29.7.08

Governo enterra de vez biodiesel feito só com mamona

Para a ANP, combustível é muito viscoso e pode danificar os motores; oleaginosa foi carro-chefe no programa do biodiesel

Mas Minas e Energia diz que processo de fabricação consegue trazer ao óleo de mamona a viscosidade exigida pela norma da ANP

Desde março não é mais tecnicamente possível produzir biodiesel usando apenas óleo de mamona. A oleaginosa, ex-vedete do programa, não reúne as condições técnicas definidas pela ANP (Agência Nacional do Petróleo) para composição do biocombustível.
Em 20 de março, o "Diário Oficial" da União publicou a resolução nº 7 da ANP. No documento, foram estabelecidos vários critérios físicos e químicos para o biodiesel. Pelos parâmetros, o biodiesel produzido apenas com mamona é muito viscoso e, por isso, não pode ser usado diretamente nos motores, pois poderia danificá-los.
A mamona sempre foi o carro-chefe do governo na propaganda do programa do biodiesel. Em vários discursos, o presidente Lula se referiu ao plantio da oleaginosa como uma alternativa para agricultores pobres do Nordeste. "É com a mesma motivação que estamos lançando o Programa do Biodiesel, que vai utilizar a mamona e a palma para produção de combustível, criando mais uma alternativa para pequenos agricultores do semi-árido nordestino", disse o presidente, em cerimônia realizada em Maceió (AL), em novembro de 2004.
Para a ANP, a mamona é a única oleaginosa que não se enquadra nos parâmetros técnicos do biocombustível. Com todas as demais -soja, pinhão manso, algodão etc.-, é possível produzir biodiesel sem precisar de mistura.
Com a edição da resolução da ANP, para usar óleo de mamona na produção do biodiesel, é preciso misturá-lo com o óleo de algum outro vegetal ou outro material gorduroso.
Os números oficiais de produção, contabilizados pela ANP, indicam que a mamona, que já tinha uma participação pequena, desapareceu da lista de insumos do biodiesel justamente em março.
Em fevereiro, a mamona ainda respondia por 0,17% da produção de biodiesel, contra 68,41% da soja. Em março, a mamona já tinha desaparecido do mapa de produção. O dado mais atual, de maio, indica que a soja ampliou sua participação para 77,35% entre os insumos usados para a produção de biodiesel. Os números confirmam que o programa é, na verdade, um filão a ser explorado pelos produtores de soja.

Concentração
De acordo com Arnoldo de Campos, coordenador do programa no Ministério do Desenvolvimento Agrário, a concentração nas matérias-primas para produção de biodiesel é uma preocupação do governo. "Há uma concentração de matérias-primas desde o início do programa. Isso não é bom. Está na ordem do dia diversificar."
O objetivo da diversificação é tornar o preço do biodiesel menos sensível à cotação internacional da soja, commodity de alta volatilidade. Em julho, o preço do diesel normal (que leva 3% de biodiesel) subiu 2,1% na bomba dos postos. Os distribuidores atribuíram a alta ao uso do biocombustível, que, por sua vez, aumentou por conta da alta do preço da soja.
Ainda segundo Campos, o fato de a mamona não estar sendo usada para a produção de biodiesel não é um problema para o produtor. "Existe a demanda da indústria química."
Ele explicou que, quando o governo vislumbrou na mamona uma fonte de matéria-prima para o biodiesel, o quilo da oleaginosa valia aproximadamente R$ 0,25. Na última safra, esse preço já estava variando entre R$ 1,00 e R$ 1,20.

Minas e Energia discorda
Ao contrário da ANP e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério de Minas e Energia informou, por meio de sua assessoria, que é possível produzir biodiesel usando 100% óleo de mamona.
Para o ministério, o nível de viscosidade exigido pela portaria da ANP é "mais difícil" de ser atingido com a mamona pura, mas "o processo industrial de fabricação de biodiesel consegue trazer ao óleo de mamona a viscosidade exigida pela resolução".
Folha

28.7.08

PT oferece revista do governo como material de campanha

Publicação da Secom, que custou R$ 102 mil, lista ações federais para os municípios

Partido diz que "material é público" e tem "informações relevantes para qualquer candidato, de qualquer partido, em qualquer cidade"

O PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está oferecendo como material de campanha aos seus cerca de 35 mil candidatos a prefeito e vereador uma revista produzida pela Presidência da República com o título "Governo Federal e Municípios, Cresce o Brasil".
Desde pelo menos anteontem, o arquivo com a íntegra da revista está disponível no site eleitoral do PT (www.pt.org.br/portalpt/gte), criado com o objetivo de fornecer "diretrizes, informações, orientações, serviços e produtos para auxiliar as candidaturas petistas em todo o país".
A revista, de 79 páginas, está disponível para cópia em uma pasta com o título "Governo Lula nos Municípios". Ela foi feita em abril pela Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), sob coordenação da Subchefia de Assuntos Federativos do Ministério das Relações Institucionais.
De acordo com a Secom, 11 mil exemplares foram impressos, ao custo de R$ 102 mil.
Na revista, há ações do governo federal que teriam beneficiado os municípios. O primeiro enunciado diz que o "Brasil em construção exige municípios fortes e novo padrão de gestão municipal".
Trechos da revista do governo são praticamente idênticos a trechos do site eleitoral do PT, como o que diz que "as medidas econômicas, as mudanças institucionais e o conjunto de obras de logística, transporte e energia do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) já impactaram a vida dos municípios".
Na penúltima página, há advertências de que a revista é "uma publicação de cunho informativo" e de que "seu conteúdo não poderá ser alterado ou reproduzido".
Por meio de sua assessoria de imprensa, o PT argumenta que "o material é público, tem caráter universal e contém informações relevantes para qualquer candidato, de qualquer partido, em qualquer cidade". "No nosso caso, [o material] é direcionado aos candidatos do PT porque o site é do PT", afirma.
O partido diz entender que a proibição para reprodução se restringe a cópias impressas.
A Secom afirmou que "as informações são públicas, à disposição de qualquer pessoa, entidade ou partido". Sobre a restrição à reprodução, disse que a publicação está disponível no site a qualquer interessado. O órgão também afirmou que todos os anos edita publicação com conteúdo similar.
A estratégia petista de municiar seus candidatos com dados sobre o governo Lula já se utilizava de material da Presidência, mas de forma mais discreta. Há cerca de um mês, o site do partido abriga "link" que direciona para página do governo com o jornal "Mais Brasil para Mais Brasileiros", também sobre ações federais.
Em março, o governo Lula atingiu popularidade recorde de 55%, segundo o Datafolha.
Lula foi multado em 2006 pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pela distribuição, pela Casa Civil da Presidência, de um jornal tablóide de 36 páginas considerado de caráter eleitoreiro. Naquele ano, o presidente disputava a reeleição.

Folha

Abin se recusa a detalhar seus gastos

Auditores da Presidência suspeitam de irregularidades, mas agência não fornece informações solicitadas

Secretário de órgão diz que "a natureza do serviço de inteligência é ser secreto'; em um ano saques foram de R$ 5,5 mi para R$ 11,5 mi

