28.12.07

Ministro apóia Justiça italiana e prega revogação da Lei de Anistia



Para Vannucchi, País deve enquadrar-se a tratados internacionais e ajudar no processo sobre Operação Condor

Expedito Filho e Anelise Sanchez

O ministro especial da Secretaria dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, defendeu ontem, em Brasília, a anulação da Lei de Anistia e disse que os tribunais brasileiros precisam se adaptar aos tratados de direitos humanos assinados pelo País que condenam crimes políticos e prática de tortura. “Haverá um momento de se resolver uma parada complicadíssima: as leis brasileiras à luz dos tratados internacionais de que o País é parte. Realmente, um país como o Brasil, que está reivindicando assento no Conselho de Segurança da ONU, não pode ter leis que colidem com os tratados. Isso é pressuposto”, afirmou, em entrevista ao Estado.

Vannuchi considerou positiva a ação da Justiça italiana. Ele lembrou que o Estatuto de Roma, do qual o Brasil é signatário, condena os crimes cometidos por motivação política. E ressaltou que a Convenção da Organização das Nações Unidas também tem posição contundente contra a tortura. “Esses instrumentos são poderosos para anular a Lei de Anistia, e o Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF) nunca foi suscitado. A única consulta até hoje sobre a legalidade dessa Lei de Anistia foi feita ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esse não é o tribunal constitucional do Brasil.” E ressaltou que o processo da Justiça italiana trata de episódio ocorrido em março de 1980, que não está coberto pela Lei de Anistia, que é de agosto de 1979.

O ministro disse que o País tem de se modernizar do ponto de vista dos direitos, perder o medo de discutir o passado e ir “à raiz das coisas, com moderação e serenidade”. “Ninguém quer criar nenhum problema para as Forças Armadas. Agora, o direito à memória e à verdade é inegociável. Se deve ter punição ou não, isso terá de ser decidido em última instância pelo Supremo.”

Vannuchi anunciou que a Justiça italiana pedirá ainda a condenação dos responsáveis por outra morte ocorrida nos anos de chumbo: a do guerrilheiro Libero Giancarlo Castiglia, nascido na Itália e morto durante as operações na guerrilha do Araguaia. O embaixador da Itália em Brasília já manifestou interesse na localização dos restos mortais de Castiglia para repatriação.

PEDIDO FORMAL

Logo após interrogar Nestor Jorge Fernandez Troccoli, ex-membro do serviço secreto da Marinha uruguaia, o procurador da República italiano, Giancarlo Capaldo, informou ontem, em Roma, que o ministro da Justiça, Tarso Genro, receberá nas próximas horas pedido formal de extradição dos brasileiros acusados de participação na Operação Condor.

Desde 1999, Cataldo investiga os crimes atribuídos aos regimes militares latino-americanos durante as décadas de 70 e 80. Tudo teve início quando as famílias de 25 vítimas italianas apresentaram denúncias e recorreram à Justiça de seu país.

Na segunda-feira, a juíza Luisanna Figliolia pediu a custódia cautelar de 140 pessoas supostamente envolvidas na Operação Condor, entre elas 13 brasileiros, 61 argentinos, 22 chilenos e 32 uruguaios. Inicialmente a lista reunia mais de 200 indiciados, mas com o passar dos anos o número se reduziu porque alguns morreram. É o caso, por exemplo, do general Walter Pires, ministro do Exército durante o governo de João Baptista Figueiredo.

Entre os brasileiros estão Carlos Alberto Ponzi, ex-chefe do SNI em Porto Alegre; Agnello de Araújo Brito, ex-superintendente da Polícia Federal do Rio; Antônio Bandeira, ex-comandante do 3° Exército; Henrique Domingues, ex-comandante do Estado-Maior do 3° Exército; Luís Macksen de Castro Rodrigues, ex-superintendente da PF no Rio Grande do Sul; João Oswaldo Leivas Job, ex-secretário de Segurança no Rio Grande do Sul; Átila Rohrsetzer, ex-diretor da Divisão Central de Informações; Marco Aurélio da Silva Reis, ex-diretor do Dops no Rio Grande do Sul; Octávio de Medeiros, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI); Euclydes de Oliveira Figueiredo Filho, ex-comandante do 1º Exército, e Edmundo Murgel, ex-secretário de Segurança no Rio.

Os brasileiros são acusados de colaborar com o seqüestro e a morte de Horacio Domingo Campiglia e com a Operação Condor, esquema de repressão que uniu os regimes militares da América do Sul. “O teor da colaboração dos países latino-americanos envolvidos na Operação Condor será um indício do respeito que possuem pelos direitos humanos”, disse Capaldo.

Giancarlo Maniga, advogado de algumas das famílias de vítimas italianas, afirmou ao Estado que elas “esperam que seja feita justiça e os responsáveis por páginas obscuras da história sejam punidos, salvando pelo menos a memória de seus parentes”.

Por enquanto, apenas um dos acusados, o uruguaio Troccoli, que continua a declarar-se inocente, está preso. Outros expoentes citados na lista de Capaldo são o ex-general argentino Jorge Rafael Videla, o almirante argentino Emilio Eduardo Massera e o uruguaio Jorge Maria Bordaberry.


FRASES

Paulo Vannuchi
Ministro da Secretaria dos Direitos Humanos

“A única consulta feita sobre a legalidade dessa Lei de Anistia foi feita ao STJ. Esse não é o tribunal constitucional do Brasil”

Giancarlo Capaldo
Procurador italiano

“O teor da colaboração dos países latino-americanos envolvidos na Operação Condor será indício do respeito pelos direitos humanos”
Na fronteira com as Farc


Como é a vida dos militares brasileiros no pedaço da Amazônia dominado pelos guerrilheiros colombianos

PATRULHA
Soldados sobem o Rio Uaupés, no Amazonas, na fronteira com a Colômbia. A guerrilha vive do tráfico de drogas e de armas

Bem ao lado da comunidade indígena de Querari, na fronteira do Brasil com a Colômbia, há um pelotão do Exército com 60 homens. O lugar está a 30 quilômetros dos acampamentos mais próximos das Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Por aquele trecho de selva passam carregamentos de pasta de coca com destino ao Brasil. O pelotão sabe disso. Mas pouco pode fazer. Os soldados de Querari vivem na penúria. Os de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, também não conseguem controlar o narcotráfico, o contrabando e o tráfico de armas. Para entender os riscos nos pontos mais remotos do país, nas últimas semanas ÉPOCA percorreu as fronteiras com a Colômbia e com a Venezuela. Por ali, a presença do Estado é rara. Mesmo onde ela existe, a falta de estrutura e o despreparo de nossas sentinelas são um convite à ilegalidade, como mostram as duas reportagens a seguir.

O sol acaba de se pôr e, sobre as águas do Rio Uaupés, na fronteira do Brasil com a Colômbia, desponta uma embarcação. É um bongo, como os nativos chamam as canoas que servem de condução pelas águas da Amazônia. Bem em frente ao pelotão de fronteira do Exército brasileiro, em Querari, um soldado manda que o condutor se aproxime da margem. A bordo estão duas mulheres, três homens e uma criança. São colombianos e levam bolsas e sacos de náilon abarrotados, supostamente com roupas e alimentos. O soldado, fuzil a tiracolo, faz uma revista superficial. É o suficiente para irritar o passageiro mais velho, identificado como Victor Villegas, de 47 anos. Villegas fecha a cara, descontente com a ação militar. “Sou assistente de saúde do governo”, diz. O grupo está a caminho de Mitú, capital do Departamento de Vaupés, reduto das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc. Nenhuma sacola foi aberta. A vistoria feita pelo soldado brasileiro é encerrada, e os colombianos seguem viagem.

A cena, corriqueira por ali, retrata a vulnerabilidade das fronteiras do Brasil na Região Norte. Mesmo nos lugares onde há postos de vigilância é fácil atravessar de um lado para outro. A ausência de controle rigoroso, somada às dificuldades que o isolamento impõe aos militares em serviço nos 28 regimentos espalhados pelos 11.000 quilômetros de linha fronteiriça do Brasil na Amazônia, abre espaço para a ilegalidade. Ao longo dessas fronteiras, vicejam o narcotráfico, o contrabando e o tráfico de armas. Até militares desafiam a lei. Alguns têm filhos com meninas índias, menores de idade. Agora há também os que investem numa atividade paralela que se transformou em negócio lucrativo: a compra do ouro explorado ilegalmente pelos garimpeiros.

"Se os soldados encontrarem cocaína das Farc, tenha certeza de que os guerrilheiros vão querer recuperar o que foi apreendido.
Não estamos preparados para isso"
Oficial do Exército brasileiro

Menos de três horas após a passagem quase incólume do bongo do colombiano Villegas, o comandante do pelotão brasileiro, tenente Adrien Costa Brelaz, chama para conversar dois de seus comandados mais experientes naquele pedaço de selva. A reunião, que antecede o jantar, é numa das casas de madeira do destacamento. Os cabos M. Rodrigues e Vásquez são índios da região. Um é da etnia tucano. O outro é cubeu. O tenente s é recém-chegado. Diante do repórter de ÉPOCA, ele pergunta aos dois cabos se é comum a passagem de guerrilheiros das Farc por aquele trecho do Rio Uaupés. A resposta é positiva. “Eles costumam passar com algum conhecido e dizem que são agentes de saúde do governo colombiano”, afirma Rodrigues. O jovem tenente, de 21 anos, parece assustado. A cena descrita é igual à que ele assistira no fim daquela tarde.

Não que o bongo de Villegas estivesse necessariamente transportando alguma mercadoria suspeita. Por ali também passa gente comum que transita entre Brasil e Colômbia, principalmente para comprar mantimentos em São Gabriel da Cachoeira, a cidade mais bem estruturada da região, distante 500 quilômetros por via fluvial. Mas a coincidência entre a cena do fim da tarde e o relato dos cabos índios deixa o tenente intrigado.

É só o começo. O pelotão de fronteira de Querari tem muitas outras debilidades. Na mesma tarde, para patrulhar o rio, foi preciso pedir gasolina aos índios da aldeia cubeu. O estoque de combustível do pelotão havia acabado na véspera. “Estamos esperando chegar mais combustível”, dizia o tenente. Como a unidade está num lugar isolado, é preciso esperar que a Aeronáutica traga os suprimentos em aviões que costumam demorar dois meses para tocar na pista de pouso entre o pelotão e a aldeia de Querari. A água que se bebe é da chuva, temperada suavemente com o gosto alcalino do zinco, dos telhados das casas.

