26.4.08

Reserva de insensatez

Como o governo conflagrou Roraima ao demarcar uma área exagerada para a reserva Raposa Serra do Sol
Leonardo Coutinho, de Normandia
Fotos Fernanda Preto



Família Ferreira: além de terem nome cristão, esses macuxis falam português no dia-a-dia, contam com automóvel e fazem compras em supermercado

O processo de demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, é o mais antigo e conturbado da história do Brasil. Os primeiros documentos oficiais que recomendam a sua criação remontam a 1917. Ficaram esquecidos por sessenta anos, até que a Fundação Nacional do Índio (Funai) iniciasse os trâmites de reconhecimento da área. Em 1977, a entidade concluiu que a terra destinada a 194 aldeias dos troncos caribe e aruaque deveria abranger 3 500 quilômetros quadrados. A demarcação empacou e brancos se instalaram nas fronteiras dessa área. Em 2005, a reserva foi finalmente demarcada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva – com um território de 17 000 quilômetros quadrados, quase cinco vezes mais do que o previsto inicialmente. Resultado: ela engoliu os brancos que estavam instalados nas bordas do perímetro original. Em sua extensão, há fazendas de arroz que respondem por 6% do PIB de Roraima e abastecem também o Amazonas e o Pará. A reserva abarcou ainda os cânions do Rio Cotingo, apropriados para a construção de uma hidrelétrica considerada essencial pelo governo do estado, e uma região de fazendas ocupada por brancos desde o século XIX.
A princípio, Roraima reagiu à demarcação da reserva com a decretação de luto oficial de sete dias. Depois, como era de esperar, o pau começou a comer. Os arrozeiros passaram a fechar estradas e acessos à Raposa Serra do Sol. E multiplicaram-se os casos de ameaça, agressão e depredação de patrimônio envolvendo índios e brancos. O índio macuxi Dionito José de Souza, que dirige o Conselho Indígena de Roraima, denunciou à polícia que, desde 2005, foram incendiados o seu centro comunitário e malocas de três aldeias. No mês passado, a Polícia Federal foi convocada para retirar os brancos da reserva. Os arrozeiros passaram, então, a usar táticas terroristas. Estacionaram um carro-bomba diante de prédios usados pelos policiais, fizeram barricadas de fogo e se armaram com coquetéis molotov. À frente dos protestos estava o rizicultor Paulo Quartiero, prefeito de Pacaraima, cidade que fica na divisa da reserva. Gaúcho, Quartiero chegou a Roraima em 1976. Montou um patrimônio avaliado em 53 milhões de reais, boa parte dele anexada pela Raposa Serra do Sol. Quartiero não mede esforços para defender o que é seu. Há vinte dias, sua secretária, Erotéia Mota, uma espécie de musa dos arrozeiros, pintou a bandeira nacional no rosto, atou um cinturão de explosivos ao corpo e ameaçou detoná-lo se os policiais invadissem as fazendas de arroz. Na semana passada, ela foi presa por manter em casa munição de uso restrito das Forças Armadas. "Temos um exército de bons brasileiros para evitar que os índios declarem independência e transformem isso aqui em um Kosovo", diz o prefeito Quartiero.

Joaquim de Melo: seu avô comprou uma fazenda na região em 1886. Agora, a Funai o chama de invasor


Roraima está conflagrada porque o governo cometeu um evidente exagero na demarcação das reservas indígenas do estado. Há trinta anos, o então território era ocupado majoritariamente por índios, que viviam em harmonia com os brancos. A boa convivência foi interrompida quando as demarcações começaram a se estender sobre partes expressivas de Roraima. Hoje, as 32 reservas indígenas que lá foram estabelecidas cobrem 46% do território do estado. Sozinha, Raposa Serra do Sol responde por 7,5% da área do estado. É uma superfície equivalente a doze cidades de São Paulo, mas lá moram apenas 19 000 índios. Ao delimitarem uma reserva desse tamanho, os antropólogos da Funai pressupunham que os índios continuariam vivendo como nômades, da caça e da pesca, a exemplo de seus ancestrais. Mas eles estão totalmente integrados às cidades do entorno. Moram em casas, fazem compras em supermercados e falam português. Muitos esqueceram ou nem sequer aprenderam a língua nativa. Seus filhos freqüentam escolas públicas. Parte deles trabalha em fazendas de brancos, enquanto outros plantam grãos e criam gado por conta própria. Cerca de 6% do rebanho de Roraima pertence aos índios, que abastecem os açougues locais. "O fato de sermos índios não nos impede de ser produtivos", afirma Dionito de Souza. E, como no mundo dos brancos, quem não tem renda própria ganha bolsa-família.


