26.12.08

PT foi o único doador de 7 das 10 siglas aliadas

Nove em cada dez reais recebidos por comitês financeiros dos partidos que ajudaram a eleger Luiz Marinho foram bancados pelo PT, aponta levantamento nas prestações de contas disponibilizadas pelo TSE. Sete das dez siglas aliadas tiveram 100% dos recursos doados por Marinho: PSC, PR, PSL, PTB, PHS, PTN e PV.
A campanha do petista é responsável por R$ 5 milhões dos R$ 5,4 milhões (93%) amealhados por comitês criados para abastecer campanhas dos candidatos a vereador, incluindo o comitê do PT. A farta distribuição de recursos alçou Marinho à condição de quinto maior doador geral das eleições, à frente de bancos e empreiteiras, como revelou a Folha.
A análise dos repasses feitos pelos partidos aos candidatos mostra que o bolo foi fatiado em partes quase iguais. À exceção dos seis petistas que se elegeram, poucos receberam quantias distantes da média de R$ 21 mil, para mais ou para menos. Nenhum dos 211 candidatos aliados conquistou vaga na Câmara Municipal.
Já os petistas eleitos -Antonio Carlos da Silva, Francisco Matias Fiuza, José Ferreira de Souza, Luiz Francisco da Silva, Paulo Dias Neves e Sebastião Mateus Batista- ganharam, em média, R$ 43,7 mil. Os recursos patrocinaram, principalmente, impressos -folhetos ou santinhos.
Os repasses a aliados somam 45% dos R$ 11,2 milhões arrecadados por Marinho, cuja campanha foi proporcionalmente a mais cara do país. Do total, R$ 6 milhões vieram dos diretórios Municipal, Estadual e Nacional do PT, e não diretamente dos doadores. Por isso sua origem é desconhecida -aproveitando brecha da lei.
Marinho e Frank Aguiar foram diplomados no dia 19, com os 21 vereadores. Entre os integrantes de seu governo está Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, que deixou o cargo acusado de envolvimento na quebra de sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa. Mattoso ocupará a Secretaria das Finanças.
Mas o maior desafio de Marinho está relacionado diretamente à estratégia utilizada para elegê-lo: com candidatos demais, e apenas seis petistas eleitos vereadores, a oposição a ele é maioria na Câmara. Folha

Luiz Marinho usou "candidatos de aluguel"

Aspirantes a vereador pela coligação do petista admitem ter emprestado nome para ajudar ex-ministro, sem ter intenção de se eleger
Campanha investiu cerca de R$ 5 mi em 242 candidatos de São Bernardo, sendo 211 de dez siglas da aliança; dos aliados, ninguém foi eleito

A supercoligação formada para eleger Luiz Marinho (PT) prefeito de São Bernardo do Campo (SP) contou com candidatos a vereador que, assumidamente, emprestaram seus nomes em benefício da vitória do petista. Teve também injeções financeiras generosas em concorrentes com desempenho pífio, como a contadora Fabiana Campos Ferreira (PSC), que recebeu R$ 30,6 mil do PT e conquistou um voto.
Com a benção-e os recursos- do PT nacional, Marinho investiu cerca de R$ 5 milhões na campanha de 242 candidatos na cidade, sendo 211 de dez partidos da coligação. Das siglas aliadas, nenhum se elegeu.
Postulantes derrotados entrevistados pela Folha disseram ter sido usados como "cabos eleitorais de luxo", candidatos "de aluguel". Outros admitiram ter entrado na disputa apenas para emprestar o prestígio em seus redutos eleitorais à campanha do prefeito.
"Meu objetivo era tirar votos do PSDB e passar para o Luiz Marinho. Não tinha o intuito de me eleger", disse Carlos Alberto Massura (PR), que teve 140 votos.
Apesar de ter recebido um único voto, a contadora Fabiana, 30, segundo sua família, levou a sério a campanha. Dados do Tribunal Superior Eleitoral mostram que ela recebeu oito repasses de seu partido, o PSC, que teve como única fonte de arrecadação doações feitas pela campanha de Luiz Marinho.
Fabiana gastou tudo. Entre os pagamentos feitos com o dinheiro vindo do PT, constam R$ 4.000 para Gabriela Campos Ferreira, sua irmã, que disse ter coordenado a campanha, além de gastos com cabos eleitorais e som. Gabriela afirmou que a irmã não abriu mão da disputa, e lamentou o fracasso nas urnas, pois elas "trabalharam bastante".
Em um segundo contato, negou ter recebido recursos da campanha e disse que há algo errado na prestação de contas no TSE, sem explicar o que está equivocado. Também desconversou ao ser questionada se votou na própria irmã. A reportagem esteve na casa de Fabiana, mas foi informada de que ela estava viajando. A candidata não respondeu aos recados.
Danilo Yudi, também do PSC, recebeu R$ 22 mil provenientes do PT e não teve nenhum voto. Em sua casa -até hoje decorada com uma faixa de Marinho com o presidente Lula e o forrozeiro Frank Aguiar (deputado federal pelo PTB e vice-prefeito eleito)- a informação era de que ele também estava viajando.
Segundo Lena, mulher do candidato, Yudi abandonou a disputa após ter o registro negado pela Justiça Eleitoral, mas continuou a fazer campanha para Marinho: "Ele é petista fanático", disse. Lena afirmou que o marido só se candidatou pelo PSC porque não havia vagas no PT. O TSE informou que a candidatura foi deferida, isto é, estava valendo.
Assim como Fabiana e Yudi, seis candidatos da coligação que receberam em média R$ 21 mil do PT tiveram menos de 50 votos. Além da dedicação exclusiva à campanha majoritária, o desempenho ruim também pode ser atribuído ao inchaço da coligação.

Promessas
Outros derrotados acusam a coligação de descumprir promessas feitas em troca do empenho na campanha de Marinho. "Eu nem queria estar ao lado do PT, mas a proposta era boa e eu até discursei ao lado dele [Luiz Marinho] e do Frank Aguiar. Estou esperando meu comitê e uma perua adesivada até hoje", diz Pedro Cabeleireiro (PDT), que teve 256 votos.
Também é comum entre os candidatos o relato de que eles não pensavam em se candidatar, até receberem propostas tentadoras. Popular no bairro onde trabalha, o barbeiro José Ferreira Cunha contou ter sido procurado por um consultor político da coligação, ainda em 2007. "Ele me convidou [para ser candidato] e mandou escolher entre um monte de letrinhas. Gostei do PTN", disse.
Analfabeto, o barbeiro acabou tendo sua candidatura impugnada. Mas continuou a receber recursos de seu partido (R$ 13 mil no total), oriundos do PT, e a fazer campanha para Marinho: "Eles usaram a gente, hoje não tenho dúvida. Como dez partidos não conseguem eleger uma pessoa?"
Marinheira de primeira viagem (como a maioria dos candidatos da coligação), a dentista Caren Cristina Oliveira, 36, disse que não tinha como bancar a própria campanha. "Fui pelo apoio [prometido]." Ela, que recebeu o material impresso prometido a um mês da eleição, se sentiu usada. "A gente acabou sendo cabo eleitoral de primeira linha. Fui entender isso no final da campanha", afirmou. Ela acredita que a coligação sabia que não tinha chance de eleger ninguém.
Roberto Santana da Silva suspeitou que o convite do PRTB para ser candidato não era sério quando dinheiro e material de campanha começaram a atrasar. Ele diz guardar uma caixa de santinhos que chegou um dia após as eleições. A gota d'água, porém, veio no segundo turno, quando Santana recebeu a "proposta humilhante" de segurar bandeiras para o candidato a prefeito por R$ 20 reais ao dia. O convite, diz ele, foi feito aos 32 candidatos da sigla, todos derrotados. Folha

Denúncia expõe nova guerra por freqüências na telefonia

Uma denúncia anônima ao TCU (Tribunal de Contas da União), sobre suposta conduta irregular da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) na renovação do direito de uso de freqüências, expôs uma nova guerra entre as empresas de telecomunicações, antes restrita aos bastidores.
Em fevereiro próximo, vencem os contratos das principais operadoras de TV paga que usam as freqüências para oferecer acesso à internet e transmitir sua programação por microondas (tecnologia conhecida pela sigla inglesa MMDS). A Anatel, até agora, não se manifestou sobre os pedidos de renovação dos contratos.
O TCU decidiu acompanhar o processo da renovação das outorgas pela Anatel, mas julgou improcedente a suspeita sobre a conduta do órgão regulador da telefonia.
Estão por vencer os contratos das operações de MMDS das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre, que a Telefônica adquiriu do grupo Abril, em outubro de 2006. E, ainda, as da TV Filme de Brasília, Belo Horizonte e Goiânia, e as da Net em Curitiba e Porto Alegre.
Há pelo menos quatro blocos de interesses em jogo: as atuais operadoras de MMDS; as empresas de telefonia celular, que querem que as freqüências sejam desocupadas e mantidas como reserva para atender ao futuro aumento da demanda na telefonia celular; fabricantes internacionais de equipamentos; e segmentos do governo, que defendem a ""democratização" do uso dessas freqüências.
As teles argumentam que as freqüências são subaproveitadas pelas operadoras de MMDS, enquanto vários países europeus as reservaram para a telefonia móvel. Argumentam que Noruega e Suécia já leiloaram as freqüências para o 3G, e Reino Unido, Holanda, Áustria, Portugal e Itália planejam fazer os leilões até 2010.
O MMDS era o "patinho feio" do mercado de televisão por assinatura até meados dos anos 1990, mas virou "cisne" com o surgimento da tecnologia de acesso à internet em banda larga, sem fio, conhecida como Wimax.
Os fabricantes desenvolveram equipamentos nessa tecnologia para a faixa de freqüência (2,5 GHZ) reservada ao MMDS. Com isso, abriu-se um novo horizonte para os detentores das licenças no Brasil: a possibilidade de oferecer TV paga, internet em banda larga e telefonia, na mesma faixa de freqüência.
Tal possibilidade despertou o interesse de grandes grupos. Depois que a Telefônica comprou as empresas do grupo Abril, a Sky fez oferta de compra de 100% das ações da TV Filme, que tem operações em Vitória, Belo Horizonte, Goiânia, Belém, Brasília, Porto Velho, entre outras localidades. O negócio está sob exame da Anatel há sete meses.
José Luiz Frauendorf, diretor da Anatec, entidade que representa as operadoras de MMDS, sustenta que as empresas já teriam assegurado a renovação dos contratos que vencem em fevereiro próximo, porque encaminharam os pedidos de renovação à Anatel com três anos de antecedência, como determina a legislação. Como o órgão regulador não se manifestou, a autorização estaria implícita, diz ele.
Mas, há os que entendem que a Anatel poderia retomar as licenças pois elas são subutilizadas pelas operadoras a cabo. As teles móveis estão nesse grupo.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, há divergência na Anatel e no governo sobre a renovação das outorgas, devido à grande quantidade de freqüências destinadas ao MMDS: 190 megahertz, enquanto um canal de televisão aberto ocupa 6 megahertz. Outro ponto em questão é o preço a ser cobrado para a renovação dos contratos.Folha

24.12.08

Eles não desistem


Na Veja:
Na agenda dos aliados do governo para 2009, está o terceiro mandato para Lula. Se não der, quem sabe uma prorrogação

Há duas semanas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados deu seqüência ao projeto de reforma política, por meio de um parecer que altera o calendário eleitoral a partir de 2010. De acordo com as propostas reunidas nesse parecer, os mandatos dos cargos executivos são estendidos de quatro para cinco anos, acaba a reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos e o voto deixa de ser obrigatório, entre outras modificações (veja o quadro). Parece bom, mas é preciso muito cuidado nessas horas. Reforma política é uma daquelas idéias que, exemplares no papel, correm o risco de se transformar em monstrengos casuísticos na realidade. O bicho-papão mais feio que pode emergir dela é a possibilidade legal de permitir uma terceira eleição consecutiva a Lula ou até mesmo de prorrogar sua permanência no Palácio do Planalto. Esse golpe branco é aventado com mais intensidade sempre que é anunciado um pico de aprovação do presidente. Nessas horas, surgem petistas e aliados do governo que tentam vender gato por lebre. Ou seja, popularidade por legitimidade para esculhambar as instituições. O deputado Carlos Willian de Souza, do PTC de Minas Gerais, disciplinado soldado da tropa de choque oficial, é uma das vozes do casuísmo mais estridentes. Ele anunciou que, em fevereiro próximo, tão logo sejam reabertos os trabalhos legislativos, vai materializar a proposta de re-reeleição de Lula. "Há vários deputados que, apesar de se dizerem contrários em público, no momento propício votarão pela possibilidade de mais um mandato do presidente", anima-se Willian.