A energia elétrica, compartilhada com os índios, vem de uma microusina movida pela queda-d’água de uma barragem. Há também um gerador, mas falta óleo para fazê-lo funcionar. Resultado: a energia é racionada. Das 22 horas até o amanhecer, o pelotão e a aldeia ficam no escuro. Sem energia, o único aparelho de radiocomunicação do destacamento não funciona – um problema que amplia ainda mais o isolamento. O aparelho passa boa parte do tempo sem emitir nem receber sinal. Quando o pelotão está sob tempestade, situação comum na Amazônia, ele é desligado para não correr o risco de ser danificado por um raio. Se houver necessidade, pedir reforço ao batalhão de São Gabriel pode ser algo impossível.

OLÉ
Para encerrar uma semana esportiva, o comando do batalhão resolveu fazer um churrasco de comemoração. O problema foi laçar o boi Bandido, que driblou os soldados por cinco horas até ser capturado e morto

Do mesmo modo que em Querari, os outros pelotões de fronteira espalhados pela região sofrem. “Faltam recursos para que possamos manter melhor esses pelotões”, afirma o general Augusto Heleno Ribeiro, comandante militar da Amazônia (leia a entrevista à página 45). A carência interfere diretamente na qualidade do serviço e põe em xeque a atividade-fim dos pelotões: guarnecer a linha de fronteira. “Se os soldados forem meticulosos ao fazer a revista de um barco desses e encontrarem quilos de pasta de cocaína das Farc, tenha certeza de que os guerrilheiros vão querer invadir o pelotão para recuperar o que foi apreendido. Não estamos preparados para o confronto”, afirmou a ÉPOCA um oficial graduado acostumado à realidade na região. O poder de fogo das Farc assusta. Os guerrilheiros costumam usar armamento potente, como fuzis russos AK de última geração. Os militares brasileiros possuem apenas fuzis Parafal, em uso há 43 anos.

Tristes memórias não faltam para ilustrar o temor de um enfrentamento. Em 1991, três sentinelas do Exército morreram e outras nove ficaram feridas num ataque da guerrilha ao destacamento de Vila Esperança, às margens do Rio Traíra, na mesma região da Amazônia. Depois disso, já houve outros incidentes. No mais recente, no ano passado, militares brasileiros trocaram tiros com quatro supostos guerrilheiros no pelotão de Cucuí. Do lado de lá, falar da guerrilha é pedir para encerrar a conversa. “Não tem Farc por aqui”, diz Rafael Gómez, índio guanano da comunidade de Montenegro, na margem oposta do Rio Uaupés, em território colombiano. Em plena tarde, a aldeia mais parece uma vila fantasma. Seu Rafael e outros dois índios são as únicas almas vivas ali naquele momento. Tentam montar uma garrucha velha, enquanto o restante da tribo trabalha nas roças de abacaxi.

Onde estão nossos soldados
O Brasil tem um pequeno contingente de militares para vigiar as fronteiras na Selva Amazônica

Já não há dúvidas, nem mesmo entre os comandantes militares, de que as Farc agem também do lado de cá da fronteira. Em volta de São Gabriel da Cachoeira, na região conhecida como Cabeça do Cachorro pela silhueta no mapa, atuam duas frentes da guerrilha: a Frente 1 e a Frente 16. A primeira é a mais próxima de Querari. Reúne 300 guerrilheiros. Os primeiros acampamentos estão a menos de 30 quilômetros do pelotão. Mitú, distante apenas 50 quilômetros do destacamento brasileiro, já chegou a ser completamente dominada pela guerrilha. Do outro lado da Cabeça do Cachorro, mais perto do pelotão de Cucuí, a área é da Frente 16, uma das mais fortes de toda a estrutura das Farc. Ela é responsável pelos negócios da guerrilha: da gestão da pasta de coca produzida em seu “território” à movimentação do dinheiro obtido com a negociação da droga, passando pela aquisição de armas.

Época

TRÂNSITO LIVRE
Militar brasileiro vistoria barco colombiano.
Mesmo onde há postos de vigilância é fácil ir de um lugar para o outro

Do lado brasileiro, mesmo um tanto distante da linha de fronteira, São Gabriel é uma espécie de entreposto desse mercado. Os militares dizem que as mercearias do lugar, que vendem no atacado, são responsáveis por abastecer os acampamentos das Farc, do lado colombiano da fronteira. O trânsito de embarcações, de pequenas aeronaves e de nativos de um lado para o outro é intenso. É nesse vaivém que se dá o intercâmbio entre o Brasil e a guerrilha, num movimento que deixa as autoridades com sensação de impotência. “Os cidadãos colombianos passam para o lado brasileiro e não está escrito na testa que são das Farc”, diz o general Heleno. O que mais preocupa é a moeda dada em troca da comida enviada para a guerrilha. “O pagamento muitas vezes é feito em droga. Isso é sinal de que pode haver laboratórios dentro do território brasileiro para transformar a pasta de coca em cocaína”, afirma Heleno.

O fluxo é sempre o mesmo: coca para cá e para lá, comida, dinheiro, produtos químicos usados no refino da droga e, não raro, armas do mercado negro. O Exército hesita em agir por avaliar que não tem as condições necessárias para isso. A Polícia Federal, que mantém um pequeno efetivo na região, pouco pode fazer. No posto de São Gabriel, na semana passada, havia apenas dois policiais federais em serviço.

A maioria dos militares dos pelotões de fronteira é formada por índios de diferentes etnias, que vêem na farda uma forma de ganhar algum dinheiro. A não ser pela cor da pele, os olhos puxados e os cabelos pontudos, pouco guardam da cultura indígena. Mal se lembram de seus nomes originais. Josuel dos Santos Mesquita tem 22 anos. Exímio mateiro, 1,55 metro de altura, é da etnia barasana. Entrou para o Exército como recruta. Hoje é o Cabo Mesquita. “Eu tinha um nome indígena, mas já esqueci”, diz. “É coisa dos missionários, que batizaram a gente com os sobrenomes deles.” O soldo do cabo é de R$ 1.300, depositado mensalmente pelo Exército. Quem movimenta a conta bancária, num vilarejo distante dali, é uma irmã de Mesquita. No meio da selva, o cabo nem vê o dinheiro. “Ela está juntando para mim”, afirma.

Os soldados só treinam tiros de dois em dois meses.
O armamento é um fuzil em uso há 43 anos no Exército

O isolamento que torna difícil a vida nos pelotões de fronteira constrói um ambiente que se rege por normas próprias. O efetivo militar e as comunidades indígenas ao redor se tornam uma coisa só. E nem sempre a convivência é harmoniosa. Só em Querari, três índias da tribo cubeu, situada ao lado do pelotão, tiveram filhos com militares. Duas delas têm menos de 18 anos. Caso de Janete Edilene Rodrigues, de 17. Mãe solteira, ela carrega no colo o pequeno João Marcos, de 10 meses. O pai dele, o soldado Hélder Sarmento Ribeiro, de 26, é branco e serve no pelotão como sentinela. Os pais de Janete não gostaram de saber da gravidez da filha. “Eles mandaram casar, mas não tenho condições”, diz o soldado. De vez em quando, ele leva comida para o filho na aldeia. Janete afirma que os soldados procuram as meninas da comunidade e vice-versa. “Às vezes são eles que procuram, às vezes são as meninas daqui que vão atrás”, diz.

Dos militares com filhos na aldeia, Hélder é o único que ainda está ali. “Os outros dois já foram embora daqui e deixaram os filhos para trás”, diz Eduardo Martinho Gonçalves, de 45 anos, agente sanitário e uma espécie de conselheiro da comunidade. “As meninas estão aprendendo essas coisas com as novelas.” E aponta para as antenas parabólicas entre as malocas.

NO ESCURO
A energia do quartel vem de uma microusina movida à queda-d’água e de um gerador a óleo. Quando falta eletricidade, o único rádio dos militares não funciona

Outro problema recorrente é o alcoolismo. Bebidas alcoólicas industrializadas são proibidas nas áreas indígenas. Só caxiri, fermentado à base de mandioca produzido pelos índios nos fins de semana, é permitido. Às escondidas, tanto os índios quanto os militares – sujeitos às mesmas proibições – conseguem arrumar garrafas de rum e outras bebidas. Quase sempre, do lado colombiano. Quando não conseguem, improvisam a bebedeira misturando álcool etílico e até desodorante com frutas. “Por causa de problema de alcoolismo, a gente já teve até um caso de síndrome do pânico aqui”, diz o médico do pelotão, Diogo Capobianco, que também atende os índios. A paciente era uma menina que assistia ao pai, bêbado, bater na mãe.

A vida na selva já tem muito dos costumes dos brancos. Bem no meio da aldeia, a cena de crianças índias botando formigas cabeçudas para brigar em cima de um velho tonel emborcado contrasta com o volume da música sertaneja que sai de dentro de uma das malocas. “É Bruno e Marrone”, afirma Luís Gilberto Gomes, cubeu de 25 anos que ainda tem esperança de ser chamado para servir no pelotão.

Ao mesmo tempo que impõe sacrifícios, o isolamento oferece oportunidades – nem sempre limpas – de enriquecimento. No pelotão de fronteira de Maturacá, no sopé do Pico da Neblina, já na fronteira com a Venezuela, militares estão ganhando dinheiro no mercado negro do ouro. Compram o metal precioso de garimpeiros, que atuam ilegalmente nas dezenas de garimpos em volta do pico, e revendem no comércio de São Gabriel ou mesmo em Manaus. Eles ignoram uma norma do Exército que proíbe o envolvimento de militares com o comércio de ouro. Na mão dos garimpeiros, os militares conseguem comprar o grama do metal a R$ 28. Em São Gabriel, vendem a R$ 38. “Se souber fazer direito, dá para ganhar um bom dinheiro com isso”, disse um militar a ÉPOCA, sob a condição do anonimato. Na Bolsa de Mercadorias & Futuros, de São Paulo, o grama do ouro tem sido negociado a R$ 48.

A corrida pelo ouro tem gerado desavenças entre os próprios militares. Os oficiais e suboficiais com soldos mais altos podem oferecer mais aos garimpeiros. Os soldados ficam prejudicados na concorrência. Em São Gabriel, não faltam interessados em recomprar o ouro que os militares adquirem nos garimpos. São cinco as joalherias que funcionam na cidade. Apesar de o mercado ser concorrido, alguns militares estão conseguindo mudar de vida graças ao ouro. Dentro do quartel, é comum ouvir casos de praças que montaram negócios na cidade. Alguns já planejam até largar a farda.

Embora os desafios para o Exército se multipliquem na região, o preparo dos soldados de fronteira para operações de combate é uma incógnita. Um episódio ocorrido em Querari, no início de dezembro, ilustra a preocupação com a eficiência de nossos soldados. O comandante do pelotão, tenente Adrien, autorizou que fossem mortos a tiros seis cachorros que vivem soltos no pelotão. Os soldados diziam que os vira-latas estavam incomodando. O tenente lhes deu um pente de munição de fuzil e liberou seis balas. Os soldados gastaram os seis tiros e não acertaram nenhum cachorro. Houve uma segunda chance. Desta vez, de pistola. Três balas para usar contra P.U., vira-lata que dias antes atacara um soldado. Os disparos foram feitos a uma distância menor que 2 metros. Mais três tiros errados.