O fazendeiro Mário Corrêa: depois de ser despejado pela Funai, foi obrigado a viver como um sem-terra


A Funai também desconsiderou direitos adquiridos pelos brancos. Aos 85 anos, o agricultor Joaquim de Melo espera a ordem de despejo da Polícia Federal, que mantém na área 500 homens para desocupar a reserva. Melo tem documentos oficiais que mostram que seu avô adquiriu o título definitivo de sua terra em 1886. Ele guarda comprovações de pagamento de impostos desde então. Ainda assim, é considerado invasor, será expulso e receberá uma indenização de 200 000 reais pela sua fazenda de 2 000 hectares. "Não sei o que vou fazer, porque minha vida está no fim e não tenho tempo para recomeçar em outro lugar", diz. Melo provavelmente terá o mesmo destino de Mário Jorge Corrêa, de 55 anos, que já foi despejado. Corrêa recebeu 122 000 reais de indenização, menos do que gastou para cercar a sua antiga propriedade. Hoje, ele mora com a família ao lado de um acampamento do MST, numa barraca de lona em área cedida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Corrêa foi obrigado a sair de sua fazenda, que acabou sendo ocupada por outros brancos, com a permissão dos índios e da Funai. O sobrado da propriedade foi convertido em missão religiosa e é habitado por freiras do Conselho Indígena de Roraima.
Marlene Bergamo/Folha Imagem
Barricada de fogo ateada pelos arrozeiros: estado em pé de guerra
O problema ultrapassou os limites de Roraima, para ganhar uma dimensão nacional. O Exército, habituado a recrutar soldados em aldeias indígenas da região, agora combate a criação de reservas como a Raposa Serra do Sol – que, para completar, ainda avança sobre áreas de fronteira. O comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Pereira, irá ao Congresso para explicar mais uma vez por que a extensão da Raposa Serra do Sol ameaça a paz e a segurança daquele pedaço do Brasil. É mais uma oportunidade para o governo corrigir esse equívoco. Um imenso equívoco.

15.4.08

Lula, o pelego?

Que coisas tão graves em seus gastos na Presidência estará Lula procurando esconder da opinião pública? Que de tão grave têm as despesas dos palácios do Planalto, da Alvorada e da Granja do Torto que possam explicar a cortina de fumaça que o governo criou para impedir o controle dos cartões corporativos de Lula, Marisa, Lulinha, Lurian etc.? A estas alturas, só o governo pode responder a tais perguntas. E como o governo não responde, a opinião pública, sem os esclarecimentos devidos, torna-se presa de dúvidas sobre tudo e todos.

É conhecida a ojeriza de Lula a qualquer controle sobre gastos. Evidentemente os dele, da companheirada do PT, dos sindicatos e do MST, sem esquecer um sem-número de ONGs sobre as quais pesam suspeitas clamorosas. Ainda recentemente, ele vetou dispositivo de lei que exigia dos sindicatos prestação de contas ao TCU dos recursos derivados do imposto sindical (agora “contribuição”). Há mais tempo, Lula era contra o imposto em nome da autonomia sindical.

Agora que está no governo, deixou ficar o imposto e derrubou o controle do TCU. Tudo como dantes no quartel de Abrantes. O que o Lula e os pelegos querem é o que já existia na “república populista”, dinheiro dos trabalhadores sem qualquer controle. Lula, a chamada “metamorfose ambulante”, não se tornou ele próprio um pelego? Assim como defendeu a gastança dos sindicatos em nome da autonomia sindical, agora defende sua própria gastança na Presidência em nome da segurança nacional. Isso me lembra uma historinha de 1980, bem no início do PT, quando João Figueiredo estava no governo e Lula estava para ser julgado na Lei de Segurança Nacional. Junto com alguns outros, eu o acompanhei numa viagem à Europa e aos Estados Unidos em busca de apoio.

Como outros na comitiva, eu acreditava piamente que tudo era em prol da liberdade sindical e da democracia, e as coisas caminharam bem, colhemos muita simpatia e apoio nos ambientes democráticos e socialistas que visitamos. Mas, chegando à Alemanha, fomos surpreendidos pela recepção agressiva do secretário-geral do sindicato alemão dos metalúrgicos. Claro, ele também era a favor da democracia e estava disposto a defender os sindicalistas.

