31.1.09

O preço a pagar

por J.R. Guzzo para a Veja

"Nada comprova melhor os efeitos da opção de governar sem trabalho do que o desastre crescente em que se vai transformando o caso Cesare Battisti"

Sempre é possível para presidentes da República, sobretudo para os que vivem com altos índices de popularidade como Luiz Inácio Lula da Silva, governar seu país sem os incômodos, as responsabilidades e os riscos de ter posições de verdade sobre questões complicadas. Dá muito bem para Lula, apenas nos anos de 2007 e 2008, ficar 148 dias no exterior e ausente do local de trabalho, em viagens que não têm nenhum propósito – na última das suas visitas à Venezuela, pelo que se viu, foi levado a uma horta e apresentado a uma caixa de tomates. Dá para governar sem ler nada; se a leitura da imprensa lhe provoca azia, imagine-se então em que estado iria ficar lendo um relatório estratégico do ministro Mangabeira Unger. Quando surgem problemas aborrecidos, pode largar a solução, e está sempre largando, para algum subordinado; afinal, ele tem 38 ministros diferentes, secretários com "status de ministro", assessores com "status de secretário" e só Deus sabe quanta gente mais. É perfeitamente possível, em resumo, governar sem trabalhar, quando se dá à palavra "trabalho" o significado que ela tem para as pessoas comuns. Esse é o lado bom do emprego de presidente da República – mas, infelizmente, quase tudo na vida tem dois lados e, pior ainda, acaba tendo alguma consequência concreta. No caso, a consequência de levar um governo nessa toada é que a liderança do chefe simplesmente vai para o espaço – e assim que ela some o ecossistema do palácio presidencial se transforma numa usina de produzir tumultos. É o preço a pagar.

Nada comprova melhor os efeitos da opção de governar sem trabalho do que o desastre crescente em que se vai transformando o caso Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália pela prática de quatro homicídios e presenteado pelo governo brasileiro com "refúgio político". Na semana passada, enquanto a Itália chamava de volta o seu embaixador no Brasil, o presidente Lula tinha diante de si um problema que nunca quis criar e com o qual nem ele nem o Brasil vão ganhar nada, seja lá qual for a solução final. Não aconteceria o que está acontecendo se Lula, logo no começo, tivesse prestado mais atenção no que fez. Num episódio envolvendo um país com que o Brasil jamais teve interesse algum em brigar, e no qual havia pelo menos quatro pareceres dentro do governo, três contra o refúgio e um a favor, ele abandonou a decisão só para o ministro da Justiça, Tarso Genro – que resolveu tomar o partido de Battisti. O presidente não pode, é claro, ficar se metendo em tudo. Mas, se acha que a responsabilidade de resolver um caso desses não faz parte da sua lista de obrigações, o que teria de acontecer, então, para ele agir? Aí já não é delegar autoridade; fica parecendo abandono de serviço.

O próximo passo está a cargo do Supremo Tribunal Federal, que vai julgar se o ministro tinha ou não o direito de tomar a decisão que tomou; não vai julgar se ela está certa ou errada. Esta é a questão que não irá embora – e, qualquer que seja a última palavra, o jogo dos sete erros armado desde o começo pelo governo promete ficar do mesmo tamanho. Não há "crime político" a ser considerado; a Itália está pedindo a extradição de Battisti não porque ele falava mal do governo ou fazia oposição, mas sim porque foi processado, julgado e condenado por sua participação no assassinato de quatro pessoas, o que é proibido tanto pelas leis italianas como pelas leis brasileiras. Não há nenhuma prova de que o Poder Judiciário da Itália tenha feito uma "condenação política", nem de que tenha cerceado os direitos de defesa do réu; quem alega essas duas coisas, sem provar nenhuma delas, são os seus advogados. Não há motivo algum para o governo ficar falando em "soberania"; a Itália não pede que o Brasil seja menos soberano, e sim que lhe devolva um homicida condenado por violação ao Código Penal. O restante da argumentação do ministro Genro é da mesma qualidade.

O presidente da República não quis esquentar a cabeça com esses detalhes, e se chegou a pensar que algo poderia dar errado apostou que o problema, como de costume, acabaria sumindo em alguns dias. É um critério, sem dúvida. A rigor, tudo acaba realmente esquecido com o passar do tempo, mesmo as piores malfeitorias. Ninguém continua falando mal do imperador Nero, por exemplo – e olhem que o homem mandou matar a própria mãe, botou fogo em Roma e crucificou São Pedro de cabeça para baixo. Mas o esquecimento futuro não faz o errado virar certo no presente. Mais ainda, não muda o preço da fatura que tem de ser paga agora.

30.1.09

Lula encontra Evo, Chávez e Lugo e ...

Lula encontra Evo, Chávez e Lugo e diz que ''deus mercado quebrou''
Presidente defende rediscussão do sistema financeiro internacional em reunião com colegas na capital paraense

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliou ontem, ao participar do Fórum Social Mundial, na capital paraense, que governo não deve ceder a pressões por cortes de gastos nas áreas social e de infraestrutura para enfrentar a crise financeira.

A declaração foi feita em meio à polêmica gerada pela ampliação do programa Bolsa-Família ao mesmo tempo em que o governo anuncia um congelamento de gastos do Orçamento de 2009 que pode chegar a R$ 37 bilhões.

Aos ativistas reunidos em Belém - e aos outros quatro presidentes latino-americanos participantes do evento -, Lula disse que os países ricos não têm lições a oferecer no combate à crise que provocando aumento do desemprego e queda na produção em praticamente todo o mundo.

"Eles (os países ricos) tinham a solução para todos os nossos problemas e diziam o que tínhamos de fazer. Parecia que eles eram infalíveis e nós, incompetentes. Mas Deus escreve certo por linhas tortas, porque o ?deus mercado? quebrou", ironizou.

"Eles diziam que tínhamos de fazer ajuste fiscal, cortar gasto, fazer choques de gestão e mandar trabalhadores embora. É hora, na verdade, de investirmos, de colocarmos dinheiro nos setores produtivos", acrescentou Lula, aproveitando a ocasião para falar do plano de seu governo de promover a construção de 1 milhão de casas populares nos próximos dois anos.

O Fundo Monetário Nacional, uma das organizações internacionais mais criticadas pelos grupos participantes do fórum, foi alvo de ironias por parte do presidente. "Agora espero que o FMI diga para o nosso querido Obama como ele tem de consertar os Estados Unidos e que diga para os outros países ricos como eles têm de consertar a crise."

Lula fez uma retrospectiva de sua participação no fórum desde o primeiro encontro, em Porto Alegre, em 2001. Ressaltou que os organizadores e participantes do evento sempre fizeram sugestões na área financeira e econômica contrárias às apresentadas por especuladores e pelo chamado Consenso de Washington, que aplicava, nas suas palavras, cartilhas muito rígidas aos países pobres, inibindo o crescimento econômico.

"A gente dizia que outro mundo era possível", afirmou, se referindo ao slogan do fórum. "Agora dizemos que outro mundo é necessário e imprescindível."

O presidente ressaltou a necessidade de discutir a formação de "uma nova ordem econômica" mundial e destacou a importância do G-20 - grupo que reúne os chamados países emergentes - como palco desse debate. "O G-20 tem de discutir o controle do mercado financeiro."

Ao criticar a falta de regulação financeira internacional e as teses de diminuição do papel do Estado, Lula afirmou: "É o Estado que não prestava para nada que está colocando bilhões de dólares para consertar a economia. Agora eles fecharam a boca, porque quebraram por pura especulação."

Observado pelos presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, Evo Morales, da Bolívia, Rafael Correa, do Equador, e Fernando Lugo, do Paraguai, disse que a eleição deles representa uma nova correlação de forças no continente.

CRISE

Lula pretende aproveitar o fórum - e o público amplamente simpático às teses que defende - para destacar que seu governo promoveu e incentivou um importante mercado de consumo, formado por pessoas de baixa renda, que hoje contribui para amenizar os efeitos da crise econômica no País. Esse mercado foi levantado por programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, segundo destacou Lula em tópicos preparados antes do encontro, a cujo teor o Estado teve acesso.

O presidente também pretendia abordar na visita a Belém o problema da devastação da Amazônia. Em um dos tópicos do documento, ele destacou que é preciso um modelo de preservação sustentável da floresta. A área ambiental do governo, segundo avaliações do próprio Palácio do Planalto, é uma das mais deficientes da gestão Lula. Desde 2003, o governo não conseguiu apresentar uma política concreta para o setor.

O discurso de Lula foi feito no final da noite no seminário A América Latina e o Desafio da Crise Financeira Internacional. O presidente foi o último a discursar. Antes do seminário, contudo, Lula se reuniu com Chávez, Correa, Morales e Lugo, no Hotel Hilton. O encontro foi a portas fechadas. Folha

Dez testemunhas embasaram condenação

Decisões das Justiças da Itália e da França e da Corte Europeia mostram que foi assegurado ao italiano amplo direito de defesa
Tarso havia argumentado que condenação foi baseada em um único depoimento e dito ter "profunda dúvida" sobre o processo legal

A análise de cinco decisões proferidas pelas Justiças da Itália e da França e pela Corte Europeia de Direitos Humanos, relacionadas a Cesare Battisti, revela que sua condenação à prisão perpétua pela prática de quatro homicídios teve como base o depoimento de pelo menos dez testemunhas e também que a ele foi assegurado amplo direito de defesa ao longo dos processos judiciais.
A Folha obteve cópia dos documentos, que fazem parte do processo, em tramitação no STF (Supremo Tribunal Federal), no qual o governo italiano pede ao Brasil a extradição de Battisti pela prática de crimes comuns, que pela legislação nacional seriam hediondos.
As decisões não convenceram o ministro da Justiça, Tarso Genro, que concedeu status de refugiado ao italiano por entender que há "fundado temor de perseguição" política e "profunda dúvida" de que o julgamento do ex-militante de extrema esquerda seja fruto do devido processo legal.
Na decisão do Tribunal de Apelação de Milão, que em 1990 confirmou decisão na qual Battisti foi condenado à prisão perpétua pela prática de quatro assassinatos em situação de crime comum, são citados os depoimentos de pelo menos dez testemunhas, além do também militante Pietro Mutti, bem como dados colhidos em investigações policiais ocorridas na época dos fatos.
Para Tarso, no entanto, as condenações do italiano foram baseadas "em uma testemunha de acusação", em referência a Mutti, que, como Battisti, militava no movimento terrorista de esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo). O ministro acusou a falta de provas periciais que justificassem a condenação.
Ao ler a decisão judicial e entrevistar ontem o juiz que investigou o caso na época, o hoje procurador-adjunto da cidade de Turim, Pietro Forno, a reportagem identificou as seguintes testemunhas que, mediante benefícios da lei de delação premiada, contribuíram com informações para os processos que levaram à condenação de Battisti: Maria Cecilia "Barbetta", Enrico "Pasini Gatti", Marco "Barbone", Maurizio "Ferrandi", Santo "Fatone", Marco "Donat-Cattin", Antonio "Cavallina", Maurizio "Mirra", Giuseppe "Memeo" e Marina "Premoli".
Em sua maioria, eram integrantes da organização Prima Linea, que acolheu militantes do PAC após sua extinção.
Maria Cecilia Barbetta, por exemplo, contou que "soube do [próprio] Cesare Battisti do homicídio de [Antonio] Santoro, ou melhor, de sua participação no homicídio do Santoro, muito tempo depois do fato". Ela disse ainda que Battisti "falava sobre a impressão que se sente ao disparar em uma pessoa, ao ver sair o sangue".
Agente penitenciário, Santoro, a primeira das quatro pessoas assassinadas por Battisti, segundo a Justiça italiana, foi morto a tiros na cidade de Udine, em 6 de junho de 1978.
A morte do também policial Andrea Campagna, em Milão, no dia 19 de abril de 1979, teve como testemunha o militante Santo Fatone. De acordo com o procurador Forno, Fatone atuava com Battisti no PAC e seu testemunho foi fundamental para elucidar o caso.
Disse Fatone à Justiça: "A preparação do homicídio foi efetuada pelos companheiros que ficaram em Milão, ou seja, Battisti, [Giuseppe] Memeo, Lavazza, Bergamin e La Marelli, e pessoas próximas a Memeo que não saberei precisar".
Ainda sobre o assassinato de Campagna, constam da decisão do Tribunal de Apelação de Milão referências a "investigações da polícia realizadas logo após o delito" e relatos "prestados por testemunhas inquiridas na imediação dos fatos". Os dados colhidos coincidem com o depoimento de Mutti.
Os dois outros homicídios atribuídos a Battisti ocorreram em 16 de fevereiro de 1979 e vitimaram o açougueiro Lino Sabbadin e o joalheiro Pierlugi Torregiani.