Na quinta-feira 6, os soldados saíram para laçar Bandido, um boi criado na área do pelotão. O animal viraria churrasco no dia seguinte, numa festa para encerrar uma semana de competições esportivas no destacamento. Antes, porém, Bandido deu um drible na tropa por cinco horas até ser morto a machadadas. Sem conseguir dominar o animal, os soldados pediram autorização ao comandante para usar um fuzil. A resposta foi não. Errar os tiros contra os cachorros abalou a confiança do comandante na precisão dos subordinados. “Se eu deixar, vocês vão acabar acertando alguém por aí. É melhor não”, disse o tenente Adrien. A culpa pela má pontaria talvez não seja só dos soldados. Treinamento de tiro ali só acontece de dois em dois meses. Sorte dos cachorros.


ALERTA
“Nossas fronteiras são altamente vulneráveis”
3 perguntas para Augusto Heleno Ribeiro
O general-de-exército Augusto Heleno Ribeiro, chefe do Comando Militar da Amazônia, fala da vigilância nas fronteiras da região

As Farc, que agem bem próximo da fronteira, oferecem risco ao Brasil?
A gente tem certeza de que as Farc se abastecem no Brasil. É claro que o camarada não vem ao Brasil como guerrilheiro. Ele vem como cidadão colombiano, compra algumas coisas, e o comerciante brasileiro entrega a mercadoria lá. O pagamento, muitas vezes, é droga. Isso nos preocupa, porque, se esse pagamento é feito em pasta de coca, podem estar montando laboratórios dentro do território brasileiro para transformar a pasta em cocaína.

O armamento de Hugo Chávez preocupa?
O fato de a Venezuela se armar é direito de um país soberano, independente, que tem dinheiro. De forma imediata, para nós, a Venezuela continua sendo vista como um país amigo.

Qual é a principal ameaça na fronteira amazônica?
Em termos de soberania, de integridade territorial, não há risco. Não estamos preparados é para combater o ilícito. Existem organizações não-governamentais que fazem trabalhos por baixo do pano, colhem informações, levantam nossas reservas de minério. Estão trabalhando para o futuro. Circulando pela Amazônia, percebem-se presenças estrangeiras inexplicáveis em determinadas áreas. A biopirataria é um exemplo disso. Onde é rarefeita a presença do Estado, o ilícito ganha espaço.
"Pede para sair, esquerda embolorada"



Divulgação
O Capitão Nascimento, em Tropa de Elite: efeito catártico e tiro no ideário do bandido-vítima

Nas democracias, divisões ideológicas costumam manifestar-se com estridência nas campanhas eleitorais. Em tais ocasiões, excessos retóricos são perdoáveis, desde que não firam os valores e processos fundamentais para a manutenção do jogo acordado. Dois mil e sete foi uma exceção a essa regra tácita. Apesar de os brasileiros não terem ido às urnas, o ano foi marcado por debates em que certo ideário se apresentou mais exacerbado do que o habitual – e em vários graus além do tolerável, já que seguidores seus tentaram, agora sem meias palavras, sobrepor seus equívocos políticos aos metros (morais e racionais) balizadores das sociedades que se pretendem civilizadas. De acordo com esse ideário – de matriz esquerdista –, a criminalidade se justifica porque é fruto da miséria, e a polícia, sempre corrupta, está a serviço da "burguesia exploradora". Como se não bastasse, os cidadãos ricos devem ser alvos de "vinganças sociais" e a ignorância popular é redentora.

Essas visões são de um despropósito ululante. Mas, ainda assim, elas encontram ressonância no Brasil, como a demonstrar a boutade de Roberto Campos, segundo a qual a burrice no país tem um passado glorioso e um futuro promissor. Diz o cientista político Denis Rosenfield: "O Brasil vive hoje sob o império do politicamente correto, que se traduz em chavões pescados do pensamento esquerdista do século XX. O primeiro desses chavões afirma que não existe problema penal, tudo é uma ‘questão social’. Isso não passa de um analfabetismo político sem tamanho, porque a esfera do social não equivale à esfera da criminalidade. Existem intersecções, não equivalência. O segundo chavão defende que autoridade é igual a autoritarismo. E o terceiro prega que todo signo de riqueza é sinônimo de exploração e precisa ser rechaçado. As pessoas condenam o lucro e a livre escolha do sujeito de fazer o que quiser com o dinheiro que ganhou com seu trabalho. Tudo isso é um grande absurdo. Desde o século XVII, não existe um cientista político sério que não diga que a função primeira do estado é proteger o cidadão física e juridicamente".

Simone Marinho/Ag. O Globo
O apresentador Luciano Huck: vítima dos ladrões e da ideologia caduca


A inflamação ideológica contaminou, particularmente, as discussões em torno de três temas: o filme Tropa de Elite, do diretor José Padilha, o assalto sofrido pelo apresentador Luciano Huck, em São Paulo, e o livro A Cabeça do Brasileiro, escrito pelo sociólogo Alberto Carlos Almeida. É compreensível, embora não aceitável, que esses assuntos tenham despertado a belicosidade nas hostes da esquerda. Afinal de contas, para desespero dessa gente, cada um deles talvez represente, a sua maneira e proporção, o início de uma inflexão rumo àquela modernidade promulgadora do bem-estar e felicidade geral da nação. Que a possibilidade também se tenha oferecido sob os modos de um Capitão Nascimento, personagem de Wagner Moura em Tropa de Elite, é apenas um sinal trocado dos quais a ficção é pródiga em seus momentos reveladores.

Onze milhões de pessoas assistiram ao filme de José Padilha, no cinema e em cópias piratas. Para a maior parte dos espectadores, o efeito de Tropa de Elite foi, antes de mais nada, catártico. A ferocidade do Capitão Nascimento no trato com os bandidos vingou-os, na tela, do terrorismo que os criminosos lhes impingem no cotidiano. Os ideólogos aproveitaram-se dessa catarse para conferir ao filme de sucesso tonitruante uma moldura ao estilo dos programas "mundo cão" e, desse modo, esvaziar as suas verdades. Mas em que consistem, afinal de contas, os "pecados" de Tropa de Elite? Em mostrar que o caminho do crime é uma opção individual, que os consumidores de drogas da classe média são cúmplices dos traficantes e que, sim, existem policiais honestos – os quais, desamparados pelo estado corrupto e omisso, são obrigados não raro a descambar para a truculência até por razões de sobrevivência. Resume o sociólogo Demétrio Magnoli: "A tese – falsa e preconceituosa – de que a criminalidade é produto da pobreza é sustentada pela classe política de esquerda. Ela se recusa a discutir uma política de segurança pública para o país. Mas essa recusa é tão restrita a esse círculo político e tão pequena na sociedade que, quando surge um Capitão Nascimento – que faz a lei, mesmo fora da lei –, ele se torna um herói popular. O filme ajudou a levantar um aspecto muito importante: é preciso cobrar responsabilidade individual pelas opções de cada um – o criminoso não deve ser tratado como representante de uma classe sem escolhas".

Roberto Setton
A falta de estudo, como demonstrou o sociólogo Almeida, puxa o país para trás,...
Vidal Cavalcante/AE
...enquanto o conhecimento das "elites" o impele para a frente

A falácia de atribuir à pobreza o caos da segurança pública brasileira caiu como foice e martelo sobre a cabeça de Luciano Huck. Abordado no trânsito por um motociclista armado que lhe roubou o Rolex, o apresentador escreveu um artigo para o jornal Folha de S.Paulo, no qual relatava o ocorrido e expressava a sua indignação e perplexidade com a falta de segurança dos cidadãos de bem. Foi o que bastou para acender a ira dos ideólogos. Eles simplesmente revogaram o direito de Huck de reclamar. Um energúmeno chegou a escrever que o apresentador deveria sentir-se satisfeito, porque a troca fora justa: Huck havia saído com vida do assalto, e o "correria" com seu Rolex. "Os valores no Brasil se inverteram a tal ponto que as pessoas acham que alguém bem-sucedido como Luciano Huck tem de ser roubado e ficar calado, porque já teve privilégios demais na vida", diz o professor de ciência política David Fleischer, da Universidade de Brasília.

"Os valores no Brasil se inverteram a tal ponto que as pessoas acham que alguém bem-sucedido como Huck tem de ser roubado e ficar calado, porque já teve privilégios demais na vida."
David Fleischer, cientista político

Há décadas, os ideólogos esquerdistas demonizam as "elites", das quais Huck é integrante. Culpam-nas pela pobreza, pelo subdesenvolvimento, pelo descaso. Isso até pode continuar a ser verdade em relação aos coronéis do Nordeste. Mas o Brasil, apesar de todos os percalços e mazelas, sofreu metamorfoses extraordinárias. Hoje, suas "elites", além de mais amplas, são mais bem educadas e, por isso mesmo, mais conscientes e desprovidas de preconceitos. Não se trata de impressão, mas do resultado de uma vasta pesquisa levada a cabo pelo sociólogo Alberto Carlos Almeida e condensada em A Cabeça do Brasileiro (Editora Record).

Ao confrontar iletrados e menos ou mais escolarizados com questões sobre política, economia e comportamento, Almeida constatou que a quantidade de anos de estudo é diretamente proporcional à formação de uma cabeça mais arejada. Como, no Brasil, mais educação associa-se necessariamente ao topo da pirâmide social, isso quer dizer que os mais ricos são mais modernos que os mais pobres. Ou seja, a ignorância da massa puxa o país para trás e o conhecimento das "elites" o impele para a frente, ao contrário do que apregoam as viúvas marxistas, com seu blablablá sobre a consciência originada da miséria e por aí vai. Previsivelmente, Almeida foi malhado, ironizado e vilipendiado. Por desespero de causa, é claro. O livro, somado a Tropa de Elite e ao desabafo de Luciano Huck, pode ser sinal, como já se disse, de uma inflexão, de que algo está mudando para melhor no Brasil. "O ano de 2007 foi aquele em que as ‘vacas sagradas’ da esquerda começaram a ser contestadas mais fortemente. Isso é uma novidade", diz Magnoli. Em outras palavras, a burrice talvez não tenha um futuro tão brilhante no país.

