado de participar do esquema de desvio de verbas do BNDES, que envolve o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força. "Foi o Mantovani que me apresentou o Lap, não posso esconder a verdade", disse Audi.
Estadão