Sua agressividade tinha outra origem: o sindicato alemão que representava havia enviado algum dinheiro a São Bernardo e cobrava do Lula a prestação de contas! A conversa, forte do lado alemão, foi num jantar, e não permitia muitos detalhes, mas era disso que se tratava: alguém em São Bernardo falhou na prestação de contas e o alemão estava furioso. Lula se defendeu como pôde, mas, no essencial, dizia que não era com ele, que não sabia de nada. A viagem era longa. Antes da Alemanha, havíamos passado pela Suécia, e fomos depois a França, Espanha, Itália e Estados Unidos. Em Washington, tivemos um encontro com representantes da AFL-CIO, e ali repetiu-se o mesmo constrangimento. Embora não tão agressivos quanto o alemão, os americanos queriam prestação de contas sobre dinheiro enviado a São Bernardo.

Mas Lula, de novo, não sabia responder à indagação referente às contas. Ou não queria responder. Não era com ele.

Nunca dei muita importância a esses fatos. A atmosfera do país nos primeiros anos do PT era outra. Ninguém na oposição estava antenado para assuntos desse tipo. O tema dominante era a retomada da democracia. A corrupção, se havia, estaria do lado da ditadura.

Saí da direção do PT em 1989 e me desfiliei em 1995. Até então era difícil imaginar que um partido tão afinado com o discurso da moral e da ética pudesse aninhar o ovo da serpente. Minha dúvida atual é a seguinte: será que a leniência do governo Lula em face da corrupção não tem raízes anteriores ao próprio governo? A propensão a tais práticas não teria origem mais antiga, no meio sindical onde nasceu o PT e a atual “república sindicalista”? Talvez essa pergunta só encontre resposta cabal no futuro. Mas, enquanto a resposta não vem, algumas observações são possíveis. Parece-me evidente que no momento atual alguns auxiliares da Presidência - a começar pelos ministros Dilma Rousseff, Jorge Hage e general Jorge Felix - foram transformados em escudos de proteção de possíveis irregularidades de Lula e seus familiares.

O outro escudo de proteção é Tarso Genro, que usa uma ginástica retórica para, primeiro, garantir, como Dilma, que o dossiê não existia, só um banco de dados. Depois passou a admitir que existia o dossiê, mas que isso todo mundo faz. Mais ou menos como no episódio do mensalão, lembram-se? Naquele momento, o então ministro Thomas Bastos, acompanhado por Delubio Soares, disse que mensalão não existia, que eram contas não regularizadas, sobras de campanha etc. E lula afirmou de público que isso todos os políticos faziam. O que não impediu que o procurador-geral da República visse no mensalão a prática delituosa de uma quadrilha criminosa.

Adotada a teoria do dossiê - aquele que não existia e que passou a existir - criou-se uma pequena usina de rumores, primeiro contra Fernando Henrique Cardoso e Dona Ruth, depois contra ministros do governo anterior. Minha pergunta é a seguinte: quando virão os dossiês contra Lula e Dona Marisa Letícia? Não é este o futuro que deveríamos almejar.

Mas no que vai do andar da carruagem dirigida por um Lula cada vez mais ególatra e irresponsável é para lá que vamos, inelutavelmente. Quem viver verá.

FRANCISCO C. WEFFORT é sociólogo.

14.4.08

TCU aponta viés político na seleção de ONGs

TCU aponta viés político na seleção de ONGs
Convênios com a Abrasel, que recebeu R$ 24 milhões no governo Lula, são considerados contrários ao interesse público


Presidente da entidade teria amigo em comum com Lula, além do apoio do ex-ministro do Turismo, cujos convênios têm "maior nível de risco"