Foto Marcos Issa/Ag. Argos

Veja

26.12.07

Juíza manda PT pagar publicitário petista

Fausto Ferraz ganhou direito de receber R$ 544 mil por serviços em campanha de 2002 em MT; partido pode recorrer

Segundo marqueteiro, pagamento foi suspenso com a queda de Delúbio; Diretório Nacional diz que dívida é do PT estadual


O publicitário petista Fausto Ferraz, 41, ganhou na Justiça o direito de receber do Partido dos Trabalhadores R$ 544 mil por serviços prestados e não pagos durante a campanha eleitoral de 2002. A direção do PT pode recorrer.
O publicitário cuidou da campanha petista em Mato Grosso, após indicação do então vice-presidente do PT mineiro, Romênio Pereira, hoje secretário nacional de Organização do PT.
"Tínhamos candidaturas importantes como a da senadora Serys Slhessarenko e a do deputado federal Carlos Augusto Abicalil, mas a nossa prioridade era a disputa presidencial", diz Ferraz que, na mesma época, filiou-se ao partido.
Segundo o publicitário, o pagamento foi interrompido em 2005 com a queda do ex-tesoureiro Delúbio Soares, apontado como um dos operadores do mensalão. "Eu negociei o contrato de R$ 490 mil com Delúbio. Depois dessa história, não foram pagos R$ 251 mil."
Em agosto deste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) abriu processo criminal para apurar a suposta participação de Delúbio e de outras 39 pessoas no mensalão, como ficou conhecido o escândalo de compra de voto da base de apoio do governo federal.

Decisão
Em novembro, a juíza Edleuza Zorgetti Monteiro da Silva, da 5ª Vara Civil do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, reconheceu o direito de Ferraz e condenou o diretório estadual a pagar R$ 544.389,64 -soma do valor em atraso mais multa.
A decisão é de primeira instância e o PT pode recorrer.
Para o publicitário, a dívida é do Diretório Nacional, que teria se comprometido a assumir o pagamento mensal.
"Desde o início ficou acordado que o valor seria assumido pelo PT Nacional. À época, Delúbio explicou que o PT de Mato Grosso não tinha nenhuma condição de arcar com esse pagamento, pois tinha uma estrutura muito precária", diz.
Reportagens de três jornais de Cuiabá, do dia 1º de agosto de 2002, registram a contratação do publicitário. Numa delas, publicada em "A Gazeta", o então membro da coordenação de campanha estadual , Paulo Xavier, que ainda integra o comando estadual do PT, diz que "há garantia de que a Direção Nacional irá arcar com todas as despesas do trabalho do marqueteiro".
Cópias das reportagens foram anexadas ao processo.
"Não queria fazer barulho para não prejudicar o PT. Tentei resolver internamente, procurei a comissão de ética do partido, mas não consegui nada", afirma Ferraz.
O publicitário diz que, além da campanha estadual, também durante a eleição de 2002, ajudou na arrecadação de verbas para a campanha presidencial de Lula. "Quero mandar um recado para Lula: é justo um cara que te ajudou tanto durante a campanha passar por isso? Acontece uma coisa dessas com Delúbio e eu fico sem receber? Eu sou o punido? Como essas pessoas que nem pagam uma dívida querem se perpetuar no poder?", indaga.
(LILIAN CHRISTOFOLETTI)- Folha

19.12.07

CMPF, carnaval e fúria

Tu fingiste que me enganaste, /eu fingi que acreditei; /foste tu que me enganaste /ou fui eu que te enganei? Velha quadrinha mineira

Neste governo, tudo o que é rotina vira drama e todos os dramas se transformam em rotinas. Confunde-se ressentimento com governabilidade, rotina administrativa com autoritarismo, e retaliação com advertência. No caso do julgamento pela prorrogação ou extinção da CMPF, vimos, mais uma vez, a nudez carnavalesca da política nacional e, com ela, a atualização da velha quadrinha mineira que glorifica a insinceridade, o algumas coisas: a nossa trajetória, nossos interesses, projetos e coisas que tal. É fascinante, embora seja trágico, viver numa sociedade capaz de justificar tudo, menos a capacidade de honrar alguma coisa que vai além dos projetos imediatos dos seus membros.

Será que o ’poder’ justifica tudo? Seria ele apenas um mecanismo concentrador de tudo o que sociedade produz, a ponto de fazer com que o Estado englobe tudo, inclusive o sistema cultural e social que o sustenta? Ou seria o poder a capacidade de articular interesses partidários (que pertencem a classes sociais e categorias profissionais especificas) a valores e necessidades nacionais? Juntar país e interesse partidário, Estado e sociedade não seria a base do poder moderno, democrático e necessariamente pragmático que pensa nos impostos como um meio de melhorar a sociedade?

Nesse sentido, o que o debate sobre a CPMF colocou em cena foi a nossa incapacidade de pensar o bom uso dos recursos que, na forma de impostos, seguem sempre da sociedade para o Estado. Fica para mim evidente que, no Brasil, há o desígnio de que o imposto pertence ao governo, como se ele nada devesse à sociedade a qual ele é, afinal de contas, imposto! Ora, se a CMPF jamais foi aplicada com eficiência na saúde, então não há por que anunciar um desastre que jamais ocorreu porque o nosso sistema de saúde é, para desgraça e vergonha nossa, além de desastroso, vergonhoso. Mas há, sim, que tomar essa oportunidade para discutir de modo mais sincero e menos eleitoreiro nesta área, pensando mais nos doentes e menos nos cargos e no partidarismo. Pois, no fundo, resta a questão: para que, afinal, servem os impostos?

Roberto Damatta

16.12.07

El narcosantuario de las FARC!!!!!

El narcosantuario de las FARC!!!!!


La guerrilla colombiana de las FARC ha encontrado su santuario en la Venezuela de Hugo Chávez. Cuatro desertores y varias fuentes de los servicios de inteligencia y diplomáticos detallan a EL PAÍS la extensa y sistemática cooperación que determinadas autoridades venezolanas brindan a las FARC en sus operaciones de narcotráfico.

Según los desertores, las autoridades venezolanas dan protección al menos a cuatro campamentos de la guerrilla colombiana

Fuentes de inteligencia afirman que tienen información "sólida" de que Ingrid Betancourt está en Venezuela

Marcelo, desertor de las FARC: "La Guardia Nacional y el Ejército ofrecen sus servicios a cambio de dinero"

Algunos desertan de la guerrilla colombiana porque se sienten traicionados por sus jefes, hundidos ante la percepción de que el capitalismo salvaje del narcotráfico ha suplantado el altruismo socialista que les impulsó a tomar las armas. Otros se van porque sienten necesidad de volver a la vida familiar. Y otros porque, de repente, se convencen de que, si no huyen, morirán, como es el caso de Rafael, que desertó en septiembre tras año y medio operando en una de las bases de las Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC) dentro de territorio venezolano.

La lógica de Rafael es, a primera vista, perversa. Por un lado porque, como guerrillero desertor, que ha regresado a Colombia, sabe que vivirá el resto de sus días bajo la amenaza permanente de que sus ex compañeros lo asesinen; por otro, porque la lógica dice que para las FARC la vecina Venezuela es un refugio seguro. Las FARC comparten la ideología bolivariana del presidente Hugo Chávez, y el Ejército colombiano no se arriesgaría a violar la ley internacional y cruzar la frontera.

"Todo eso es verdad", explicó Rafael. "El Ejército colombiano no cruza la frontera, y la guerrilla tiene un pacto de no agresión con los militares venezolanos. El Gobierno venezolano deja a las FARC operar libremente porque comparten el mismo pensamiento bolivariano, y también porque las FARC pagan sobornos a su gente".

Entonces, ¿de qué ha huido?

"De una peligrosidad mucho mayor a la que me enfrento ahora: de los combates casi diarios dentro de Venezuela con los elenos [la guerrilla del ELN]".

Pero ¿no comparte el Ejército de Liberación Nacional los principios marxistas que llevaron a ambas organizaciones a la guerra hace 40 años? "Puede ser", responde Rafael, "pero esto no tiene nada que ver con política. La lucha con el ELN es por las rutas del tráfico de cocaína. Hay muchísimo dinero en juego en esa zona fronteriza donde la droga entra desde Colombia. Porque la línea más segura para llevar droga a Europa es por Venezuela".

EL PAÍS ha hablado con Rafael, que militó como guerrillero diez años, de los que tres estuvo en la cárcel, y con otros tres desertores de las FARC que se han entregado al Gobierno colombiano, acogidos por un programa de reinserción a la vida civil; también ha tenido acceso directo en Colombia y a diplomáticos y fuentes de alto nivel de los servicios de inteligencia y seguridad de varios países, individuos cuya peligrosa misión (por esto y en algunos casos por motivos políticos, insistieron en el anonimato antes de hablar con EL PAÍS) consiste en combatir el terrorismo y el narcotráfico internacional. Ambos objetivos confluyen en las FARC, más potente que cualquier cartel en el mercado global de la cocaína y calificada por la UE y EE UU como "organización terrorista".

Lo que aseguran un diplomático europeo y diversas fuentes oficiales a las que ha tenido acceso EL PAÍS es que existe complicidad y compenetración de elementos importantes del Estado que preside Hugo Chávez en las actividades mafiosas y militares de la organización guerrillera más antigua del mundo. La conclusión a la que un diplomático europeo y todas las fuentes oficiales consultadas han llegado es que la complicidad es activa y constante a niveles operativos, en las zonas donde se despliega la actividad militar y narcotraficante; y más pasiva cuanto más alta la esfera del Gobierno venezolano, hasta llegar al presidente Chávez, al que ninguna fuente consultada -ni siquiera en el anonimato más extremo- acusa de complicidad directa con el gigantesco negocio del narcotráfico colombiano. Lo que a esos mismos medios les cuesta creer es que no esté enterado del grado de colusión que hay entre sus fuerzas armadas y los altos mandos de las FARC. También dudan de que no esté enterado del grado de involucración de las FARC en el tráfico de cocaína.

EL PAÍS, pese a sus numerosos intentos, no logró obtener -hasta el cierre la noche del jueves de esta edición- una reacción de las autoridades venezolanas a las declaraciones recogidas en este reportaje.

Se sabía ya que, durante varios años, las FARC habían utilizado el lado venezolano de la frontera colombiana como refugio. Pocos dudan de que, si no fuera por la cocaína -la gasolina que alimenta la guerra colombiana-, las FARC se habrían extinguido como las demás guerrillas latinoamericanas nacidas durante la guerra fría. Lo nuevo que revelan los testimonios recogidos por este diario es lo extensa y sistemática que es la cooperación en Venezuela con la narcoguerrilla en cuanto al transporte de la droga por aire, tierra y mar; al suministro de armas, y la protección sobre el terreno que reciben de sectores de las fuerzas armadas; y a la inmunidad legal de facto que les conceden elementos del Estado.

Se trata de un negocio ilegal gigantesco. Transita por Venezuela el 30% de las 600 toneladas de cocaína que se mueven anualmente por el mundo. Prácticamente la totalidad de la droga colombiana que sale por Venezuela tiene como destino Europa, con España y Portugal como principales puntos de entrada, y con un valor de mercado en las calles europeas por encima de los 10.000 millones de euros al año.