São remotas as chances de aprovação em tempo hábil de uma emenda constitucional específica que permita o terceiro mandato para Lula, mas os planos alternativos e silenciosos continuam em andamento. No esboço do primeiro parecer da CCJ, por exemplo, algumas propostas reunidas pelo deputado-mensaleiro João Paulo Cunha, do PT, previam o fim da reeleição para os futuros governantes, mas nada falavam sobre o mandato do atual presidente. O deputado Ronaldo Caiado, do Democratas de Goiás, enxergou uma omissão intencional. "Criava-se o vazio e ponto final. Sem lei autorizando nem proibindo, o presidente poderia ser candidato a um terceiro mandato", explicou o parlamentar, que exigiu a retirada dessas propostas. Os petistas reagiram com veemência. "A oposição está enxergando fantasmas em pleno meio-dia", ironizou o deputado João Paulo Cunha, apoiado pelo também mensaleiro José Genoíno. "A reação deles mostra que a nossa desconfiança fazia sentido", devolveu Caiado.
Andre Dusek/AE

Mensaleiro
João Paulo Cunha acha que a oposição vê fantasmas. Mas que "los hay, los hay"

O fato é que, na ausência de candidatos viáveis à Presidência da República, o petismo e suas adjacências resistem a entregar a rapadura. Além da proposta do deputado Carlos Willian, serão analisadas na Comissão de Constituição e Justiça mais de duas dezenas de emendas tratando da duração de mandatos e data de eleições. Está na combinação de duas propostas já consideradas constitucionais pelos parlamentares o que os petistas chamam de plano B. Em vez de realizar um pleito a cada dois anos, o Brasil teria eleições gerais. Assim, presidente, governadores, prefeitos, deputados federais e estaduais e vereadores seriam escolhidos numa mesma eleição. A malandragem é que os mandatos do presidente, governadores, senadores e deputados acabam em 2010, enquanto os dos prefeitos e vereadores que estão para tomar posse, apenas em 2012. Ou seja: para unificar tudo seria necessário alongar os atuais mandatos dos cargos executivos em mais dois anos. Defensor mais barulhento dessa proposta, o deputado petista Devanir Ribeiro – que no início do ano articulou a realização de um plebiscito sobre o terceiro mandato presidencial – jura que ela nada tem a ver com a permanência de Lula por mais tempo no poder. É claro que não, Devanir... Eles não desistem.

20.12.08

Só faltou "Esteban"

Chefes de estado latino-americanos produziram muitas piadas na Costa do Sauípe e nenhuma proposta de interesse dos seuspovos. Foi uma homenagem a Fidel, o "Comediante en Jefe"
Celso Junior/AE
Surdos que não enxergam
Chávez, Castro, "Doctor Evo" e Lula: concurso de piadas

Líderes de 33 países da América Latina e do Caribe reuniram-se na Costa do Sauípe, na semana passada, para sessões de banhos de mar e relaxamento em que o ponto forte foi um concurso de piadas. Como manda a boa etiqueta, o nível do humor foi ditado pelo anfitrião. O presidente Lula colocou a barra lá em cima. "Gente, por favor. Ninguém tire o sapato porque, aqui, como é muito calor, a gente vai perceber antes de alguém decidir jogá-lo, por causa do chulé", disse o presidente brasileiro, divertindo-se à custa do episódio recente em que George W. Bush, presidente dos Estados Unidos, numa visita a Bagdá, teve de se desviar de um sapato arremessado por um jornalista iraquiano. Na tentativa de manter o nível, Evo Morales, presidente da Bolívia, saiu-se com uma finíssima, ao melhor estilo Austin Powers: "Vamos dar um prazo ao novo governo dos EUA para suspender o bloqueio econômico a Cuba... Se não fizer isso... retiraremos os embaixadores", ameaçou o "Doctor Evo" do altiplano. Em gesto de estadista, diga-se a seu favor que ele nem cogitou acionar a marinha de guerra boliviana, preferindo, por enquanto, exercer apenas pressão diplomática sobre Washington. Evitou, assim, que uma piadinha pudesse dar origem a uma crise militar entre as duas potências.

Pena que não valia piada velha. "Doctor Evo" certamente teria repetido uma que sempre faz enorme sucesso. Ela envolve também os Estados Unidos, mas exige especial domínio de economia para ser entendida: "A queda do preço do petróleo foi um golpe do império contra Hugo Chávez". Falando no venezuelano Chávez, é claro que ele não poderia deixar Lula e Morales dominarem a cena em uma especialidade que, todos sabem, é dele. Não senhor! Bolivariano que se preze não perde concurso de piada. Chávez, então, disparou: "Cuba é a essência do coração e da dignidade dos povos da América Latina e do Caribe...". A piada só tem efeito cômico, claro, quando se esquece que a atual dupla de anciãos ditadores, Fidel e Raúl Castro, há meio século no poder, matou quase 100 000 cubanos – sem falar nos mortos de fome, de raiva e de tédio. Mas a platéia na Costa do Sauípe era bem selecionada, entendeu o espírito da coisa e Chávez saiu se até bem. Uma pena que só os ditadores cubanos e seus cupinchas podem sair da ilha. Se as pessoas comuns do povo cubano pudessem viajar, mais gente saberia que Fidel era chamado de "Comediante en Jefe". Mais gente saberia por que o apelido predileto dos cubanos para Fidel é "Esteban"... Nenhum cubano vai se arriscar a vir ao Brasil para ser preso pela polícia petista e repatriado, como aqueles pobres pugilistas dos Jogos Pan-Americanos, então nós contamos: "Esteban" é a abreviatura de "este bandido...!".

Mas isso é piada de povo... Voltemos aos profissionais. Com a liderança ameaçada por Evo Morales e Chávez, Lula deu sua cartada final. Referindo-se à América Latina, o presidente brasileiro disse: "Éramos um continente de surdos, que não nos enxergávamos". Não tem graça? Leia de novo. É uma variante bem mais inteligente, sutil e burilada da piada clássica do Napoleão de hospício que se dependura no lustre e se recusa a descer para não deixar o quarto às escuras. Foi nesse momento que Rafael Correa, presidente do Equador, vislumbrou uma oportunidade. Correa escolheu como tema o calote que deu no Brasil e atacou: "Foi um problema comercial e econômico lamentavelmente transformado em problema diplomático". Em outro ambiente, teria levado uma sapatada... Mas a Bahia não é Bagdá, Correa não é Bush e todo mundo estava ali mesmo é para relaxar e se divertir. Parecia que o encontro caminharia para seu fim sem um vencedor inconteste. Não contavam com a astúcia de Chávez. Sua piada vencedora era algo reciclada, mas levou a platéia ao delírio: "O socialismo não está morto. Está mais vivo do que nunca. O que está morto é o capitalismo". Alguém jura ter ouvido de um concorrente inconformado com a derrota um lamento inaudível: "Vai sifu...!".

O guardião dos grampos

Agente da Abin confirma que ouviu gravações de conversas de jornalistas e que entregou os arquivos de áudio a seu chefe, o delegado Paulo Lacerda


Expedito Filho

José Cruz/ABR

NA ESCUTA
Seltz não esclareceu se as conversas de jornalistas foram gravadas de maneira legal. Suspeita-se que não


Há três meses, a Polícia Federal e o Ministério Público averiguam a participação clandestina da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na operação que investigou o banqueiro Daniel Dantas. Já existe consenso entre as duas instituições de que a ação dos espiões oficiais foi ilegal. O que as autoridades não sabem ainda com precisão é a dimensão das irregularidades. Na semana passada, o agente Márcio Seltz, um dos mais de oitenta arapongas envolvidos na operação secreta, enviou uma carta à CPI dos Grampos para retificar uma declaração em seu depoimento. Ele afirmou que, ao contrário do que dissera, manipulou grampos telefônicos de jornalistas e que os áudios das gravações foram repassados ao então diretor da Abin, delegado Paulo Lacerda. O agente não esclarece a maneira como foram obtidas as interceptações das conversas dos jornalistas – se por meios legais ou não. Apenas recebeu o material, analisou-o e o entregou ao chefe.

O ex-diretor da Abin foi afastado depois que se descobriu a atuação clandestina de seus espiões, que grampearam ilegalmente os telefones de políticos, jornalistas e autoridades, entre as quais o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. Indagado a respeito na CPI, Paulo Lacerda mentiu ao Congresso. Disse que a atuação de seu pessoal se limitou a uns poucos arapongas, acionados informalmente apenas para checar endereços, e que ele nem sequer sabia dos detalhes da operação. O depoimento do agente Seltz mostra que Lacerda, além de acompanhar tudo, era o guardião do material produzido. O que será que o ex-chefe do serviço de espionagem do governo faz com os arquivos de áudio que recebe?

J. Edgar Hoover, o lendário ex-diretor do FBI, a polícia federal americana, tinha um imenso arquivo de gravações telefônicas ilegais que usava para chantagear adversários do governo. Seus biógrafos escreveram que ele fazia tudo com o consentimento da Presidência da República. Hoover ficou 48 anos e oito presidentes no cargo. No Brasil, Paulo Lacerda, que comandou a Polícia Federal até o ano passado, deixando uma folha de excelentes serviços prestados ao governo, foi afastado temporariamente da Abin pelo presidente Lula, mas já contou a amigos que voltará ao cargo no fim das investigações. Não se sabe a origem de tamanha convicção. Sobre os grampos entregues pelo agente Márcio Seltz, Lacerda reafirmou que desconhece o assunto. Ele nunca viu, ouviu ou guardou gravação alguma.

Beto Barata/AE

CADÊ O ÁUDIO?
Lacerda desmente o antigo subordinado
e garante que não recebeu arquivos de
grampos de jornalistas

19.12.08

EUA cobram soltura de dissidentes cubanos

EUA cobram soltura de dissidentes cubanos; pedido é reação a proposta de Raúl

Os Estados Unidos aconselharam Cuba a libertar "imediatamente" os dissidentes políticos presos na ilha, sem fazer exigência alguma, em referência à permuta que o presidente cubano, Raúl Castro, propôs hoje em Brasília, onde disse que trocaria os presos de consciência do país pelos cinco agentes de seu Governo mantidos em centros de detenção americanos.

"Há muito tempo pedimos a Cuba que liberte os presos políticos, e agora recomendamos que isso seja feito imediatamente", disse à Agência Efe Heidi Bronke, porta-voz do escritório para a América Latina do Departamento de Estado americano.

Para a Casa Branca, a libertação dos dissidentes cubanos não deve estar condicionada à dos cinco agentes do serviço secreto de Cuba, já que, segundo Bronke, os presos políticos são "retidos contra sua vontade por se expressarem livremente", ao passo que os espiões da ilha caribenha "foram julgados e condenados" pela Justiça.

Nesta quinta-feira, em Brasília, Raúl disse que estaria disposto a trocar os dissidentes presos na ilha pelos chamados "cinco heróis", como são conhecidos em Cuba os cinco agentes do Governo que se encontram detidos em solo americano.

"Se (os EUA) querem os dissidentes, os mandamos amanhã, com família e tudo. Mas que devolvam nossos cinco heróis", declarou o presidente, referindo-se a Gerardo Hernández, René González, Antonio Guerrero, Ramón Labañino e Fernando González, detidos no estado da Flórida em 12 de setembro de 1998.

Os cinco cubanos, julgados por um tribunal federal de Miami, foram declarados culpados por atentarem contra a segurança dos EUA e condenados a penas que vão de 15 anos de reclusão à prisão perpétua.

Cuba já admitiu que os chamados "cinco heróis" eram agentes do Governo, mas sempre alegou que eles atuavam para impedir atos terroristas contra a ilha e que nunca representaram uma ameaça para a segurança dos EUA.

Depois que um tribunal de apelações de Atlanta rejeitou os recursos apresentados contra as penas impostas aos "cinco heróis", em setembro deste ano as autoridades cubanas anunciaram que pretendem recorrer das sentenças na Suprema Corte americana.