A pedido de um amigo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou de congresso de donos de bares e restaurantes em agosto de 2006. O repasse de verbas federais para apoiar esse evento foi considerado contrário ao interesse público por auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), que analisou amostra de 167 contratos celebrados com organizações não-governamentais no governo Lula. Pagamentos a ONGs consumiram R$ 12,6 bilhões em menos de cinco anos.
O apoio do Ministério do Turismo ao 18º Congresso da Abrasel, entidade de classe que reúne donos de bares e restaurantes, ao custo de R$ 300 mil, é um dos casos emblemáticos de irregularidades graves apontados pelo TCU, em documento a que a Folha teve acesso.
"Não houve atendimento ao interesse público", relata a auditoria sobre contratos da Abrasel, que já recebeu R$ 24 milhões dos cofres públicos em menos de cinco anos. Parte do dinheiro teria beneficiado apenas os dirigentes e associados da entidade, afirma relatório que ainda será levado a voto no plenário do TCU, mas já foi encaminhado à CPI das ONGs.
Auditores do tribunal analisaram contratos celebrados com 26 entidades em nove Estados, de um universo de 7.700 contratadas no período do governo Lula.
Da mesma forma que auditoria anterior em ONGs, votada em 2006, o TCU encontrou irregularidades desde a seleção das entidades -grande parte sem qualificação para as atividades para as quais foram contratadas- até a prestação de contas, passando pela falta de acompanhamento e fiscalização por órgãos do governo. O resultado é conhecido: desperdício -ou simplesmente desvio- de dinheiro público.
Por causa dos convênios com a Abrasel, o Ministério do Turismo foi apontado na auditoria como a pasta cujos convênios envolvem o "maior nível de risco". A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes começou a receber verbas da pasta depois da posse de Paulo Solmucci na entidade. Solmucci teria um amigo em comum com o presidente Lula, além de ter o apoio do ex-ministro Walfrido dos Mares Guia (leia texto na página ao lado).
Com o objetivo de desenvolver o turismo por meio da gastronomia, o convênio mais caro com a entidade já consumiu R$ 11,4 milhões. Ele entrou em vigor em 2004 e acumula as falhas mais graves, segundo a auditoria do TCU. Com o mesmo objetivo, um novo convênio, de R$ 12,8 milhões, foi celebrado em 2007, pela atual ministra do Turismo, Marta Suplicy.
No caso do convênio que já gastou R$ 11,4 milhões, além de falta de interesse público, os auditores verificaram que a Abrasel atuava como intermediária de verbas por meio de "terceirização indevida", com indícios de concorrências dirigidas e de favorecimento ao presidente da associação.
O ministério disse à Folha desconhecer irregularidades nos convênios com a entidade.
Pouco mais de 20% dos órgãos públicos cujos convênios foram fiscalizados pelo TCU optaram pela seleção pública na contratação de ONGs. Foram vários os casos em que critérios objetivos e impessoais não foram levados em conta.
No caso da contratação do Centro Piauiense de Ação Cultural pela superintendência do Incra no Piauí, o TCU registra "indício de que a seleção foi feita com base em critério precipuamente político" devido às relações políticas do dirigente da entidade com gestores estaduais e do Instituto Nacional de Reforma Agrária no Estado.
Entre os contratos celebrados pelo Incra, o relatório registra um dos casos mais pitorescos de despesas indevidas: a compra de 2.859 litros de gasolina pelo Centro de Capacitação de Canudos a dias do término da vigência do convênio com a superintendência de Sergipe, comprovada com notas fiscais supostamente frias.
Apesar das irregularidades, o Incra celebrou novo convênio milionário com a entidade.
Entre as entidades com irregularidades apontadas pelo TCU, está o Instituto de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Xingó. A entidade recebeu em três anos R$ 11,2 milhões do Ministério de Ciência e Tecnologia -cota do PSB. E é dirigido pelo tesoureiro do partido em Pernambuco, conforme noticiou a Folha na edição de quinta-feira. Gilberto Rodrigues e o governador Eduardo Campos negam que a amizade e o relacionamento de militância política tenham tido peso no negócio.
Folha

Fazer dossiê não é crime?

O ministro da Justiça não vê problema em montar banco de dados contra adversários
Erenice Guerra foi apontada como a mentora do dossiê contra o ex-presidente FHC, mas Tarso Genro diz que só é criminoso quem vazou

O governo se contorce há mais de vinte dias tentando apresentar uma explicação minimamente convincente para a montagem do dossiê com informações sobre as despesas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Primeiro, disse que a história não passava de uma grande mentira. Depois, admitiu que as informações integravam um inocente banco de dados montado a pedido do Tribunal de Contas da União. Por último, apontou como responsável pelo trabalho sujo um suposto espião que teria inventado tudo para provocar um escândalo. Na semana passada, o caso continuava sem solução – apesar das fartas evidências levando aos autores. Ainda assim, em uma estranha inversão de prioridades, a Polícia Federal foi convocada a ajudar, mas, em tese, apenas para descobrir quem revelou a existência do dossiê – não para apanhar quem o produziu. A primeira ação dos agentes foi apreender os computadores dos funcionários do Palácio do Planalto que supostamente tiveram acesso aos dados. A melhor contribuição para compreender a gênese do problema veio do ministro da Justiça, Tarso Genro. Para justificar a orientação do trabalho policial, ele disse que montar dossiês contra adversários políticos não só é necessário como também é correto. Ou seja, praticamente admitiu que o governo fez, sim, o dossiê, mas nada tem a ver com sua divulgação.
"Fazer relatórios, organizar dossiês de natureza política, coletar dados, fazer anotações para uso do administrador, nada disso é um tipo penal", disse o ministro em entrevista ao jornal Correio Braziliense na última sexta-feira. Em outras palavras, vasculhar as informações sobre um adversário não é crime, e, se não é crime, o governo pode fazê-lo, desde que não divulgue. É um conceito estarrecedor, principalmente vindo de quem veio. Tarso Genro tem a obrigação de zelar pelo estado de direito. Ao defender a possibilidade de a máquina pública ser acionada para atender a interesses políticos, o ministro abre as portas do governo a toda sorte de ilegalidade. Se isso virar regra, nada impede que o Banco do Brasil, por exemplo, produza dossiês com informações sobre a movimentação bancária dos parlamentares-correntistas, desde que, é claro, não as divulgue. Nada impede que a Receita Federal prepare um dossiê sobre partidos políticos que não cumprem integralmente suas obrigações fiscais, desde que também não as divulgue. Se por acaso as informações forem divulgadas, que se puna o responsável, independentemente do prejuízo que isso possa provocar aos personagens vítimas da arapongagem oficial.