La infraestructura venezolana destinada al flujo de la cocaína ha crecido de manera exponencial, según las fuentes de inteligencia entrevistadas por EL PAÍS, durante los últimos cinco años de la presidencia de Hugo Chávez, cuya decisión de expulsar a la agencia antidroga norteamericana (DEA) de su país en 2005 fue celebrada tanto por las FARC como por sus socios en los carteles de droga convencionales. Como ha dicho Luis Hernando Gómez Bustamante, poderoso capo colombiano de la droga en manos de la policía de su país desde febrero, "Venezuela es el templo del narcotráfico".

Un diplomático europeo con muchos años de experiencia en América Latina expresó algo parecido de otra manera. "El país bolivariano, socialista, antiimperialista ejemplar que pretende crear Chávez está en vías de convertirse en un Estado narco, del mismo modo que las FARC se han convertido en guerrilleros narcos. Chávez quizá no lo entienda, pero este fenómeno corroerá a su país como un cáncer".

En cuanto al aspecto militar, o "terrorista", de las FARC, lo que los desertores entrevistados sostienen es que las autoridades venezolanas no sólo dan protección armada al menos a cuatro campamentos guerrilleros fijos en su país, sino que también hacen la vista gorda a programas de enseñanza que operan dentro de los campamentos para la fabricación de bombas. Rafael -alto, fibroso y de aspecto serio, correspondiendo a la imagen clásica del guerrillero latinoamericano- cuenta cómo él mismo fue adiestrado en Venezuela para participar en una serie de atentados en Bogotá, la capital colombiana. La colaboración se extiende supuestamente a la venta de armamento por las Fuerzas Armadas a las FARC; a proveer a miembros de la guerrilla con cédulas de identidad venezolanas, usando nombres falsos, y a los líderes de las FARC con pasaportes para que puedan viajar a Cuba y Europa; y a dejar que las FARC proporcionen entrenamiento militar a las Fuerzas Bolivarianas de Liberación. Las FBL, conocidas también como los boliches, son una guerrilla creada por el Gobierno de Chávez con el supuesto propósito de defender la patria en caso de invasión norteamericana.

La expresión internacional más visible del terrorismo de las FARC ha sido la práctica de secuestrar a individuos con fines económicos o políticos, como es el caso de la ex candidata a la presidencia colombiana Ingrid Betancourt. Algunas de las fuentes de inteligencia con las que se entrevistó EL PAÍS afirman que tienen información sólida de que las FARC la retienen en territorio venezolano. Rafael, que dijo que estaba a punto de ser nombrado para un puesto de mando importante justo antes de desertar, sostuvo que a principios de año, y quizá después, Betancourt se encontraba en un pueblo fronterizo venezolano llamado Elorza, en el Estado de Apure, bajo la custodia de Germán Briceño Suárez, alias Grannobles, miembro del estado mayor de las FARC y jefe del Frente 10, en el que operaba Rafael. La lógica es que Elorza, donde Grannobles tiene una finca grande y lujosa protegida, según fuentes de inteligencia,por la Guardia Nacional y conocida por los guerrilleros de las FARC como Rancho Grande, está alejado del conflicto militar, lo que reduce las posibilidades de que muriese en un enfrentamiento, lo cual generaría un problema de imagen grave para las FARC, ya que Betancourt es también ciudadana francesa, y el presidente Nicolas Sarkozy se ha esforzado para lograr su liberación.

Rafael, elocuente pero no fanfarrón, reconoció que él mismo no había visto a Betancourt, sino que compañeros guerrilleros se lo habían dicho, y no todas las fuentes consultadas por EL PAÍS concurrían con la tesis de que ella estaba en Venezuela. En lo que sí hubo unanimidad fue en que Grannobles, cuya extradición busca Estados Unidos por narcotráfico y por el asesinato de tres norteamericanos en 1999 en suelo venezolano, maneja la logística narcoguerrillera en Venezuela. También es enlace para operaciones conjuntas con capos de los carteles, uno de los cuales Rafael dijo haber llevado a una reunión en Rancho Grande.

El contacto de Chávez con las FARC, afirmaron las fuentes de inteligencia, se lleva a cabo a través de uno de los siete líderes máximos de las FARC, Iván Márquez, que también tiene una finca en Venezuela y que se comunica con el presidente a través de contactos con los altos mandos de los servicios de inteligencia venezolanos. Como explicó un desertor de las FARC que había ocupado un cargo propagandístico importante en la organización, "Las FARC comparten tres principios bolivarianos con Chávez: la unidad latinoamericana, la lucha antiimperialista y la soberanía nacional. Las coincidencias ideológicas llevan a la convergencia en el plano táctico".

Las ventajas tácticas que emanan de la solidaridad bolivariana logran, según las fuentes, su máximo rendimiento en lo relacionado con la industria multinacional del narcotráfico. Existen diferentes métodos para enviar la cocaína de Colombia a Europa, aunque lo que siempre tienen en común es la colaboración por omisión, o comisión, de las autoridades venezolanas. La ruta más directa es la aérea. Consiste, según fuentes de inteligencia, en enviar avionetas desde pistas en lugares remotos de Colombia a aeródromos venezolanos. Ahí hay dos opciones. O parten las mismas avionetas rumbo a Haití o República Dominicana (una fuente dice que los vuelos no autorizados "sospechosos" se han incrementado de 3 a 15 por semana desde 2006), o la droga se traspasa a aviones que vuelan directamente a países de África occidental, como Guinea-Bissau o Ghana, de donde siguen por vía marítima a Portugal o Galicia, punto de entrada español del área europea de Schengen.

Uno de los guerrilleros desertores entrevistado por EL PAÍS, llamémosle Marcelo, narró el procedimiento para enviar droga en cantidades pequeñas a través de individuos (mulas) que la transportan en sus maletas en aviones comerciales. Marcelo desertó en agosto tras haber estado un año en un campamento venezolano de las FARC en La Uvita, Estado de Apure. Ágil en sus movimientos, menudo y de mente ordenada, sólo militó en la guerrilla de las FARC 15 meses, pero sus jefes le procuraron rápidamente una cédula de identidad venezolana, con lo cual cruzaba la frontera y transitaba por Venezuela sin problemas.

"Una vez", recuerda, "fui al aeropuerto de Bogotá a recoger a un portorriqueño y llevarlo a Venezuela. Él cruzó la frontera conmigo después de convenir un precio con los guardias venezolanos. Lo llevé en carro particular a Caracas y de ahí viajó a España en avión con la droga en la maleta. Llegó sin problemas. Me lo confirmó Pizarro, un mando nuestro con 120 hombres bajo su cargo, que habló con su contacto en España, que se llamaba Dani".

Marcelo participó en "ocho o nueve" misiones de este tipo a lo largo de 12 meses. "Operar en Venezuela es lo más fácil que hay", sostiene. "La guerrilla de las FARC está de lleno allá, y la Guardia Nacional, el Ejército y otros venezolanos con cargos oficiales les ofrecen sus servicios, a cambio de dinero. Nunca hay enfrentamientos entre las FARC y la Guardia o el Ejército". Rafael asegura que participó en varios operativos cuyo fin era enviar la droga por vía marítima desde puertos caribeños. Su rango en las FARC era más alto que el de Marcelo y tuvo más acceso a información confidencial.

"Se recibe la mercancía en la frontera, transportada en camiones", explica Rafael. "Cuando llega el vehículo, la Guardia Nacional venezolana ya lo sabe de antemano, ya están sobornados para que cruce a Venezuela sin problemas. A veces nos dan una escolta. Entonces, yo y otros compañeros nos subimos o al mismo camión con el chófer, o en un carro particular que les acompaña. Hacemos el viaje, de unas 16 horas, hasta Puerto Cabello, sobre el mar al oeste de Caracas. Ahí entra el camión en una gran bodega controlada por venezolanos y gente de las FARC que se encarga de la seguridad. Efectivos de la Armada venezolana se encargan de los controles de aduanas y de la salida de los barcos. Tenían conocimiento de lo que estaba pasando y lo facilitaban todo".

Fuentes de inteligencia que analizan las rutas de salida de Puerto Cabello dijeron que de ahí parten embarcaciones pequeñas hacia Haití o la República Dominicana, desde donde se hace el transbordo a barcos grandes que llevan la droga a Europa, o directamente cruzan el océano a África o Europa en, por ejemplo, pesqueros. Un caso notable fue el del pesquero venezolano Zeus X, que fue interceptado por la Agencia Tributaria española en septiembre, a 1.050 millas de Las Palmas, con seis venezolanos a bordo y un cargamento de 3.200 kilos de cocaína con precio de venta en Europa estimado en 190 millones de euros.

Rafael dijo que no sólo acompañaba a los camiones que viajaban entre la frontera y el mar, sino que una vez permaneció un mes en Puerto Cabello, donde se quedó en un hotel, haciendo trabajos de "seguridad". "Hubo pérdidas de mercancía y robos. Dimos plomo. Murieron muchos, por robo o por traición". Rafael asegura que no tuvo problemas con la policía venezolana, y menos cuando hacía sus viajes de vuelta, cargado de dinero llegado generalmente de España, dijo, a cambio de la droga. "Llevaba maletas grandes llenas de billetes de 500 euros, y se las entregaba a un mando de las FARC del Frente 10 en el lado venezolano de la frontera con Colombia".

El mismo procedimiento lo llevó a cabo utilizando el puerto de Maracaibo, que según las fuentes consultadas por EL PAÍS es "una especie de paraíso" para los narcotraficantes, entre los cuales se encuentra uno de los capos más buscados actualmente por las policías internacionales, Wilber Varela, conocido también como Jabón. "Se instalan en magníficas casas, compran fincas grandes y negocios en quiebra, y se convierten en personajes valiosos para las economías locales venezolanas", dijo una fuente policial. "Venezuela es para estos criminales un seguro de vida". Por eso, cuando la policía colombiana preguntan a sus homólogos venezolanos por el paradero de los capos mafiosos, la respuesta siempre es la misma: "No tenemos nada".

Esta convergencia táctica entre las Fuerzas Armadas venezolanas y las FARC se extiende al terreno militar, al extremo de que hoy, según una fuente de inteligencia especialmente bien informada con la que habló EL PAÍS, la Guardia Nacional tiene retenes colocados alrededor de los campamentos guerrilleros. ¿Para qué? "Para darles protección, lo cual indica que hay conocimiento a muy alto nivel militar venezolano de la estrecha colaboración que tienen sus soldados con las FARC".