A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) se recusou a detalhar à Presidência da República os próprios gastos. Pela primeira vez a Ciset (Secretaria de Controle Interno) não certificou as contas dos arapongas brasileiros, alegando ser impossível atestar se a prestação de 2007 estava regular ou irregular porque a agência não entregou todos os documentos que foram solicitados.
No ano passado, os agentes secretos consumiram R$ 11,5 milhões sacados com cartões corporativos. Com a ciência do general Jorge Félix (Gabinete de Segurança Institucional), as contas sem certificação foram encaminhadas para análise do Tribunal de Contas da União, que já identificou, em anos anteriores, gastos suspeitos.
Os auditores detectaram notas fiscais frias, contas altas em restaurantes de Brasília e compras de equipamentos que, em tese, não exigem sigilo. Na lista do TCU de gastos da verba secreta sob suspeita, estão a compra de uma televisão de LCD e de um receptor de áudio no valor de R$ 4.600 na loja Missão Impossível Comercial Ltda., em São Paulo. Há ainda recibos, sem justificativa, de refeição no valor de R$ 5.100 no restaurante Porcão, em Brasília, e notas consideradas frias como a de R$ 416 referente a compra de mármore no Rio de Janeiro.
"Muitas vezes o agente não tem como conferir a veracidade de uma nota. O problema é de quem não fiscaliza, não de quem fez a compra", argumenta o secretário de Planejamento e Orçamento da Abin, Wilson Roberto Trezza. Ele afirma que todos os gastos são detalhados, mas não vão na íntegra da prestação de contas para não atrapalhar o trabalho da agência. "A natureza do serviço de inteligência é ser secreto."
O que chamou a atenção da Ciset foi a evolução das despesas da agência com cartão corporativo, que praticamente dobrou nos últimos dois anos. Os saques foram de R$ 5,5 milhões, em 2006, para R$ 11,5 milhões, em 2007. A Abin explica que parte dos recursos gastos no ano passado refere-se a verba extra repassada para os jogos Pan-Americanos.
Os fiscais da Presidência reclamam de que as justificativas apresentadas para os gastos foram genéricas e superficiais. Explicações que demandariam folhas e folhas vinham em uma única página, sempre alegando o caráter sigiloso das despesas, segundo um dos responsáveis pela análise. A Ciset requisitou notas fiscais, comprovantes e relatórios de informação para apurar se os gastos justificavam o produto final do trabalho.
A Abin se recusou a encaminhar todos os documentos solicitados. "Qual foi o relatório, que assunto era e quem foi o informante, [os auditores] não precisam nem devem saber", diz o secretário da Abin. Trezza diz que em nenhum momento a Ciset encaminhou ofícios reclamando de que a informação fornecida foi insuficiente.
O TCU identificou ainda que uma única agente sacou R$ 278,5 mil para comprar 22 licenças de uso de um programa de computador que protege ligações telefônicas de grampos. A agência afirma que não publica edital para compras como a desse software de criptografia para evitar expor as fragilidades e intenções do serviço de inteligência brasileiro.

Agência pretende sacar mais com cartão corporativo

Depois de ter a prestação de contas colocada sob suspeita pelo Tribunal de Contas da União e pelo governo federal, a Abin criou novas regras para gastar e justificar as próprias despesas.
Pendente apenas de aprovação do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), a norma administrativa 01/ 2008 cria formulários para prestar contas e estabelece novos valores de saques e prazos para aplicar os recursos dos cartões corporativos. Mas o sigilo do conteúdo dos relatórios continua.
Antes restritos a R$ 5.000, a Abin pretende ampliar para R$ 40 mil o limite dos saques dos cartões. Esse montante pode ser ainda maior desde que justificado. Os prazos para gastar o dinheiro também foram redefinidos pela agência. Antes da autorização da retirada do dinheiro, os agentes terão de informar se vão aplicá-los em 30, 60 ou 90 dias.
Por meio de portaria, a Abin quer ainda criar formulários próprios, timbrados, para os agentes detalharem os gastos e colarem as notas fiscais. São ao menos seis modelos, nos quais o agente vai informar os números do relatório e da operação. O conteúdo, porém, só será revelado por determinação judicial, explica Wilson Trezza, secretário de Planejamento e Orçamento da Abin.
Outro pedido recorrente de quem fiscaliza as contas da agência é o nome dos informantes que recebem dinheiro em troca de informação. A Abin conta com fontes humanas regulares, pagas mensalmente, e colaboradores eventuais. Por ano, os informantes da Abin ganham cerca de R$ 1 milhão. Os nomes dessas pessoas continuarão mantidos sob sigilo.
O documento assinado pelo diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, com as novas regras foi enviado para aprovação do GSI no início de julho. Ainda não obteve resposta.

24.7.08

Mesmo ministro, Mangabeira insistiu em ação contra a BrT

Filósofo só desiste de processar empresa controlada por fundos estatais 1 ano após posse

Acordo só saiu depois da interferência de Dantas, na negociação da fusão BrT-Oi; Mangabeira diz que instruiu retirada de ação em 2007


Só depois de um ano no governo, o ministro Roberto Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) desistiu, em maio passado, da ação judicial que movia contra a BrT (Brasil Telecom), controlada por fundos de pensões estatais.
A informação, que aparece em e-mails interceptados pela Polícia Federal na Operação Satiagraha, foi confirmada à Folha por Mangabeira e pela Brasil Telecom.
Os e-mails indicam que a desistência da ação era uma exigência do Opportunity, de Daniel Dantas, em um acerto feito diretamente com a BrT. Esse entendimento abriu caminho para a fusão da BrT com a Oi, acertada em abril. Dantas travava disputa com a BrT, que já havia controlado, e abandonou o jogo em um acordo estimado em US$ 1 bilhão.
O processo, movido por Mangabeira em abril de 2007, e a ligação dele com Dantas, causaram desconforto no governo e quase lhe custaram o cargo -que só assumiu em junho daquele ano. À época, Mangabeira afirmou que desistira da ação em nome do cargo.
Por meio de sua assessoria de imprensa, ele disse que instruiu seus advogados a retirarem a ação no ano passado, antes de ele tomar posse, mas que a formalização só ocorreu em maio por conta das "negociações entre os envolvidos".
Procurado desde segunda, Mangabeira não comentou a interferência do Opportunity. O Palácio do Planalto não se manifestou.
Mangabeira tomou posse em junho de 2007, mas já havia sido indicado ao cargo em março daquele ano. Ou seja, ele moveu a ação contra a BrT pouco depois do convite.
A notícia do processo criou resistência no Planalto à indicação de Mangabeira, pois os fundos de pensões já haviam assumido o controle da BrT, em acordo com o Citibank. Lula queria que o filósofo desistisse de assumir o cargo por mover ação contra fundos que tinham dinheiro público.

"Trustee"
Mangabeira entrou com o processo, no Estado norte-americano de Massachusetts, contra a BrT, requerendo pagamento por serviços de curador ou "trustee" (espécie de procurador) referente ao período de 1º de abril de 2006 a 31 de março de 2007. Quando o grupo de Dantas controlava a BrT, até 2005, o ministro recebeu US$ 2 milhões pelo trabalho.
Em resposta ao processo judicial de Mangabeira, a BrT moveu uma ação contra ele por perdas e danos, sem reconhecer a suposta dívida pelos serviços de "trustee".
O caso da ação judicial voltou à tona no inquérito da Operação Satiagraha, cujo alvo central é Dantas. No inquérito, Mangabeira é citado como uma das pessoas "influentes nos entes federativos" que dão "apoio ostensivo" ao grupo de Dantas.
Durante a investigação, a PF interceptou e-mail entre advogados do Opportunity e da BrT. Neles, as duas empresas acertaram a retirada de processos judiciais entre elas conforme o acordo, de 25 de abril deste ano, para compra da BrT pela Oi.
"Por exigência dos advogados do Opportunity nos EUA, foi incluído na petição de dismissal [despedimento para um acordo judicial] o sr. Mangabeira Unger, que é co-réu. É o advogado dele que (o tal de David Brower citado abaixo) que está enrolando agora", diz e-mail de 8 de maio, enviado pela BrT ao Opportunity.
A BrT sugere que o acordo no processo seja feito só com o Opportunity, enquanto prosseguiria com a ação contra "Unger até ele parar de enrolar".
Conforme a BrT, uma semana depois do e-mail, o acordo foi fechado. Mangabeira desistiu da ação e, em troca, a BrT retirou o processo de perdas e danos contra ele.
Ainda segundo a BrT, se Mangabeira não desistisse da ação, isso não provocaria danos ao acordo para a compra da empresa pela Oi. Isso porque o acordo para retirada das ações era entre o Opportunity e BrT. Mangabeira foi incluído por intervenção do grupo de Dantas.

Acordo
À Folha, a BrT informou que houve uma tentativa de acordo com Mangabeira quando ele assumiu cargo no governo, mas "os advogados das partes não se entenderam".
Após anexar e-mail ao inquérito da Satiagraha, a PF faz o seguinte comentário sobre ele: na "mensagem buscam solucionar o acordo, entre as diversas partes, de desistir de ações judiciais, conforme acordo durante a compra de Brasil Telecom pela Telemar".
"Cabe lembrar", prossegue a PF, "que Mangabeira Unger que atualmente assumiu a Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo [cargo extinto e transformado em Assuntos Estratégicos] possui forte vínculos profissionais com o grupo Opportunity, atuou como trustee nos EUA, defendendo os interesses do Opportunity".