18.12.08

Concurso do Ipea

Concurso do Ipea faz ataque a neoliberalismo e globalização

Prova atual prioriza questões ideológicas e defende ações do governo Lula
Instituto deixa de lado conhecimento de economia aplicada e quer contratar economistas alinhados a teses controversas


Com a intenção declarada de "elaborar um plano de desenvolvimento de longo prazo para o Brasil", o Ipea, vinculado desde o ano passado à Presidência da República, promove um concurso público que destaca programas do PT, reduz exigências de conhecimentos de economia e cobra dos candidatos a pesquisadores alinhamento a teses contra o "neoliberalismo" e a globalização.
Motivo de controvérsia desde o edital, em setembro, o processo seletivo é o maior da história do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -e, a partir de critérios introduzidos por seu presidente, Marcio Pochmann, quer contratar profissionais de perfis bem distantes do que indica o nome do órgão.
As primeiras provas, domingo passado, mostraram que o instituto não pretende apenas exigir o conhecimento de temas e autores pouco ligados à formação tradicional de um economista, como a obra de pensadores referenciais para a esquerda nacional. Demanda-se também concordância com afirmações que alimentam polêmicas político-ideológicas.
"O termo neoliberalismo designa uma corrente de organização de atividade econômica que capciosamente ecoa um movimento histórico com o qual em realidade e na prática não compartilha fundamentos e princípios", é uma das afirmações propostas aos candidatos, que devem assinalar "certo" ou "errado" -e o gabarito recém-divulgado indica "certo".
A questão está incluída na prova de conhecimentos específicos para pesquisadores na área de "estruturas tecnológica, produtiva e regional", que, aparentemente, exige dos especialistas familiaridade com a obra do sociólogo Francisco de Oliveira, que no governo Lula trocou o PT, do qual foi um dos fundadores, pelo PSOL.
Na prova, 6 das 69 afirmações propostas estão abrigadas em textos sobre Oliveira, incluindo: "A especulação financeira vislumbra como luz no fim do túnel o brilho do tesouro nacional" -considerada correta pelo gabarito, mas não atribuída ao sociólogo.
A variedade de especializações possíveis é uma das inovações do concurso, que pretende selecionar 62 pesquisadores, com salário inicial de R$ 10,9 mil, em sete áreas. No concurso anterior, de 2004, os 22 aprovados passaram por uma mesma prova, concentrada em conhecimentos de teoria econômica, matemática e estatística.
Aos candidatos a pesquisador na área de "infra-estruturas e logísticas de base" foi apresentado um texto sobre o Projeto Moradia, iniciativa do Instituto Cidadania, ONG historicamente ligada ao PT e ao presidente Lula. Mais adiante, faz-se referência ao programa Luz Para Todos, do governo petista, como contraponto virtuoso a políticas do passado.
Questões ligadas aos embates políticos e ideológicos permeiam todas as provas, nos textos introdutórios e nas questões -há desde a defesa das políticas sociais até críticas à mídia e ao Judiciário.
Em nota, o Ipea diz que as críticas à prova são naturais. "Os concursos do instituto acabam sempre muito discutidos e comentados interna e externamente, pela dificuldade de suas provas e importância do Ipea para o Estado e a sociedade. (...) A discussão principal hoje é que o Ipea tem como missão ajudar a elaborar um plano de desenvolvimento de longo prazo ao Brasil e quer trazer os melhores dos melhores." Folha

17.12.08

Frustração em bloco

Fracasso na eliminação de anomalia tarifária no Mercosul é um dos custos do excesso de ambição na estratégia da associação

O MINISTRO das Relações Exteriores, Celso Amorim, declarou-se frustrado com o impasse que postergou a retirada de uma importante distorção no Mercosul. Fracassou anteontem, na reunião de líderes latino-americanos na Bahia, a tentativa de eliminar a chamada dupla incidência da Tarifa Externa Comum no bloco sul-americano.
A TEC é o imposto de importação que deveria ser aplicado em regime único pelos integrantes do bloco. Nesse conceito, não faz diferença se uma mercadoria desembarca em Santos, Buenos Aires ou Assunção: será gravada da mesma maneira, com base numa tabela que varia de 0 a 20%, de acordo com a classe do produto.
Na prática o sistema funciona mal. Além de comportar diversas exceções, o regime da TEC permite que um mesmo produto seja taxado duas vezes no interior do bloco. Um bem que desembarca no Rio, por exemplo, e é vendido para uma empresa em Montevidéu paga o imposto no Brasil e, depois, no Uruguai.
A dupla tributação é um contra-senso para um bloco que pretende comportar-se como um só país, para efeitos de comércio exterior -a chamada união aduaneira. O fim da distorção tarifária foi decidido em 2004, mas, por imposição do Paraguai, que teme perder receitas, não foi implementada até hoje.
A incidência anômala da TEC tem sido invocada pelos europeus para retardar um acordo de livre comércio com o Mercosul. A dupla tributação onera de fato os produtos importados. Inibiria, assim, a demanda por mercadorias européias no âmbito de um acordo comercial.
Já se questionou, nesta página, a aposta do Mercosul num plano de vôo ambicioso demais, que tenta cumprir em poucos anos um percurso que na Europa, com economias mais harmônicas que as do Cone Sul, consumiu várias décadas. O impasse acerca da dupla incidência da TEC é um caso concreto da incompatibilidade entre ambição e realidade.
Não faz sentido que um pequeno país, como o Paraguai, seja capaz de atravancar um acordo comercial que é do interesse do Brasil -e que o faça, eis a suprema ironia, em nome da preservação de anomalias contrárias ao projeto da união aduaneira.
O Mercosul precisa permitir a seus integrantes mais flexibilidade nos acordos internacionais. As dificuldades com a TEC já deveriam ter levado os governantes da região a uma revisão dos objetivos da associação. Ela precisaria se dedicar, durante anos, a reformar as instituições que a transformaram numa área de livre comércio -em que os países não cobram tarifa nas transações intrabloco- ainda defeituosa. A união aduaneira pode esperar. Folha

Latinos racham entre símbolos Alca e Alba

Em cúpula de América Latina e Caribe na Bahia, mandatários expõem divergências sobre modelo de integração regional

Grupo à esquerda defende união voltada para dentro, alijando os EUA; chefes de governo à direita acham que região não deve se fechar


Coube, surpreendentemente, a Bharrat Jagdeo, presidente da pequena e periférica Guiana, explicitar a divisão entre os países de América Latina e Caribe, escondida em meio à cautelosa retórica latino-americanista e integracionista.
Falando pela manhã, logo após o discurso do equatoriano Rafael Correa, Jagdeo cobrou de seus pares (representantes de 33 países do subcontinente) que se definam em relação ao próximo grande evento regional, a Cúpula das Américas, marcada para abril em Trinidad e Tobago.
"Vocês querem que a Cúpula das Américas tenha êxito ou querem uma alternativa [que ele próprio lembrou ser a Alba, Aliança Boliviariana para as Américas, bloco idealizado pelo venezuelano Hugo Chávez]?".
O processo de Cúpula das Américas foi inventado pelos Estados Unidos, ainda no governo Bill Clinton, e a cereja do bolo nessa iniciativa seria a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que, no entanto, não conseguiu sair do lugar, acima de tudo por divergências entre os Estados Unidos e o Brasil, que são os dois grandes pólos das Américas.
De certa forma, portanto, Jagdeo coloca América Latina e Caribe entre a Alca e a Alba, se tomadas como símbolos de pólos ideológicos opostos.
O equatoriano Correa, sem mencionar Alca ou Alba, havia defendido uma integração voltada para dentro.
Sugeriu até uma "nova arquitetura regional" em contraposição ao bordão "nova arquitetura financeira internacional", que se discute também desde o governo Clinton e foi ressuscitada agora, com a crise global.
Ou seja, é basicamente o mesmo dilema: todos os 33 líderes latino-americanos e caribenhos são a favor da integração regional, mas a ala esquerda (Correa, o venezuelano Hugo Chávez, o boliviano Evo Morales e o nicaraguense Daniel Ortega) a quer voltada para dentro.
Jagdeo contrapõe com uma frase que é óbvia, mas necessária nesse contexto: "Somos parte do mundo. Temos que discutir a arquitetura financeira global, em vez de apenas regional".
Não se pense que se trata de uma visão restrita ao presidente de um país pequeno de menos de 900 mil habitantes e jamais chamado à mesa dos grandes debates. Como Jagdeo pensam, por exemplo, o colombiano Álvaro Uribe, o peruano Alan García e o mexicano Felipe Calderón.
Os dois primeiros não compareceram às cúpulas na Bahia. Uribe alegou a necessidade de atender às vítimas das inundações do rio Magdalena, o principal do país (desculpa avalizada por Chávez, às vezes crítico feroz, às vezes amigo de infância de Uribe). Alan García usou a desculpa de praxe (outros compromissos).
Mas Calderón, sem se referir especificamente ao dilema da região, afirmou claramente: "A saída [para a crise financeira global] não é cerrar as fronteiras nem a nível regional nem global".
As propostas de Correa foram na direção oposta: sugeriu reforçar o incipiente Banco do Sul; criar um Fundo de Reservas do Sul, "que sirva de respaldo para uma eventual crise de balanço de pagamentos"; e mecanismos de compensação no comércio regional (na prática, deixaríamos de usar o dólar, o que aliás está sendo feito de maneira incipiente no comércio Brasil/Argentina).
Correa, no entanto, não mencionou o fato de que seu país dolarizou a economia e que ele, apesar de seu discurso "bolivariano", não tem planos de desdolarização.
Calderón, sempre sem mencionar situações específicas, não deixou de alfinetar a recém-decretada moratória de parte da dívida equatoriana. Cobrou reforçar a "segurança jurídica, que criaria um ambiente propício aos investidores", ainda mais em um momento em que os investimentos externos escasseiam.
"Segurança jurídica" é um bordão geralmente usado em lugar de "respeito aos contratos", respeito que Correa rompeu, ao declarar a moratória.

Brasil
Nesse tiroteio indireto -e até elegante-, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fica no meio, espremido entre uma retórica latino-americanista e uma prática de política econômica aplaudida pelos países ricos.
No seu próprio discurso, Lula se disse disposto a "dobrar a aposta no nosso bloco" (no caso o Mercosul).
Mas, ao contrário de Correa, que prioriza a "arquitetura financeira regional", o Brasil participa, por meio do G20, da discussão sobre a arquitetura financeira global (ao lado de México e Argentina, entre os países latino-americanos; não há caribenhos no G20).
Em meio às diferentes visões sobre o processo de integração, sobram retórica romântica e afirmações grandiloqüentes.
De Chávez, por exemplo: "Estamos começando um caminho, um caminho que se perdeu há muito tempo, o caminho de Bolívar, San Martín, O'Higgins [heróis da independência de países andinos, Argentina e Chile, respectivamente], de nossos fundadores de pátria" .
Ainda de Chávez: "O importante é que estamos juntos aqui sem o apadrinhamento do império [os EUA]".
Raúl Castro, o presidente cubano, falou em "Nuestra América", o paraguaio Fernando Lugo em "Pátria Grande" (latino-americana e caribenha).
Já o chileno José Miguel Insulza, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, a instituição que reúne todos esses países (menos Cuba) mais Canadá e Estados Unidos, põe um pouco de realismo:
"Não se pode confundir uma instituição, como a OEA, com uma conferência como esta", disse à Folha.

Mais um happening latino

Editorial do Estadão

O governo brasileiro escolheu um belo cenário, a Costa do Sauípe, na Bahia, para celebrar mais um fracasso de sua diplomacia terceiro-mundista e para oferecer ao mundo um novo espetáculo da mais pura latinoamericanidad. A grande festa resultou da combinação de duas conferências de cúpula, uma de presidentes do Mercosul, ontem, outra de chefes de governo da América Latina e do Caribe, que começa hoje. O fracasso da primeira foi confessado pelo chanceler Celso Amorim, quando mencionou, num discurso, duas frustrações da presidência brasileira do Mercosul - com grande prejuízo para os projetos de integração global do bloco. Dois dos objetivos principais do governo brasileiro não foram atingidos. Não se eliminou a cobrança dupla da Tarifa Externa Comum (TEC), quando um produto é importado de fora do bloco e revendido a um sócio, nem se instituiu o Código Aduaneiro. O governo paraguaio vetou as duas inovações. Com o fim da cobrança dupla, o Tesouro do Paraguai perderia dinheiro. Para compensar a perda, foi proposta uma redistribuição da receita aduaneira, mas também essa idéia foi rejeitada.