No siempre han estado tan claras las cosas. Otro desertor de las FARC, de seudónimo Humberto, recordó cómo, en enero de 2004, casi hubo un grave choque entre el Ejército venezolano y la guerrilla colombiana en una región fronteriza llamada La Guajira. Según Humberto, que operó políticamente en la clandestinidad para las FARC en una importante ciudad colombiana durante cinco años antes de ingresar en la guerrilla como combatiente en 2005, el incidente ocurrió al margen de una reunión política de revolucionarios de varios países latinoamericanos en un campamento de las FARC en Venezuela. Allí estaban destacados unos 150 guerrilleros liderados por el embajador de las FARC en Venezuela, Iván Márquez. "De repente oímos un bombardeo aéreo cerca del campamento y después nos enteramos de que se acercaba una columna del Ejército venezolano", señala. "La tropa llegó al borde del campamento, pero cuando parecía que iba a haber un choque, los comandantes de ambos bandos empezaron a hablar y acabaron bebiendo vodka juntos, celebrando el hecho de que los dos estaban al mando de ejércitos bolivarianos".

Humberto, un ex universitario que había brillado en su juventud por su fervor revolucionario, desertó en octubre de este año en gran parte porque había visto cómo ese tipo de escena festiva, lubricada por el alcohol, había llegado a definir el estilo de vida de algunos altos mandos de las FARC. "Nosotros los guerrilleros de a pie, los milicianos, sufríamos permanentemente por falta de abastecimiento. Caminábamos todo el día y pasábamos hambre. El problema dejaba de ser militar y se convertía en uno de supervivencia básica. Pero en lo que no me dejaba de fijar era en que mientras nosotros sufríamos, los mandos no sólo comían bien, sino que también bebían whisky y se acostaban con mujeres hermosas. Fue una enorme decepción".

Rafael no pareció padecer esos mismos escrúpulos. La ausencia de valoración moral cuando describió sus actividades narcotraficantes lo indicaba. Lo mismo le parecía cumplir con trabajos directamente ligados a su original vocación guerrillera como viajar a Caracas a recoger armamentos que las FARC compraban de las Fuerzas Armadas venezolanas. Ésta es una de las dimensiones tácticas más sistematizadas de la cooperación entre Venezuela y las FARC.

Entre otros casos similares, Rafael relató cómo viajó en coche particular, un Toyota Corolla, con un capitán de la Guardia Nacional llamado Pedro Mendoza, a una base militar grande en las afueras de Caracas llamada Fuerte Tiuna. Entró en la base con el capitán, que le entregó ocho fusiles. Volvieron a la frontera con los fusiles en el maletero del coche. Según Rafael, elementos de la Guardia Nacional también suministraron a las FARC granadas, lanzagranadas y material explosivo de base petrolífera C-4 usado para fabricar bombas.

Una fuente de inteligencia confirmó que estos pequeños movimientos de armas ocurrían a gran escala. "Lo que ocurre es que la droga va de Colombia a Venezuela, y las armas vienen de Venezuela a Colombia. No son cargamentos grandes, sino que hay un flujo pequeño pero constante: 5.000 cartuchos, seis fusiles... Es muy difícil de detectar porque hay muchas pequeñas redecitas, muy bien coordinadas por especialistas de las FARC".

Rafael operaba directamente con estos especialistas, tanto en el tráfico de armas como en el de cocaína, hasta que tomó la decisión de cambiar de vida. La convicción de que su suerte se iba a acabar llegó en agosto de este año. "En junio y julio había recibido cursos en la fabricación de explosivos, junto con efectivos de las milicias de Chávez, de los boliches del FBL. Aprendimos, ahí en un campamento dentro de Venezuela, cómo armar diferentes tipos de minas quiebrapatas y cazabobos, y a armar bombas con C-4 recibido de la Guardia Nacional. También nos enseñaron a detonar bombas de manera controlada usando teléfonos celulares". Le estaban preparando, dijo, para una misión en Bogotá. "Nos dieron fotos de los objetivos. Íbamos a operar junto a dos grupos de las FARC destacados en la capital. Íbamos a poner bombas. Cuando se acercaba la fecha empecé a reflexionar que ya no podía seguir así. Primero, por el peligro de los choques con los elenos, y ahora, la posibilidad real de que me detuvieran -y ya pasé varios años en la cárcel por mi actividad en las FARC- o me mataran las fuerzas de seguridad en Bogotá. A finales de agosto me escapé, y en septiembre me entregué".

Un diplomático europeo que conoce bien la situación general del narcotráfico y la guerrilla en Colombia, y que ha oído el testimonio de Rafael, hizo una comparación entre las actividades de las FARC en Venezuela y una hipotética actividad similar de ETA en un país vecino de España. "Imaginemos que ETA tuviera una escuela de fabricación de bombas en Portugal dentro de campamentos protegidos por la policía portuguesa, y que planeara detonar esas bombas en Madrid. Imaginemos que las autoridades portuguesas dotaran de armamentos a ETA, a cambio de dinero obtenido a través del tráfico de drogas, en el que las autoridades portuguesas también colusionaran. Sería un escándalo de enormes proporciones. Pues eso, en gran escala, es lo que está permitiendo que ocurra hoy el Gobierno de Venezuela".

"La verdad", explica un alto mando policial, "es que si Venezuela hiciera un mínimo esfuerzo para colaborar con la comunidad internacional, la diferencia sería enorme. Podríamos fácilmente recuperar dos toneladas más de cocaína por mes sólo con una pequeña vuelta de tuerca por su parte. No lo hacen porque hay mucha corrupción, pero también, y éste es el motivo más de fondo, por su actitud antiimperialista. 'Si esto les jode a los imperialistas', piensan, '¿cómo les vamos a ayudar?'. La clave es la voluntad política. Y no la hay".

Una lógica similar se extiende, según la fuente de inteligencia de más alto rango entrevistada por EL PAÍS, al tema de los secuestrados de las FARC. "Si Chávez quisiera, podría forzar la liberación de Betancourt mañana mismo, independientemente de si está en Venezuela o Colombia. Les dice a las FARC: 'La entregan o se acaba el juego acá en Venezuela'. La dependencia que se han creado las FARC en Venezuela es de una dimensión tan enorme que no se podrían arriesgar a decirle que no". El País

15.12.07

Colômbia responde a declaração de Ortega sobre chefes das Farc

da Efe, em Bogotá

O Governo colombiano enviou nesta sexta-feira (14) uma nota de protesto à Administração da Nicarágua depois que o presidente do país centro-americano, Daniel Ortega, chamou de "irmãos" os chefes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

A Chancelaria colombiana disse à Agência Efe que o protesto foi enviado pelo ministro das Relações Exteriores, Fernando Araújo, ao seu colega nicaragüense, Samuel Santos López, em resposta às declarações feitas por Ortega na semana passada.

No último dia 7, o presidente da Nicarágua se referiu aos "irmãos" das Farc ao falar das 45 pessoas que a guerrilha mantém em cativeiro. Além disso, chamou o fundador e principal líder do grupo guerrilheiro, conhecido como "Manuel Marulanda" ou "Tirofijo", de "querido irmão".

"O Governo da Colômbia expressa o seu mais enérgico protesto contra as declarações do senhor presidente Daniel Ortega, relacionadas com assuntos internos que são de exclusiva competência da República da Colômbia", disse Araújo na nota.

O chefe da diplomacia cobrou explicações do Governo da Nicarágua, ao qual pediu para "não intervir" nos assuntos internos de seu país.

Além disso, rejeitou as expressões de Ortega sobre "processos internos do Governo colombiano" e criticou a "linguagem familiar para se referir ao principal líder da organização narcoterrorista das Farc e seus seguidores, sem consideração pelas milhares de vítimas de seus crimes atrozes".

"Quero fazer um apelo a nosso querido irmão, o comandante Manuel Marulanda, em nome dos revolucionários latino-americanos", disse Ortega no dia 7 de dezembro. Na ocasião, ele pediu ao líder das Farc a libertação da ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt, seqüestrada em 2002.

Ortega também criticou esta semana ao Governo da Colômbia por ter cancelado a mediação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, na busca de um acordo com as Farc que permitisse a troca de 45 reféns da guerrilha por 500 presos rebeldes.

O presidente da Nicarágua disse na quinta-feira que existe o "risco de assassinarem Ingrid para culpar a guerrilha".

Araújo afirmou hoje que "agradece a todo tipo de solidariedade e apoio na luta que o povo da Colômbia trava contra o flagelo do terrorismo". No entanto, ressaltou ser "obrigado a repudiar frases de irmanação com terroristas".

"Elas vêm do chefe de Estado de uma nação democrática que tanto sofreu em seu passado por causa da violência", comentou, em alusão à Nicarágua.

O chanceler também lembrou a Ortega "a obrigação de todos os Estados de não intervir nos assuntos de outra nação, com ações que não correspondem ao espírito de entendimento dos países latino-americanos".

Ele acrescentou que a Colômbia espera "o esclarecimento destas expressões, a fim de evitar que elas afetem negativamente as relações" com a Nicarágua.
A Venezuela depois do não

Chávez enfrenta agora uma nova oposição. Além dos estudantes, ela recebeu o reforço de chavistas descontentes, que se opõem à ditadura


Diogo Schelp, de Caracas - Veja

otos Oscar Cabral
Propaganda chavista em Caracas: Chávez aumenta a pressão sobre a oposição

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A piada que faz rir a Venezuela conta que Hugo Chávez proibiu enfeitar os presépios com imagens dos três reis magos. O motivo: se um rei, o da Espanha, já mandou o presidente venezuelano se calar em uma reunião de cúpula, imaginem três. O elemento assustador dessa anedota não é tanto a idéia de Chávez proibir um símbolo natalino (em 2006, ele chegou a abolir as árvores de Natal por considerá-las um ícone do imperialismo). O mais alarmante é o fato de refletir uma característica do governante: ele não tolera ser contrariado. No momento, os venezuelanos aguardam, apreensivos, pela resposta do coronel ao "não" que recebeu nas urnas no início do mês. Nas últimas duas semanas, ele se limitou a renovar ameaças e a reafirmar que usará outros meios para impor o "socialismo do século XXI" que a população rechaçou. Como a expressão é ambígua, vale prestar atenção na definição oferecida por um chavista de destaque: "Socialismo do século XXI é o mesmo que no século XX se viu na União Soviética e em Cuba, só que com petróleo", disse a VEJA José Pinto Marrero, líder dos Tupamaros, a tropa de choque chavista.