No caso do ex-presidente Fernando Henrique, deu-se que o dossiê foi feito, vazado em parte para parlamentares do governo e para jornalistas. Os primeiros usaram as informações para cochichar ao pé do ouvido dos adversários: "Cuidado, os gastos do seu presidente são mais difíceis de explicar do que os do meu". Os jornalistas deram notinhas em colunas reproduzindo mais ou menos o efeito do cochicho. Erenice Guerra, a secretária executiva da Casa Civil apontada como chefe da equipe de produção do dossiê, não sofreu ainda nenhuma admoestação. Ao contrário, ganhou um prêmio. Foi confirmada como a mais nova integrante do Conselho Fiscal do BNDES, o que lhe garantirá uma renda extra de 3 500 reais por mês. A depender de Tarso Genro, ela continuará sem ser incomodada. "Isso é selvageria. O governo está reeditando e enriquecendo as práticas mais nefastas do passado. A privacidade das pessoas não pode ser usada no jogo político em hipótese alguma. Nem Milton Campos, o primeiro ministro da Justiça do regime militar, foi capaz de dizer isso", afirma Paulo Brossard, ex-ministro da Justiça e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal.
As declarações do ministro Tarso Genro só surpreendem porque ele defende a confecção de dossiês políticos dentro do governo. Os petistas, porém, há muito tempo descobriram na produção de dossiês um método eficaz para combater os adversários. Não é de agora. Uma reportagem de VEJA publicada em 2003 mostrou que o partido reuniu uma espécie de tropa de elite para fulminar os adversários do candidato Lula à base de dossiês na campanha presidencial de 2002. O grupo se reunia em São Paulo, era financiado com dinheiro da CUT e tinha entre seus generais figuras como Ricardo Berzoini, atual presidente do partido, e Osvaldo Bargas, amigo pessoal do presidente Lula. O trabalho foi concluído com discrição, embora seus resultados tenham provocado um tremendo estrago nas campanhas adversárias. O êxito em operações dessa natureza levou Ricardo Berzoini e Osvaldo Bargas a tentar repetir a dose na campanha da reeleição, em 2006, usando dos mesmos ardis. Daquela vez, porém, deu tudo errado. A polícia prendeu uma parte do grupo no momento em que tentava comprar um dossiê contra os tucanos. Tarso Genro não era ministro da Justiça, mas mesmo assim ninguém foi punido. Veja

9.4.08

PAC eleitoral

Em reunião, ministro discute como usar o PAC nas eleições
Márcio Fortes (Cidades) diz a deputados que obriga prefeitos do PP a ir a eventos
Líder da bancada defende que, para ajudar candidatos, "é importante o ministro viajar aos Estados que tenham obras a inaugurar"