França
Para derrubar na Justiça francesa a concessão de sua extradição para a Itália, Battisti disse ser vítima de perseguição política e que não lhe fora assegurado direito a defesa.
Ambos os argumentos foram refutados pelos magistrados franceses em três instâncias judiciais. Para o Conselho de Estado (segunda instância), Battisti "não tem motivos para afirmar que a extradição tenha sido pedida com finalidades políticas" e "beneficiou-se em todas as fases de um processo longo e complexo da defesa de advogados por ele escolhidos".
Diantes das negativas da Justiça francesa, Battisti recorreu à Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo (França). Novamente teve refutados os seus argumentos e confirmada a extradição, em 12 de dezembro de 2006, quando já vivia clandestino no Brasil.
A corte entendeu que era lícito "concluir que o requerente [Battisti] tinha renunciado de maneira inequívoca a seu direito de comparecer pessoalmente e de ser julgado em sua presença".

Filantrópicas anistiadas

O CONSELHO Nacional de Assistência Social (CNAS), do Ministério do Desenvolvimento Social, renovou os certificados que dão isenção tributária a 4.100 entidades filantrópicas. Passa a valer na prática um dos efeitos mais nocivos da medida provisória 446, editada há dois meses: a anistia a entidades suspeitas de práticas irregulares sob o manto da filantropia.
Calcula-se que cerca de 2.000 das entidades beneficiadas estejam sob investigação. Ao renovar os Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social, o CNAS ignora as investigações em curso e permite que todas mantenham benefícios como a isenção da cota patronal ao INSS (20% da folha de pagamento), da CSLL, do PIS e da Cofins.
Mais de R$ 4 bilhões deixam de ser recolhidos anualmente aos cofres públicos em razão dessas isenções, que deveriam favorecer entidades educacionais, de saúde e assistenciais.
A fiscalização falha já propiciou fraudes bilionárias contra os cofres públicos. A edição da MP 446 procurava sanar esses problemas de vigilância -o controle sobre as entidades passou a ser feito pelos ministérios pertinentes, como Saúde e Educação, e não mais pelo CNAS.
Mas a medida provisória também embutiu a escandalosa anistia, o que motivou o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), a devolver a MP ao governo. A atitude foi contestada pelo líder do governo na Casa, Romero Jucá (PMDB-RR), que entrou com recurso na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e passou a negociar um projeto de lei alternativo.
No entendimento da CNAS, no entanto, a MP 446 continua em vigor. Além de atropelar uma discussão em curso no Congresso, a anistia, ao abençoar centenas de entidades suspeitas de fraude, ofende o interesse público e deveria ser anulada. Folha

Decisão de comitê contradiz todas as alegações de Tarso

Órgão do ministério afirmou que temor de perseguição a Battisti não se sustenta

Decisão do ministro, que tem poder para rever as determinações do Conare, contrariou tudo o que o órgão havia argumentado

Em um documento de 16 páginas, os integrantes do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) justificam a negativa de status de refugiado a Cesare Battisti afirmando que Justiça italiana é democrática e respeita os direitos humanos, que não há "nexo causal" entre a perseguição alegada por ele e o pedido de refúgio e que não caberia ao órgão, vinculado ao Ministério da Justiça, definir se os crimes atribuídos a ele foram ou não "políticos".
A Folha teve acesso ao processo sigiloso do comitê -ontem o Supremo Tribunal Federal pediu uma cópia dessa decisão. Os argumentos do documento foram ignorados por completo pelo ministro Tarso Genro (Justiça), que reverteu o entendimento do órgão e concedeu o refúgio a Battisti.
O Conare é um órgão interministerial formado por conselheiros de diversas áreas do governo e da sociedade civil. Suas deliberações, conforme prevê a lei, podem ser revistas pelo ministro da Justiça -como ocorreu com Battisti. Mas isso é raro: desde a criação do comitê, em 1998, houve revisão em só 25 de 2.026 casos de refúgios.
A decisão do Conare de negar o pedido de refúgio a Battisti ocorreu em novembro, mas não foi unânime. De cinco conselheiros, três optaram pela negativa e dois pela concessão do refúgio. Votaram contra Luiz Paulo Barreto, presidente do comitê e secretário-executivo do Ministério da Justiça; Gilda Santos Neves, do Itamaraty; e o delegado Antônio Carlos Lessa, da PF, outro órgão subordinado ao ministro.
O principal argumento apresentado por Tarso é que o italiano "possui fundado temor de perseguição por suas opiniões políticas". Para os conselheiros do Conare, porém, "não há como considerar que na Itália não vige um sistema jurídico capaz de resguardar a vida daqueles que cumprem pena em seus cárceres". Acrescenta que o país é democrático, com o funcionamento normal de suas instituições, e que não há violações aos direitos humanos.
Os argumentos de Tarso, se comparados à decisão do Conare, representam mudança radical na interpretação dos fatos. O ministro afirma que a situação de Battisti na França, onde viveu por mais de uma década, foi alterada com "a mudança de posição do Estado francês, que havia lhe conferido guarida". A França concordou com sua extradição.
Já o Conare entendeu o contrário. "Se for feita uma análise real da situação do senhor Cesare Battisti, verifica-se que o mesmo foge da condenação desde 1981." E mais: "A Justiça italiana buscou a sua extradição desde o início, perpassando por diversos governos".
Em sua decisão, Tarso cita pensadores como Norberto Bobbio e Hannah Arendt, mas pouco se atém às decisões judiciais da Itália, referendadas anos depois na França e pela Corte Europeia de Direitos Humanos. O Conare reproduz despacho do último tribunal, no qual o italiano teve "direito de defesa e estava informado sobre a acusação contra ele".
O Conare se nega a avaliar se são políticos os crimes atribuídos a Battisti, dizendo ser essa "competência exclusiva" do STF, diz que não cabe a ele "instaurar" novo julgamento e atesta a legalidade do processo.
Quanto às pressões da Itália para que o Brasil extraditasse Battisti, que agora tanto tem incomodado autoridades brasileiras, os conselheiros do Conare concluíram que a atitude era um "direito legítimo de qualquer Estado que pretende ver cumpridas as suas decisões, como o faz da mesma maneira o governo brasileiro, sem que se caracterize constrangimento à soberania de outros país". Folha

29.1.09

O melhor patrão do país

Alheio à crise, o governo federal continua a inchar seus quadros sem trégua e a conceder pacotes de bondades ao funcionalismo

Seduzidos por um régio pacote de benesses, como salário inicial de até 9 500 reais, direito à estabilidade no emprego e aposentadoria integral, no último dia 11 cerca de 10 000 brasileiros interromperam as férias para prestar concurso para a Agência Nacional do Cinema (Ancine), órgão do governo federal. Apesar do baixo grau de competição na produção de filmes no país, o Ministério do Planejamento autorizou a Ancine a preencher 55 novas vagas de analistas administrativos e especialistas em regulação cinematográfica. O concurso da Ancine é apenas um exemplo da expansão desmedida da máquina federal em curso. Mesmo com a crise, o Orçamento da União para 2009 prevê a criação de 45 000 cargos na administração pública, um terço dos quais no Poder Executivo. Desde 2003, no início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a burocracia federal ganhou 200 000 integrantes, acréscimo de 22% no número de servidores. Em Brasília, as repartições já estão tão congestionadas que 17 dos 27 ministérios tiveram de alugar imóveis para acomodar o pessoal novo. Ainda mais preocupante é o fato de que, no final de 2008, enquanto a crise global já causava estragos na economia brasileira, levando ao corte de 655 000 empregos em dezembro - o pior em dez anos - e muitas empresas a iniciar o ano negociando acordos de redução de jornada e salários para não demitir, o governo aprovou no Congresso mais um generoso pacote de bondades para o funcionalismo.

O novo pagamento dos aumentos dos servidores - que também beneficia aposentados e pensionistas - exigirá que a União desembolse 29 bilhões de reais a mais que no ano passado. Para efeito de comparação, o programa Bolsa Família, que atinge mais de 11 milhões de famílias, deve custar 12 bilhões de reais aos cofres públicos neste ano. Pelo acordo, o governo já se comprometeu com novos aumentos nos próximos quatro anos. Com isso, em 2011, no início do mandato do sucessor de Lula, a fatura adicional deverá subir para 47 bilhões de reais. Segundo projeções do economista Felipe Salto, da consultoria Tendências, os gastos com o funcionalismo, que no ano passado foram de 135 bilhões de reais, equivalentes a 4,6% do produto interno bruto, deverão atingir 164 bilhões, ou 5% do PIB, em 2009. "Num cenário de desaceleração econômica, os aumentos são extremamente preocupantes", diz o economista Fabio Giambiagi, especialista em finanças públicas. "Graças ao forte crescimento do PIB em 2008, o governo ainda tem gordura para queimar neste ano. Se o cenário continuar negativo, a margem de manobra para fechar as contas públicas pode se estreitar perigosamente."


De acordo com o economista Raul Velloso, também especialista em contas públicas, após sucessivos recordes na receita, o governo deverá deixar de arrecadar pelo menos 20 bilhões de reais neste ano em decorrência da crise. "O padrão de gastos com o funcionalismo é insustentável", afirma Velloso. "Se quiser manter a inflação sob controle, o governo tem duas alternativas: ou faz um ajuste nas contas ou daqui a um ano o Banco Central terá de voltar a elevar os juros, prejudicando a atividade econômica." Reconheça- se que, ao aprovar os aumentos e novas contratações no Congresso, o Ministério do Planejamento incluiu cláusulas que lhe permitem o cancelamento de novos gastos caso a União não tenha recursos para bancá-los. Mas, dada a força do funcionalismo, dificilmente o governo terá pulso para voltar atrás, especialmente quando se considera a proximidade da eleição presidencial. "O governo terá de cumprir o que prometeu", diz Josemilton Costa, secretáriogeral da Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef). "Vamos lutar para garantir todos os acordos firmados." Com 800 000 associados e orçamento mensal de 120 000 reais, a Condsef é ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), que por sua vez representa o braço sindical do PT, o núcleo do governo.