Toda união aduaneira tem uma TEC - a tributação aplicada pelos sócios aos produtos originários de fora da área. Não tem sentido aplicar essa tarifa no comércio entre os parceiros, mas, no Mercosul, essa tem sido a regra. Essa perversão - uma das muitas desse estranho bloco sul-americano - é um dos obstáculos a um acordo de livre-comércio com a União Européia, como lembrou a seus colegas o ministro Amorim.

Nem tudo, no entanto, acabou em divergência. Houve alguns acordos, sempre com maiores encargos para o Brasil. O governo brasileiro se dispôs a dobrar sua contribuição para o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul. Essa contribuição, R$ 70 milhões, já representa 70% do valor arrecadado. Brasília também propôs a criação de um Fundo de Garantia para Pequenas e Médias Empresas, destinado a companhias envolvidas em projetos de integração. A maior parte do dinheiro sairá do Brasil.

Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ajudar a Bolívia a escoar sua produção têxtil. Como o governo boliviano expulsou a Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA) e rompeu a cooperação bilateral no combate ao tráfico, as autoridades americanas suspenderam as preferências comerciais concedidas aos produtos da Bolívia. O governo brasileiro decidiu propor aos sócios do Mercosul uma ação entre amigos: relaxar o sistema de regras de origem para facilitar o ingresso de têxteis e confecções exportados pela Bolívia. O presidente Evo Morales toma suas decisões de política externa e os outros pagam pelas conseqüências. Os outros, no caso, são a indústria brasileira e seus trabalhadores.

Evo Morales, naturalmente, aproveitou a reunião na Bahia para reclamar da injustiça do governo americano. O mundo anda cheio de injustiças, segundo os governantes da América Latina. Vários deles, incluídos o próprio Morales e seus colegas venezuelano, equatoriano e paraguaio, anunciaram há pouco tempo a intenção de rever suas dívidas externas. O Brasil, já escolhido como alvo do calote pelo presidente Rafael Correa, do Equador, está na mira de todos, mas o assunto, até ontem, não havia entrado explicitamente na agenda.

Hoje prossegue o festival na Cúpula América do Sul-Caribe. Haverá, como de costume, longas declarações sobre como integrar a região para promover o desenvolvimento, combater a pobreza e enfrentar as grandes potências. Uma das novidades nesse happening de senhores maduros e um tanto apegados à retórica dos anos 50 é a presença do presidente Raúl Castro, herdeiro do governo cubano.

Mas a novidade maior, segundo o chanceler Celso Amorim, é a celebração de um encontro de cúpula "sem a presença de poderes externos". É uma provocação gratuita aos Estados Unidos, à Espanha e a Portugal, que um diplomata hábil não faria. Foram necessários, de acordo com o ministro, 200 anos para isso, desde a vitória dos primeiros movimentos de independência na América Latina e no Caribe.

Certamente, se não se esperasse 200 anos para promover essa reunião, os EUA não tentariam impedi-la. Consultado sobre o assunto, o encarregado da América Latina no Departamento de Estado, Thomas Shannon, não se mostrou muito triste. O governo americano, respondeu, não pediu para ser convidado.

15.12.08

Oi-BrT não tem restrições para venda a estrangeiros

Nem decreto de Lula nem acordo de acionistas impedem negociação com grupos do exterior

Governo promoveu mudança na lei para permitir criação de nova tele com o argumento de que quer formar um grupo nacional mais forte no setor


Nada impede que a nova tele nacional, chancelada pelo Palácio do Planalto com a injeção de R$ 6,87 bilhões de dinheiro público e uma mudança sob encomenda da legislação do setor de telefonia, seja vendida para o capital estrangeiro logo após sua formação.
Não há no decreto presidencial que permitiu a compra da Brasil Telecom pela Oi nem nos acordos de acionistas vedação a um grupo estrangeiro de fora da telefonia fixa do país a adquirir a gigante.
A única proteção contra uma transação como essa seria promover uma reestatização branca da nova empresa por meio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e dos fundos de pensão estatais, com base no direito de preferência estabelecido no acordo de acionistas da Telemar Participações, que controlará a nova tele.
Ainda assim, o governo teria somente 45 dias para confirmar o interesse em cobrir a oferta e levantar o dinheiro necessário para aquisição -ou seja, mais bilhões de reais em recursos públicos. Do contrário, os dois sócios controladores, os grupos Andrade Gutierrez e La Fonte, estariam livres para vender a nova companhia.
O ministro Hélio Costa (Comunicações) chegou a defender publicamente, em 2007, que o governo tivesse uma "golden share": uma classe especial de ação que dá poderes de veto ao detentor em certas circunstâncias, como a que o governo tem na Vale. Para barrar a transferência do controle da mineradora para o capital estrangeiro, basta o governo dizer "não", ou seja, inexiste a necessidade de cobrir eventual oferta de um terceiro interessado na empresa.
Mas os empresários Sérgio Andrade e Carlos Jereissati, respectivamente, os donos da Andrade Gutierrez e da La Fonte, não aceitaram essa condição e conseguiram eliminá-la da redação final do acordo de acionistas.
Amanhã, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) deve confirmar a autorização formal ao negócio.
O BNDES e os fundos terão maior participação em questões estratégicas da controladora da nova tele do que tinham antes do novo acordo de acionistas, como poder de veto em casos de emissões de ações que ponham em risco o controle da empresa, fusões, aquisições e gastos vultosos da controladora e das controladas relevantes.
Mas o próprio banco estatal reconhece que o controle da tele pode ser transferido para uma multinacional.
"Além do direito de preferência e do poder de veto acima referidos, ainda que venha a ocorrer a venda de participações acionárias ou a entrada de empresa estrangeira no bloco de controle da Telemar, obrigatoriamente seria necessária, nos termos do acordo de acionistas, a adesão do novo sócio a esse instrumento, o que o vinculará às regras de governança da companhia, que prevêem o exercício compartilhado do controle com a BNDESPar [braço de participações do banco] e os fundos de pensão", informou o BNDES, em resposta a perguntas encaminhadas pela Folha.
Mais: a palavra final no comando da companhia será sempre dos sócios privados, que têm direito a indicar a maioria dos conselheiros e prevalência na escolha do presidente e da maior parte dos diretores da controladora e das controladas.

Lei sob medida
Os acionistas da Oi e da BrT assinaram os acordos que selaram a venda da segunda empresa para a primeira (no dia 25 de abril) sete meses antes de o governo mudar a legislação sob medida para que a operação pudesse ser sacramentada.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva regulamentou as alterações no Plano Geral de Outorgas no dia 20 do mês passado. Antes do ajuste no PGO, uma empresa só podia ter uma concessionária por região -ou seja, a Oi, operadora da região 1 (RJ, MG, ES, mais Região Nordeste e os Estados de PA, AP, AM e RR), não poderia comprar a BrT -região 2 (Centro-Oeste, mais RS, SC, PR e TO, RO e AC).
Para justificar a alteração do PGO, Lula dizia que a transação só seria realizada se houvesse "travas" que impedissem a venda da nova tele para o capital estrangeiro. O presidente teria recebido estudos mostrando que os preços praticados pelas multinacionais em outros países, principalmente a mexicana Telmex, estão muito acima das tarifas do Brasil.
No PGO, o governo incluiu uma limitação quanto ao número de regiões em que uma concessionária pode operar. Para permitir a compra da BrT pela Oi, o governo autorizou uma mesma companhia a deter concessionárias em até duas das quatros regiões em que o sistema de telefonia fixa do país foi subdividido.
Assim, as novas regras não permitiriam hoje que a Telmex, controladora da região 4 (cobertura nacional de longa distância), ou que a espanhola Telefónica (região 3, Estado de São Paulo) comprassem a nova tele, pois isso significaria deter três regiões -a menos que se desfizessem de suas atuais concessões. No caso da Telefónica isso seria muito improvável, pois o Estado de São Paulo é o mais rentável da telefonia brasileira.
Para outros grupos estrangeiros, contudo, não há restrições. Das 10 maiores companhias de telefonia do mundo (excluídas as duas estatais chinesas), 7 não operam no Brasil. A esse número podem ser acrescidas Portugal Telecom e Telecom Italia, que não atuam em telefonia fixa no país, portanto também estão fora do enquadramento do PGO.
Os grupos La Fonte e Andrade Gutierrez tiveram uma vitória importante também no tempo de exercício do direito de preferência inicialmente pretendido pelo governo. O BNDES queria um ano, o que lhes permitiria com mais folga tentar negociar novos sócios privados nacionais para substituir os atuais ou levantar os recursos necessários para cobrir uma eventual oferta.
Mas Sérgio Andrade e Carlos Jereissati impuseram 45 dias -30 para a formalização do interesse na aquisição e mais 15 dias para o exercício efetivo do direito de compra, ou seja, a reestatização branca. Se o prazo não for cumprido, o que não é improvável em um ambiente de crise global de liquidez, La Fonte e Andrade Gutierrez ficam desimpedidas para vender a empresa.

Muito dinheiro
O apoio do governo para a criação da nova tele ocorreu em duas etapas. Na primeira, o BNDES financiou a Andrade Gutierrez e a La Fonte para que aumentassem seu capital na Telemar Participações de modo a deter isoladamente o controle da companhia. Os dois sócios privados tinham 10,275% cada um e passaram a contar com 19,34% individualmente. O restante da participação (11,50%) para garantir o controle (50,18%) da empresa ficou com a Fass (Fundação Atlântico), o fundo de pensão dos funcionários da Oi, cujo comando é indicado pelos controladores da Telemar Participações, ou seja, Andrade Gutierrez e La Fonte.
O BNDES subscreveu R$ 1,239 bilhão de ações preferenciais (sem direito a voto) da Telemar Participações, além da compra de R$ 1,33 bilhão em debêntures da Andrade Gutierrez e da La Fonte, o que permitiu às duas empresas comprar a participação de outros acionistas do bloco de controle. O segundo passo foi o empréstimo concedido pelo Banco do Brasil de R$ 4,3 bilhões para a Oi comprar a BrT.
A aquisição direta da Brasil Telecom sairá por aproximadamente R$ 5,86 bilhões. A transação, no entanto, pode ultrapassar R$ 12 bilhões. Além do dinheiro empregado para a compra do controle da companhia, deverão ser necessários mais R$ 3,5 bilhões para as ofertas aos demais donos de ações ordinárias, conforme determina a lei, e mais R$ 3 bilhões para comprar papéis preferenciais no mercado. Folha

12.12.08

Senado 'ressuscita' MP da filantropia

Produzido às pressas para substituir a MP da Filantropia, que anistiava entidades beneficentes suspeitas de irregularidades, o projeto de lei apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) já cria novo foco de problemas. A proposta recebeu 64 emendas, que reproduzem vícios da medida provisória editada pelo Palácio do Planalto e rejeitada pelo Senado.

O senador Gim Argello (PTB-DF), por exemplo, quer retirar do texto o dispositivo que exige das candidatas ao título de filantropia as certidões capazes de mostrar que estão em dia com suas obrigações tributárias e trabalhistas. Se a emenda for aprovada, elas não terão de mostrar certidões negativas da Receita Federal, da dívida ativa da União, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ou as que são emitidas pelo Cadastro Informativo de Créditos Não-Quitados do Setor Público Federal (Cadin).

A alegação do senador é que esse inciso é "limitador do direito constitucional à isenção". Ou seja, na prática, Argello amplia a anistia prevista pela medida provisória rejeitada.

Outra emenda que vai na linha da isenção foi apresentada pela senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), que propôs o "cancelamento das multas e juros aplicados sobre débitos fiscais parcelados em programas do governo federal das instituições sem fins lucrativos". A senadora argumenta que essas entidades "prestam inestimáveis serviços ao Estado brasileiro, assumindo atribuições e encargos que seriam dos poderes constituídos e que nem sempre são supridos por estes".