Responsável pela execução de uma das principais fatias do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o ministro Márcio Fortes (Cidades) discutiu explicitamente a melhor forma de usar as obras do programa para beneficiar eleitoralmente o seu partido, o PP. Afirmou que leva políticos pepistas a solenidades de lançamento de obras do PAC.Em meio a frases de deputados federais como "temos que rotular as obras do PAC como nossas" e "a agenda de viagens deve potencializar e valorizar nossos candidatos", o ministro debateu por duas horas com congressistas e dirigentes do PP ontem como colocar o PAC a serviço das candidaturas do partido nas eleições de outubro e de 2010.A reunião na Câmara, acompanhada em sua maior parte pela Folha, foi presidida pelo presidente do PP, senador Francisco Dornelles (RJ), e teve a presença, entre outros, do deputado Paulo Maluf (SP) e do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PE)."Temos que rotular o trabalho do PAC feito pelo ministro Márcio Fortes como nosso, só temos a ganhar com isso", discursou o deputado federal Vilson Covatti (RS).O líder da bancada, Mario Negromonte (BA), foi mais didático: "É importante o ministro viajar aos Estados que tenham obras a inaugurar para que as ações possam ser capitaneadas pelos nossos parlamentares, principalmente pelos candidatos a prefeito, que têm que ser mais valorizados agora". Ele relatou ainda ter considerado muito boa a sugestão anterior de Márcio Fortes para que o PP espalhasse cartazes nas cidades quando houver visita sua para inauguração ou autorização de obras do PAC.O ministro das Cidades respondeu aos congressistas que já havia transformado a estratégia em "rotina", prova é que só no último mês participou país afora, muitas vezes ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de nove solenidades para autorização de obras.O ministro diz que em todas as ocasiões sua pasta disparou "faxes, e-mails e telefonemas" aos pepistas com a agenda das solenidades e que sempre que pôde deu carona em seu avião a parlamentares e prefeitos do seu partido.E exemplificou: "Os prefeitos que não querem ir, eu os obrigo a ir. Na semana passada, o Fetter disse que não podia ir ao evento em Porto Alegre [de autorização para obras do PAC no RS] e eu falei a ele: "Se não for, eu não assino o convênio'", disse o ministro, se referindo ao prefeito de Pelotas (RS), Fetter Júnior (PP).Na quinta-feira, Fortes assinou em Porto Alegre, entre outros, convênio do PAC para obras de infra-estrutura e saneamento em áreas de risco de Pelotas, no valor de R$ 23,6 milhões. Fortes deu ainda a entender ter sido ele o responsável por levar Severino Cavalcanti -que renunciou ao mandato de deputado em 2005 após ser acusado de corrupção- ao evento de Recife, na semana retrasada, quando Lula fez um desagravo ao ex-presidente da Câmara. Severino patrocinou em 2005 a indicação de Fortes ao cargo.Ao encerrar sua fala ontem, o ministro disse aos congressistas que está à disposição para gravar "mensagens para quem quiser fazer".O Ministério das Cidades controla uma das principais verbas do PAC e é responsável por obras de forte apelo eleitoral, como urbanização de favelas, cujo investimento previsto em quatro anos é de mais de R$ 11 bilhões. Durante quase toda a reunião com os pepistas, o ministro foi festejado como "o operador do PAC", sendo que em uma ocasião brincou: "Já fui promovido a "mestre-de-obras do PAC'".
Folha

8.4.08

MST invade Aracruz!

Aracruz volta a ter área invadida por sem-terra na Bahia
Fazenda em Teixeira de Freitas é invadida por cerca de 700 famílias do MST, o Mato do "Abril Vermelho" no Estado


Empresa, que fará hoje um pronunciamento, mandou uma equipe para monitorar a situação; Estado diz que dá prioridade à questão agrária

Cerca de 700 famílias ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) invadiram uma fazenda da Aracruz Celulose em Teixeira de Freitas (836 km de Salvador), extremo sul da Bahia. A área, segundo as lideranças invasoras, tem aproximadamente 2.000 hectares e é improdutiva.
Iniciada no sábado, esta foi foi a 15ª invasão promovida pelo MST no Estado desde o início do ano, de acordo com o líder sem-terra Evanildo Oronildo Costa, coordenador das ações na fazenda da Aracruz.
Foi a maior invasão promovida no Estado desde o início do chamado "Abril Vermelho" -período em que os sem-terra intensificam os protestos para lembrar a morte de 19 pessoas em confronto com a Polícia Militar do Pará, em 1996, em Eldorado do Carajás. Outras ações já haviam sido realizadas, como uma invasão em Prado (870 km de Salvador), na sexta-feira, que contou com 150 famílias.
A Aracruz informou ontem que uma equipe foi até o local para acompanhar a situação e que um pronunciamento deverá ser feito somente hoje.
Não é a primeira vez que a empresa é alvo de invasão. Em março de 2006, 2.000 militantes da Via Campesina e do MST invadiram o horto florestal da Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro (RS), e destruíram 1 milhão de mudas de eucalipto.
Costa, do MST, disse que os manifestantes não têm intenção de sair da fazenda e disse esperar a criação de um assentamento na área. Segundo Costa, nenhum assentamento é criado no Estado desde 2007.
O secretário da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária da Bahia, Geraldo Simões, reconheceu dificuldades para assentar famílias em razão da valorização do hectare no local, mas disse que a questão agrária é "prioridade" do governo.
"Temos um acordo entre o governo do Estado e os sem-terra para investir R$ 100 milhões em recursos do governo federal e da Bahia na construção de casas, estradas, dar assistência técnica, sementes e contratação de pessoal." Segundo ele, o Estado dobrou o número de profissionais para vistoriar as áreas improdutivas.
Folha

