A investigação da Polícia Federal sobre o vazamento de informações da Operação Satiagraha revela que o delegado Protógenes Queiroz privatizou e terceirizou os trabalhos de inteligência para prender o banqueiro Daniel Dantas. Em seu relatório, o delegado Amaro Vieira Ferreira, que preside o inquérito, aponta quais foram os jornalistas da TV Globo que filmaram e editaram a reunião em que intermediários do banqueiro supostamente tentam subornar um delegado da PF. Ferreira também apresenta a fontes suspeitas de informar a repórter Andrea Michael, da Folha de S.Paulo, sobre a investigação contra Dantas.
Além dos jornalistas da Globo, Protógenes teria mobilizado para o trabalho policial a equipe do detetive particular Eloy de Lacerda (especialista em grampos ilegais) e do empresário Luís Roberto Demarco (especialista nas tramas de Daniel Dantas), segundo divulgou o jornal Valor, atribuindo a informação ao Palácio do Planalto.
Segundo o delegado Amaro Ferreira, foi Protógenes Queiroz quem antecipou ao produtor da TV Globo, Robinson Braios Cerântula, a informação da prisão de Dantas, do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, e do investidor Naji Nahas. Com a informação, Cerântula, que trabalha exclusivamente para o repórter César Tralli, conseguiu filmar Celso Pitta sendo preso de pijama. Outro membro da equipe comandada por Tralli é o cinegrafista Willian José dos Santos.
A confirmação de que os dois funcionários da Globo é que filmaram o suposto suborno e que as cenas foram editadas surgiu com a descoberta de que Protógenes guardou para si provas armazenadas em um pen drive. O dispositivo foi encontrado em um dos dez endereços em que o delegado foi procurado. No pen drive há arquivos criptografados, registros de arquivos apagados e áudios que, aparentemente, não foram juntados aos autos. Há no equipamento cerca de 450 áudios.
O pedido de busca e apreensão foi apresentado ao juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, em outubro. Faz parte do inquérito da Operação G, aberto em julho para apurar o vazamento de informações na Operação Satiagraha. O procurador da República Roberto Dassié posicionou-se contra o pedido de busca e apreensão. O juiz Ali Mazloum, porém, aceitou parte dos pedidos. Não aceitou, por exemplo, a denominação de Operação Gepeto, em alusão ao pai de Pinóquio, embora as investigações indiquem que Protógenes mentiu compulsivamente ao longo de todo seu trabalho.
Segundo a investigação, Cerântula e Santos foram os responsáveis pela gravação da reunião entre os delegados da Polícia Federal Protógenes Queiroz e Victor Hugo, o professor Hugo Chicaroni e o ex-diretor da Brasil Telecom, Humberto Braz. O encontro aconteceu no dia 18 de junho do ano passado no restaurante El Tranvia, em São Paulo e a gravação foi apresentada como prova de que o banqueiro Daniel Dantas tentou subornar os policiais para ter seu nome e de sua irmã Verônica excluídos das investigações da Operação Satiagraha.
De acordo com o relatório da Satiagraha, a PF promoveu uma ação controlada para comprovar a tentativa de suborno por parte do banqueiro. Humberto Braz representava Daniel Dantas nas negociações com os policiais. Chicaroni seria o intermediário da transação. Os dois profissionais da TV Globo não são policiais e não são citados no relatório do delegado Protógenes Queiroz, mas aparecem na gravação da reunião que foi entregue ao juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Na versão recebida pelo juiz, a fita foi editada.
Duas evidências fizeram Amaro Ferreira apontar Protógenes como a fonte da TV Globo. A primeira é que Cerântula, considerado especialista em câmeras escondidas e competente jornalista, fez as reportagens de outras investigações comandadas por Protógenes, como a da Máfia do Apito, a do comerciante Law Kin Chong, e a do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf. O cinegrafista William Santos também é conhecido por seu trabalho na cobertura de casos policiais, tanto na Justiça Federal, quando na Polícia Federal em São Paulo.
A segunda evidência foi a presença de uma equipe da TV Globo na casa de Marco Ernest Matalon, desconhecido doleiro também preso durante a Satiagraha. Segundo depoimentos colhidos entre os agentes que participaram da operação, Protógenes não havia revelado a seus colegas o nome de Matalon durante os preparativos da operação. Quando foi interrogado, Cerântula usou o seu direito de preservar a fonte, mas não negou que obteve informação privilegiada. A TV Globo disse que não irá se pronunciar sobre o caso.
No dia 10 de julho, o Jornal Nacional apresentou reportagem justificando a segunda prisão de Daniel Dantas. “Com autorização judicial, a polícia registrou reuniões com Humberto e Hugo”, diz o repórter César Tralli, sobre o trabalho de seu camarada de equipe — Clique aqui para assistir.
“Considerando o histórico de ocorrências em operações anteriores, todas coincidentemente, sob a coordenação da mesma autoridade policial e envolvendo a mesma equipe de repórteres que obtiveram inexplicáveis exclusividade nas coberturas jornalísticas dos casos citados e, principalmente, considerando o teor dos depoimentos constantes destes autos, conclui-se pela existência de elementos que já permitem atribuir a autoria do delito capitulando no artigo 325, parágrafo 2º, do Código Penal, ao delegado Protógenes Queiroz”, afirma Amaro Vieira Ferreira. A norma trata da violação de sigilo funcional.
Fonte da Folha
A investigação indica ainda que a fonte da repórter Andrea Michael, da Folha de S. Paulo, que em abril do ano passado antecipou a Operação Satiagraha, acontecida em julho do mesmo ano, são, possivelmente, os agentes da Abin Luiz Eduardo Melo e Thelio Braun D´Azevedo. Na investigação o agente Lúcio Fábio Godoy de Sá afirmou que, antes de a notícia sair em abril, houve um almoço entre a jornalista e os dois agentes da Abin. D´Azevedo afirmou em depoimento que conheceu Andrea no final de 2007. Mello e Braun são dois dos cerca de 70 agentes da Abin que participaram ilegalmente das investigações da Satiagraha a convite do delegado Protógenes. O delegado sustenta, no entanto, que a informação da futura prisão de Daniel Dantas foi vazada pelo diretor de Inteligência da PF, Daniel Lorenz, para beneficiar o banqueiro e para prejudicar o próprio delegado.
Amparado no inquérito e nos argumentos do delegado Ferreira, o juiz Ali Mazloum decretou buscas nas casas de Melo e Braun, ambos residentes no Setor de Mansões Park Way, em Brasília. Também foram alvos da inspeção Idalberto Matias de Araújo, terceiro-sargento da Aeronáutica, Jairo Martins de Souza, terceiro-sargento da Polícia Militar no Distrito Federal e Walter Guerra Silva, escrivão da PF.
Graças a esse pedido, a PF também fez busca e apreensão no apartamento do delegado Protógenes Queiroz, alugado em Brasília, no quarto de hotel que costuma ocupar em São Paulo e no apartamento de seu filho, no Rio. Os policiais levaram um notebook, o telefone celular, um pen drive e um rádio usados pelo delegado.
Pelo pedido, fica evidente que outros cinco crimes foram cometidos durante a operação. Os crimes identificados, segundo a investigação, foram gravações clandestinas, filmagens e interceptações de conversas e escuta ambiental sem autorização judicial, usurpação de função pública, prevaricação e quebra de sigilo de senhas pessoais de agentes federais por arapongas da Abin para acesso a cadastros de telefonia e de grampos.
Consultor Jurídico
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