Explosão de gastos

Ao longo do governo Lula, o funcionalismo federal já obteve cerca de 40% de ganhos reais de salários. No segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, os ganhos foram de 10%. Segundo Josemilton Costa, desde 2007 as negociações salariais entre o funcionalismo e o governo tornaram-se mais fáceis graças à nomeação do líder sindical Duvanier Paiva Ferreira como secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento. Ex-assessor da CUT, Ferreira tem mantido negociações permanentes com as mais de 50 categorias de servidores federais. Procurado por EXAME, ele se recusou a dar entrevista.

Os reajustes não beneficiam todas as categorias de uma vez. "Os aumentos mais generosos costumam ser concedidos em fins de mandato, porque ficam na memória do funcionalismo e de suas famílias", diz Gil Castello Branco, economista da ONG Contas Abertas, que analisa as contas públicas. "O funcionalismo tem grande peso eleitoral." Em razão disso, até mesmo os partidos de oposição votaram a favor dos últimos reajustes. Se comparados aos do setor privado, os salários no governo são bem generosos. Enquanto o salário médio pago pelas 150 melhores empresas para trabalhar do Guia Você S/A EXAME - espécie de elite do setor privado - é 3 000 reais, no Judiciário a média salarial é 15 300. Já no Legislativo, é 13 300 reais, e no Executivo, de 4 300. "Essa comparação explica o enorme apelo que os concursos públicos têm sobre os brasileiros", diz Mário Fagundes, gerente do grupo Catho, que atua como agência de empregos. "Quando se trata de cargos seniores, como os de analista técnico ou de sistemas, os salários costumam ser 70% maiores do que nas empresas privadas." É o caso do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que oferece salário inicial de 8 500 reais a analistas de sistemas. A generosidade do governo-patrão justifica por que nos últimos dois anos 5 milhões de brasileiros se inscreveram para concursos no funcionalismo federal, de estados e municípios - aumento de 40% no número de candidatos ao longo da última década. E graças aos chamados "trens da alegria" - as gratificações incorporadas aos vencimentos - há, no Congresso Nacional, motoristas ganhando perto de 20 000 reais, renda compatível com a de diretores de companhias privadas. Nas maiores empresas do país, motoristas experientes que servem a diretoria costumam ganhar no máximo 5 000 reais.

O governo paga mais


Para que uma grande economia emergente como o Brasil prospere, é preciso que seu governo conte com uma burocracia eficiente e comprometida com os princípios modernos de governança. É claro que, a exemplo do que ocorre no setor privado, profissionais capacitados são mais caros. "Nunca houve tanta gente qualificada entrando no serviço público", diz Nelson Marconi, especialista em gestão pública da Fundação Getulio Vargas. "O problema vem logo a seguir. Como a política de recursos humanos é inadequada, ao começar a trabalhar o funcionário público não encontra incentivos para se manter produtivo." De fato, na máquina federal a política de gratificação desconhece o princípio da meritocracia. "O governo não tem critérios para dar aumentos", reconhece um técnico do próprio Ministério do Planejamento. "Quem grita mais e tem mais intimidade com a base aliada do governo, como os auditores da Receita e os funcionários da Polícia Federal, arranca aumentos maiores do que conseguem as categorias mais frágeis, como as de educação e saúde pública." Aliás, por pressão da Condsef, as medidas provisórias que aumentaram os salários eliminaram as avaliações de desempenho no funcionalismo federal.

Modelo mundial em termos de governança pública, a Nova Zelândia gasta 2,3% do PIB - metade da proporção do Brasil - com os servidores. Países da Europa e os Estados Unidos, que contam com máquinas burocráticas onerosas, hoje tentam seguir o mesmo caminho. Implantado em Minas Gerais em 2003, o primeiro programa de avaliação de desempenho do funcionalismo do país exibe resultados consistentes. Na rede pública de ensino, houve aumento de 5% na proficiência dos alunos em matemática e de 7% em português. "Em razão do cumprimento de metas, o funcionalismo mineiro já recebeu 320 milhões de reais em bônus", diz Renata Vilhena, secretária do Planejamento do estado. Por outro lado, uma dezena de funcionários mineiros que tiveram desempenho continuamente medíocre está sendo processada e corre o risco de perder o emprego. De olho no exemplo de Minas, outros estados estão adotando programas semelhantes. É esse caminho, o da busca de resultados e do uso criterioso do dinheiro público, e não o do inchaço desmedido, que a máquina federal precisa aprender a trilhar. O Globo

Lula amplia Bolsa Família e merenda escolar gratuita

Programa atenderá mais 1,3 milhão de famílias e 7,3 milhões de alunos do ensino médio. Benefício foi apontado por oposicionistas como uma das razões para a grande votação de Lula em regiões pobres como o Nordeste

No dia em que reuniu os governadores do Norte e Nordeste, as regiões mais pobres do país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou duas medidas que custarão mais R$ 871 milhões por ano ao erário. O Bolsa Família e a merenda escolar foram ampliados, medidas que a oposição julga eleitoreiras e que foram divulgadas um dia após o governo cortar R$ 37 bilhões do Orçamento.

O Bolsa Família atenderá mais 1,3 milhão de famílias, e a merenda será estendida aos 7,3 milhões de alunos do ensino médio da rede pública, podendo atingir potenciais eleitores com 16 anos ou mais. Hoje ele atende só o ensino fundamental (leia texto nesta página).

"O objetivo é atrair eleitores para 2010", afirmou o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (leia texto nesta página). O total de beneficiários do Bolsa Família aumentará de 11 milhões para 12,3 milhões de famílias. O custo será de R$ 549 milhões a mais por ano, o que eleva o Orçamento do programa a R$ 11,95 bilhões.

A merenda custou em 2008 R$ 1,5 bilhão ao governo. O gasto adicional será coberto pelo Tesouro.

Transformado no principal programa da área social do governo após o fracasso do Fome Zero, o Bolsa Família rendeu dividendos eleitorais ao governo e seus aliados em 2006. Nas regiões mais pobres, sobretudo no Nordeste, o programa foi apontado pela oposição como uma das razões para a grande votação pela reeleição do presidente Lula naqueles Estados.

O programa atingiu em junho de 2006 a sua meta de 11 milhões de famílias. Até agora, só puderam entrar novas famílias no programa se alguma saísse. Com a medida de ontem, este será o primeiro aumento após dois anos e meio.
Por meio de sua assessoria, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome justificou a decisão como uma necessidade de ampliar a rede de proteção social baseada em estudos do IBGE e do Ipea.

O valor dos benefícios pagos pelo Bolsa Família não foi alterado. O que mudou foi o limite de renda das famílias que têm filhos adolescentes e que recebem ajuda federal. Com isso, mais pessoas serão incluídas.

O reajuste permitirá que famílias com renda mensal de até R$ 137 por pessoa passem a receber R$ 20 por filhos com até 15 anos. Essa parcela do Bolsa Família, conhecida como benefício variável, só era paga a famílias com renda de até R$ 120 por mês. Há um limite máximo de R$ 60 ou três filhos para pagamento desse benefício.

As famílias que serão beneficiadas já estão no cadastro do governo. Em maio, um grupo de 300 mil pessoas passará a integrar o Bolsa Família. Em agosto, outras 500 mil; em outubro, mais 500 mil.

O Bolsa Família paga entre R$ 20 e R$ 182 por mês às famílias mais pobres. O valor mais baixo é recebido por quem tem apenas um filho de até 15 anos e renda mensal de até R$ 137, a partir da mudança.

Quem tem renda mensal de até R$ 60 por pessoa tem direito a um valor fixo pago de R$ 62. A isso podem-se somar outros R$ 60, se a família tiver três filhos de até 15 anos. Adolescentes de 16 e 17 anos também são beneficiados.

Independentemente da renda familiar, o governo paga até R$ 60 a todos os beneficiários do programa que tenham até dois filhos nessa idade.Folha

28.1.09

Novo impasse atrapalha base de foguete

Comunidade quilombola impede pesquisadores de fazerem levantamento socioambiental em Alcântara, no Maranhão

Disputa territorial acabou, mas empresa não consegue realizar estudo de impacto, o que pode atrasar voo de foguete previsto para 2010

Mesmo após a última disputa territorial entre quilombolas e o Programa Espacial brasileiro ter sido resolvida, a construção de uma nova base para lançar foguetes em Alcântara (MA) está gerando conflito. Segundo a ACS (Alcântara-Cyclone Space) -empresa binacional brasileira e ucraniana que vai se instalar no local- comunidades da região impedem a realização de um estudo de impacto ambiental e um levantamento socioeconômico da região.
O impasse, diz a empresa, atrasa o cronograma de seu primeiro lançamento, programado para 2010. Desde outubro do ano passado, a ACS abdicou áreas pleiteadas pelos quilombolas das comunidades de Mamuna e Baracatatiua, dando fim a uma disputa de seis anos.
Agora, a binacional ficará no Centro de Lançamento de Alcântara, da Aeronáutica, vizinho à área. Para começar suas construções, porém, a ACS precisa entregar ao Ibama um estudo de impacto com dados de vários pontos da região, o que requer a entrada de funcionários em território quilombola.
"Para fazer esse estudo, temos de pegar materiais além do nosso sítio, mas eles [quilombolas] não deixam", disse à Folha Gustavo Tourinho, assessor de imprensa da ACS. "E, para deitar um único tijolo lá, precisamos do estudo."
O que perturbou o aparente acordo atingido após a ACS abdicar áreas das comunidades é que, apesar de o Incra já ter dado início à demarcação das terras, a vitória quilombola é parcial. Segundo a antropóloga Maristela de Paula Andrade, da Universidade Federal do Maranhão, comunidades têm receio em deixar a ACS entrar na área, temendo perder mais terras.
"Esse recuo da empresa se deveu à resistência dos trabalhadores, porque os engenheiros simplesmente entraram com as máquinas dentro do povoado, começaram a fazer perfuração e derrubaram mata sem autorização", diz. "Existe uma história recente muito complicada, e essa empresa [ACS] tem um significado político. Houve várias tentativas de expropriar essas famílias, e eles estão resistindo há cinco ou seis presidentes da República."
Em agosto último, uma barricada chegou a ser feita, conta Benedito Carvalho, representante do Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara. Houve tensão, mas não conflito. "Agora, não há a possibilidade de sairmos de lá", diz. Carvalho está em Belém agora para o Fórum Social Mundial, que começou ontem e terá eventos sobre a causa quilombola.
Para Carvalho, o problema é que parte dos descendentes já foram expulsos das terras na década de 1980, à época da criação da base. E, segundo ele, o governo federal não cumpriu promessas como incentivo à agricultura familiar e assistência médica. "Se eles não cumpriram aquilo, porque a gente vai acreditar agora?" Folha