Uma das emendas do senador Francisco Dornelles (PP-RJ) especifica que as entidades beneficentes poderão requerer que o pagamento das contribuições previdenciárias seja efetuado alternativamente mediante concessão de bolsas de estudos postas à disposição do Ministério de Educação. É também de Dornelles a emenda que pega carona no projeto para favorecer os partidos políticos, ao dispor que eles só perderão a imunidade tributária após trânsito em julgado de decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O prazo para apresentação de emendas ao projeto terminou ontem. A expectativa do líder do governo e autor do projeto é votá-lo na quarta-feira na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e na de Assuntos Sociais (CAS), nesta em decisão terminativa. O relator na CAS será o senador Flávio Arns (PT-PR), conhecedor da área de filantropia e um dos opositores da MP editada pelo Planalto. Estadão

Após decisão do STF, índios mudam de comportamento

Os índios já começaram a mudar seu comportamento na área da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Na quarta-feira, eles dançaram e deram muitas entrevistas aos jornalistas que foram até Roraima para acompanhá-los durante o julgamento, no STF, da demarcação daquele território. Ontem, porém, não quiseram falar e chegaram a utilizar a Polícia Federal para afastar os jornalistas da Vila Surumu, onde ficaram três dias concentrados por causa do julgamento.

No início a tarde, quando a reportagem do Estado visitou a vila, como havia feito no dia anterior, foi recebida por um representante da Fundação Nacional do Índio (Funai) que avisou logo: os líderes indígenas estavam descontentes com a cobertura dada pela mídia ao julgamento no STF e não pretendiam falar. O repórter insistiu para conversar com o líder do grupo. Minutos depois ele apareceu e disse que ninguém iria falar, porque tudo já havia sido dito e os índios já estavam de partida para outros locais.

Quando o repórter já saía, foi chamado por uma moradora, que é contrária à demarcação, com quem começou a falar. A conversa não durou nem dois minutos: a mando do representante da Funai, um grupo de cinco policiais federais cercou o repórter, dizendo que deveria deixar a área imediatamente.

A reportagem do Estado não foi a única a ter a entrada vetada. Um pouco antes, uma equipe da TV Record também foi impedida de entrar. Para grupos críticos à demarcação, essa atitude é um prenúncio do controle que os índios pretendem estabelecer na área da reserva - o que pode causar transtornos, uma vez que boa parte dos habitantes da região mantém relações com indígenas que vivem na área demarcada.

COLHEITA

Apesar da mudança de atitude dos índios, o clima na região era de tranqüilidade. O Estado visitou a Fazenda Depósito, do arrozeiro Paulo César Quartiero, que havia prometido resistir a qualquer tentativa de invasão dos índios. O trabalho prosseguia normalmente, com preparativos para a colheita de arroz, que começa dentro de uma semana.

Do lado de fora, os índios retornavam tranqüilamente para suas aldeias. O esquema montado pela Polícia Federal e pela Força de Segurança Nacional, com quase 300 homens, para conter confrontos entre arrozeiros e índios foi completamente desmobilizado. As ambulâncias que haviam sido levadas até as imediações da Vila Surumu, para atender possíveis feridos, foram recolhidas.

A sensação por toda parte é de que arrozeiros e índios apregoaram a existência de um clima de violência muito maior do que se via na prática. Embora Quartiero tenha dito que um grupo de índios estava acampado ao lado da cerca de sua fazenda, com intenção de invandi-la, e que seus homens tinham ordens para resistir, o tal acampamento não chegou a se formar.

Não foram só os índios da Vila Surumu que demonstraram desinteresse pelo trabalho da imprensa. Na Funai, que só permitia a entrada de jornalistas na terra indígena após obterem autorizações assinadas por seus representantes locais, o descaso era visível. Alguns jornalistas chegaram a esperar dois dias para receber a autorização.Estadão

11.12.08

Brasil assumiu dívida de US$ 2,067 bi de Itaipu

O último perdão que o Brasil concedeu ao Paraguai — para livrar os vizinhos do pagamento da parcela da dívida de Itaipu referente à correção monetária dos Estados Unidos, em janeiro de 2007 — acabou deixando uma fatura bilionária para a sociedade brasileira. Para “perdoar os vizinhos?, o Tesouro Nacional e a Eletrobrás tiveram de assumir toda a parcela da dívida, até então debitada nas contas da hidrelétrica. Em 2008, considerando-se o saldo devedor paraguaio e brasileiro, isso significa US$ 2,067 bilhões. Destes, já foi autorizado o repasse de US$ 214,989 milhões à tarifa da energia vendida a 31 distribuidoras brasileiras.
E o mais grave: o governo brasileiro não informou isso publicamente, tanto à época do acordo quanto terça-feira, quando saiu a autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para o reajuste de 8,7% da tarifa às distribuidoras. O Ministério de Minas e Energia, Itamaraty e Itaipu, procurados, não quiseram se pronunciar.
Quando o governo brasileiro fechou o tratado com o Paraguai, em 19 de janeiro de 2007, na Cúpula do Mercosul, no Rio, retirando de Itaipu essa correção monetária, informou que o Tesouro assumiria a dívida no primeiro ano. Depois, o custo seria repassado aos consumidores.
Mas o valor bancado pelo Paraguai era muito pequeno: em 2006, ficou entre US$ 7 milhões e US$ 8 milhões.
O principal motivo para o aumento da tarifa foi o repasse da correção monetária da dívida assumida pelo Tesouro. Segundo o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, para se ter idéia do rombo para o consumidor, o impacto em 2009 será de 5% da área da distribuidora paulista Elektro. Mas a conta será ampliada.
Isso porque o US$ 1,8 bilhão que não foi repassado será assumido, por enquanto, pela Eletrobrás, com garantia do Tesouro, sendo depois compartilhado com os consumidores. O Globo

O espetáculo da indignação

Editorial do Estadão

O presidente Lula mudou. Desde que a força dos fatos pôs abaixo a sua fantasia de que "se a crise americana chegar por aqui será uma marolinha", na qual "não dará nem para esquiar", ele passou a acrescentar ao costumeiro triunfalismo de seus pronunciamentos uma agressividade desmedida contra quem quer que tenha alertado, desde o primeiro momento, para os efeitos da retração global sobre a economia brasileira. Na raivosa retórica presidencial, os que discordam de seus prognósticos sobre a virtual imunidade do País aos desdobramentos do colapso financeiro de Wall Street se dedicam a fazer "uma propaganda sistemática em favor da crise". Foi o que disse, com o semblante alterado - vermelho de raiva e não de vergonha de pronunciar semelhante patacoada -, ao discursar durante a inauguração de um trecho - inacabado, para variar - da Ferrovia Norte-Sul, em Colinas do Tocantins. "Tem gente", acusou, "que vai deitar rezando para que a crise pegue o Brasil, para esse Lula se lascar."

Eis um rematado disparate. Nenhum brasileiro de posse de suas faculdades mentais há de querer que Lula se lasque, se isso significar que a economia descarrilou. Na realidade, a síndrome do "quanto pior, melhor" é alheia ao debate público nacional. Mesmo os críticos do governo e os adversários políticos do lulismo sempre torceram para que a proverbial sorte do presidente, da qual ele falava de boca cheia, não o deserdasse, pelos óbvios e alentados ganhos que ela trouxe ao País nos anos recentes - se é disso que se tratou. Mais ainda agora, é de desejar que a boa estrela de Lula se mantenha para que o Brasil sofra o mínimo com a crise que "não foi causada por nós", como ele insiste, nesse ponto coberto de razão. Mas, da mesma forma que os demais países emergentes, o Brasil se beneficiou da pletora de créditos em circulação no globo, alimentando um formidável ciclo de prosperidade - real, sem dúvida, conquanto artificiais as suas bases, como ficou patente.

O presidente decerto não pensa o que diz - imaginar o contrário seria fazer pouco-caso de sua inteligência. O que parece desatar a sua ira teatral é a avaliação do que o espera. Não é uma perspectiva que suscite o bom humor. O País acaba de chegar ao ápice de uma trajetória de expansão econômica que foi decisiva para fazer de Lula o governante mais popular dos tempos modernos em seu país e um dos mais admirados do mundo. Mas desse promontório o que se vislumbra é um declive - menos ou mais acentuado, o tempo dirá. Só que a descida coincidirá perversamente com a construção da candidatura Dilma Rousseff e tenderá a afetar - em grau ainda incerto também - as suas chances de herdar o patrimônio eleitoral do presidente que a escolheu como sucessora, numa decisão, diga-se de passagem, estritamente pessoal. Está claro que, diante da mudança dos ventos da economia, Lula preferiu não esperar o novo ano para desencadear a campanha pró-Dilma. "Temos muita coisa para fazer", disse numa entrevista recente. "E 2009 será um ano de inauguração de muitas obras e de muita costura política."

Foi, sem tirar nem pôr, o que se viu na terça-feira em Colinas do Tocantins, na solenidade - ou melhor, no comício - em que o presidente verberou aqueles que supostamente estariam rezando para ele se lascar. Ele se guardou de citar pelo nome a ministra presente ao seu lado - afinal, era um ato de governo -, mas duas vezes afirmou ter "certeza" de que fará a sua "sucessão", evitando assim falar em sucessor ou sucessora. Mas a costura política se fazia a céu aberto. Se Lula trabalha para ter o PMDB com a sua candidata - indicando o seu companheiro de chapa -, ali estava um aliado inestimável, o ex-presidente José Sarney, o idealizador da Ferrovia Norte-Sul quando ocupou o Planalto, entre 1985 e 1989 (o que é um exemplo de livro de texto sobre o ritmo das coisas que dependem da administração federal). Sarney, o patrono da entrada do PMDB no governo Lula, foi mais do que enfático em sua adesão a Dilma.

"Estive em muitos cargos da República e poucas vezes vi alguém tão dedicado à causa pública, tão estudioso dos problemas do Brasil quanto Dilma", entoou. "Ela é uma sacerdotisa do serviço público." (Já não bastasse ser a mãe do PAC…) Esse, em suma, o pano de fundo para o espetáculo da indignação do presidente.

Putaria na Abin

PF acha material pornográfico em equipamentos da Abin

Peritos ainda não conseguiram abrir todos arquivos dos discos rígidos apreendidos no Rio

"Farta quantidade de arquivos de conteúdo pornográfico" é o que os peritos da Polícia Federal encontraram entre os registros secretos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A revelação sobre as atividades insólitas de arapongas consta do Relatório de Análise de Mídias que a PF produziu a partir do exame realizado em HDs de cinco computadores recolhidos por ordem judicial no prédio número 135 da Rua Equador, no bairro do Santo Cristo, endereço da base de operações da Abin no Rio.

O relatório, ainda parcial, é subscrito por um delegado e quatro agentes da Polícia Federal que investigam o vazamento de dados confidenciais da Satiagraha, missão federal que tem como alvo maior o banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity. O documento, de dez páginas, circula em Brasília desde terça-feira.

Uma cópia está em poder do senador Heráclito Fortes (DEM-PI), presidente da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência. Outra na mesa do general Jorge Félix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ao qual está afeta a Inteligência do Brasil.

"Boqueteira", "Ninfeta que você nunca viu" e "Jussara" são três desses arquivos rotulados estratégicos que os peritos identificaram na CPU HP DX5150 MT, patrimônio Abin 89408, lacrado sob número 012545.

A central foi localizada em uma sala do prédio e indicada pelo servidor Vicente Ernani Filho "como sendo equipamento que teria sido utilizado pelos agentes da Abin que atuaram na Operação Satiagraha".
Estadão

8.12.08

Apelo ao Supremo Tribunal Federal

Apelo ao Supremo Tribunal Federal sobre a Revolução indigenista

Dia 10 de dezembro próximo o Supremo Tribunal Federal vai julgar a ação civil pública, impetrada pelo Governo do Estado de Roraima contra a demarcação continua das terras da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. Da maneira como está sendo conduzida essa demarcação e a “desintrusão” dos não índios tem sido arbitrária, ilegal e inconstitucional.

A questão já foi julgada pelo STF e a FUNAI age como se nada houvesse

O Supremo Tribunal Federal julgou o assunto em última instância, com decisão unânime, através do acórdão RE Nº 219.983-3, de 9-12-98, que diz:

“As regras definidoras dos domínios dos incisos I e XI (as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios) do artigo 20 da Constituição Federal não albergam terras que em passado remoto foram ocupadas por indígenas”.

Passando por cima dessa decisão, a FUNAI, órgão do Ministério da Justiça, cada vez que deseja estabelecer mais uma reserva ou apoderar-se de grandes propriedades, encarrega um de seus antropólogos de fazer “um estudo”, que dela recebe o qualificativo de “científico”.

Desde o início se sabe que o estudo concluirá que toda a terra pertencia aos índios; que estes foram dela expulsos; e que se deve devolvê-la o quanto antes. A terra é então demarcada, e os índios manipulados pelo CIMI logo a invadem, sem perceber que assim estarão condenados a viver na barbárie, sem usufruir os benefícios da civilização cristã que nossos antepassados nos legaram. Esse é o processo utilizado.