16.7.08

Greenhalgh e Sigmaringa Seixas

Por Dantas, Greenhalgh pede ajuda a amigo de Lula

Grampos da PF apontam que Sigmaringa Seixas (PT-DF) foi tratado como "a melhor pessoa" para aproximar banqueiro do governo



Os grampos telefônicos colhidos pela Polícia Federal na Operação Satiagraha indicam que o ex-deputado federal Sigmaringa Seixas (PT-DF), amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi tratado como "a melhor pessoa" para montar "uma estratégia de aproximação" entre o Palácio do Planalto e o banqueiro Daniel Dantas.
A avaliação surge de conversa telefônica gravada no dia 16 de maio entre Sigmaringa e o também ex-deputado federal petista Luiz Eduardo Greenhalgh, apontado pela PF como defensor dos interesses de Dantas no governo.
No grampo, Greenhalgh relata a Sigmaringa conversa que teria tido com uma pessoa que, indicam as circunstâncias, seria Dantas. "Eu estou convencido [de que], para o que eles querem, você é a melhor pessoa, entendeu? Pelo menos pra conversar, pra sentir, pra ver uma estratégia de aproximação."
Deputado federal por três mandatos, Sigmaringa é freqüentador da casa de Lula.
Apesar de os dois ex-deputados não se referirem a nomes no diálogo gravado, Greenhalgh faz a seguinte descrição do interessado na "aproximação". "O cara vai pegar o que ele vendeu e vai cantar noutro lugar, entendeu? Vai tentar, ele tá começando outra vida pô, vamos ver." Dantas negociou, nesse período, a venda de sua parte na Brasil Telecom por um valor superior a US$ 1 bilhão.
À Folha o ex-deputado Sigmaringa Seixas disse que Greenhalgh lhe pediu apenas para tentar descobrir, nos tribunais de Brasília, se havia alguma investigação contra Dantas.
"Ele nunca me pediu qualquer tipo de aproximação. Você não vai encontrar nenhuma conversa minha, com quem quer que seja do governo, sobre isso", disse Sigmaringa.
Após a Folha lembrar que Greenhalgh menciona o termo "estratégia de aproximação", Sigmaringa diz não ter feito o que foi pedido, mas depois afirma que não se lembra exatamente do que foi dito.
"Eu disse que não faria, entendeu, eles queriam que eu..., eu disse que não faria, foi isso que eu fiz. Eu liguei para o Greenhalgh, "bom, não tem como ver, só posso ver se existe na Justiça de Brasília". (...) Eu não sabia que o Greenhalgh estava procurando qualquer outro tipo de aproximação, mas eu não o estou criticando."
Mais adiante, Sigmaringa acrescentou: "Você tem perguntar ao Greenhalgh o que ele quis dizer com isso ["estratégia de aproximação"]. Eu nem me lembro da conversa".
Porém Sigmaringa fez questão de defendê-lo: "Ele [Greenhalgh] agiu como advogado. Ele [Dantas] o contratou para tentar intermediar um entendimento com os outros grupos, e isso naturalmente passava por órgãos do governo."
Greenhalgh disse apenas que "não há nada" no diálogo que comprometa Sigmaringa.
Folha

Agenda de lobista tem nomes do mensalão

Além de Valério, Pizzolato, Guimarães e Duda, compadre de Lula e amigo de Dirceu também são contatos de Humberto Braz

Maior parte dos eventos em diário de acusado de tentar subornar delegado da PF ocorreu em 2004, na época de repasses do mensalão


A agenda do ex-diretor da Brasil Telecom Humberto Braz, acusado de tentar subornar um delegado da Polícia Federal em nome do banqueiro Daniel Dantas, revela uma série de encontros com pessoas direta e indiretamente envolvidas no escândalo do mensalão. Chamado pela PF de lobista de Dantas, Braz se entregou à polícia no domingo, depois de passar cinco dias foragido.
Na agenda, há nomes como Marcos Valério, Henrique Pizzolato, Ivan Guimarães, Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes. Fora do capítulo mensalão, Braz mantinha contato também com os advogados Roberto Teixeira, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, amigo do ex-ministro José Dirceu.
Muitos dos eventos registrados na agenda, à qual a Folha teve acesso, ocorreram em 2004. O escândalo do mensalão ainda não tinha vindo a público, mas os pagamentos a deputados federais governistas eram efetuados, muitos deles, no guichê do Banco Rural, segundo conclusão da própria CPI dos Correios, que investigou o caso. O caso mensalão, que veio à tona em 2005, foi um dos maiores escândalos do governo Lula.

Relações
Duda Mendonça e sua sócia, assim como Kakay e Teixeira, têm como justificativa para os encontros com Braz relações comerciais com a BrT, apesar de o ex-diretor da empresa e homem de confiança de Daniel Dantas não ter cuidado nem da área jurídica nem de publicidade da empresa.
Já no caso de Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil, e Ivan Guimarães, ex-presidente do Banco Popular do Brasil, não havia razões comerciais que fossem públicas para manter contato com Braz.
Pizzolato foi apontado como um dos recebedores de dinheiro do mensalão. Guimarães trabalhou junto com ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares na arrecadação de recursos da campanha petista em 2002.
As companhias de telefonia controladas pelo Opportunity, Telemig Celular e Amazônia Celular, foram apontadas pela CPI dos Correios como duas das principais fontes que alimentaram o "valerioduto".
Ao todo, as duas telefônicas transferiram R$ 152,5 milhões, entre 2000 e 2005, à agência de propaganda DNA, usada por Valério para repassar a propina aos deputados da base aliada ao governo Lula.
Apesar do repasse de verbas, a CPI constatou que parte dos serviços nunca foi realizada pelas agências de publicidade em favor das duas telefônicas.
A BrT chegou a assinar dois contratos de publicidade (R$ 50 milhões ao todo) em 2005 com as agências de publicidade de Marcos Valério.
Apesar de os dois contratos terem sido suspensos após a divulgação do escândalo naquele ano, a BrT depositou R$ 3,9 milhões para a SMPB Comunicação, uma das agências de publicidade das quais Valério era sócio, e R$ 823,5 mil para a DNA. Até então, a principal agência da BrT era a de Duda Mendonça, com um orçamento de cerca de R$ 40 milhões.
Kakay e Teixeira receberam da BrT, respectivamente, R$ 8,6 milhões e R$ 1,2 milhão durante a gestão do Opportunity. Auditoria contratada após a saída do banco de Dantas do comando da empresa não detectou contratos ou efetiva prestação de serviços pelos dois advogados, como revelou reportagem da Folha de ontem.
Folha

15.7.08

Editorial Estadão - 15/07

A interferência indevida da Abin

Ocupadas as atenções da opinião pública com o prende-solta de Daniel Dantas e com o que vazou das investigações da Polícia Federal (PF) sobre o labirinto de interesses e ligações dessa figura sui generis do "capitalismo político" brasileiro, ainda não subiu à vista de todos a grave impropriedade, no limite do escândalo, praticada pelo delegado Protógenes Queiroz, o responsável pela Operação Satiagraha. Do ponto de vista institucional, ele fez algo mais condenável do que autorizar a filmagem da detenção de um aturdido Celso Pitta, o ex-prefeito de São Paulo, em traje de dormir; ou do que solicitar - sem sucesso, felizmente - a prisão temporária da jornalista Andrea Michael, da Folha de S.Paulo, que revelara a existência do inquérito contra Dantas, Naji Nahas e muitos mais.

O delegado não só deixou para a vigésima quinta hora a obrigação funcional de dar conhecimento dos seus atos ao diretor-geral da PF, Luiz Fernando Correa, como - à revelia dele e sem autorização judicial - engajou informalmente nas investigações a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), dirigida, aliás, pelo ex-titular da PF Paulo Lacerda. Conforme o Estado noticiou no último sábado, Correa relatou ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, o insólito procedimento de Protógenes. Com isso, alertou, arapongas da Abin tiveram acesso a informações sigilosas que o juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal de São Paulo, encarregado do caso, compartilhava apenas com a PF. Lacerda disse considerar "uma rotina" a colaboração da agência com a Polícia Federal. "Os órgãos de inteligência sempre fornecem seus profissionais."