Reação italiana é ofensiva, diz Greenhalgh

Advogado classifica pressão de "descabida, desmedida e desproporcional" e a considera "um desrespeito" às autoridades brasileiras
Advogado pediu ontem ao ministro Cezar Peluso que liberte Battisti depois que procurador opinou pelo fim do processo de extradição

O advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que defende o escritor e ex-militante de extrema esquerda Cesare Battisti, criticou a reação do governo italiano à concessão de refúgio ao italiano. A pressão foi tamanha que o presidente da Itália, Giorgio Napolitano, chegou a enviar uma carta ao presidente Lula pedindo a reconsideração da concessão do refúgio.
"O que eu não entendo é a pressão descabida, desmedida, desproporcional e ofensiva do governo italiano sobre as autoridades brasileiras", afirmou. "É um desrespeito com as autoridades brasileiras. Uma vergonha, uma vergonha."
Greenhalgh esteve ontem no STF (Supremo Tribunal Federal) para pedir ao ministro Cezar Peluso, relator do caso, que decida "imediatamente" sobre o pedido de libertação.
Battisti está preso em Brasília desde 2007 e recebeu o status de refugiado político do ministro da Justiça, Tarso Genro, no último dia 13 de janeiro.
Teoricamente, o processo de extradição que corre contra ele, a pedido do governo da Itália, deveria ser suspenso, e o italiano, libertado. O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, no entanto, entendeu que o caso precisaria de uma "análise mais aprofundada" e adiou qualquer decisão, requisitando parecer da Procuradoria Geral da República.
Anteontem, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, enviou parecer ao Supremo defendendo a extinção do processo de Battisti. O documento fez com que Greenhalgh retomasse o lobby pela liberação do italiano.
Ontem, ele disse que irá entrar com outra ação no tribunal pedindo a "urgente" liberdade a Battisti. O documento não havia sido enviado ao STF até o fechamento desta edição.
Para o advogado, o seu cliente deveria ter sido solto desde a decisão de Tarso. "O normal no Brasil é que as pessoas respondam processo em liberdade. Meu cliente está preso há 12 dias, sob constrangimento."
Greenhalgh contou a jornalistas que esteve ontem com Battisti na penitenciária da Papuda, em Brasília, e o caracterizou como "ansioso" e "doente": "Ele está com dieta alimentar dentro da Papuda. Imaginem o estado de saúde dele para uma penitenciária brasileira estar preocupada com a sua alimentação", afirmou. Folha

Lavoura abriga fauna silvestre!!!

Estudo da Embrapa identificou nada menos que 209 espécies
convivendo com a agricultura


Há vida, muita vida nas lavouras e pastagens, além das próprias plantas e das pragas e doenças que costumam atacá-las. De vermes de solo, passando por minhocas, insetos, anfíbios, répteis, aves e até mamíferos que estão no topo da cadeia alimentar, inúmeras espécies de animais selvagens podem ser vistas se não morando, pelo menos frequentando assiduamente o ambiente agrícola. Os animais vão em busca de alimento, abrigo e até de uma via mais segura do que estradas de rodagem para se deslocar de um remanescente de mata a outro.

Pesquisa financiada pela Fapesp e realizada pela Embrapa Monitoramento por Satélite, de Campinas (SP), na Bacia do Rio Pardo, nordeste do Estado de São Paulo, cujos municípios abarcam 41.175 quilômetros quadrados, ou 16,5% da área total do Estado, identificou nada menos do que 209 espécies de animais, entre anfíbios, répteis, aves e mamíferos em lavouras como cana, laranja e outras frutíferas, café, florestas plantadas e pastagens. Incluem-se nesta lista animais raros, como o papagaio-do-mangue (Amazona amazonica); o gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi); o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla); a onça-parda (Puma concolor) e o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus).

Todos foram identificados e relatados no trabalho Levantamento faunístico e avaliação da biodiversidade em agroecossistemas da Bacia do Rio Pardo, realizado pelo doutor em ecologia e pesquisador da Embrapa José Roberto Miranda, além dos biólogos Vagner Roberto Ariedi Jr. e Dennis Driesmans Beyer e do doutor em ecologia e pesquisador da Embrapa Fabio Enrique Torresan.

ADAPTAÇÃO

Miranda, que é especializado em vertebrados, comenta que, assim como os seres humanos se adaptam, os bichos também podem se adaptar a novos ambientes. “Um rato selvagem conhecido como catita, por exemplo, que vive cerca de um ano, pode adaptar-se geneticamente muito mais rapidamente a novos ambientes como lavouras, geração após geração”, diz. “A cana crua é um farto alimento para várias espécies selvagens”, continua Miranda, acrescentando que o sistema produtivo só tem a ganhar com esse aumento de biodiversidade, sobretudo no controle natural de pragas e doenças.

“O segredo é manter a temperatura e a umidade do solo em níveis que possibilitem a vida microbiológica, que é o início da cadeia alimentar, além de evitar queimadas.” A técnica do plantio direto, por exemplo, que mantém uma espessa camada de palha cobrindo o solo entre um plantio e outro, é excelente para esta finalidade. E a técnica de colheita de cana crua, que evita queimadas, também permite maior biodiversidade. “Além disso, quanto menos pesticidas forem aplicados, mais viável se tornará a vida e a presença das mais diferentes espécies de invertebrados e vertebrados nas lavouras”, finaliza.



Preciosidades: 5 dos 14 animais ameaçados de extinção identificados no estudo

Lobo-guará

Nome científico: Chrysocyon brachyurus

Hábitat: É originário da América do Sul. É encontrado
em florestas, campos e, principalmente, cerrados

Sucuri

Nome científico: Eunectes murinus

Hábitat: Vive em rios, lagos e matas próximas a rios; é
originária da região central da América do Sul

Bugio

Nome científico: Alouatta caraya

Hábitat: É originário do Brasil e parte da Argentina. Habita florestas

Gato-mourisco

Nome científico: Herpailurus yagouaroundi

Hábitat: É encontrado desde os Estados Unidos ao Norte da Argentina, inclusive no Brasil; vive em bordas de banhados, beira de rios e lagos e também em lugares secos, com vegetação aberta

Tamanduá-bandeira

Nome científico: Myrmecophaga tridactyla

Hábitat: Encontrado em áreas de campos e cerrados e distribuído geograficamente na América Central e na América do Sul.
Estadão

27.1.09

Governo cria barreira contra importações

Ministério do Desenvolvimento impõe exigência de licença prévia a quase todos os produtos e retoma política abandonada nos anos 90

Nova medida burocrática pode atrasar importação em até 60 dias; ministério afirma que a intenção é realizar acompanhamento estatístico


Marcelo Justo - 2.jan.09/Folha Imagem
Contêineres no porto de Santos (SP); exportações brasileiras estão em queda


GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

Em uma decisão que pegou de surpresa as empresas de comércio exterior, o governo passou a adotar desde ontem uma série de barreiras não-tarifárias ao ingresso da grande maioria de produtos importados. Na prática, a medida significa a volta do sistema de controle das importações adotado pelo país nas décadas de 70 e 80, quando o Brasil era um pequeno exportador e importava 80% do petróleo que consumia.
O que mais chamou a atenção foi a forma com que o governo comunicou a decisão ao setor. Em vez de uma portaria ou uma comunicação formal, o Ministério do Desenvolvimento anunciou a nova medida por meio de uma nota publicada na sexta-feira passada no Siscomex, o sistema usado para controlar o comércio exterior.
A nota no Siscomex informa que será exigida a partir da data de ontem a apresentação da licença de importação prévia, a chamada LI, para quase todos os produtos que entram no país. A lista é ampla e abrange praticamente toda a pauta de importações do país: produtos de moagem (trigo), plásticos, cobre, alumínio, ferro, bens de capital, material eletroeletrônico, autopeças, automóveis e material de transporte em geral, entre outros.
A exigência da LI tinha sido abolida no país nos últimos anos. A importação era praticamente automática. A única exigência era de uma declaração de importação (DI), que era feita pelo próprio importador, apenas para efeitos estatísticos.
Já as LIs podem demorar até 60 dias para serem concedidas pela Secex (Secretaria de Comércio Exterior) e se assemelham muito às guias de importação da época da Cacex (Carteira de Comércio Exterior), o órgão que era responsável pelo controle da entrada de produtos no país nas décadas de 70 e 80. A Cacex foi extinta em 1990 e, desde então, o Brasil sempre tem atuado no sentido de liberalizar o comércio exterior.
De acordo com o que a Folha apurou, a medida adotada pelo Ministério do Desenvolvimento não conta com o apoio dos técnicos da Fazenda. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, irá se reunir hoje com o ministro interino do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, para discutir a decisão.
No início da noite de ontem, a assessoria do Ministério do Desenvolvimento ligou à Folha para informar que o objetivo da medida foi fazer um "acompanhamento estatístico" de uma série de produtos importados pelo país, e as importações barradas ontem seriam liberadas rapidamente.
A decisão de barrar as importações com a adoção de medidas burocráticas demonstra, no entanto, uma preocupação evidente do governo com a acentuada desaceleração das exportações brasileiras no início deste ano. Segundo a Folha apurou, o governo chegou a promover reuniões na semana passada com o objetivo de estudar medidas para reverter o quadro, entre elas adotar algumas barreiras à importação.
O Ministério do Desenvolvimento pode ter até se precipitado e exagerado na dose e, por isso, poderá ser obrigado a voltar atrás, mas a medida não deixa dúvidas de que o governo está preocupado com a deterioração da balança comercial.
Ontem foram divulgados os números da balança comercial de janeiro até a semana passada. Pela terceira semana consecutiva, a balança registra déficit. Até o dia 25, o saldo negativo chegava a US$ 645 milhões.
Nesse mesmo período, as exportações somaram US$ 7,5 bilhões, uma queda de 21,8% em relação ao ano passado. Já as importações totalizaram US$ 8,2 bilhões, uma queda de 8,8% em relação a 2008.
Segundo o vice-presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, o déficit de janeiro ficou bem acima das previsões. Ele mesmo esperava um pequeno superávit, mas isso não justifica a adoção pelo Brasil de medidas protecionistas, segundo ele, já que o país possui reservas de US$ 202 bilhões, mais do que suficientes para cobrir esse déficit.
De acordo com Castro, até se esperava que essas medidas fossem adotadas por alguns países, como a Argentina e o Equador, mas nunca pelo Brasil. Ele teme que, a partir dessas medidas, os outros países adotem medidas de retaliação contra a exportação brasileira. "Essa medida significa uma mudança significativa de rota da política de comércio exterior do Brasil", afirma.

Brasil deve receber presos de Guantánamo, afirma ONG

O Brasil deveria oferecer ajuda ao presidente americano, Barack Obama, para fechar a prisão de Guantánamo. A recomendação é do diretor-geral da Human Rights Watch, Kenneth Roth. "Uma atitude como essa demonstraria o interesse do Brasil em resolver problemas globais. A responsabilidade de ajudar é de todos", afirmou o diretor de uma das principais entidade de defesa dos direitos humanos no mundo.

No total, o governo americano estima que precisará encontrar um destino para cerca de 60 presos de Guantánamo para fechar o centro de detenção. "Esses prisioneiros seriam menos perigosos que os demais, mas não podem voltar a seus países de origem, pois correriam o risco de tortura e mesmo assassinatos", afirmou Roth, que apresentou na sede da ONU o relatório anual de sua entidade. Na Europa, os governos debatem receber os prisioneiros. Mas a Human Rights Watch alerta que a responsabilidade de ajudar o novo governo americano não deve vir apenas dos europeus.