As “nações indígenas” e a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas

Ontem foi a instituição da “Nação Yanomâmi; hoje, a Raposa Serra do Sol; amanhã, a “Nação Guarani”, no Mato Grosso do Sul; depois será o oeste catarinense, já se fala de outra, a Cué-Cué Marabitanas , fazendo fronteira com a Yanomami e com a Venezuela. E assim por diante, num processo sem fim.

O Brasil está prestes a cair em outra armadilha. O País assinou a “Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas” da ONU, e agora depende apenas sua aprovação pelo Congresso Nacional, para que seja concedido aos povos indígenas autonomia política e administrativa Eles poderão inclusive proibir que não-índios e até mesmo as Forças Armadas entrem em seu território, o que de fato transformará tais reservas em enclaves dentro do território nacional, tomando quase todas nossas fronteiras.

Truculência

Bem mostra o ânimo dos indígenas a truculenta ameaça de resistirem ao julgamento do Supremo Tribunal Federal se a decisão lhes for desfavorável, feita pelo cacique Edson Alves Macuxi: “Se o Supremo decidir contra os índios, vamos reunir cinco mil guerreiros e fazer a desocupação de nossa terra na marra”. Foram Nossos índios, mentirosamente, induzidos a pensar que a terra é deles.

Reforça essa idéia de truculência contra o Direito, a espetaculosa e injustificável ação da Polícia Federal na reserva indígena Raposa Serra do Sol, com seus agentes invadindo fazendas sem mandato judicial, e declarando agir por ordem do Presidente da República.

Tentando enganar

A edição, nesse contexto, pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio), de seis portarias que têm por objeto demarcar terras pretensamente indígenas no Mato Grosso do Sul, com área aproximada de 12 milhões de hectares, abrangendo 28 municípios, faz pairar enorme insegurança jurídica na região sul daquele Estado, especialmente delicada por fazer fronteira com o Paraguai.

Foi insidiosa a ação do ministro chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, propondo aos assustados produtores “diálogo, diálogo, diálogo e mais diálogo”, e não tomando nenhuma providência. Sabe-se que órgãos do governo costumam fazer uso da dialética para iludir seus opositores e conduzir por etapas seu planos de coletivização do País. Desobedecem ordens judiciais e agem por vias administrativas, recorrendo a decretos, portarias e outras medidas, à revelia da Constituição, do Poder Judiciário e do Legislativo;

A fragmentação social e política de nossa Pátria

Diante de tantas e tão graves ameaças, não poderemos nos calar, porquanto o que está em jogo no julgamento da Questão Terra Indígena Raposa/Serra do Sol é o embate de duas civilizações: uma querendo manter o País nos rumos que a civilização cristã nos legou; outra visando a volta à barbárie anterior ao descobrimento.

Como se vê, as manifestações acima são meros pretextos para situações a serem arbitrariamente impingidas à nação brasileira, em prejuízo de sua soberania, do Estado de Direito e da convivência miscigenada de todas as suas etnias, que é vista por todo o mundo como exemplar. É uma ofensiva radical para levar à fragmentação social e política da nação.

Um apelo aos Ministros do STF

Vamos apelar aos Ministros do Supremo para que não deixem essa subversão continuar.

Se deseja mais informações, clique AQUI

Clique no link abaixo para assinar seu apelo
http://www.fundadores.org.br/stf.asp

6.12.08

Quando a farra acaba em cadeia

Enquanto o Brasil batalha para tirar do cargo políticos encrencados, nos EUA crimes menores – como mentir – dão perda de mandato e até cana


André Petry, de Nova York

O plenário do tribunal estava cheio. Com voz afável, o juiz, de cabelos brancos e toga negra, convidou a ré, Christine Beatty, 38 anos, para subir à tribuna. Ela subiu, ouviu as acusações em silêncio e, quando se preparou para ler sua confissão, respirou fundo mas engasgou. Pegou um lenço, secou as lágrimas e recomeçou:

– Eu menti sob juramento – disse, com voz embargada.

A cena aconteceu na segunda-feira passada e foi o ponto final no escândalo que paralisou a política de Detroit, uma das grandes metrópoles dos Estados Unidos. Christine Beatty era a poderosa chefe-de-gabinete do prefeito da cidade, o democrata Kwame Kilpatrick, conhecido por seu estilo hip hop. Kilpatrick, de 1,95 metro de altura, vestia roupas flamejantes, usava brinco de diamante na orelha e circulava pela cidade a bordo de um Lincoln vermelho e cercado por 21 seguranças. Há três meses, ele fez um acordo na Justiça. Reconheceu que mentira sob juramento ao negar seu romance extraconjugal com Christine Beatty, o que o levou a forçar a demissão de dois policiais que haviam flagrado o caso. Pelo acordo, Kilpatrick passará quatro meses em cana e pagará à prefeitura indenização de 1 milhão de dólares. Perdeu a pensão de prefeito, ficará cinco anos com os direitos políticos suspensos e não poderá voltar a advogar. Neste momento, ele vive numa cela de 14 metros quadrados, com uma hora de sol por dia. Será solto em 28 de fevereiro. Na semana passada, foi a vez de Christine Beatty confessar que mentira sob juramento. Vai passar quatro meses na cadeia, cinco anos sob liberdade vigiada e pagará multa de 100 000 dólares. Cumprirá pena na mesma prisão do ex-amante.

Na quarta-feira passada, enquanto o ex-prefeito de Detroit aguardava sua hora diária de sol – do escasso sol de uma quarta-feira nublada sob frio de 4 graus –, o governador da Paraíba, o tucano Cássio Cunha Lima, fazia ronda no Congresso Nacional, em Brasília, na batalha para se manter no cargo. Cunha Lima foi condenado à perda do mandato sob a acusação de distribuir 3,5 milhões de reais a eleitores na campanha de 2006. "Há um grande erro. Um grande equívoco", dizia o governador, ao reafirmar sua inocência e manifestar confiança de que conseguirá reverter a condenação na Justiça Eleitoral. A maior punição que pode haver no caso do governador é a perda do cargo. Se definitivamente condenado, Cunha Lima não terá de reembolsar os cofres públicos pelos 3,5 milhões de reais e seguirá gozando do direito de receber os 22 000 reais de pensão como governador do estado, cargo para o qual foi reeleito em 2006. Apeado do poder, estará livre para se candidatar nas próximas eleições. A punição ao prefeito de Detroit ocorreu oito meses depois de seu caso virar um escândalo público, e não é exceção nos Estados Unidos. O caso do governador da Paraíba se arrasta desde a eleição de 2006, e também não é exceção na realidade brasileira. Cada um a seu modo, ambos são casos exemplares de como políticos são investigados e punidos num país e no outro.

De modo geral, os crimes cometidos por políticos americanos são punidos com penas mais pesadas e comprometem sua carreira. No Brasil, a punição é rara. Quando existe, é leve – e não aposenta ninguém. Os teóricos e estudiosos levantam várias explicações para essas diferenças, que vão desde a cultura do colonizador até as atuais debilidades do sistema judiciário, mas chama atenção que sejam tão acentuadas. Em 2001, o então governador do Piauí, Mão Santa, foi o primeiro governador punido sob a nova legislação eleitoral, que prevê a perda do mandato por uso da máquina pública ou compra de voto. Logo depois de ser expulso do cargo, Mão Santa concorreu ao Senado. "Foi uma assombração de voto", diz ele. Tem mandato de senador até 2011. Mesmo cassado, recebe regularmente a pensão de ex-governador, cujo valor diz ignorar. "Por incrível que pareça, seu amigo aqui é desprendido." Quem cuida das finanças domésticas, diz o senador, é sua mulher. Até hoje, ele afirma que sua cassação foi uma armação política urdida por Nelson Jobim, então ministro do Supremo Tribunal Federal. Ele explica: "Você sabe como é, na calada da noite eles vêm e pá!"

Em 2004, a nova lei serviu para cassar o governador de Roraima, Flamarion Portela, então filiado ao PT, mas sua punição se limitou à perda do cargo e também não o levou ao ostracismo político. Desde sua cassação, Portela só apareceu no noticiário nacional como suspeito de envolvimento no escândalo dos gafanhotos, que afanou muitos milhões de reais dos cofres do estado. Mas, na política roraimense, Portela segue mandando brasa. Em maio passado, assumiu como deputado estadual na vaga de Chico das Verduras, que, por sua vez, foi cassado por trocar sopa por voto. Portela não teve de indenizar o estado nem foi preso. Ao contrário. Como deputado, preside a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia e esteve recentemente vistoriando a Penitenciária Agrícola do Monte Cristo, em Boa Vista, depois da fuga de 24 detentos. Consta que ficou horrorizado com o que viu. Na época, ele disse: "A situação é assustadora".

Nos Estados Unidos, um dos casos mais parecidos com o do ex-governador de Roraima é o do ex-governador de Rhode Island Edward DiPrete. Ele admitiu que, com o filho, recebeu propina de 300 000 dólares. Ficou um ano na prisão e nunca mais voltou à política. Depois, tentou recuperar a aposentadoria de governador, de 50 000 dólares anuais. A Justiça negou-lhe o direito à pensão. Até o ex-governador de Connecticut John Rowland, o mais jovem da história a ocupar o cargo e então estrela em ascensão na política americana, caiu em desgraça após tropeçar numa propina de 107 000 dólares. Aos 47 anos, passou uma temporada na cadeia. Saiu com mais cabelos brancos e menos arrogância e nunca mais se candidatou a nada. "Deixei meu orgulho atravessar o meu caminho", disse, ao refletir sobre sua queda. Solto há dois anos, hoje ele é conselheiro econômico numa cidade de 100 000 habitantes.

Nos EUA, existem todos os defeitos que se observam no Brasil: político recorrendo sem parar à Justiça, político usando a máquina pública em campanha, político escapando de sucessivas investigações. A diferença mais gritante é que, mais cedo ou mais tarde, a Justiça americana manda os infratores para a cadeia. O republicano George Ryan, ex-governador de Illinois, político poderoso do Meio-Oeste americano, foi condenado a seis anos e meio de cadeia por corrupção. Deveria ir para a prisão em janeiro de 2007, mas fez tudo para escapar. Apelou em liberdade, perdeu. Pediu revisão, perdeu. Recorreu à Suprema Corte, perdeu. Em novembro de 2007, estava em cana. Com uma regalia: deixaram-no ficar na cela com a aliança de casamento no dedo e um par extra de óculos. Ficará na prisão até julho de 2013, quando completará 79 anos. O democrata Edwin W. Edwards, governador de Louisiana por quatro mandatos, enfrentou 22 investigações. Escapou de todas. Era uma versão americana do rouba-mas-faz. Numa eleição, seus eleitores confeccionaram um adesivo em que se lia: "Vote no escroque". Em 2001, porém, a polícia pegou um caso de corrupção com início, meio e fim, e Edwards foi condenado a dez anos de prisão e multa de 250 000 dólares. Se não receber perdão presidencial, só sairá da prisão aos 84 anos, em 2011. No Brasil, todo mundo conhece um escroque de priscas eras. Mas alguém conhece um caso com desfecho parecido?

Bill Pugliano/Getty Images


Fotos André Dusek e Bob Falcetti/Getty Images


Fotos Lula Marques/Folha Imagem e Matt York/AP

Onde é perigoso ser brasileiro

Com tiros e invasões, sem-terra paraguaios querem expulsar meio milhão de brasiguaios. Se o êxodo ocorrer,será a maior tragédia humana da história do Brasil


Duda Teixeira, de Lima, Paraguai

Fotos Manoel Marques

PRONTOS PARA A GUERRA
Produtores brasileiros fazem escolta para plantar (no alto) e sem-terra paraguaios e sua palavra de ordem em portunhol (acima): a violência já começou

A faixa na qual se lê "Fuera brasilero" não é o tipo de mensagem que um brasileiro esperaria encontrar em país amigo. No Paraguai, infelizmente, essa chocante palavra de ordem pode ser vista nas estradas do interior, hasteada na entrada de acampamentos de sem-terra. Longe de ser apenas retórica, ela se traduz em violência física e ameaças contra o meio milhão de brasileiros e descendentes que vivem numa larga faixa de terras férteis próximas à fronteira com o Brasil. Em algumas partes – sobretudo no departamento de San Pedro, o mesmo onde o presidente Fernando Lugo fez sua carreira política como bispo católico –, quem trafega em veí-culos com placas brasileiras arrisca-se a ser atacado a pedradas ou tiros. Na semana passada, quase três dezenas de fazendas com proprietários brasileiros estavam cercadas ou já tinham sido invadidas. Atritos entre o Brasil e os governos populistas de países vizinhos agora são rotineiros – mas no Paraguai é diferente, pois as possibilidades de uma tragédia humana são reais e enormes.