Mais do que uma simples derrota eleitoral infligida a um caudilho que se considerava imbatível, o referendo teve o efeito de criar uma nova oposição. Esta é composta de tal forma que o coronel não a pode acusar de golpismo, de ser porta-voz do "império americano" ou das "oligarquias da Venezuela" sem morder a língua. As acusações simplesmente não colam nos estudantes ou nos chavistas moderados que se rebelaram contra a tentativa de implantar uma ditadura no país. As duas novas forças políticas – o movimento estudantil e a ala democrática do chavismo – são agora motivo de esperança para os venezuelanos e uma dor de cabeça para Hugo Chávez. Há vários motivos para o surgimento de dissidência na cúpula chavista. Muitos políticos ligados ao regime perceberam que a centralização de poder na mão do coronel ia contra seus interesses. A reeleição sem limites, por exemplo, impedia o surgimento de um sucessor. A nova geografia política proposta por Chávez esvaziaria o poder de governadores e prefeitos. Obviamente, isso não agradou aos chavistas que ocupam esses cargos. Por fim, o partido único inventado pelo presidente foi visto, corretamente, como o fim da independência dos grupos políticos aliados ao governo.

A leveza com que Chávez desbarata o dinheiro público num país com mais pobres do que ricos ganhou nova evidência na semana passada, com a prisão nos Estados Unidos de três venezuelanos e um uruguaio. Os quatro sul-americanos tentavam montar uma operação para encobrir a origem de 790.000 dólares encontrados em uma maleta apreendida em um avião no aeroporto de Buenos Aires, em agosto. O portador da maleta era outro venezuelano, Guido Antonini Wilson, empresário bem relacionado com o governo chavista. No mesmo vôo, estavam um homem de confiança de Néstor Kirchner, representantes da estatal argentina de energia, Enarsa, e funcionários da PDVSA, a estatal petrolífera. Wilson, que tem passaporte americano, voltou para os Estados Unidos. Com ajuda do FBI, ele gravou uma conversa na qual os outros envolvidos admitiam que o dinheiro era do governo venezuelano e seria usado na campanha presidencial de Cristina Kirchner. Abertamente, eles colocaram Wilson diante da seguinte opção: assumir a propriedade do dinheiro e ter sua despesa paga pela PDVSA ou seus filhos correriam risco de vida. A nova presidente argentina, que assumiu num cenário econômico favorável (veja reportagem), está agora às voltas com um escândalo.

O episódio revela o que até o momento era difícil de provar: o uso secreto dos petrodólares de Chávez em campanhas eleitorais em outros países. Nesse aspecto, o plano do coronel de expandir sua influência aos países vizinhos sofreu um retrocesso com a rejeição de sua revolução pelos venezuelanos. "O projeto de Chávez passou a ser associado à derrota no referendo, e isso pode dificultar a vida dos presidentes da Bolívia e do Equador, que, como o venezuelano, tentam refundar seus países com uma nova Constituição", diz o cientista político Alfredo Ramos Jiménez, da Universidade de Los Andes, em Mérida.

A atividade internacional escusa é um dos motivos de insatisfação da ala mais responsável do chavismo, que começou a se afastar do coronel há um ano, quando ele decidiu instituir o partido único no país. Gente vinda de dentro do regime, eles sabem que a pressão sobre a oposição deve aumentar nas próximas semanas. "O ‘não’ dos eleitores ao projeto autoritário terá um efeito semelhante ao cala-boca do rei Juan Carlos, ao qual Chávez reagiu tornando-se ainda mais intransigente", diz o analista político venezuelano José Vicente Carrasquero. Instrumentos para endurecer não faltam. Nos últimos nove anos, desde que foi eleito presidente, Chávez cuidou de acumular poderes. Além do direito de governar por decreto, ele controla a Assembléia Nacional (apenas sete dos 167 deputados votaram contra a reforma que institucionalizaria a ditadura), a Suprema Corte (só um de seus membros pode ser considerado independente) e o Conselho Nacional Eleitoral. Chávez também pode usar a receita da PDVSA sem prestar contas a ninguém. Para completar, 21 dos 23 governadores estaduais são chavistas e oito emissoras de TV são controladas pelo governo. Em Caracas, um único canal aberto ainda se arrisca a colocar no ar notícias que possam desagradar Chávez. O Judiciário é abertamente usado como uma arma para intimidar a oposição. Quem discorda, sobretudo jornalistas, se vê acossado por processos judiciais. O líder estudantil Nixon Moreno, da cidade de Mérida, está há nove meses refugiado na Embaixada do Vaticano, em Caracas, para escapar da prisão devido a uma acusação estapafúrdia: a de ter estuprado uma policial durante uma manifestação de estudantes.

O general escolheu a democracia

O resultado do referendo não seria o mesmo não fosse o general reformado Raúl Isaías Baduel, ministro da Defesa de Chávez até cinco meses atrás. Primeiro, porque o militar, respeitado entre os chavistas, passou a denunciar o caráter autoritário da reforma constitucional, classificada por ele como uma tentativa de golpe de estado. Segundo, porque sua influência nas Forças Armadas serviu de incentivo para os comandantes militares do país, em reunião na noite do referendo, negarem-se a apoiar o projeto de Chávez de fraudar o pleito. Em seu escritório em Caracas, rodeado de estátuas de santos e guerreiros orientais, Baduel declarou a VEJA que o mais difícil ainda está por vir. "O presidente já deixou clara sua intenção de impor as reformas por outras vias, talvez valendo-se de seus poderes habilitantes", diz Baduel. "Por isso, como soldado que sou, acredito que, após termos conquistado uma posição estratégica, não é hora de ir dormir. É preciso consolidar a posição, mantendo a vigilância sobre o adversário."

O levante dos caras-pintadas

Freddy Guevara, de 21 anos, é um dos quatro principais líderes do movimento estudantil. Os jovens só despertaram para o risco da perda de liberdade representada por Chávez em maio deste ano, quando o governo fechou o canal RCTV, a emissora mais popular do país. Os estudantes venezuelanos transformaram-se na mais importante força de oposição à reforma constitucional de Chávez. "Foi uma mudança radical em nossa vida", diz Freddy. "Há cinco meses, estávamos jogando bola, estudando e namorando. De repente, passamos a ser chamados para debater ou tomar decisões com os militares, a Igreja, empresários e políticos." Freddy acha que agora precisa levar a sério as ameaças de morte feitas pelos Tupamaros, a tropa de choque de Chávez. Isso porque "os chavistas estão inconformados com a derrota". Freddy lamenta o fato de os estudantes venezuelanos que lutaram pela democracia jamais terem recebido alguma manifestação de apoio da UNE brasileira.

A lição do mentor de Chávez

De todos os aliados que abandonaram o presidente, Luis Miquilena é aquele que melhor conhece Chávez. Ex-comunista da antiga – ele fundou seu próprio partido na década de 40 –, Miquilena ficou amigo de Chávez em 1992, quando o coronel foi preso por um golpe fracassado. Após ser anistiado, em 1994, Chávez foi morar com Miquilena e sua esposa e acatou o conselho do amigo de usar meios democráticos para alcançar o poder. Depois de ajudar Chávez a se eleger pela primeira vez, Miquilena foi presidente da Assembléia que aprovou a Constituição de 1999 e ministro do Interior. Em 2002, ele deixou o governo e rompeu com o presidente, a quem acusa de tratar com desrespeito seus ministros. "Um dos erros de Chávez é fazer uma política de confrontação, como se estivesse constantemente em campanha eleitoral", diz Miquilena. E completa: "Seu autoritarismo não desaparece com a derrota no referendo, pois Chávez criou na Venezuela uma estrutura fraudulenta, com o controle total de todos os poderes da república. Só ficou a fachada democrática".

A tropa de choque chavista

Entre os grupos armados que aterrorizaram as passeatas estudantis contra a reforma constitucional, no mês passado, foram identificados membros dos Tupamaros. Trata-se de um grupo de guerrilha urbana de orientação maoísta inspirado no comando uruguaio de mesmo nome. Os Tupamaros ganharam influência como um bando de vigilância informal de uma favela de Caracas e, com a eleição de Chávez, em 1998, saíram das sombras depois de passar toda a década de 90 na clandestinidade. José Pinto Marrero, fundador do grupo que reúne 3 000 homens em todo o país, chegou a receber de Chávez o controle policial de um distrito de Caracas. O líder dos Tupamaros garante que já desistiu da luta armada. "Não é mais necessária, como prova o referendo: apesar de termos perdido, os 4 milhões de votos a favor da reforma demonstram que os venezuelanos já aceitam o atual processo socialista", diz Marrero, esquecendo-se de que muitos eleitores votaram pelo sim mais por simpatia ao presidente que por concordar com seus planos mirabolantes. Marrero garante que, mesmo sem o respaldo legal de uma Constituição, Chávez vai continuar a implantação de seu plano de poder vitalício. "Estamos aqui para defendê-lo, inclusive dos capitalistas infiltrados no governo", afirma Marrero, que há um mês sobreviveu a uma tentativa de assassinato cometida por outro grupo governista, o Carapaica. Ele levou cinco tiros, um deles no peito. São os chavistas disputando nacos do poder.

Nem os bispos podem reclamar

No fim do ano passado, quando Chávez foi reeleito para um mandato que só expira em 2013, o bispo Ramón Viloria, de Puerto Cabello, leu uma carta aberta da Conferência Episcopal Venezuelana (CEV) ao presidente, pedindo que anistiasse os presos políticos que há no país (são quase duas centenas). A resposta de Chávez foi que políticos presos não são presos políticos. A direção da CEV, da qual Viloria é o secretário-geral, é vítima constante da fúria verborrágica de Chávez. No mês passado, o coronel chamou os bispos de "vagabundos" e de "demônios", porque a CEV se opôs explicitamente à reforma constitucional. "Tratava-se de uma proposta moralmente inaceitável, que atentava contra princípios fundamentais, como o estado pluralista e os direitos individuais dos cidadãos", diz Viloria. "Quando Chávez nos atacou por criticarmos a reforma, estava manifestando sua vontade de impor o pensamento único neste país." O bispo não é muito otimista quanto à possibilidade de Chávez mudar sua postura em relação aos que discordam dele. "Ele não deu uma só demonstração de que pretende negociar com a oposição, depois de perder o referendo", diz o bispo.

Tem gente que não sabe perder

Vladimir Villegas acaba de deixar o posto de vice-ministro de Relações Exteriores do governo Chávez e já ocupou o cargo de embaixador no Brasil e no México, de onde teve de sair quase fugido depois que o coronel chamou o presidente Vicente Fox de "cachorrinho do império", em 2005. Villegas, como acontece com todos os membros da cúpula chavista, esmera-se em repetir o discurso de Chávez em todos os aspectos e detalhes. Dizer qualquer coisa fora do roteiro pré-aprovado pelo presidente é um risco. Para Villegas, não foi possível aprovar a reforma constitucional no referendo pelo seguinte motivo: "O povo não entendeu direito nossa proposta socialista, mas vamos tentar de novo", diz o chavista. "Afinal, não podemos esquecer que a Revolução Bolivariana é uma referência para movimentos sociais de toda a América Latina." Como os venezuelanos já opinaram nas urnas, algo que o chavismo custa a compreender, trata-se de uma referência fracassada.