"Uma iniciativa do Brasil de receber alguns dos prisioneiros seria uma grande jogada para elevar o status da política externa brasileira, que em termos de direitos humanos tem se mostrado lamentável", disse. Para ele, a política externa do Brasil não tem sido consistente em relação aos direitos humanos. "O Brasil tem optado por decisões que surpreenderam, ao apoiar alguns governos pouco democráticos nos órgãos internacionais", afirmou. No Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Brasil vem tomando uma postura de aproximação à África e outros países emergentes.

Roth alerta que países como Uruguai, México, Chile e Costa Rica tem tomado uma postura diferente "e mais coerente com os princípios internacionais". Ele alerta que não será apoiando países emergentes, incondicionalmente, que o Brasil conseguirá um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. "O Brasil apenas conseguirá um posto no Conselho de Segurança se mostrar compromisso com direitos humanos, e não tentando agradar países", completou Roth.

26.1.09

Ex-guerrilheiro acusa Fidel de trair Che a mando de Moscou

Alarcón Ramírez afirma que a morte de Che foi fruto de uma conspiração

O ex-guerrilheiro cubano Daniel Alarcón Ramírez, conhecido como Benigno, acusou o ex-presidente de Cuba Fidel Castro de trair Ernesto Che Guevara a mando de Moscou, que considerava o guerrilheiro muito perigoso para suas estratégias imperialistas.

Em declarações publicadas hoje pelo jornal italiano Corriere della Sera, Alarcón Ramírez afirma que a morte de Che foi fruto de uma conspiração, da qual são responsáveis Fidel Castro e a União Soviética.

Benigno é um dos três guerrilheiros que, depois da morte de Che Guevara, em 8 de outubro de 1967, na Bolívia, conseguiu escapar das tropas desse país e chegar ao Chile.

— Os soviéticos consideravam Che Guevara uma personalidade perigosa para suas estratégias imperialistas, e Fidel se dobrou por razões de Estado, visto que a sobrevivência de Cuba dependia das ajudas de Moscou. E eliminou um companheiro de luta incômodo. Che era o líder mais amado do povo — afirma o ex-guerrilheiro na entrevista.

Alarcón Ramírez conta que ele e seu grupo queriam exportar a revolução, mas que foram abandonados na selva boliviana.

— Che foi ao encontro da morte sabendo que tinha sido traído — diz Benigno, que aos 17 anos entrou no grupo do comandante Camilo Cienfuegos depois que os soldados do ditador Fulgencio Batista incendiaram sua propriedade em Sierra Maestra e mataram sua mulher, Noemi, de 15 anos, grávida de oito meses.

Sobre Che Guevara, o ex-guerrilheiro lembra que ele o ensinou tudo sobre o socialismo.

— Não era fácil conseguir sua confiança, mas era um homem honrado e bom. Era o único entre os líderes que pagava de seu bolso o carro de serviço — recorda Benigno, que vive em Paris.

Com quase 70 anos, ele diz que Cienfuegos e Che ofuscavam Fidel e que havia diferenças no grupo dirigente.

— Cienfuegos morreu em um misterioso acidente e eu estava com Che no Congo quando Fidel fez pública uma carta na qual Ernesto renunciava a qualquer posto e à nacionalidade cubana. Che começou a bater no rádio enquanto gritava: 'Olha até onde leva o culto à personalidade — relata.

Quando os dois voltaram para Havana, Fidel sugeriu que fossem combater na Bolívia, após garantir a eles o apoio dos comunistas, a cobertura de agentes secretos e a formação de novas colunas.

Porém, descobriram que o Partido Comunista boliviano não os apoiava talvez por ordem de Moscou.

Che Guevara foi detido e assassinado um dia depois, enquanto Benigno e os companheiros Urbano e Pombo se salvaram com a ajuda de Salvador Allende, presidente do Senado chileno, e chegaram até o Chile.

A partir de então, Benigno começou a se desiludir, sobretudo depois que viu Urbano ser detido e Pombo, nomeado general. Começou uma vida dupla que durou até sua fuga para a França, em 1996. EFE

Itália envolve França no caso Battisti

Subsecretário de Relações Exteriores diz que Sarkozy e Carla Bruni fizeram lobby para que Brasil acolhesse extremista

Um membro do governo italiano acusou o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e sua esposa, a franco-italiana Carla Bruni, de terem pressionado o Brasil a conceder o status de refugiado político ao ex-militante de extrema esquerda Cesare Battisti. Ontem mesmo, em entrevista à RAI, Carla Bruni chamou a acusação de "calúnia" e negou qualquer tipo de envolvimento no caso e com Battisti, condenado a prisão perpétua na Itália.

"Não tive nenhum papel, absolutamente não, e estou muito surpresa com o modo como este boato cresceu. Jamais defendi Battisti e estou contente de poder responder a esta pergunta e poder dizer isso também aos familiares das vítimas", disse a primeira-dama, em programa difundido ontem na emissora de TV italiana.

No sábado, o subsecretário de Relações Exteriores da Itália, Alfredo Mantica, acusou o casal presidencial francês de estar envolvido no caso. "Já está claro que as pressões sobre Lula no caso Battisti foram feitas por Sarkozy", afirmou, citando ainda a suposta participação de Carla Bruni no episódio.

Os primeiros rumores do envolvimento de Sarkozy surgiram com declarações do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) ao jornal italiano Corriere della Sera. Suplicy disse que Sarkozy e Carla Bruni pediram a intervenção de Lula no caso. Segundo o senador, Bruni é amiga da escritora francesa Fred Vargas, que fez campanha para evitar a prisão de Battisti.

Carla Bruni, em entrevista, disse acreditar que os boatos tenham surgido por causa de sua viagem ao Brasil em dezembro. "Não vejo como alguém possa pensar que a mulher de um presidente possa falar destas coisas com o presidente de um outro Estado", afirmou Bruni à RAI.

Advogado de Battisti, Eric Turcon, foi além. "O presidente aceitou organizar um encontro com o secretário Nacional de Justiça brasileiro, Romeu Tuma Jr. Graças ao encontro o refúgio político foi obtido no Brasil", disse ele à agência ANSA.

Em relação ao Brasil, Mantica disse que o caso abre uma "fratura grande" entre os dois países. Para ele, a carta de Lula explicando o ato em relação a Battisti é "ainda mais ofensiva ao povo italiano".

O subsecretário reservou as maiores críticas à primeira-dama francesa. "Ela diz se sentir orgulhosa de não ser mais italiana, nós respondemos que estamos orgulhosos de que ela não seja mais italiana, e que a França tenha acolhido uma senhora como ela", criticou. Carla Bruni havia declarado que não se sentia italiana ao ver o comportamento do governo de Silvio Berlusconi.Estadão

Cartão Verde

Criado em 2007 na gestão de Marina Silva (PT) no Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Chico Mendes gastou R$ 1,8 milhão com cartões corporativos em 2008, 78% de tudo o que foi desembolsado por meio desse mecanismo na estrutura do ministério e todas as suas autarquias juntas (R$ 2,3 milhões).
Ao todo, 227 servidores usaram os cartões. As despesas foram feitas em mercadinhos, postos de gasolina e na compra de passagens de ônibus em Açailândia (MA), além de uma série de saques. A fatura lista gastos repetitivos, nos mesmos estabelecimentos, o que, pelas regras da CGU, seriam casos de licitação por não se tratar de despesa emergencial.

Quando foi lançado, a partir do desmembramento do Ibama, o Chico Mendes foi alvo de críticas da oposição, para quem o órgão seria um "cabide" para empregar petistas.

A diretora de Planejamento e Administração do órgão, Silvana Canuto, afirma que as despesas com os cartões "foram feitas em trabalhos de campo, em local de difícil acesso", e foram destinadas à alimentação de brigadistas e voluntários, apoio e manutenção de imóveis e de conselheiros.

Ela diz também que "vários contratos nacionais" entrarão em vigor a partir de 2009, mas que, "em razão da peculiaridade da missão do instituto, mesmo tendo contratos previamente licitados, o cartão continuará sendo a alternativa para atendimento das demandas". Painel

25.1.09

'Bispo'' explora a tragédia

Tão impressionante quanto o crescimento e enriquecimento das chamadas igrejas pentecostais é a capacidade que elas têm de tirar o melhor proveito pecuniário das piores situações. Quando, em 2007, foi preso no aeroporto de Miami, nos Estados Unidos, ao tentar entrar no país com US$ 56.427 escondidos numa Bíblia, em CDs gospel e em duas bolsas, embora tivesse declarado não portar mais do que US$ 10 mil cada um, o casal de bispos Estevam e Sonia Hernandes, proprietários da Igreja Renascer em Cristo, não perdeu a condição de conduzir e influenciar seus fiéis. Ao contrário, exercendo com maestria o papel de vítimas - do maléfico Satanás - o casal tem aparecido e comovido muito seus adeptos nos telões, via satélite.

Agora, usando de empréstimo o templo suntuoso para 5 mil pessoas da igreja evangélica Assembleia de Deus, no Brás, o casal de bispos diretamente de Miami - já que lá continuam cumprindo prisão domiciliar por conspiração e lavagem de dinheiro - reuniu 2 mil pessoas para um ato religioso, em homenagem às vítimas do desabamento do teto de sua sede mundial no Cambuci - pelo qual, ao que tudo indica, foram responsáveis diretos. Mas longe de fixar-se na dor da tragédia, o encontro transformou-se numa bem-sucedida promoção visando à arrecadação extra de recursos dos fiéis, destinada à reconstrução do templo e, se houver sobra, ao próprio enriquecimento.

"A imprensa que está aqui vai dizer que nós estamos pedindo uma doação especial. E estamos mesmo. Não é para mim, nem para a bispa, é para a glória de Deus" - disse Estevam Hernandes, concitando a todos : "Venham aqui, à frente do palco, apresentar as suas doações. Porque a quem dá, Deus não permite que falte nada." Imediatamente, o palco se encheu de doadores brandindo os seus envelopes cheios de dinheiro. A tragédia propiciara uma exploração reforçada. Mas o fato de enxergar o "lado bom" do infortúnio - até para estimular o espírito de reconstrução ou de renascimento - já fora mostrado pelo bispo, ao referir-se ao que lhe tinham dito algumas vítimas, por coincidência poucos dias antes das trágicas mortes - que ele "sentiu como se tivesse perdido nove filhos". Uma delas, Maria de Lourdes da Silva (67 anos), lhe dissera que queria morrer na igreja, porque "aqui, entre os mortais, há muito trabalho a ser feito, mas o melhor mesmo é estar perto de Cristo". E outra, Luiza da Silva (62 anos), que queria deixar todos os seus bens para a Renascer...

A capacidade de extrair alegrias e riquezas da dor, demonstrada pelo bispo Hernandes, não ficou nisso. Para cumprir seu objetivo de "renascer das cinzas" e "esmagar com nossos pés sangrando a cabeça do gigante Satanás que fez aquele teto da Lins de Vasconcelos desabar", o bispo anunciou uma produtiva programação de cinco cultos para domingo - às 8, 10, 15, 17 e 19 horas - que serão transmitidos via satélite de Miami, assim como uma marcha na qual "se tiver trio elétrico, melhor"...