4.4.08

Casa Civil se nega a comentar planilhas que integram dossiê

EXCLUSIVO Em nota de anteontem, assessoria de Dilma sugeriu possibilidade de manipulação dos dados originais

A Casa Civil se recusou a comentar a existência de um arquivo de seu sistema de computadores contendo planilhas do dossiê com os gastos da família FHC e de tucanos.
Os documentos publicados na edição de hoje da Folha com detalhes do dossiê foram apresentados ontem à tarde à assessoria da Casa Civil. Depois de uma reunião realizada sem a presença da ministra Dilma Rousseff, o ministério informou, no início da noite, que só se manifestaria hoje.
As novas informações seriam enviadas à comissão de sindicância instalada na semana passada para investigar o caso, com prazo até o final de abril para apresentar as conclusões.
Sobre o conteúdo dos documentos, a resposta foi lacônica. A Casa Civil segue negando a existência de um dossiê e reconhece as planilhas como "fragmentos" de uma base de dados do Palácio do Planalto.
Desde o início da semana, a Casa Civil vem se recusando a responder perguntas encaminhadas pela Folha.
Por meio de nota encaminhada na noite de anteontem, a assessoria de Dilma nega a existência de um dossiê e apresenta uma nova versão para as planilhas que circularam no Congresso, sugerindo a possibilidade de manipulação dos dados originais da base de dados do Planalto. Essa versão conflita com os documentos extraídos diretamente dos computadores da Presidência, a que a Folha teve acesso.
Logo no primeiro item, a nota da Casa Civil diz que o que o governo chama de banco de dados não é o mesmo que a Folha chama de dossiê. A planilha destas 13 páginas reconhecida pela Casa Civil como parte do banco de dados do Planalto, de acordo com a nova versão, "não confere com as nossas, nem na seqüência nem na forma de organização das informações".
A nota segue: "Tal fato sugere a possibilidade de ter sido montada com fragmentos da base de dados organizada para alimentar o Suprim, com as informações contidas nos processos de prestação de contas dos suprimentos de fundos das contas tipo B".
Confrontada com a versão computadorizada dos arquivos, com os registros de datas e horários, a Casa Civil manteve a versão da véspera.
"Se alguém produziu um dossiê a partir dessas informações, não foi por ordem ou solicitação do corpo dirigente da Casa Civil, que só tomou conhecimento de tal documento por intermédio da própria Folha", diz a Casa Civil na nota.
A Casa Civil não reconhece viés político na elaboração das planilhas. Mas, pela primeira vez, recua num dos principais motivos apresentados para justificar o trabalho do banco de dados. "Nunca foi dito que o sistema foi criado por recomendação explícita do TCU". Segundo a nota, "o viés político quem deu foi uma parte da imprensa ao acolher a versão de que o material foi produzido para promover chantagem, desprezando outras hipóteses para investigação".
Desde a terça, a Folha afirma que o tribunal jamais pedira ou recomendara a organização das prestações de contas de gastos de suprimento de fundos do governo FHC. Em auditorias sobre os gastos do governo Lula com cartões corporativos, o TCU constatou a falta de controle das despesas, entre outras irregularidades, como a existência de notas fiscais irregulares em 35% dos comprovantes de despesa analisados.
A nota da Casa Civil também reproduz trechos de comentários do ombudsman da Folha, Mário Magalhães, sobre a cobertura do caso e diz: "Em relação ao vazamento de dados, a Folha sabe mais do que a Casa Civil, neste momento. Poderia facilitar o trabalho de investigação se ao menos desse aos seus leitores uma indicação de onde obteve o documento".
Na abertura da nota, a assessoria da ministra Dilma afirma que as perguntas encaminhadas pelo jornal foram consideradas "prejudicadas". "O questionário enviado pela Folha parte do princípio de que a Casa Civil montou um dossiê ou um arquivo paralelo com gastos supostamente comprometedores do governo anterior. Tal premissa é falsa".
Folha

Arquivo detalha dossiê da Casa Civil contra FHC

Conjunto de planilhas, com 27 páginas, saiu pronto do Planalto
Organização dos dados sobre gastos da Presidência começou em 11 de fevereiro e seguiu diretriz política, e não lógica administrativa