Se o fazem rotineiramente a contrapelo das normas que definem os limites da competência da Abin, pode estar se repetindo, em pleno sistema democrático, a deformação que o regime militar impôs ao ancestral da agência, o Serviço Nacional de Informações (SNI), de triste memória. O SNI surgiu para abastecer a cúpula do Executivo de informes privilegiados sobre o que se passava no País. Aparelhado, transformou-se numa polícia especial - uma Gestapo -, passando a integrar o sistema repressivo da ditadura. O "monstro", como o chamou o seu criador, Golbery do Couto e Silva, chegou a ser um Estado dentro do Estado. Decerto a Abin não irá tão longe, mas todo cuidado há de ser pouco para prevenir a confusão entre a função de coletar informações de interesse do Estado com a de policiar, mesmo quando nascida do enovelado jogo de rivalidades no setor.

Ainda no comando da PF, Lacerda teria sido impedido pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, de dar início à operação afinal conduzida pelo delegado Protógenes, com a qual se envolveu. Menos mal, a propósito, que o ministro reconheça que se cometeram na Operação Satiagraha "alguns equívocos, que servem como lição". Entre eles, "a exposição indevida de pessoas", como a do ex-prefeito Pitta; o prazo exíguo com que a alta direção da Polícia Federal ficou sabendo da movimentação do delegado em São Paulo (a quem, como não podia deixar de fazer, cobre de elogios); e o malogrado pedido de prisão da jornalista. "Não pode ser confundida uma investigação jornalística com cometimento de um delito", distingue. A par disso, Tarso parece o proverbial bombeiro quando fala do presidente do STF - "uma pessoa séria", que criticou "corretamente" a pirotecnia da PF, e de quem se declara "aliado". (Eles divergem, porém, sobre o uso de algemas.)

É também oportuna a clareza do ministro em afastar quaisquer suposições de que a polícia acobertará os companheiros do PT que eventualmente tenham passado dos limites em razão de sua associação com Daniel Dantas. O nome em pauta, como se sabe, é o do advogado e ex-deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, cuja desenvoltura em favor de seu cliente, com interlocutores do Palácio do Planalto - notadamente com Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Lula -, está audível nos grampos da Polícia Federal. Depois que a Justiça rejeitou o pedido de prisão contra ele, Greenhalgh disse a Tarso que, fosse ele o ministro, jamais envolveria o seu nome num "espetáculo" como aquele. "Essa observação pressupõe que o ministro da Justiça deve proteger pessoas do partido", comentaria Tarso mais tarde. "Isso jamais vai acontecer." Mesmo porque o líder petista Tarso Genro não gosta de todos os líderes petistas que disputam a liderança do partido.

Dantas pagou advogados ligados ao PT sem contrato

Defensores próximos de Lula e Dirceu dizem ter prestado serviços entre 2003 e 2005

Dados sobre os pagamentos estão em auditoria feita a pedido dos novos donos da BrT, que foi gerida pelo banco de Dantas até 2005


Documentos inéditos da auditoria interna da Brasil Telecom de 2005 sobre a passagem do banqueiro Daniel Dantas no controle da companhia telefônica revelam pagamentos de R$ 1,2 milhão para o advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e de pelo menos R$ 3 milhões para o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, amigo do ex-ministro José Dirceu (PT), sem que os auditores tivessem encontrado os contratos para a prestação de serviços de advocacia.
Kakay recebeu ao todo R$ 8,3 milhões. A auditoria encontrou apenas um contrato de R$ 5,3 milhões -sobre o qual afirmou não ter localizado nenhuma comprovação de efetiva prestação de serviços advocatícios. Teixeira afirmou que tem consigo uma cópia do contrato.
A Brasil Telecom foi controlada pelo banco de Dantas até meados de 2005, quando os fundos de pensão de estatais conseguiram na Justiça assumir o controle da companhia. Os novos donos então determinaram uma ampla auditoria.
A Operação Satiagraha, da Polícia Federal, que investiga e prendeu Dantas na semana passada, apura atividades de advogados remunerados pelo banqueiro sem atuar formalmente em processos judiciais relacionados ao banco, como o ex-deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT). Para a PF, tratava-se de lobby político. Ele nega irregularidades.
De acordo com documentos do relatório da auditoria da telefônica, aos quais a Folha teve acesso, o escritório de Roberto Teixeira foi pago pela BrT "para prestar serviços para o Opportunity". Em dezembro de 2005, os auditores concluíram: "Não foram localizados contratos de Roberto Teixeira com a Brasil Telecom. Foram localizados pedidos de compra sem contrato e pagamentos para Roberto Teixeira, que somam R$ 1,2 milhão, entre abril de 2003 e março de 2005".
Teixeira, segundo o histórico dos pagamentos, passou a ser remunerado três meses depois da chegada de Lula à Presidência. Os auditores citaram Teixeira como "advogado muito próximo de Lula".
Em outra parte do relatório, os auditores listaram 39 pagamentos a empresas e pessoas físicas feitas a partir de "pedidos não vinculados a contratos". São pagamentos de cerca de R$ 285 milhões. Entre os beneficiários, o escritório de Kakay, em Brasília, com R$ 8,3 milhões. Esse trecho do relatório é descrito como "análise de pedidos não vinculados a contratos, realizados pela presidência [da Brasil Telecom] e outras diretorias".
A parte do relatório que trata dos serviços de Kakay traz um resumo das ligações políticas do advogado: "Conhecido como Kakay; advogado de DD [Daniel Dantas] no caso Kroll, juntamente com Nélio Machado e Oliveira Lima. Seriam também advogados de Carla Cicco no caso Kroll; Almeida Castro é muito amigo de José Dirceu (advogado desse) e diversas vezes ofereceu ajuda política a DD para aproximá-lo do governo por meio de Dirceu; DD recebe forte auxílio do PFL (ACM, Jorge Bornhausen e Heráclito Fortes)".
A auditoria também localizou um e-mail trocado entre um escritório de advocacia do Rio e o ex-diretor da Brasil Telecom Participações Humberto Braz, que se entregou ontem à PF, no decorrer da Operação Satiagraha. Ele é acusado de ter participado da tentativa de suborno dos delegados que atuam no caso, Victor Hugo Ferreira e Protógenes Queiroz.
O e-mail revela que Braz tinha um papel importante na relação entre a Brasil Telecom e advogados. Ele participou de uma reunião "no escritório do Kakay", em Brasília, na qual foi "acertado" o pagamento de honorários "a título de êxito" no valor de US$ 1 milhão. Os advogados queriam suspender um mandado de segurança no STF (Supremo Tribunal Federal).
A auditoria na Brasil Telecom, concluída em dezembro de 2005, investigou pagamentos, contratações e serviços entre os anos de 2002 e 2005.
Folha

12.7.08

Dantas contra a parede

O banqueiro que esteve no centro dos maiores escândalos de corrupção da última década foi preso duas vezes em uma única semana. Ah, se ele contasse o que sabe!

Preso, solto, preso de novo, solto... Essa era na semana passada a vida do banqueiro Daniel Dantas, o peixe mais graúdo a cair nas malhas de uma operação da Polícia Federal batizada de Satiagraha, slogan do movimento popular de resistência pacífica com que o faquir Mahatma Gandhi liberou a Índia de três séculos de dominação britânica. Freqüentador assíduo do noticiário policial, foi a primeira vez, no entanto, que Dantas conheceu o xadrez. Dois de seus intermediários foram filmados enquanto ofereciam 1 milhão de dólares a um delegado da Polícia Federal. O banqueiro pretendia assim excluir seu nome e o de sua família de uma investigação sobre crimes financeiros que vão de gestão fraudulenta a evasão de divisas, passando pelo uso indevido de informações privilegiadas. Além do banqueiro, a operação prendeu mais dezesseis pessoas, suspeitas de integrar a quadrilha de Dantas ou de manter estreitas relações comerciais e financeiras com ela. O flagrante foi a única manobra de inequívoco brilho da Satiagraha, de resto uma operação mambembe.

Poucos homens de negócios representam com mais nitidez a natureza perversa do capitalismo brasileiro dependente do estado macrófago do que o banqueiro Daniel Dantas. Pelas mãos do ex-ministro Mario Henrique Simonsen, que o considerava seu aluno mais capaz, Dantas despontou há duas décadas como um jovem e astuto economista saído do conceituado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Durante as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, o banqueiro de origem baiana reinventou-se. À frente de seu próprio banco, o Opportunity, recebeu a bênção do governo para unir-se aos poderosos fundos de pensão de estatais, como Previ e Petros, formando uma espécie de parceria público-privada cujos efeitos desastrosos perduram até hoje. Dantas conseguiu do governo um mandato para ser o gestor dos recursos investidos por esses fundos em um conglomerado de empresas recém-privatizadas, que reunia desde a Santos Brasil, terminal portuário em Santos, até as operadoras de telecomunicações Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular. A parceria funcionava desta forma: o governo entrava com o dinheiro e Dantas dava as cartas.