Reportagem do Estado de quinta-feira dá conta do grau de receptividade dos fiéis da Renascer ao trabalho de arrecadação extra de seus dirigentes. "Doarei o dinheiro porque o templo não é do homem. Ele é do Senhor", disse uma dona de casa. Assim como ela, muitos outros seguidores da Renascer estão dispostos a atender ao que é solicitado no site da igreja na internet, com a indicação da conta bancária em que devem ser feitos os depósitos em favor desta. Certamente nesse ímpeto doador, que mobiliza até pessoas muito humildes, que pouco ou quase nada têm para doar, juntam-se três traços característicos do povo brasileiro, a saber, religiosidade, generosidade e ingenuidade.

O bispo renascentista confia tanto nessa ingenuidade que não hesitou em dizer aos seus fiéis contribuintes - sem enrubescer - que se pudesse "escolher o local para morrer, escolheria o altar dentro da igreja". "Essas vidas" acrescentou, referindo-se às extintas no desabamento, "estavam preparadas para a eternidade." "Deus levou aqueles que Ele desejava."

Nada disso motivará a bancada de vereadores evangélicos a exigir providências contra o descuido irresponsável na instalação dessas casas religiosas. Mas a administração municipal, o Ministério Público e a imprensa não podem se furtar a essa cobrança. Esperemos, então, que façam sua parte. Estadão

Refugiados italianos no Brasil apoiam decisão de ministro!!!

Grupo reclama que governo da Itália persegue "políticos dos anos 70"; atualmente, três deles vivem no Rio, o outro, próximo a Curitiba

Antes de Cesare Battisti, outros quatro ex-comunistas italianos conseguiram refúgio no Brasil. Luciano Pessina, Achille Lollo, Pietro Mancini e Pasquale Valitutti foram beneficiados por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) contra pedidos de extradição da Justiça da Itália ao longo de 15 anos.
A Folha localizou três deles vivendo no Rio de Janeiro. No dia a dia dos antigos militantes, a política deixou de ser prioridade. E a ideologia, quando muito, serve apenas de pano de fundo para atividades essencialmente comerciais.
Pietro Mancini, 60, ex-militante comunista, tem hoje uma produtora: a Studio Line-Baribrá, que recebeu R$ 1,5 milhão para fazer a campanha do deputado federal Fernando Gabeira (PV) para a Prefeitura do Rio em 2008.
Naturalizado brasileiro, Mancini foi condenado na Itália por subversão e assassinato, crimes que ele nega ter cometido. "Pela lei, só poderei voltar em 2024", afirma.
Segundo o produtor, que também é sociólogo, anistia é palavra proibida na Itália.
"Essa perseguição aos políticos dos anos 70 é muito poderosa. Fazem do ódio uma política permanente, realimentada", afirma. O caso de Mancini, em 2005, opôs os ministros do STF, que acabou classificando os crimes como "políticos".
Achilles Lollo, 57, foi preso em 1993 a pedido da Itália, mas o Supremo também negou a extradição. Era acusado de duplo homicídio culposo, por causa de um incêndio de uma residência realizado pelo grupo Poder Operário.
A pena de 18 anos de prisão foi extinta há quatro anos. No Brasil, Lollo flertou com o PT e o PSOL. Atualmente, dedica-se a elaborar documentários de conteúdo progressista.
Produzida por ele, a película "Brasileiros em Cuba", por exemplo, inaugurou o cineclube da Casa da América Latina, núcleo que reúne no Rio militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), dos Círculos Bolivarianos e outros grupos de esquerda que atuam no Brasil.
"Tudo o que faço tem um conteúdo político. Já fiz revistas relacionadas com o PT e o PSOL. Hoje faço uma coisa mais individual, com liberdade. Mas há uma orientação de esquerda, progressista", afirma.

Intransigência
Luciano Pessina, 60, ex-membro da Autonomia Operária, também conseguiu reverter sua extradição no Supremo, em 1996. A Itália o acusava de roubo e participação em grupo armado. De acordo com ele, a decisão do ministro Tarso Genro (Justiça) a favor de Cesare Battisti foi correta.
Para Pessina, o clima de perseguição se dá por causa da "intransigência dos comunistas" e do "ódio dos católicos". "Eles incitam as famílias das vítimas a não perdoarem os crimes do passado, a não esquecer."
No Rio, Pessina abriu o restaurante Osteria Dell'Angolo. Como os demais, é membro do Carp (Comitê de Assistência a Refugiados Político), grupo de caráter informal. Pessina conta que foi procurado por Battisti pouco antes de ser preso.
"Não sabíamos que ele estava no Brasil até que ele nos procurou, por meio de um conhecido, pedindo apoio logístico. A ideia era marcarmos um encontro, mas nunca ocorreu", afirma.
O ex-militante lembra que o grupo de Battisti, o Proletários Armados pelo Comunismo, teve breve duração na Itália.
A Folha não conseguiu localizar Pasquale Valitutti. De acordo com Lollo, Valitutti vive numa comunidade de anarquistas próxima ao município de Curitiba. Folha

24.1.09

Brasil transportará reféns que forem soltos pelas Farc

Ação foi acertada por Cruz Vermelha, com aval de Bogotá

Com o sinal verde do governo da Colômbia, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha anunciou que o Brasil será o único país que participará, com o envio de dois helicópteros e pilotos, da libertação unilateral de seis sequestrados anunciada pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em dezembro. Não há data definida para a operação, por motivos de segurança.
"Vamos fornecer os meios logísticos, mas a operação se dará sob a responsabilidade da Cruz Vermelha Internacional", disse o embaixador do Brasil em Bogotá, Valdemar Carneiro, pouco antes de se reunir com o presidente colombiano Álvaro Uribe, e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que fazia visita a Bogotá.
Não haverá enviados políticos do Brasil. Por exigência das Farc, a senadora oposicionista colombiana Piedad Córdoba, que atuou em libertações unilaterais anteriores, voltará a fazê-lo. A guerrilha anunciou que serão soltos um soldado, três policiais, o ex-governador do departamento de Meta Alan Jara, capturado em 2001, e o ex-deputado Sigifredo López.
A participação de um "fiador" internacional era também uma exigência das Farc para a libertação. Bogotá vinha negando a possibilidade, sob críticas dos familiares dos reféns.
Enfraquecidas pela pressão militar, pelo desgaste político provocado pelos sequestros e pela exitosa e controvertida operação de resgate de Ingrid Betancourt e mais 14 reféns, em julho, as Farc anunciaram a libertação unilateral em 21 de dezembro na tentativa de relançar, com algum holofote internacional, a proposta de intercâmbio humanitário: troca de sequestrados "políticos" por 500 guerrilheiros presos.
Se concretizada a soltura dos seis reféns, as Farc terão em seu poder 22 militares "trocáveis" por rebeldes, e mais centenas de cativos comuns, pelos quais quer dinheiro. O grupo pede que o Congresso aprove um marco legal para as negociações com o governo, como fez no processo de desmobilização dos paramilitares, em 2005. O cenário é improvável.
Segundo o CICV, vários países foram consultados, e o Brasil foi escolhido "por sua proximidade geográfica e pelas facilidades logísticas que poderá oferecer". Contou para aprovação por Bogotá o perfil político discreto do governo Lula na questão, à diferença do governo Chávez -a Embaixada do Brasil na Colômbia afirmou que não haverá declarações sobre o tema até a ação para evitar suscetibilidades. As Farc ainda não disseram se estão de acordo com os planos.
Em 2008, as Farc libertaram seis reféns em "desagravo" ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, à época trocando ataques públicos com Uribe. De lá para cá, eles se reaproximaram, e Chávez tem marcado distância do grupo.
Folha

Brasil quer dividir R$ 4,7 bi de Dantas com três países

País ficará com R$ 2,35 bi se EUA, Reino Unido e Suíça bloquearem verba em definitivo

Investidores do Opportunity Fund podem recorrer de decisão se provarem origem legal de verba, mas devem "ficar quietos", diz advogado


O governo brasileiro já está negociando com representantes dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Suíça a divisão dos cerca de US$ 2 bilhões (R$ 4,7 bilhões) pertencentes ao grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, que foram bloqueados pela Justiça desses três países.
A divisão dos recursos, na proporção de 50% para cada país, está prevista na lei brasileira de combate à lavagem de dinheiro. Se o Judiciário em cada um dos países que bloquearam os valores decidir que eles devem ser sequestrados definitivamente, o governo brasileiro ficará com R$ 2,35 bilhões.
Só para comparar: R$ 2,3 bilhões é praticamente a metade do valor do trecho sul do Rodoanel, uma das maiores obras públicas em execução no Brasil, orçado em R$ 5 bilhões.
Com R$ 2,3 bilhões daria para fazer seis estádios similares ao Engenhão, construído no Rio para os Jogos Panamericanos.
Ontem, o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr., voltou a confirmar o montante bloqueado. O Ministério Público Federal, em São Paulo, divergiu do valor, afirmando que o bloqueio soma US$ 450 milhões. "Não necessariamente os pedidos de cooperação têm de partir do Ministério Público Federal. Pode ter partido da autoridade policial, de outras instituições, desde que com autorização judicial."
O bloqueio de US$ 2 bilhões é o maior valor já sequestrado no exterior a partir de uma investigação da Polícia Federal.
Não é fácil, porém, repatriar esses recursos, como mostram números do DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional), o órgão do Ministério da Justiça encarregado de representar o país nesses casos. O Brasil conseguiu até agora o bloqueio de cerca de US$ 2,8 bilhões, mas só voltou para o país US$ 1,5 milhão.
Esses três países só repatriam valores após uma sentença judicial definitiva. Isso não deve ocorrer antes de dez anos, segundo delegados da PF.
Em dezembro, a Folha revelou que representantes do governo desses países vieram ao Brasil para analisar documentação da Operação Satiagraha.
É a terceira vez que o Opportunity tem recursos congelados desde que a PF deflagrou a operação, em julho passado.
Em setembro, a Justiça do Reino Unido bloqueou US$ 46 milhões. No mesmo mês o juiz federal Fausto De Sanctis determinou o sequestro de R$ 535,8 milhões. Foi De Sanctis que pediu o bloqueio dos recursos do Opportunity nos EUA.
Em todos os casos, a Justiça determinou o bloqueio por julgar que há indícios de que o dinheiro tem origem ilícita. Segundo a PF, dos US$ 2 bilhões bloqueados, cerca de US$ 450 milhões pertencem ao Opportunity Fund. Já o Opportunity diz que o dinheiro é do próprio banco, resultado da venda da Brasil Telecom por Dantas.
Apesar de o fundo estar registrado nas ilhas Cayman, um paraíso fiscal no Caribe que garante o anonimato ao investidor, os recursos estão depositados em Nova York, no banco Brown Brothers Harriman.
Um juiz da corte distrital de Washington considerou que os documentos enviados pelo delegado Ricardo Saadi continham indícios de dois tipos de ilícitos: lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro. Segundo a PF, boa parte dos recursos saíram do Brasil de forma ilegal, por doleiros.
O fundo era restrito a estrangeiros e brasileiros residentes no exterior, mas recebeu recursos de brasileiros que vivem aqui, de acordo com a PF. Perícia feita pelo Instituto Nacional de Criminalística aponta que parte dos investidores no Brasil não declarou o valor que tem no fundo à Receita.
Os investidores que se sentirem prejudicados pelo congelamento poderão recorrer nos países e obter o desbloqueio, caso comprovem a origem legal do dinheiro, avalia o advogado Otto Steiner Jr., especialista em direito bancário.
"Não tenho muitas dúvidas de que a maioria dos clientes do fundo vai ficar quieta e não vai reclamar o dinheiro para não sofrer um procedimento criminal", diz o advogado.
Se ficar comprovado que houve remessa ilegal, o investidor pode perder o dinheiro, sofrer um processo criminal e receber uma multa da Receita. Ficando quieto, ele só perde o dinheiro. Isso ocorreu com brasileiros que enviaram dólares para o MTB Bank e que tinham aplicações com o americano Bernardo Madoff. Ninguém reclamou.
Folha