O número de brasiguaios é quatro vezes o total de brasileiros em todos os outros países da América do Sul. No exterior, só a comunidade nos Estados Unidos é mais numerosa. A primeira conseqüência de um surto de violência xenófoba na área rural paraguaia, do qual já se vêem os primeiros sinais, seria um êxodo brasiguaio. O Brasil, em especial os estados de Mato Grosso do Sul e Paraná, se veria diante do desafio de receber os produtores que retornarão e da necessidade de tomar medidas para reintegrá-los na economia nacional. O êxodo será um pesadelo logístico e um desgaste sem precedentes para o governo do presidente Lula. "O Paraguai é a parte mais sensível e volátil no relacionamento com os países limítrofes", diz Rubens Barbosa, ex-embaixador nos Estados Unidos. "Caso um brasileiro venha a morrer, haverá certamente uma comoção nacional."

O marco da hostilidade contra os brasiguaios foi a eleição do presidente Lugo, em abril. Durante a campanha, ele prometeu promover uma reforma agrária integral, e, ainda que não tenha sido explícito, o Movimento Sem-Terra entendeu que as terras dos imigrantes seriam desapropriadas. Em maio, uma bandeira brasileira foi queimada em praça pública em Curupaiti, departamento de San Pedro, e a onda de violência prolongou-se por semanas. Fazendas foram invadidas. Silos e equipamentos agrícolas, queimados. Hoje, paraguaios armados impedem o plantio da nova safra em pelo menos 20% da área em mãos de produtores brasileiros. "Eles nos enxotam de nossas terras dizendo que isso não é lugar de brasileiro", diz Marcelo Kaefer, 23 anos, filho de um produtor rural brasileiro que há trinta anos trabalha no país. "São extremamente racistas." No início de outubro, quando ele trabalhava na lavoura, foi seqüestrado por quinze homens armados. Como nenhum deles sabia dirigir, Marcelo foi obrigado a conduzir o trator até um acampamento de sem-terra nas proximidades. Ele só foi libertado quando a polícia e seu pai chegaram. Marcelo nasceu no Paraguai, o que não melhora seu conceito junto aos sem-terra. "Para eles, não sou paraguaio de sangue."

Há dezenas de relatos similares. Não é sem motivo que muitos fazendeiros estão se armando ou contratando seguranças particulares para vigiar as lavouras e proteger suas famílias. "Nem mesmo temos cerca aqui, porque nunca tivemos problemas com os vizinhos paraguaios", diz o brasileiro Lirio Vettorello, de 57 anos, trinta deles no Paraguai. Desde a posse de Lugo, a Fazenda Recanto Tropical, de sua propriedade, foi invadida três vezes por um grupo de oitenta pessoas. Em todas elas, a polícia retirou à força os invasores. Mas os sem-terra permaneceram acampados em frente à porteira. De tempos em tempos, entram na propriedade e montam barracas. Há trocas de tiros e princípios de incêndio. Em setembro, um funcionário da Bunge, a multinacional de origem holandesa dos grãos, encarregado de verificar a altura do trigo plantado na propriedade, foi atacado a tiros. Contaram-se 32 furos de bala em sua picape. "Essa fazenda é tudo o que eu tenho. Não posso sair daqui", diz Vettorello, que dorme com uma escopeta calibre 12 ao lado da cama.

O ressentimento contra os imigrantes não é generalizado no país. A maioria dos paraguaios vê o Brasil com simpatia e torce pela seleção brasileira como se fosse a sua própria, com direito a festa nas ruas de Assunção. A xenofobia está concentrada entre os sem-terra e outros grupos ultranacionalistas. Contudo, o discurso exigindo mais dinheiro por Itaipu proferido por políticos tanto da situação quanto da oposição e as manchetes publicadas quase diariamente contra o Brasil nos jornais de maior circulação fizeram com que o antibrasileirismo se espalhasse. Em sua campanha, Fernando Lugo afirmou diversas vezes que o Paraguai deveria deixar de ser marionete do Brasil. Essa versão, repetida diversas vezes, fez com que pela primeira vez a simpatia dos paraguaios pelos argentinos, medida em pesquisas durante a campanha eleitoral, ultrapassasse o sentimento favorável aos brasileiros. "Se considerarmos que os paraguaios já foram comandados de Buenos Aires, trata-se de um dado surpreendente", disse a VEJA o paraguaio Francisco Capli, diretor do instituto First de pesquisas de opinião.

A região fronteiriça onde se concentram os brasileiros é um mosaico de culturas agrícolas como soja, girassol, milho e trigo, que representa um terço do PIB paraguaio. A pujança econômica faz com que a esquerda paraguaia tache os brasileiros de latifundiários, uma distorção da realidade. A maioria das propriedades tem em média 50 hectares e está organizada em cooperativas. Jorge Eichellberger, 27 anos, vive com a mãe e a esposa paraguaia em uma casa de madeira de um único cômodo no departamento de San Pedro. Paranaense, ele comprou 50 hectares de terra do Indert, o órgão que regula a terra no Paraguai. Em 2004, começou a plantar feijão-de-corda, milho e soja. Cinco meses após a eleição de Lugo, um grupo de sem-terra montou acampamento em seu terreno. Hoje, há 150 deles a 50 metros da casa de Eichellberger. A família é ostensivamente observada pelos invasores. No sábado, 29, Eichellberger e outros seis brasileiros formaram um comboio de tratores para preparar a terra para o plantio de soja. Na volta, foram atacados a tiros de revólver por seis paraguaios em motos. "Eles estavam a menos de 4 metros da gente. Foi sorte não terem nos acertado", diz ele.

Lugo coloca-se contra as invasões de terra e defende a propriedade privada. Em entrevistas à imprensa, diz ter um plano de reforma agrária que se estenderá até 2023. Nas reuniões com produtores brasileiros, o presidente promete enviar policiais para garantir as novas safras. Muitos de seus partidários estão frustrados com tanta moderação. "Lugo é um hipócrita miserável", disse a VEJA Tomás Zayas, dirigente da Associação de Agricultores do Alto Paraná (Asagrapa), que reúne sem-terra e acampados. "A reforma agrária é urgente. Se não for feita logo, o país explodirá", afirma. Lugo declarou que as terras a ser desapropriadas seriam aquelas que o ditador Alfredo Stroessner entregou a amigos de forma irregular. A quase totalidade delas, porém, já foi revendida pelo menos três vezes e seus donos detêm os títulos de posse. Um levantamento recente em San Pedro mostrou que 90% das terras em mãos de brasileiros são regulares.

O destino dos brasiguaios não é apenas uma crise prestes a explodir no colo do governo brasileiro. Também determinará o futuro do Paraguai. Aqueles que querem expulsar os produtores agrícolas e dar as costas ao Brasil sonham em isolar o país e viver dos recursos naturais (as águas do Rio Paraná, que movem as turbinas de Itaipu, são o principal disponível). Para consolidar essa opção, contam com a ajuda em dinheiro e petróleo prometida pelo venezuelano Hugo Chávez. O segundo caminho é aquele aberto com Itaipu e os colonos brasileiros. Com energia abundante e uma agricultura moderna, a população paraguaia triplicou e espalhou-se pelo território. A produção de grãos foi multiplicada por trinta e a pobreza rural caiu de 84% para 25% na década de 90. "Os brasileiros levaram consigo os valores dos seus pais e avôs, imigrantes italianos, alemães e japoneses. Com perseverança e conhecimento, transformaram o Paraguai em um país empreendedor", diz o economista Wagner Enis Weber, diretor do Instituto de Estudos Econômicos e Sociais do Paraná-Paraguai (Ineespar), em Curitiba. "A riqueza produzida nas últimas décadas é muito superior à que ocorreu em épocas anteriores, e se deu em um regime democrático, fato inusitado para o país." Graças à atuação dos brasileiros, existem hoje 20 000 produtores rurais paraguaios. Todos querem o máximo de distância possível dos sem-terra. Se quiser levar o país adiante, Lugo só terá uma opção: trabalhar com o Brasil e os brasiguaios.

AMEAÇAS CONSTANTES

Fotos Manoel Marques

O brasileiro Edumir Kovalsky, 53 anos, vive com a mulher e dois filhos há 32 anos no Paraguai. Seus filhos estudam em escolas paraguaias e falam três idiomas: português, espanhol e guarani. Há seis anos, sua terra começou a ser visitada por paraguaios que alegam ter o título de propriedade da área, obrigando-o a se defender na Justiça. Como as ameaças são constantes, ele e os vizinhos se revezam na guarda das lavouras. "O Paraguai já foi um paraíso", diz Kovalsky, que guarda com cuidado o título de propriedade da sua terra. "Agora, vivemos sem saber o que pode acontecer amanhã."

INVASÕES E TIROS

Desde a posse de Lugo, a Fazenda Recanto Tropical foi invadida três vezes. Em todas as ocasiões, a polícia retirou os sem-terra, mas esses permaneceram acampados em frente à propriedade. De tempos em tempos, eles entram na fazenda e levantam barracos de madeira. Há trocas de tiros e os casebres são queimados. "Essa fazenda é tudo o que eu tenho. Não posso sair daqui", diz o brasileiro Lirio Vettorello, dono da Recanto Tropical. Hoje, ele dorme com uma escopeta calibre 12 ao lado da cama.

SEM PÁTRIA

Marcelo Kaefer, 23 anos, nasceu no Paraguai, mas é filho de um brasileiro. Em outubro, dirigia o trator quando quinze homens armados o levaram à força para um acampamento de sem-terra. "Dizem que devo voltar ao Brasil. Para eles, não sou paraguaio de sangue."

INIMIGOS NA PORTA

Jorge Eichellberger, 27 anos, vive com a mãe e a esposa paraguaia em uma casa de um cômodo, em Lima. Ele comprou 50 hectares do Indert, o órgão que regula a terra no Paraguai. Em setembro, cerca de 150 sem-terra montaram acampamento a poucos metros de sua casa. Quando uma pessoa de sua família entra na lavoura, homens armados advertem para que saiam dali. "Não temos tranqüilidade", diz ele. "Essa guerra eu perdi."

4.12.08

Governo vai afastar Incra de ação sobre terras da Amazônia

MP prevê criação de agência vinculada à Presidência para assumir regularização de posses na região João Domingos

O governo já tem pronto o texto de uma medida provisória que afasta o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do processo de regularização de terras na Amazônia Legal. Ao mesmo tempo, a MP cria a Agência Executiva de Regularização Fundiária da Amazônia (Aerfa), que será vinculada à Presidência e deverá normatizar, organizar e coordenar a implementação do processo de regularização de terras na região, o primeiro passo do Plano Amazônia Sustentável (PAS).

A Aerfa ficará investida dos poderes da União para, em substituição ao Incra, promover a discriminação das terras devolutas federais na Amazônia Legal, com autoridade para reconhecer as posses legítimas, bem como para incorporar ao patrimônio público as terras devolutas federais ilegalmente ocupadas e as que se encontrarem desocupadas. A MP deverá transferir do Incra para a Aerfa a gestão do patrimônio fundiário da União.

“A insegurança jurídica causada pela desordem fundiária é obstáculo fundamental ao desenvolvimento da Amazônia. Por isso, a regularização fundiária é hoje a prioridade absoluta de todos os governadores e consenso na sociedade civil da região”, disse ao Estado o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, que coordena o PAS. Ele não quis entrar em nenhuma polêmica com o Incra. Mas, nos bastidores, a informação é de que o afastamento do órgão que até agora cuidou das questões fundiárias deverá ocorrer porque o governo considera que o Incra costuma tomar decisões mais políticas do que técnicas.

“A Aerfa será uma autarquia leve e flexível, voltada ao planejamento, condução estratégica e monitoramento das ações de regularização fundiária executadas pelos institutos estaduais de terra conveniados”, afirmou Mangabeira. “Porque não há como resolver o problema fundiário da Amazônia sem colaboração entre a União, os Estados e os municípios.”