Foi assim, como empresário privado de patrimônio público, que Dantas despontou como o mais astuto entre os inúmeros capitalistas brasileiros cujo sucesso se deve a privilégios oficiais obtidos pela bajulação e, principalmente, pela corrupção de autoridades de plantão. Ele é expoente entre os negociantes e sistemas empresariais que nunca se expuseram ao poder purificador da concorrência, que se escondem sob as asas estatais para fugir dos rigores da lei e do vento trazido pela abertura econômica. Nada sabem sobre inovação ou produtividade, os reais motores da criação de riqueza no sistema capitalista. Nessa condição, Dantas envolveu-se em praticamente todos os grandes escândalos de economia mista – estatal e privada – da última década no Brasil.

O primeiro deles, revelado por VEJA em 1998, mostrou grampos telefônicos em que o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros e o então presidente do BNDES, André Lara Resende, discutiam formas de beneficiar Dantas na aquisição do melhor quinhão do leilão de privatização da Telebrás, a até então empresa monopolista de telecomunicações no país. Ambos saíram do governo depois das revelações de VEJA. Em 2004, já no governo Lula, descobriu-se que o banqueiro Daniel Dantas havia contratado a empresa de espionagem Kroll para bisbilhotar, ao espanto da lei, autoridades, jornalistas e juízes. Com isso, pretendia convencer o governo a manter sob seu controle os fundos de pensão estatais – o que conseguiu até 2006. Com o mesmo propósito, o de agradar, corromper e ameaçar o poder, o banqueiro destinou 152,4 milhões de reais para abastecer o duto do mensalão, esquema por meio do qual o governo comprava deputados da base aliada. Ainda pagou à Gamecorp, empresa de jogos eletrônicos do filho do presidente Lula, 100 000 reais mensais para fornecer conteúdo ao portal de internet da Brasil Telecom.

Entre os acusados na operação, também se destacam o empresário Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. Ao lado de Dantas, Nahas teria montado um esquema de lavagem de dinheiro e de uso indevido de informações privilegiadas. Já Pitta foi pego acidentalmente nas investigações, grampeado enquanto pedia dinheiro aos doleiros e assessores do empresário libanês naturalizado brasileiro. Também estão na lista de investigados a irmã de Dantas, Verônica, um dos sócios dele, Carlos Rodenburg, e o ex-deputado federal petista Luiz Eduardo Greenhalgh. Detido em sua cobertura, no Rio de Janeiro, Dantas passou a semana toda entre a cadeia e a liberdade. No dia 8, foi levado para a carceragem da PF em São Paulo. No dia 10, pela manhã, conseguiu um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal e foi liberado. À tarde, a Justiça expediu novo mandado de prisão contra ele, depois que a polícia apresentou ao delegado provas adicionais da tentativa de corrupção. Enquanto o banqueiro voltava para a prisão, os outros acusados citados na Operação Satiagraha deixavam a cadeia, beneficiados, também eles, por habeas corpus apresentados ao STF. Dantas passou mais uma noite em cana até que, no fim da tarde de sexta-feira 11, seus advogados conseguiram que o STF expedisse um segundo habeas corpus em seu favor em apenas dois dias.

Dantas preso ou Dantas solto é assunto da Justiça. Mas Dantas calado ou Dantas contando tudo o que sabe é do interesse do Brasil. O ideal é que fale, que conte tudo o que sabe... Sua carreira e fortuna foram construídas inteiramente na zona de sombra gigantesca projetada pelo capitalismo de estado. Sem os favores de legisladores, de figuras-chave do Executivo e dos gestores das maiores fortunas líquidas do Brasil, os fundos de pensão de empresas estatais, empresários como Daniel Dantas não existiriam. No processo de formação de sua riqueza pessoal e do poder de seu grupo empresarial, o Opportunity, ele manipulou, corrompeu ou simplesmente se associou a dezenas de altas autoridades de diversos governos, em especial os de FHC e Lula. VEJA fez uma lista de vinte grandes escândalos recentes sobre os quais Daniel Dantas teria muito a dizer.

O outro implicado preso e solto logo, o financista Naji Nahas também detém informações do maior interesse para o Brasil e os brasileiros. Ele aparece em diversas investigações brasileiras e internacionais, acusado de ser um dos elos entre interesses privados e autoridades do governo Lula. No inquérito resultante da Operação Satiagraha, Nahas surge como um fanfarrão. Ora ele se gaba de sentar-se com o rei da Arábia Saudita para combinarem juntos o preço do petróleo, ora, na mais lisérgica das afirmações do inquérito policial, se vangloria de obter do presidente do Banco Mundial (sic) a informação sobre a taxa de juros a ser fixada pelo Fed, o banco central americano, vinte dias antes de sua divulgação. Isso é tão maluco quanto alguém ligar para o fabricante de guarda-chuvas para saber se vai chover no fim de semana. Mesmo assim, o delegado da Polícia Federal viu em Nahas um Deus ex machina do capitalismo financeiro planetário. Pena ele ter preferido se entreter com as fantasias em torno do personagem pois, no Brasil, há evidências de que Nahas tem mesmo mais poder do que lhe é atribuído. Em 2006, uma reportagem de VEJA revelou que a empresa Telecom Italia fez pelo menos um saque de 3,25 milhões de reais em nome de Nahas – personagem central da crise que abalou a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1989. O pagamento foi feito em dinheiro vivo, em pacotes de 150 000 reais, sacados de uma agência do Bradesco em São Paulo. A transação foi confirmada pelas partes envolvidas. Nahas justificou ter recebido o dinheiro para ajudar a Telecom Italia a resolver pendências com o banco Opportunity, de Daniel Dantas. Ele não deu detalhes sobre que pendências foram essas. Está aí uma boa pergunta para fazer a Naji Nahas!

Meses depois, graças ao trabalho de promotores italianos, ficou-se sabendo que os 3,25 milhões de reais foram apenas uma fração modesta da pilha de dinheiro pago pela Telecom Italia. A Justiça italiana já sabe que Nahas recebeu 25,4 milhões de euros (euros sim, nem dólares nem reais, o que, pela cotação do período, somou uma avalanche de 80 milhões de reais). A maior parte dos pagamentos, de acordo com pessoas envolvidas nas investigações, ocorreu em 2002 e 2003. O motivo? Segundo as autoridades italianas, o dinheiro se destinava ao pagamento de propinas a políticos brasileiros situados em cargos-chave para assim obter o apoio deles na disputa que a Telecom Italia travava com o Opportunity de Dantas. Os delegados da PF, os procuradores federais e os juízes brasileiros, tão determinados em sua busca pela punição dos criminosos de colarinho branco e dos marajás da corrupção, não se preocuparam, no trabalho investigatório que culminou com as prisões de Nahas e Dantas, em apurar essas transações para lá de suspeitas. Não há a preocupação de identificar os destinatários dos 25,4 milhões de euros que os italianos remeteram para Nahas.

Na semana passada, Nélio Machado, o advogado de Dantas, questionou o fato de dirigentes do PT nunca serem presos nas diligências da Polícia Federal. Ele tem certa razão. Com a prisão do banqueiro e de Nahas, o combate à corrupção no país ganha uma dinâmica curiosa. Até o governo Lula, era lugar-comum criticar a parcialidade com a qual autoridades policiais perseguiam funcionários públicos corruptos e deixavam de lado seus corruptores, os tubarões. Dá-se agora o inverso. Os corruptores são presos sem que os corruptos apareçam. Cadê os corruptos?



20 questões que Daniel Dantas ainda pode esclarecer

Ano 1997
Governo FHC
1. Privatizações
Otavio Magalhães/AE
Privatizações: o governo entrou com o dinheiro, e Dantas ficou com o controle

O que ocorreu: Daniel Dantas foi incluído pelo governo no consórcio formado pelos fundos de pensão e pela CSN que saiu vitorioso do leilão da Vale do Rio Doce.
O que Dantas pode esclarecer: que argumentos convenceram Ricardo Sérgio, o então influente diretor do Banco do Brasil, a incluí-lo no consórcio.