A Ivete Sangalo do Senado


Da linhagem das senadoras boas de briga, Kátia Abreu, do DEM, fala grosso sem descer
do salto nem descuidar do figurino


Juliana Linhares - Veja

Sergio Lima/Folha Imagem

FORA, CPMF
A senadora e sua árvore-instalação: pela extinção do imposto

Até o ano passado, a senadora mais célebre do Congresso Nacional era uma professora de enfermagem de voz estridente, cabelos presos em rabo-de-cavalo, nenhuma maquiagem no rosto e guarda-roupa imutável (camiseta branca e calça jeans, fizesse chuva ou fizesse sol). Heloísa Helena, do PSOL, derrotada nas últimas eleições presidenciais, voltou a dar aulas em Alagoas, e, como na política não há lugar para vácuo, seu posto de musa oposicionista já está ocupado – e por uma colega que é, em tudo, o seu oposto. Kátia Abreu, eleita pelo Democratas do Tocantins, é fazendeira, rica e tão vistosa que, aos 45 anos, foi apelidada pelos colegas de Ivete Sangalo do Senado. O figurino da senadora – que inclui meias pretas rendadas, largos brincos de argola e sapatos vermelhos de salto altíssimo – não é a única razão do apelido. Kátia Abreu tem feito um barulho infernal no Congresso.

Nomeada relatora da proposta de emenda da CPMF, produziu relatório estrepitoso propondo a extinção do tributo (antiga bandeira do seu partido), passou a semana rodando o Senado com o documento debaixo do braço à caça de votos contrários ao imposto e montou até uma instalação no salão de café dos senadores, destinada a chamar atenção para a causa: uma árvore de Natal decorada com lembretes mostrando quanto representam os impostos no preço de alguns produtos. Não foi a única briga em que a senadora se meteu. Como titular da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Kátia já bateu boca com o senador Aloizio Mercadante (a quem só chama de "Mercapedante") e com outra estrela petista, a senadora Ideli Salvatti, que a acusou de ser condescendente com o trabalho escravo.

Kátia Abreu forjou seu estilo na aspereza do cerrado do Tocantins. "Falo mais grosso que qualquer peão", diz. Nas festas em seu estado, ela troca os vestidos por bota, jeans, chapéu e cinto de caubói. Quando tinha 25 anos e estava grávida do terceiro filho, Kátia se viu viúva e dona de uma fazenda de 5.000 hectares e 2.700 cabeças de gado. Com a morte do marido, interrompeu o curso de psicologia – depois concluído – e assumiu a direção dos negócios da família. Além de passar a comandar treze famílias de colonos, aprendeu a dirigir trator e a marcar os bois a ferro. Hoje, o rebanho aumentou para 10.000 cabeças. O patrimônio também foi acrescido de outra área, de 3.000 hectares, dedicada à plantação de soja. Só essa nova fazenda está avaliada em 12 milhões de reais. A agropecuária foi o trampolim para a carreira política da senadora. Seis anos depois de assumir a fazenda, Kátia passou a ocupar a presidência do sindicato dos fazendeiros de Gurupi, onde ficam suas terras. Em seguida, tomou o comando da Federação de Agricultura de Tocantins. Hoje, é vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. Em 1999, assumiu pela primeira vez um mandato na Câmara Federal, como suplente, e em 2002 conquistou a maior votação para deputado federal no estado.

Desde que ficou viúva, teve cinco namorados, todos por períodos longos. Um deles foi o deputado Michel Temer (PMDB-SP), mas ela se recusa a falar sobre o assunto. Os amigos dizem que a sisudez do ex-presidente da Câmara não combinava com o seu estilo animado. A senadora é festeira. Todas as segundas-feiras, reúne-se no restaurante Piantella com seus colegas do DEM, para discutir a semana, jantar e tomar meia garrafa do vinho argentino Catena Zapata, seu tinto preferido. Às terças, recebe amigos em casa e, vez ou outra, freqüenta as festas na casa do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), de quem é amiga há anos. Foi numa dessas festas que Kátia foi oficialmente apresentada a seus pares. Na ocasião, anunciou: "Vou animar esse Senado". Está cumprindo a promessa.

O estilo da senadora

Fotos Ueslei Marcelino e Orlando Brito/Obrito News

ANTI-HELOÍSA HELENA
Kátia Abreu com os acessórios que já viraram sua marca registrada: meias de renda preta trazidas da Espanha (à esq.), brincos de argola e sapatos vermelhos – o salto tem 10 centímetros

14.12.07

Contribuintes comemoram fim do imposto do cheque

Populares avaliam que CPMF não fará falta ao governo, até porque consideram que não produziu resultados

Consumidores ouvidos pelo Estado aprovam o fim da CPMF. "Ainda bem que esse imposto acabou, porque tudo o que a gente paga não vai mais parar nos bolsos do governo", afirmou o motociclista Arnaldo Gonçalves de Oliveira, de 41 anos.

Para tentar fugir de pelo menos um tributo, a CPMF, ele escolheu ter apenas uma conta poupança, sem o cheque como opção. Agora, Oliveira acredita que os avanços da economia devem servir para cobrir a CPMF, mas reclama que os benefícios ainda não são sentidos pela população. "Dizem que o País vai bem, o PIB cresceu, mas a situação de quem trabalha na rua é muito ruim."

O camelô Epaminondas da Silva, de 42 anos, acha "muito bom" o fim da CPMF. "Pelo menos é um imposto a menos para o brasileiro pagar." Ele disse duvidar que a destinação do imposto tenha sido mesmo o sistema de saúde. "No posto do meu bairro nem médico tem", contou.

"O fim do imposto do cheque? Achei maravilhoso", disse o advogado e presidente do Partido Liberal Democrata, Álvaro Solon Coelho, de 79 anos. Para o monitor Luis Henrique da Silva, de 26 anos, "foi uma conquista do povo, os trabalhadores já pagam tributo demais".

A professora Sheila Rienzi, de 40 anos, acha que nem população nem governo ganharam ou perderam com o fim da CPMF. "O imposto foi criado para cobrir um déficit do governo, que agora deve tirar o dinheiro de outro setor para balancear as contas. Não acho que a criação realmente teve relação com reverter alguma coisa para a saúde", avalia ela, ao lado do impostômetro da Rua Boa Vista, no centro de São Paulo, que mede o total de dinheiro pago pelos brasileiros na forma de impostos.

O painel, mantido pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), será ampliado no ano que vem para mostrar mais dígitos. A previsão é de que em 2008 o total chegue a R$ 1 trilhão, mesmo com a extinção da CPMF.

No último dia de dezembro, segundo o presidente da ACSP, Alencar Burti, os brasileiros terão pago R$ 906 bilhões em impostos. Burti acredita que a extinção da CPMF é uma conquista da sociedade. "Quem ganhou foi o País. Ao governo caberá agora gerir cortes e despesas para equilibrar os juros."
Estadão

10.12.07

Quilombolas, Marambaia e ONGs

Denis Lerrer Rosenfield

Organizações quilombolas e ditas de direitos humanos se arvoram em representantes da Humanidade, dirigindo-se diretamente à ONU, a partir, por exemplo, de uma suposta violação dos “direitos” de uma comunidade na Ilha de Marambaia, de propriedade da Marinha brasileira. Neste momento em que o Senado se debruça sobre a CPI das ONGs, não seria demais dar uma olhada no modo de funcionamento de algumas delas.

Há uma ONG, denominada Koinonia, que está diretamente envolvida na ação quilombola que reivindica a Ilha de Marambaia, base dos Fuzileiros Navais. Ela atua como se estivesse diante de um problema de justiça social, quando está ligada a auto-intitulados movimentos sociais que agem como organizações políticas.

No endereço da Koinonia, situado no Rio de Janeiro, estão também localizadas outras ONGs, como Os Verdes - Movimento de Ecologia Social, filiada à rede Mata Atlântida. Lá também se encontram a ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS) e a DP&A editora, que publica livros de ciências sociais, filosofia, educação e pedagogia. Estamos, portanto, diante de organizações que visam a formar o politicamente correto. Causas defensáveis junto à opinião pública, como a dos negros, a do meio ambiente e a da AIDS, tornam-se, desta maneira, instrumentos de sua atuação.

É importante observar que na composição do Conselho Editorial da ONG consta o nome de um procurador da República\/MPF-RJ, que é a pessoa que deu início ao processo de desapropriação da Ilha de Marambaia enquanto território quilombola.

A situação é propriamente escandalosa, pois um procurador da República é, ao mesmo tempo, membro de uma ONG, logo pertence a uma parte interessada na disputa, e agente público.

Os demais membros do Conselho são antropólogos que se colocam a serviço da causa quilombola e preparam os relatórios técnico-científicos.

Estes são, então, apresentados como se fossem neutros e isentos.

A ONG Koinonia é explicitamente anticapitalista, o que significa dizer que seu propósito é socialista.

O socialismo aparece sob os nomes de fraternidade, comunidade e solidariedade, que constituem a sua forma de apresentação. Ao assumirem valores morais, encobrem a sua finalidade propriamente política: “Os serviços e projetos a que a Koinonia se dedica estão marcados pela opção metodológica que designamos ação cultural, isto é, uma ação que privilegia as especificidades locais e o que de desafiador elas apresentam contra a lógica de um sistema capitalista crescentemente injusto e desumano.” Entre os seus apoios internacionais, encontramse as seguintes organizações: Ajuda da Igreja da Noruega, Conselho Mundial de Igrejas, Church World Service, Christian Aid, Fundação Ford, Igreja Unida do Canadá, Serviço das Igrejas Evangélicas na Alemanha para o Desenvolvimento, Igreja Anglicana do Canadá e União Européia.

Observemos que essas igrejas apresentam as suas ações como de solidariedade religiosa, tendo em nosso país uma atividade política. Imaginem se o inverso fosse verdadeiro! Uma ONG brasileira apoiando invasões e desapropriações de propriedades das marinhas inglesa, alemã, norueguesa e canadense! Seria tal ação permitida? O que diria o Estado desses diferentes países? As suas respectivas opiniões públicas admitiriam tal interferência? Aqui, no entanto, tudo parece ser permitido, sobretudo para elas e para os “movimentos sociais”. A presença da União Européia, por sua vez, é propriamente escandalosa, pois uma federação de países atua num outro país, intervindo em ações que atentam contra propriedades das Forças Armadas e contra o direito de propriedade em geral.

Uma causa justa, a da regularização fundiária dos quilombos existentes, segundo consta da Constituição de 1988, está se tornando uma questão propriamente política, graças a um decreto presidencial de 2003, que estabelece o arbítrio da autoclassificação da cor e da auto-atribuição de terras e propriedades como critérios de desapropriação e expropriação. Unem-se igrejas internacionais, fundações, federação de países, movimentos sociais e órgãos do próprio Estado brasileiro para destruir o estado de direito.