O que ainda não se sabia sobre ele

O terrorista Cesare Battisti teve, sim, amplo direito de defesa e foi delatado por mais de uma pessoa. Tarso Genro concedeu-lhe refúgio ignorando esses fatos, mas os fatos são teimosos


Laura Diniz

Jackes de Marthon/AFP

MATOU E FOI VISTO
A revista italiana Panorama entrevistou Mutti. Ele contou que Battisti matou pessoas. "Eu e ele éramos os únicos operativos do grupo"



VEJA TAMBÉM
Nesta reportagem
Quadro: As sete derrotas de Battisti

Na Carta ao Leitor de sua última edição, VEJA deu crédito a Tarso Genro, ministro da Justiça, que, depois de "estudo cuidadoso" dos processos italianos, disse não ter encontrado neles provas concretas que colocassem Cesare Battisti na cena dos quatro homicídios pelos quais ele havia sido condenado à prisão perpétua em seu país. Battisti, agraciado por Genro com o status de refugiado político no Brasil, foi um dos líderes do grupo extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), desbaratado há mais de vinte anos pela Justiça italiana graças à delação premiada de Pietro Mutti, um de seus fundadores. A reportagem de VEJA refez na semana passada o mesmo estudo que Tarso Genro garantiu ter feito. Além de ler os autos de cinco tribunais internacionais, a revista entrevistou magistrados italianos diretamente responsáveis pela investigação dos crimes de Battisti. Os resultados obtidos desmentem em sua essência todos os argumentos do ministro da Justiça brasileiro. Havia a possibilidade de Tarso estar certo, mas agora há a certeza de que ele está errado.

Ao contrário do que sustentou Tarso Genro, Battisti teve amplo direito de defesa e as provas contra ele vieram de testemunhos de diversas pessoas, e não apenas da delação premiada de Mutti. O ministro brasileiro colocou em suspeição as confissões de Mutti por duas razões. Primeiro, por entender que ele se beneficiou delas ao pôr toda a culpa sobre os ombros de Battisti. Segundo, porque Mutti estaria vivendo sob identidade falsa e não poderia ser encontrado para eventualmente inocentar Battisti no caso de o processo ser reaberto. Os fatos desmentem Tarso Genro em ambos os casos. Primeiro, Mutti cumpriu oito anos de cadeia por sua parceria terrorista com Battisti e nada teria a ganhar incriminando injustamente o colega, já que delatou o grupo todo. Segundo, Mutti não mudou de identidade e pode ser facilmente encontrado – como efetivamente o foi na semana passada por repórteres da revista italiana Panorama, que, depois de saberem da decisão e dos argumentos do ministro brasileiro, também foram atrás do ex-terrorista para elucidar o caso.

Ficou claro como cristal que:

Battisti teve direito a ampla defesa. O histórico da defesa é narrado em minúcias no documento em que a Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, justifica a decisão de extraditar o terrorista para a Itália.

A condenação de Battisti não se deu com base em um único testemunho. "Numerosos terroristas confirmaram as declarações de Mutti, assim como outras testemunhas", afirmou a VEJA o procurador da República de Milão Armando Spataro. A revista Panorama reproduz o depoimento de uma dessas testemunhas. Maria Cecília B, ex-namorada do terrorista, relatou às autoridades italianas: "Na primavera de 1979, Battisti, ao descrever-me a experiência de matar uma pessoa, fez referência ao homicídio de Santoro (o agente penitenciário Antonio Santoro) indicando a si mesmo como um dos autores". Em documento da Justiça italiana obtido por VEJA, testemunhas oculares relatam a presença de Battisti em dois dos homicídios.

Mutti, o delator premiado, não mudou de identidade nem está desaparecido. Entrevistado por Panorama, relatou como ele e Battisti mataram um agente penitenciário.

A polêmica está longe de terminar. O presidente Lula já disse à Itália que o Brasil não vai recuar da decisão. O governo italiano avisou que vai usar todos os recursos jurídicos para conseguir a extradição. No mês que vem, quando termina o recesso do Judiciário, os ministros do Supremo Tribunal Federal terão de responder a uma pergunta fundamental para o desfecho do caso: pode o Executivo definir se um crime é ou não político, como fez Tarso? A resposta a essa questão é crucial, uma vez que, pela lei brasileira, quem comete crime político tem direito a refúgio e não pode ser extraditado. Assim, se o STF decidir que não cabe ao Executivo, ou seja, a Tarso Genro, decidir sobre a natureza dos crimes de Battisti, a consequência da ação do ministro – a concessão do refúgio – perderá validade. Nesse caso, a decisão de abrigar ou não o terrorista no país ficará a cargo do STF. Estará em melhores mãos.

A infância violada do Pará

Denúncias de abusos sexuais envolvem empresários, policiais, políticos e até um irmão da governadora Ana Júlia Carepa


Raquel Salgado

Alan Marques/Folha Imagem
Raimundo Benassuly
Afastado em 2007 por minimizar a exploração sexual de uma adolescente, o delegado-geral do Pará está de volta ao posto

A Assembleia Legislativa do Pará instalou há um mês uma CPI para apurar os abusos sexuais de menores no estado. A história de impunidade desse tipo de delito no Pará é antiga. Assim que a CPI começou a funcionar e os relatos passaram a ser estudados, viu-se que o problema é mais profundo e prevalente do que se podia imaginar. "É uma prática disseminada em todos os municípios", disse à comissão o bispo de Marajó, dom Luiz Azcona, que dedica seu prelado à proteção das crianças. Azcona contou que, no Pará, os abusos ocorrem à luz do dia, às vezes ao lado da polícia, às vezes nas escolas. Empresários, políticos, autoridades e até um dos irmãos da governadora Ana Júlia Carepa estão entre os acusados de envolvimento. O motorista João Carlos Carepa, conhecido como Caíca, é acusado de ter assediado uma contraparente. O Boletim de Ocorrência 433/2008.000328-3 revela que Caíca a molestou quando ela tinha apenas 11 anos. Em depoimento à polícia, a vítima, que hoje tem 13 anos, afirmou que as agressões se sucederam no decorrer de um ano.

Quatro episódios desse período foram registrados na delegacia. No primeiro, o contato ocorreu na piscina da casa dos avós da garota em um momento de ausência de outros adultos. No segundo, aconteceu depois que ele obteve a autorização da mãe da vítima para levá-la ao circo. A menina aceitou o convite quando Caíca garantiu falsamente que seu pai, Arthur Carepa, os acompanharia. O motorista teria aproveitado o passeio para beijá-la à força e apalpar seus seios. A polícia registra cenas semelhantes em mais duas ocasiões: em uma ida de ambos a um supermercado e em um jantar na casa de Caíca. A vítima foi submetida a um exame de corpo de delito para verificar se fora estuprada, mas os resultados não são conhecidos pela CPI. A família da menina procurou a polícia em setembro passado. Dias antes, ao fim de um culto evangélico, a garota revelou ao pai seus tormentos. "Disse que não aguentava mais guardar segredo", contou ele. "Caíca era como se fosse da família", lamenta a mãe. O irmão da governadora recusa-se a tocar no assunto.

A CPI paraense se debruçará sobre casos ainda mais chocantes. Um deles envolve o deputado estadual Luiz Afonso Sefer, do DEM. Ele é acusado de violentar uma garota de 9 anos. Segundo a denúncia, as agressões duraram quatro anos. A menina relatou que foi "entregue" a Sefer por Estélio Guimarães, vereador de Mocajuba, cidade de 23 000 habitantes, localizada em um belo cabo da margem direita do Rio Tocantins. A garota teria sido submetida a diversos tipos de sevícia sexual. Em seu relato mais dramático, ela conta que, como era ainda criança, o deputado usou um instrumento ginecológico para consumar o crime. Há pouco mais de um ano, descobriu-se que a polícia paraense manteve uma moça de 15 anos em uma cela com trinta presos, que a estupraram e torturaram por 24 dias. O então delegado-geral do estado, Raimundo Benassuly, culpou a vítima: disse que ela não reagiu por ser débil mental. A governadora Ana Júlia afastou-o do cargo. Durou pouco. Benassuly acaba de ser reempossado. Se os casos apurados pela CPI tiverem como consequência a mesma e branda punição dada ao delegado, as barbáries sexuais se perpetuarão.


Boletim da polícia
O motorista João Carlos Carepa, irmão da governadora Ana Júlia, é acusado de molestar uma adolescente de 11 anos, sua contraparente

O MANUAL DA GUERRILHA

Como roubar, fraudar cadastros do governo e até fabricar bombas e trincheiras – está tudo na cartilha secreta do MST apreendida pela polícia


Otávio Cabral

Beto Figueirôa/JC Imagem/AE
LAÇOS DE SANGUE A invasão de uma fazenda pelo MST (acima) e a marcha de soldados das Farc: guerrilheiros colombianos estão entre os sem-terra

Scott Dalton/AP


VEJA TAMBÉM
Nesta reportagem
Quadro: A teoria e a prática

A fazenda Estância do Céu era uma típica propriedade dos pampas gaúchos. Localizada em São Gabriel, a 320 quilômetros de Porto Alegre, seus 5 000 hectares eram ocupados por 10 000 bois e 6 000 carneiros que pastavam entre plantações de arroz e soja. O cenário, de tão bucólico, parecia um cartão-postal. Tudo mudou na fria e ensolarada manhã do dia 14 de abril passado. Por volta das 7 horas, 800 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, invadiram a propriedade aos gritos. "Nós ganhamos. Ganhamos dos porcos. A fazenda é nossa." Armados com foices, facões, estilingues, bombas, rojões, lanças, machados, paus e escudos, os sem-terra transformaram a Estância do Céu em um inferno. Alimentos e produtos agrícolas foram saqueados. As telhas da sede da fazenda foram roubadas. Os sem-terra picharam paredes, arrancaram portas e janelas e espalharam fezes pelo chão. Bombas caseiras foram escondidas em trincheiras. Animais de estimação, abatidos a golpes de lança, foram jogados em poços de água potável. Quatro dias depois, quando a polícia finalmente conseguiu retirar os sem-terra da fazenda, só sobravam ruínas.