Ano 1998
Governo FHC
2. Privatizações

O que ocorreu: grampos revelados por VEJA mostraram que o BNDES operou para favorecer o grupo Opportunity no leilão de privatização das teles.
O que Dantas pode esclarecer: por que a diretoria do BNDES decidiu favorecê-lo.


Ano 1998
Governo FHC
3. Fundos de pensão de estatais

O que ocorreu: Dantas conseguiu que a Previ e outros fundos de pensão lhe entregassem o controle acionário da Brasil Telecom quando ele havia investido apenas 1% do capital usado na criação da empresa.
O que Dantas pode esclarecer: o que convenceu os diretores dos fundos de pensão a fechar esse acordo.



Ano 2002
Governo FHC
4. Fundos de pensão de estatais

O que ocorreu: alguns dias antes da intervenção do governo federal no comando da Previ, que destituiu diretores do fundo que se opunham a Dantas, o banqueiro teve um jantar reservado com o presidente Fernando Henrique Cardoso.
O que Dantas pode esclarecer: sobre o que os dois conversaram.



Ano 2002
Governo FHC
5. Transição para o governo do PT

O que ocorreu: na edição de 22 de outubro do jornal O Estado de Minas, Dantas publicou um texto quase em código revelando supostas ameaças e achaques praticados por integrantes do governo petista que assumiria.
O que Dantas pode esclarecer: qual a chave para entender o documento.



Ano 2002
Governo FHC
6. Transição para o governo do PT
Celso Junior/AE
Delúbio: ele procurou o banqueiro antes mesmo de Lula chegar ao Planalto

O que ocorreu: Dantas conversou longamente com o então coordenador da campanha presidencial de Lula, Antonio Palocci, e com o tesoureiro Delúbio Soares.
O que Dantas pode esclarecer: o que acertaram?


Celso Junior/AE
Roberto Teixeira: 1 milhão de reais para o compadre


Ano 2003
Governo Lula
7. Telefonia

O que ocorreu: por ordem de Dantas, a Brasil Telecom contratou o advogado Roberto Teixeira para prestar-lhe consultoria. Teixeira ganhou 1 milhão de reais no período.
O que Dantas pode esclarecer: que serviço o compadre de Lula prestou ao banqueiro.



Ano 2004
Governo Lula
8. Gamecorp

O que ocorreu: por meio da Brasil Telecom, Dantas pagou à Gamecorp, empresa de games do filho do presidente Lula, 100 000 reais mensais pelo fornecimento de conteúdo para o portal de internet da Brasil Telecom. A informação foi publicada por VEJA.
O que Dantas pode esclarecer: que outros pagamentos foram feitos ao filho do presidente.



Ano 2004
Governo Lula
9. Kroll
Lula Marques/Folha Imagem
Kakay: advogado de 8 milhões de reais

O que ocorreu: o jornal Folha de S.Paulo revelou um esquema de Dantas e da empresa de arapongagem Kroll para espionar o governo, jornalistas e empresários. A PF pôs-se atrás do banqueiro, que contratou o advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, procurador informal do ex-ministro José Dirceu. Kakay levou 8,5 milhões de reais.
O que Dantas pode esclarecer: que serviços Kakay efetivamente prestou.



Ano 2004
Governo Lula
10. Telefonia

O que ocorreu: José Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, subitamente passou a defender os interesses de Dantas junto ao governo.
O que Dantas pode esclarecer: a que se deveu a súbita simpatia de Dirceu por Dantas.



Ano 2004
Governo Lula
11. CVM

O que ocorreu: a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aplicou a Dantas uma multa extremamente branda por manter aplicações de investidores residentes no Brasil no Opportunity Fund, fundo sediado nas Ilhas Cayman. O procedimento feria a regulamentação do Banco Central. Hoje, essa acusação é justamente o pilar da investigação que levou o banqueiro à prisão.
O que Dantas pode esclarecer: como ele convenceu a CVM a manter sua licença para operar no sistema financeiro.



Ano 2004
Governo Lula
12. CVM

O que ocorreu: enquanto o caso se arrastava na CVM, Dantas se reunia seguidamente para tratar do assunto com o petista Ivan Guimarães, ex-auxiliar de Delúbio Soares e ex-presidente do Banco Popular.
O que Dantas pode esclarecer: sobre o que Dantas e Guimarães conversaram.



Ano 2004
Governo Lula
13. Matisse
Leopoldo Silva/Folha Imagem
O publicitário petista Paulo de Tarso: contratado para "reposicionar" Dantas

O que ocorreu: Dantas contratou a agência Matisse, de propriedade de Paulo de Tarso Santos, publicitário das campanhas de Lula em 1989 e 1994, para "reposicionar" a marca Brasil Telecom no mercado de telefonia. A informação foi revelada por VEJA.
O que Dantas pode esclarecer: por que justamente Paulo de Tarso foi escolhido e quanto foi pago a ele.


Joedson Alves/AE
Valério: o dinheiro do mensalão também veio do banqueiro


Ano 2003/2005
Governo Lula
14. Mensalão

O que ocorreu: Dantas pagou ao publicitário Marcos Valério ao menos 152,4 milhões de reais por meio das concessionárias de telefonia Brasil Telecom, Telemig e Amazônia Celular.
O que Dantas pode esclarecer: o que ele ganhou do governo por abastecer o propinoduto do mensalão.



Ano 2003/2005
Governo Lula
15. Mensalão

O que ocorreu: anotações na agenda de Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério, mostravam encontros entre o publicitário e o sócio de Dantas, Carlos Rodenburg. Ao menos um desses encontros contou com a presença de Delúbio Soares.
O que Dantas pode esclarecer: sobre que tipo de negócio conversaram.



Ano 2002/2005
Governo FHC e Lula
16. Telefonia
Sergio Lima/Folha Imagem
Mangabeira: consultoria de longo prazo para o Opportunity

O que ocorreu: Dantas pagou pelo menos 1,1 milhão de dólares ao então professor Mangabeira Unger, a pretexto de tê-lo como consultor e representante legal nos Estados Unidos.
O que Dantas pode esclarecer: que tipo de consultoria Mangabeira prestou e por que custou tão caro.



Ano 2005
Governo Lula
17. CPI dos Correios

O que ocorreu: o senador Heráclito Fortes, velho aliado de Dantas, disse ao ex-ministro Luiz Gushiken que a Kroll, empresa de espionagem contratada pelo banqueiro, era especializada em "rastrear contas bancárias no exterior".
O que Dantas pode esclarecer: se foi uma ameaça velada ou uma informação vazia.


O espião Frank Holder: bisbilhotagem a mando de Dantas

Ano 2006
Governo Lula
18. Dossiê da Kroll

O que ocorreu: Dantas mandou seu espião Frank Holder fazer um dossiê com contas no exterior que seriam do presidente Lula e de outros manda-chuvas do governo e do petismo. VEJA revelou a existência do dossiê e denunciou o uso que Dantas esperava fazer dele.
O que Dantas pode esclarecer: como Holder chegou às supostas contas.



Ano 2006
Governo Lula
19. Dossiê da Kroll

O que ocorreu: depois que a existência desse dossiê foi revelada por VEJA, Dantas reuniu-se em Brasília com o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.
O que Dantas pode esclarecer: se a conversa girou em torno da autenticidade das contas.



Ano 2008
Governo Lula
20. BrOi

O que ocorreu: Dantas foi convencido a encerrar seu litígio com o governo envolvendo o controle da Brasil Telecom. Essa decisão foi essencial para a criação da gigante da telefonia BrOi.
O que Dantas pode esclarecer: os argumentos usados para convencê-lo a desistir da briga.