Cópia de arquivo extraído diretamente da rede de computadores da Casa Civil mostra que o dossiê com gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, da sua mulher, Ruth, de ministros tucanos e até da chef de cozinha de FHC saiu pronto do Palácio do Planalto.O documento, a que a Folha teve acesso, afasta a possibilidade de que tenha havido adulteração nos dados arquivados pela Casa Civil que o governo chama de base de dados, feito de forma paralela ao sistema de controle de gastos de suprimento de fundos, o Suprim.O conjunto das planilhas, com 27 páginas e 532 lançamentos de despesas ao todo, revela que às 15h28 do dia 11 de fevereiro, a Casa Civil começou a lançar nas planilhas dados colhidos de processos de prestações de contas dos gastos de suprimentos de fundos da Presidência entre 1998 e 2002. Os processos foram retirados do arquivo morto, guardado num prédio anexo do Planalto.O documento digital revela que, no período de uma semana, foram criadas pastas diferentes para 1998, ano em que FHC foi reeleito, e os quatro anos do segundo mandato.Foram agrupadas separadamente, também, as despesas de Ruth Cardoso, da chef de cozinha Roberta Sudbrack e de dois dos ministros mais poderosos do Planalto na época, Eduardo Jorge (Secretaria Geral da Presidência) e Clóvis Carvalho (Casa Civil e Desenvolvimento), além de Arthur Virgílio, senador tucano que exerceu o cargo de secretário-geral da Presidência.O documento mostra como estava essa base de dados da Casa Civil até 18 de fevereiro, mais de um mês antes de a revista "Veja" noticiar a existência de um dossiê destinado supostamente a constranger a oposição a Lula no Congresso.Na data da criação do arquivo ainda não havia sido instalada a CPI dos Cartões, mas a investigação no Congresso de despesas do governo Lula com cartões corporativos tornara-se inevitável. Aliados governistas conseguiriam depois estender as investigações a 1998 e ao segundo mandato de FHC.A organização dos dados seguiu uma lógica política, e não administrativa. As planilhas, fartas em registros de compras de bebidas alcoólicas, trazem anotações que poderiam orientar os aliados governistas nos trabalhos da CPI.É identificada também a sigla PR (Presidência da República) na planilha Excel como a empresa onde foi gerado o arquivo. Conforme a Folha revelou na sexta-feira passada, a ordem para a confecção do dossiê foi dada por Erenice Guerra, a número dois da ministra Dilma Rousseff na Casa Civil.Detalhes do arquivo afastam a possibilidade de montagem a partir de "fragmentos" da base de dados do Planalto.Anteontem à noite, por meio de nota de sua assessoria, a Casa Civil levantou essa possibilidade como uma nova versão para o caso do dossiê."A planilha de 13 páginas, mencionada pelo jornal em suas reportagens, contém informações que constam no banco de dados, como reconhecemos desde o início. No entanto, ela não confere com as nossas nem na seqüência nem na forma de organização das informações. Tal fato sugere a possibilidade de ter sido montada com fragmentos da base de dados", diz a nota.As pastas do arquivo mostram que não foi mudada nem sequer uma vírgula no relatório de 13 páginas que circulou no Congresso -nem na ordem dos dados nem na organização das informações, com viés claramente político.Ou seja, o dossiê que chegou às mãos de parlamentares saiu como estava arquivado nos computadores da Casa Civil.O arquivo registra, nas propriedades do programa Excel, datas e horários de acesso à base de dados do Planalto. Essas informações poderiam ser verificadas por meio de perícia, mas a Casa Civil não admite essa possibilidade.Desde o início da crise do dossiê, 13 dias atrás, a equipe da ministra Dilma, assim como o ministro da Justiça, Tarso Genro, descartam a possibilidade de a Polícia Federal participar das investigações.Por ora, elas estão restritas a uma comissão de sindicância composta por três funcionários públicos e que se reporta à Casa Civil, de onde partiu a ordem para montar o banco de dados.A Casa Civil reconheceu que mandou fazer o banco de dados visando eventuais requerimentos da CPI -que nem estava instalada. Em 20 de fevereiro, dois dias depois da abertura do arquivo do dossiê na Casa Civil, Dilma diria a empresários em um jantar que estava levantando gastos tucanos e que o governo não iria apanhar quieto.Na versão da Casa Civil, os dados seriam transferidos para o sistema oficial de controle de despesas de suprimento de fundos da Presidência da República, o Suprim.O governo alegou problemas de ordem tecnológica e a desorganização dos processos de prestação de contas de FHC para justificar a montagem de uma base de dados paralela ao Suprim.
Folha