De acordo com Mangabeira, com a nova agência, será possível fazer com que a federação de fato resolva problemas como o da regularização fundiária da Amazônia, que dizem respeito a todos.

“Estima-se que hoje de 400 mil a 500 mil posses - cerca de 90% dos estabelecimentos rurais da Amazônia - sejam irregulares. E, a cada ano, formam-se novas 10 mil posses. Então, é um problema que o governo federal, sozinho, jamais vai resolver”, argumentou Mangabeira, que antes de ter cargo na Esplanada classificou o governo Lula como “o mais corrupto da história”. Estadão

30.11.08

O ROSTO CLANDESTINO DA ABIN

VEJA localizou o espião que, por descuido, revelou a atuação da inteligência oficial em operação secreta.

Ex-segurança do presidente Lula, o tenente Antônio Leandro está lotado no Gabinete de Segurança Institucional


Expedito Filho

Fotos Manoel Marques e Marcello Casal Jr.
HISTÓRIA DE COBERTURA
O general Jorge Felix, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, criou um mal-estar dentro do Palácio do Planalto ao inventar uma história para ocultar a identidade e a verdadeira missão do espião que fora requisitado da PM de São Paulo para a equipe de segurança do presidente da República

Os espiões figuram no imaginário coletivo como pessoas discretas, misteriosas, dotadas de habilidades especiais e normalmente envolvidas em missões perigosas e secretas. Exceto em relação ao último quesito, o tenente Antônio Leandro de Souza Júnior, que aparece na foto ao lado, pouco tem a ver com esse perfil. Policial militar de São Paulo, em seus registros funcionais consta que ele foi requisitado em 2005 pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), no Palácio do Planalto, para integrar a equipe de segurança do presidente Lula. Recentemente, porém, seu nome apareceu na lista dos 84 espiões da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que atuaram na operação que investigou o ex-banqueiro Daniel Dantas. O que apenas um círculo muito restrito do poder sabe é que foi graças a um descuido do tenente Leandro que eclodiram as primeiras pistas sobre a ação clandestina dos agentes do estado e, por conseqüência, a revelação da existência de uma rede de espionagem ilegal que monitorava políticos, jornalistas e autoridades, entre elas o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, que teve seus telefones criminosamente grampeados pelos espiões a serviço da Abin. VEJA localizou o tenente Leandro de Souza em Jundiaí, cidade distante 63 quilômetros de São Paulo.

Alan Marques/Folha Imagem
ALVO INDIRETO
Gilberto Carvalho, chefe-de-gabinete de Lula: transformado em suspeito depois de receber informações falsas repassadas pelo GSI sobre o flagrante do espião que atuava no Rio de Janeiro


Para entender seu papel no episódio é preciso retroceder a 27 de maio passado. Naquele dia o tenente Leandro foi flagrado por policiais da Delegacia Anti-Seqüestro do Rio de Janeiro em "atividade suspeita" numa avenida da Zona Sul da cidade. Estava a bordo de um Astra prata de propriedade da Abin, estacionado em frente a um prédio de apartamentos. Inquirido sobre o que fazia ali, o militar exibiu uma identidade funcional da Presidência da República e se identificou como "tenente Marcos". E, seguindo a versão oficial divulgada pela Abin na ocasião, respondeu que estava em missão sigilosa de acompanhamento de "espiões russos". De maio até os dias atuais, a versão de Leandro mudou bastante. Em entrevista concedida na porta de sua casa, no domingo, 23, o tenente disse que naquele dia seguia os passos de um empresário, mas que "não sabia quem era". Ele confirma ter recebido a missão de seus superiores da Abin, mas nega que tenha se identificado como tenente Marcos e que tenha dito que vigiava a atividade de espiões russos. Leandro conta que só soube posteriormente que seu alvo se chamava Humberto Braz, um ex-sócio e atual lobista do ex-banqueiro Daniel Dantas. Diz o tenente: "Eu não sou louco de mentir, apresentar um documento falso, uma história falsa, e levar um tiro".

A confissão do espião, que continua vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional, constrange e cria enormes embaraços para seu chefes – o ministro Jorge Felix, do GSI, e o delegado Paulo Lacerda, diretor afastado da Abin. O tenente não poderia estar ali, dentro do Astra, vigiando russos, alemães ou lobistas de ex-banqueiros encrencados com a polícia e a Justiça, como é o caso de Daniel Dantas. Mas estava. Foi abordado por policiais que suspeitaram dele e acabou abrindo a brecha que escancarou toda a gama de abusos e ilegalidades da operação da qual ele participava, segundo ele próprio, sem saber do que se tratava. Essa operação, batizada de Satiagraha, já entrou para a história das polícias por ter produzido o mais risível e destrambelhado relatório de todos os tempos, escrito em um idioma com enorme parentesco com o português, que teve de ser reescrito recentemente de modo que ganhasse um mínimo de lógica interna. O alvo principal da investigação é o tal ex-banqueiro Daniel Dantas, um tipo sempre encrencado com a Justiça e a polícia, que se julga mais esperto do que a esperteza e que, fossem os policiais menos amadores, já teria sido facilmente flagrado em delito.


Lula Marques/Folha Imagem

FALSO TESTEMUNHO
Paulo Lacerda, o diretor afastado da Abin, tentou de todas as formas esconder a real dimensão do trabalho de seus espiões na investigação policial sobre o ex-banqueiro Daniel Dantas

A abordagem ao tenente Leandro no Rio de Janeiro foi um desastre especial para a Operação Satiagraha. Como parecia tratar-se de um segurança do Palácio do Planalto, o governo federal foi logo informado da abordagem. A comunicação foi feita a Gilberto Carvalho, o mais próximo e influente assessor do presidente Lula. Carvalho fez o que deveria fazer. Levou as informações que acabara de receber ao general Felix, que não mostrou surpresa e saiu-se com a extraordinária versão dos "espiões russos". Carvalho engoliu a história e a passou adiante. Uma das pessoas a quem ele contou essa versão, por telefone, foi o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, petista histórico, seu amigo pessoal de muitos anos e que, algum tempo atrás, fora contratado pelo ex-banqueiro encrencado, esperto, Daniel Dantas. Como o advogado do ex-banqueiro estava sendo monitorado pelos policiais e pela Abin, a conversa foi interceptada. Sem saber, portanto, o tenente Leandro havia levado a investigação para a ante-sala do presidente Lula no Palácio do Planalto. Carvalho se tornara mais um dos alvos da equipe de policiais e espiões da Abin chefiada pelo nefelibata delegado Protógenes Queiroz. "Tudo o que eu fiz foi tentar ajudar um amigo. Se tivessem me dito que o episódio era parte de uma investigação policial, é óbvio que teria me silenciado", diz Carvalho, o assessor que por algum tempo foi levado por uma mentira a pensar que o Brasil estava sendo alvo de ações hostis por parte da Rússia.

Obviamente, a mentira do general Jorge Félix não foi digerida por Gilberto Carvalho. Em depoimento à CPI dos Grampos, tanto o general quanto Lacerda revelaram que a tal missão de acompanhamento de espiões russos era uma "história de cobertura". "Foi uma história de cobertura porque a investigação era sigilosa", confessou o ministro-chefe do GSI. No jargão dos arapongas, isso quer dizer que o general e seu delegado contaram uma mentira para preservar o segredo de uma operação. Chefes de serviços de inteligência que mentem para os assessores dos presidentes e para os próprios presidentes não são propriamente uma novidade, tampouco uma invenção brasileira. Os historiadores dos serviços secretos americano, CIA, e soviético, KGB, convergem em um ponto: eles mentem para os presidentes, que mentem para o público. Essa é a lei nesse reino paralelo. A natureza do trabalho dos espiões acaba por convencê-los de que são pessoas acima das leis e das instituições.


Sérgio Castro/AE
ANTES DE SER PRESO
O empresário Humberto Braz, lobista de Dantas, achava que seqüestradores estavam vigiando seus passos: a polícia descobriu que eram arapongas da Abin

As investigações sobre a atuação ilegal dos espiões da Abin já revelaram que o comando das ações clandestinas estava sediado em Brasília, precisamente no gabinete do delegado Lacerda, diretor afastado após a descoberta de que seus comandados haviam grampeado ilegalmente os telefones do presidente do STF. Na semana passada, a CPI dos Grampos ouviu um depoimento em que isso ficou evidente. O agente Márcio Seltz, um dos oitenta espiões que participaram da operação secreta, revelou que teve acesso a mensagens eletrônicas e a interceptações telefônicas oriundas das investigações da PF e que chegou, inclusive, a repassar o material a Lacerda. Portanto, é razoável supor que o delegado e seu superior, o general Felix, conheciam todos os detalhes da operação, inclusive a missão – ou as missões – do tenente Antônio Leandro.

A história do tenente, por essa razão, precisa ser investigada com atenção. Abordado pela reportagem em sua residência, Leandro, tenso, pergunta: "Como foi que você me descobriu?". Trava-se o seguinte diálogo:

Qual era sua missão na Operação Satiagraha?
Eu fui lá render um colega que já estava de campana e acabei sendo pego pela polícia. Eu não sabia exatamente quem estava seguindo. As operações são compartimentadas. A pessoa recebe uma ordem, mas não sabe detalhes. Nesse caso, a ordem era seguir o carro do alvo.

De quem foi a ordem?
Eu recebi instruções do meu superior na superintendência da Abin em São Paulo.

Dida Sampaio/AE
Lula Marques/Folha Imagem
REVELAÇÕES
O agente Márcio Seltz, que participou da operação clandestina, revela à CPI dos Grampos que mensagens eletrônicas e gravações telefônicas oriundas da investigação do delegado Protógenes Queiroz (à direita) foram entregues nas mãos do delegado Paulo Lacerda, diretor afastado da Abin, que negou ter recebido o material

O senhor chegou a ter contato com o delegado Protógenes Queiroz, da Polícia Federal?
Não, eu não sabia que a Polícia Federal estava nessa operação.

Quando foi abordado pela polícia do Rio, o senhor se identificou como tenente Marcos?
Eu não menti. Dei a carteira da Presidência da República e falei que trabalhava para a Abin. Eu não sou louco de mentir, apresentar um documento falso, uma história falsa, e levar um tiro.

O senhor fazia o que antes de atuar na Abin?
Fui do corpo de segurança do presidente Lula. Quando ele viajava para São Paulo, eu fazia a segurança dele. Você acha que vão me chamar para a CPI? Você vai publicar isso aí e vão me dar uma cadeia na Polícia Militar por eu ter participado da operação. Vou perder minha promoção. Se isso acontecer, eu vou te achar em Brasília. Não posso falar mais... Se você publicar, eu vou te achar.

O Gabinete de Segurança Institucional e a Abin se recusaram a comentar o caso.

UM DEGRAU ACIMA

A parte clandestina da operação policial que investigou o ex-banqueiro Daniel Dantas contou com a participação de espiões da Abin e de um ex-segurança do presidente Lula, o tenente Antônio Leandro de Souza Júnior, lotado no Gabinete de Segurança Institucional (GSI)

Selmy Yassuda

O FLAGRANTE
No dia 27 de maio passado, policiais do Rio de Janeiro abordaram um Astra prata na porta da casa do empresário Humberto Braz, investigado pela PF no caso do ex-banqueiro Daniel Dantas. Dentro do carro estava um espião da Abin.

ESPIÕES RUSSOS
O caso chegou ao conhecimento do Palácio do Planalto. O general Jorge Felix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, informou ao chefe-de-gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, que o agente estava no encalço de espiões russos.

CLANDESTINIDADE
Em julho, descobriu-se que a operação da Polícia Federal que prendera Daniel Dantas havia contado com a participação maciça e clandestina de espiões da Abin, que monitoraram e grampearam ilegalmente autoridades, entre elas o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes.

Antônio Cruz/ABR

MENTIRAS
Ao Congresso, o general Jorge Felix e o diretor afastado da Abin, Paulo Lacerda, disseram que a participação dos espiões havia sido informal e se limitara à checagem de endereços. Segundo eles, a história dos agentes russos teria sido uma invenção do espião para não colocar em risco a investigação contra Dantas.

DENTRO DO PALÁCIO
Localizado por VEJA, o espião confirmou que estava seguindo os passos de Humberto Braz e que nunca contara história alguma sobre agentes russos. Ex-integrante da equipe de segurança do presidente Lula, ele foi colocado pelo GSI à disposição da Abin e atuou no caso.