11.7.08

PF apreende planilha de pagamentos "ao Clube'

A Operação Satiagraha, da Polícia Federal, apreendeu no apartamento do banqueiro Daniel Dantas, no Rio, uma planilha intitulada "Contribuições ao Clube", na qual são registrados pagamentos de R$ 36 milhões, em dinheiro, faturas e depósitos, a quatro pessoas identificadas só pelo prenome. Um dos pagamentos, de R$ 1,5 milhão em dinheiro, é descrito como "contribuição para que um dos companheiros não fosse indiciado criminalmente".
A planilha, encaminhada anteontem pela PF ao Ministério Público Federal e à Justiça Federal, lista seis supostos desembolsos. O primeiro, datado de outubro de 2002, aponta R$ 3 milhões em "cash" para "Campanha de João à Presidência", cujo interlocutor seria alguém chamado "Rubens".
Três meses depois, em janeiro de 2003, um novo pagamento de R$ 2,5 milhões teria sido feito para a mesma "campanha". Dessa vez, os recursos foram contabilizados na forma de "pagamento de faturas".
Em 2004, há novo registro de pagamento de uma "campanha". Teriam sido entregues R$ 25 milhões -R$ 13 milhões em faturas e R$ 12 milhões "depositados"- a título de "despesas da campanha de Letícia". Os interlocutores seriam "Pedro", "Eduardo" e "Dudu".
Os policiais ainda não conseguiram decifrar a quais campanhas e a que "Presidência" se refere o papel. A PF também apura a identidade de "Letícia" e dos outros citados como interlocutores.
A PF apontou a planilha como um dos motivos para manter Dantas preso. "Outra prova de que pagamentos de propina são prática habitual da organização criminosa e de que Dantas tinha plena consciência disso foi o documento abaixo [a planilha], encontrado na sua residência", afirmou a PF, no pedido de reconsideração da prisão de Dantas, subscrito por dois delegados federais.

Bilhete
Além da planilha, a Polícia Federal também apreendeu no apartamento do banqueiro uma folha manuscrita com o timbre do hotel Waldorf Astoria, em Nova York, com os dizeres: "Usar o assunto da polícia para produzir notícia e influenciar na Justiça".
Para a PF, o manuscrito "confirma a produção de factóides pela quadrilha com vistas a manipular a imprensa, a fim de de gerar notícias favoráveis à organização criminosa, tudo para abastecer com argumentos as inumeráveis manobras jurídicas de seus advogados".
A PF encontrou similitudes na planilha com a tentativa de suborno do delegado da Polícia Federal Victor Hugo Rodrigues Alves Ferreira, um dos coordenadores da Operação Satiagraha. A planilha fala em pagamentos em "cash", como no caso da Satiagraha, e "em interlocutores". Os policiais da Satiagraha foram procurados por dois supostos emissários de Dantas, Hugo Chicaroni e Humberto José da Rocha Braz.
Por meio de uma ação controlada pelo juiz federal Fausto De Sanctis, que era informado pelo delegado sobre os próximos passos, a PF fingiu participar de um suborno, de forma a coletar as provas.
Ontem, em entrevista, o advogado de Dantas, Nélio Machado, negou que seu cliente tenha procurado "outras formas" de ter acesso à investigação, mas reconheceu que Dantas conhece Humberto Braz. "Não nego, eles se conhecem."
Foi Braz quem se reuniu num restaurante com o delegado Ferreira para pedir, em troca de US$ 1 milhão, a exclusão de Dantas do inquérito. A PF apreendeu R$ 1,28 milhão na casa de Chicaroni.
Folha

9.7.08

O jogo de poder no PT

Para oposição, ação é outro capítulo do jogo de poder no PT

PF não pede licença ao governo para investigar, diz Franklin Martins

A Operação Satiagraha foi tratada pelo Planalto, pelo menos em público, como um ato de rotina da Polícia Federal. No Congresso, a maioria dos parlamentares da oposição viu as prisões do sócio-fundador do Banco Opportunity, Daniel Dantas, do investidor Naji Nahas e a ressurreição das investigações em torno do mensalão como mais um capítulo do "jogo de poder dentro do PT". Para alguns senadores e deputados, a operação empurra para segundo plano os problemas com a inflação, ainda que possa não ter sido deflagrada com essa intenção.

"A PF não recebe nem pede licença ao governo para investigar o que tem de investigar", disse o ministro Franklin Martins (Comunicação Social) sobre a Operação Satiagraha. Ele afirmou que o governo federal não se beneficia politicamente das ações da PF, que passam a imagem de uma polícia eficiente e comprometida com o combate ao crime. "Pode ser bom para o País", avaliou. E acrescentou: "O governo não tem elementos para fazer avaliações. Embora essas investigações despertem a atenção do País, o que se pode afirmar, apenas, é que há um processo normal de funcionamento das instituições."

O ministro da Justiça, Tarso Genro, telefonou ontem para parlamentares, mas se limitou a citar os dois motivos que, pela apuração da PF, levaram à prisão de Dantas e demais sócios do Opportunity: as relações dele e da empresa com os envolvidos no mensalão e a evasão de dinheiro para o exterior. Porém, o Estado apurou que Tarso se irritou com o delegado que conduziu a Satiagraha, permitindo que a prisão de Celso Pitta, de pijama, fosse filmada por uma rede de TV, além de mostrar gente algemada - o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem pedindo para que a PF evite.

Parlamentares ligados à ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), como a líder do PT, senadora Ideli Salvatti (SC), disseram que foram surpreendidos com a operação. Ideli classificou a ação de "muito pesada".

Senadores da oposição, que pediram anonimato, fizeram conjecturas políticas e desenvolveram algumas teorias conspiratórias. Mas admitiram ter informações de que Dantas já esperava ser preso. Contaram até que, duas semanas atrás, Verônica Dantas, irmã do sócio-fundador do Opportunity, que também foi presa ontem, foi seguida até sua casa por um carro de chapa fria. A família teria investigado o caso e chegado à conclusão de que se tratava de vigilância da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão que está sob comando de Paulo Lacerda, ex-diretor da PF.

Para alguns parlamentares, a prisão de Dantas também pode esconder interesses políticos por trás da fusão Oi/Telemar com a Brasil Telecom (BrT). De um lado, estaria Tarso, que atuaria politicamente para enfraquecer a posição de Dilma, que defende a fusão. Esse assunto divide o PT. Contra a fusão estariam o ex-ministro Luiz Gushiken e o presidente da Previ, Sérgio Rosa.

Franklin Martins rejeitou interpretações políticas sobre a operação, alegando que podem gerar avaliações precipitadas. Ponderou que, pelas informações divulgadas até o fim do dia de ontem, não era possível saber a dimensão do trabalho da polícia.

A uma pergunta sobre as palavras que sintetizariam o clima no Palácio do Planalto depois de mais uma operação da PF, Franklin Martins respondeu: "Vamos acompanhar."

Ele fez questão de ressaltar que a Polícia Federal não é um órgão do governo, mas do Estado, e que cumpre a legislação em parceria com outros Poderes: "Essas investigações não são de iniciativa do governo, mas o resultado de um trabalho conjunto da PF, Judiciário e Ministério Público." O ministro acrescentou que "o governo não fica incentivando ou cerceando investigações".


FRASES

Franklin Martins
Ministro da Comunicação Social

"A PF não recebe nem pede licença ao governo para investigar o que tem de investigar"

"O governo não tem elementos para fazer avaliações. Embora essas investigações despertem a atenção do País, o que se pode afirmar, apenas, é que há um processo normal de funcionamento das instituições"
Estadão

7.7.08

O resgate de Ingrid Betancourt

"Somos do Exército. Vocês estão livres"

O resgate de Ingrid Betancourt não foi só uma vitória de Uribe.
Foi uma vitória da civilização sobre a barbárie


Diogo Schelp

John Vizcaino/Reuters
O reencontro de Ingrid com sua mãe, em Bogotá

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Nos seis anos e quatro meses que passou na selva, em poder das Farc, a colombiana Ingrid Betancourt teve tempo de sobra para pensar em como terminaria seu sofrimento. Quando estava otimista, supunha que seria libertada dali a alguns anos, depois de um acordo entre o governo e o narcoterrorismo. Quando era tomada pelo pessimismo, a refém imaginava-se morta por causa dos maus-tratos e da falta de assistência médica. O final foi mais feliz que o sonho mais otimista. Na quarta-feira da semana passada, Ingrid, três americanos e onze soldados e policiais colombianos foram resgatados das mãos do narcoterrorismo sem que fosse disparado um só tiro. "Uma operação perfeita, perfeita", não parava de elogiar Ingrid em suas primeiras declarações numa base aérea em Bogotá. A operação de resgate foi o último de uma série de golpes devastadores sofridos neste ano pelas Farc – e o mais humilhante.