A barbárie, embora não seja exatamente uma novidade na trajetória do MST, é um retrato muito atual do movimento, que festejou seu aniversário de 25 anos na semana passada. Suas ações recentes, repletas de explosão e fúria, já deixaram evidente que a organização não é mais o agrupamento romântico que invadia fazendas apenas para pressionar governos a repartir a terra. Agora, documentos internos do MST, apreendidos por autoridades gaúchas nos últimos seis anos e obtidos por VEJA, afastam definitivamente a hipótese de a selvageria ser obra apenas daquele tipo de catarse que, às vezes, animaliza as turbas. O modo de agir do MST, muito parecido com o de grupos terroristas, é uma estratégia. A papelada – cadernos, agendas e textos esparsos que somam mais de 400 páginas – é uma mistura de diário e manual da guerrilha. Parece até uma versão rural, porém rudimentar, do texto O Manual do Guerrilheiro Urbano, escrito por Carlos Marighella e bússola para os grupos que combateram o regime militar (1964-1985). Os documentos explicam por que as ações criminosas do movimento seguem sempre um mesmo padrão.

O registro mais revelador sobre a face guerrilheira do MST é formado por quatro cadernos apreendidos pela polícia com os invasores da Estância do Céu em maio passado. As 69 páginas, todas manuscritas, revelam uma rotina militarizada – e bandida. "Muita arma no acampamento", escreveu Adriana Cavalheiro, gaúcha de cerca de 40 anos, uma das líderes da invasão, ligada aos dirigentes do MST Mozart Dietrich e Edson Borba. Em outro trecho, em forma de manual, o texto orienta os militantes sobre como agir diante da chegada da polícia. "Mais pedra, ferros nas trincheiras (...) Zinco como escudo (...) Bombas tem um pessoal que é preparado. Manter a linha, o controle de horas e 800 ml", anotou a militante, descrevendo a fórmula das bombas artesanais, produzidas com garrafas de plástico e líquido inflamável. O manual orienta os militantes a consumir o que é roubado para evitar a prisão em flagrante. Também dá instruções (veja trechos) sobre como fraudar o cadastro do governo para receber dinheiro público. Há até dicas sobre políticos que devem ser acionados em caso de emergência. Basta chamar o deputado federal Adão Pretto e o ex-deputado estadual Frei Sérgio. Ganha um barraco de lona preta quem souber o partido da dupla.

Em seus capítulos não contemplados pelo Código Penal, o manual expõe uma organização claramente assentada sobre um tripé leninista, com doutrinação política, centralismo duro e vida clandestina. Além de teorias esquerdistas, repletas de homenagens a Che Guevara e Zumbi dos Palmares, há relatos de espionagem e tribunais de disciplina. Uma militante, que precisou de "licença" de um mês para fazer uma cirurgia, só foi autorizada a realizar o tratamento com a condição de que ele fosse feito num único dia. Brigas, investigações internas e punições também explicitam o rígido e desumano controle exercido sobre suas fileiras. "Assim como nas favelas controladas pelo narcotráfico, o MST atua como polícia e juiz ao impor e fiscalizar seu código de conduta", afirma o filósofo Denis Rosenfield. Exagero? Talvez não. Dos 800 invasores que depredaram a fazenda Estância do Céu, por exemplo, 673 já foram identificados. Nada menos que 168 tinham passagem pela polícia. Havia antecedentes de furto, roubo e até estupro. "O MST é formado por alguns desvalidos, vários aproveitadores e muitos bandidos", diz o promotor Gilberto Thums, do Ministério Público gaúcho. "Eles usam táticas de guerrilha rural para tomar territórios escolhidos pelos líderes."

Embora raramente sejam expostos à luz, manuais de guerrilha são lidos como best-sellers nos acampamentos. Também no Rio Grande do Sul, berço e laboratório do MST, a polícia apreendeu três documentos que registram o lastro teórico de sua configuração de guerra. O mais recente, apreendido em julho passado, orienta os militantes a "se engajar na derrubada de inimigos estratégicos". Os inimigos, claro, não se resumem aos gatinhos das fazendas ocupadas pelo MST. O objetivo é a "derrota da burguesia", o "controle do estado" e a "implantação do socialismo". O documento lista exemplos de como "interromper as comunicações do inimigo" e "incendiar as proximidades para tornar o ambiente irrespirável". Pode não ser obra do acaso. Há dois anos, um membro das Farc foi descoberto pela polícia em meio aos sem-terra gaúchos. A combinação entre teoria e prática deixa poucas dúvidas sobre os propósitos do MST. O movimento, que seduziu a intelectualidade nos anos 80 e caiu nas graças do povão na década seguinte, está marchando para a guerrilha rural. Diz o filósofo Roberto Romano: "O MST está se filiando à tradição leninista de tomada violenta do poder por meio de uma organização centralizada e autoritária".

Fotos Antonio Scorza/AFP e Dida Sampaio/AE
O CHEFÃO E O PRESIDENTE O comandante-em-chefe do MST, João Pedro Stedile, e o presidente Lula com um boné do movimento: simpatia recíproca, alianças, muitos cargos no Incra para os sem-terra e trégua nos ataques ao governo

A estratégia da guerrilha é um sucesso recente nos pampas graças a sua eficácia. As invasões e os acampamentos têm funcionado em muitos casos. Em novembro passado, após cinco anos de guerra com o MST, o fazendeiro Alfredo Southall resolveu vender a Estância do Céu ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). "Cansei da batalha. Joguei a toalha", desabafa. Suas terras serão transformadas em um assentamento para 600 famílias. O fazendeiro gaúcho Paulo Guerra teve sua fazenda invadida seis vezes desde 2004. Os invasores destruíram uma usina hidrelétrica e 300 quilômetros de cercas. Também queimaram dois caminhões, dois tratores e onze casas, além de abaterem 300 bois. "Minha família se dedica à fazenda há 100 anos. Podemos perder tudo, mas não vamos entregar nosso patrimônio ao MST", diz. Nos últimos dois anos, mais de 600 processos já foram abertos contra militantes do movimento. Uma ação judicial pede que o MST seja colocado na ilegalidade. Enquanto ela não é julgada, porém, os promotores têm conseguido impedir seus integrantes de circular em algumas regiões. "Não se trata de remover acampamentos. A intenção é desmontar bases usadas para cometer reiterados atos criminosos", justifica o promotor Luis Felipe Tesheiner.

O MST passa atualmente por uma curiosa transmutação política. Desde a chegada ao poder de Lula e do PT, aliados históricos do movimento, a sigla abrandou os ataques ao governo federal. A trégua, que beneficia a ambos, permitiu que os sem-terra apadrinhassem vinte dos trinta superintendentes regionais do Incra. É um comportamento muito diferente de quando o MST liderou as manifestações "Fora, FHC" e invadiu a fazenda do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2002. O terrorismo agora é praticado preferencialmente no quintal de governadores de oposição a Lula, como a gaúcha Yeda Crusius e o paulista José Serra. A reputação do MST acompanha sua guinada violenta. Dez anos atrás, a maioria dos brasileiros simpatizava com a sigla. Agora, a selvageria, aliada à extraordinária mobilidade que levou 14 milhões de pessoas a ascender socialmente nos últimos anos, mudou a imagem do movimento. Pesquisa do Ibope realizada no ano passado mostra que metade dos entrevistados é contra os sem-terra. O MST, hoje, é visto como sinônimo de violência. "As pessoas descobriram que é possível melhorar de vida sem que para isso seja necessário fazer uma revolução", diz o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro. Às vezes é preciso tempo para enxergar o óbvio.

21.1.09

Polícia reprime protesto de estudantes em Caracas

No sábado, Chávez havia determinado "jogar gás do bom e meter presos" manifestantes

Manifestações são contra a reeleição ilimitada; reunião de partido oposicionista e universidade também foram alvo de chavistas

Sob a alegação de que não tinham autorização, o governo Hugo Chávez dissolveu ontem uma marcha estudantil no centro de Caracas com gás lacrimogêneo e balas de borracha. Foi o mais grave de vários incidentes registrados desde sábado, quando o mandatário venezuelano lançou oficialmente a campanha pela reeleição indefinida ordenando "jogar gás do bom e meter preso" em caso de distúrbios de oposicionistas.
Os estudantes pretendiam marchar desde a praça Morelos até a sede do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), mas o ministro do Interior, Tareq El Aissami, proibiu a manifestação. Segundo ele, o movimento tem uma "agenda de confrontação e violência". Ele afirmou que houve apreensão de gasolina e de coquetéis molotov com os estudantes.
Também na região central, uma reunião do partido político oposicionista Bandeira Vermelha foi atacado ontem com gás lacrimogêneo por partidários da agremiação chavista Unidade Popular Venezuelana (UPV), que até o final da edição de ontem ocupava o edifício.
No campus da Universidade Central da Venezuela (UCV), a poucos quilômetros do centro, motoqueiros jogaram bombas de gás lacrimogêneo pelo segundo dia consecutivo, desta vez contra o prédio da reitoria. Anteontem, o alvo foi uma entrevista coletiva do líder estudantil Ricardo Sánchez, que no domingo teve o seu carro incendiado, também dentro da área da universidade.
Anteontem, cinco bombas de gás lacrimogêneo foram jogadas contra a representação do Vaticano (Nunciatura Apostólica), em Caracas. O atentado foi assumido pelo grupo paramilitar pró-chavista "La Piedrita". Quase ao mesmo tempo, um ataque semelhante foi registrado na casa do presidente do canal oposicionista RCTV, Marcel Granier, que atribuiu a onda "aos discursos violentos de Chávez".
No final da tarde, durante ato de campanha, Chávez acusou os estudantes de tentar "incendiar a Venezuela": "Convido a todo o povo que saia às ruas para defender a pátria dos violentos, dos sabotadores, dos incendiários e dos baderneiros".
A governo distrital de Caracas, reconquistado pela oposição nas eleições de dezembro, também tem sido alvo de grupos chavistas. Na madrugada de sábado, o prédio principal, localizado na praça Bolívar (centro), foi atacado a tiros e desde então está fechado.
Acima da entrada do prédio quase todo pichado com palavras de ordem contra o governador Antonio Ledezma, lê-se, em letras vermelhas: "Somos maus perdedores".
Na rua lateral, de movimentado comércio popular, um prédio do governo distrital foi tomado por militantes chavistas. Durante visita da reportagem da Folha, anteontem, um deles estava postado diante da entrada com uma pistola enfiada no cinto. Ninguém quis conceder entrevista.
A Polícia Metropolitana, que no ano passado foi transferida do governo distrital de Caracas ao Ministério do Interior, não assegurou a reabertura do prédio central nem tem agido para retomar edifícios invadidos.
Ao lançar oficialmente a campanha pelo "sim", no sábado, Chávez ordenou "ao ministro da Defesa, ministro do Interior e aos chefes da polícia: a partir deste momento, quem sair a queimar um carro, a queimar árvores, a fechar uma rua, me joguem gás do bom, e os metam presos".
No dia 15 de fevereiro, os venezuelanos irão às urnas para votar num referendo sobre a emenda constitucional que, se aprovada, permitirá a Chávez concorrer novamente à Presidência, em 2012. Em dezembro de 2007, uma proposta semelhante foi derrotada em consulta popular. Folha