A organização de narcotraficantes foi ludibriada e, ao cair na cilada, expôs seu grau de enfraquecimento moral e militar. Para tornar mais dolorida a derrota, ficou demonstrada a correção da estratégia do presidente Álvaro Uribe de não ceder à chantagem terrorista. As Farc ainda mantêm em cativeiro 23 membros do Exército e da polícia e três dirigentes políticos – os chamados prisioneiros de valor político –, além de 700 cidadãos comuns, seqüestrados apenas pelo valor financeiro do resgate cobrado às famílias. O vasto estoque de vítimas não se compara à carga simbólica de Ingrid Betancourt. Quando foi seqüestrada, durante a campanha eleitoral em 2002, ela era um fenômeno político na Colômbia. Senadora mais votada em 1998, disputava a Presidência por um micropartido chamado Oxigênio Verde, sem chance de sucesso. O seqüestro a tornou uma cause célèbre na França, onde tinha vivido e casado com um francês, o que lhe valeu a cidadania do país. Seus dois filhos, Melanie, 22 anos, e Lorenzo, 19, moram em Paris.

Inaldo Perez/AFP
Os dois terroristas presos durante o resgate e as correntes que eles usavam para prender os reféns. "Cesar", o carcereiro-chefe, é o de camiseta branca


O presidente Nicolas Sarkozy assumiu sua libertação como uma missão pessoal. A França e a família de Ingrid pressionavam Uribe a negociar e ceder aos terroristas. A mãe da seqüestrada, Yolanda Pulecio, que foi miss na juventude, era presença constante em Caracas, onde, ao lado de Hugo Chávez, desancava o presidente colombiano. Hoje, toda a família está publicamente grata a Uribe. Diz bastante a respeito do caráter pernicioso das Farc o fato de os narcoterroristas não terem se preocupado em prestar assistência médica a seu refém mais precioso. Ingrid, que no dia de sua libertação aparentava surpreendente boa forma física, quase sucumbiu a crises renais e de fígado durante o cativeiro. Recuperou-se com a assistência prestada por outro refém, um enfermeiro militar. Libertada, ela descreveu uma rotina de picadas de insetos, banhos apressados sob a pressão de guardas armados, necessidades fisiológicas feitas em buracos, noites de insônia que passou acorrentada pelo pescoço e a brutalidade dos algozes. "Imaginem o que era para mim urinar na frente dos guardas durante a noite, à luz de lanternas", contou Ingrid. "Havia sevícias e muita maldade, coisas que não vou contar em detalhes porque são demasiadamente dolorosas."

Uma operação como a que libertou Ingrid Betancourt exige anos de preparativos em termos de treinamento de pessoal e trabalho de inteligência. Nos últimos anos, as Forças Armadas colombianas têm tido sucesso em infiltrar seus agentes nas fileiras das Farc e também em cooptar terroristas com promessas de anistia e gordas recompensas. O antecedente imediato da operação xeque, como foi chamado o resgate, foi a fuga de um policial, refém das Farc, no ano passado. Ele forneceu detalhes sobre os acampamentos terroristas na selva onde eram mantidos os seqüestrados. O trabalho do serviço de inteligência militar foi favorecido pela precariedade das comunicações entre as várias quadrilhas terroristas que, dispersas pelo território colombiano, compõem as Farc. As comunicações ficaram ainda mais difíceis depois que o governo de Uribe aprimorou a interceptação de telefonemas e de mensagens por rádio e computador enviadas pelo bando facinoroso. As mensagens podem estar registradas em pen drives, mas precisam ser levadas por portadores, como na Idade Média. O que agentes infiltrados fizeram foi enviar, por intermédio desses portadores, uma mensagem falsa que, segundo uma fonte do Exército colombiano contou a VEJA, foi entregue diretamente a Gerardo Aguilar, codinome "Cesar", e a Enrique Gafas, os carcereiros responsáveis por Ingrid. Era uma ordem para que reunissem os reféns e os conduzissem a um determinado ponto na selva, a 330 quilômetros de Bogotá, de onde seriam levados por um helicóptero de uma "organização humanitária" para um encontro com o chefão das Farc, Alfonso Cano.

Em um detalhe que revela a qualidade do serviço de inteligência colombiano, seus agentes descobriram que "Cesar" andava ressentido por receber pouca atenção de seus superiores. Para afagar seu ego, a mensagem assegurava que ele fora escolhido para a missão por ser considerado por Cano um "homem confiável". As dificuldades de comunicação impediam que Cesar ou Gafas pudessem confirmar a mensagem diretamente com o secretariado das Farc. Os seqüestrados tampouco suspeitavam de qualquer armação. Ingrid contou que, na quarta-feira, ela e os outros reféns foram acordados às 5 horas da manhã para ser conduzidos até os helicópteros. "Perguntei ao comandante que nos levava e ele disse que não sabia o que ia acontecer, se nos libertariam ou se apenas nos mudariam de lugar", disse Ingrid.

Mehdi Fedouach/AFP
Ingrid com o filho Lorenzo e o presidente Sarkozy, em Paris: recepção de heroína

Às 13h30 um helicóptero de fabricação russa, pintado de branco e vermelho, pousou na clareira. Ingrid conta que ficou confusa. "De dentro saíram uns personagens surreais, vestindo jalecos e camisetas do Che Guevara e com uma atitude que não combinava com a de membros de organizações humanitárias", relata. Nas últimas semanas, os comandos haviam tido aulas de atuação para simular o jargão dos simpatizantes das Farc. Para não despertar desconfianças, toda a operação foi montada de forma que se parecesse com aquela de janeiro, quando Consuelo González e Clara Rojas foram entregues a uma missão enviada pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Havia até uma falsa equipe da rede de TV chapa-branca de Hugo Chávez, a Telesur. Ingrid pensou, decepcionada: "Esta deve ser mais uma farsa para as Farc nos filmar e distribuir as imagens como prova de vida". Em seguida, os reféns foram algemados para subir no helicóptero. Cesar e Gafas pegaram carona. Logo que o aparelho levantou vôo, os dois terroristas foram convencidos a entregar as pistolas, a pretexto de que aquela era uma missão humanitária. Em seguida, foram dominados. "Quando me dei conta, o comandante que tantas vezes fora cruel e déspota estava no chão, de cueca e olhos vendados", contou Ingrid. O chefe da missão de resgate anunciou, então: "Somos o Exército nacional. Vocês estão livres". Ingrid achou que o helicóptero fosse cair com os pulos de felicidade dados pelos reféns.

Só a birra ideológica pode negar o sucesso de Álvaro Uribe em transformar a Colômbia num país melhor. Com a ajuda dos Estados Unidos, que lá injetaram 5 bilhões de dólares desde o início da década, ele expandiu e treinou as Forças Armadas, investiu em comunicações e serviços de inteligência. O resultado é que as Farc se reduziram a uma sombra do que eram. "A debandada, que antes se concentrava nas fileiras mais baixas, já chegou ao escalão intermediário do grupo", disse a VEJA o cientista político colombiano Nicolás Urrutia, especialista em assuntos militares. Antes do resgate, a popularidade de Uribe estava em extraordinários 84%. Agora, bate em 91%. Ele já mudou a Constituição uma vez para poder ser reeleito presidente. No momento, namora a possibilidade de um terceiro mandato. Apesar de Ingrid já ter se declarado a favor de mantê-lo na Presidência, será melhor se ele resistir à tentação. Uribe fez por merecer o segundo mandato – mas um terceiro o colocaria no patamar de Hugo Chávez, cuja fome de modificar a Constituição para garantir reeleições sucessivas esbarrou na rejeição popular. "O presidente pode escolher entre dois caminhos: perpetuar-se no poder, porque não vai enfrentar opositor, ou terminar seu segundo mandato e entrar para a história como o homem que dobrou as Farc", sintetizou o senador Gustavo Petro, líder da oposição.

As muitas derrotas do narcoterrorismo

Javier Casella-Mindefensa/AFP
Força especial do Exército colombiano: treinamento com ajuda americana

Militar
Os narcoterroristas não são páreo para as unidades de ataque rápido do Exército colombiano. Mais de 10.000 terroristas foram mortos nos últimos cinco anos. Dos sete membros do secretariado, três morreram neste ano

Política
As imagens de reféns acorrentados pelo pescoço provocaram repulsa mundial, fazendo as Farc perder a batalha da propaganda. Até Hugo Chávez se distanciou do grupo

Moral
Quase 12.000 terroristas desertaram desde 2002. Recompensas em dinheiro e anistia oferecidas pelo governo incentivaram os terroristas a entregar ou a assassinar seus chefes

Estratégica
Devido à pressão militar e de inteligência, os contingentes terroristas estão isolados em grotões remotos. A comunicação entre as várias quadrilhas é precária e há falta de mantimentos em todas as frentes