31.8.07

Ficção ou confissão?

Foi tudo uma conspiração da imprensa, da oposição conservadora, da Procuradoria Geral da República e do Supremo Tribunal Federal para destruir José Dirceu: "uma tentativa da oposição e da elite de inviabilizar o governo Lula e o projeto político que o PT e o presidente representam", afirmou em nota. Se as denúncias do procurador-geral eram uma "peça de ficção", como disse o advogado de José Dirceu, o que dizer então desse argumento?
Além de péssima ficção, inverossímil até para militantes partidários, é sobretudo uma confissão de culpa. Afinal, para que tão diversas forças se unissem contra ele, Dirceu seria mesmo o líder do "projeto político que o PT e o presidente representam". Nada se fazia, muito menos em negociações políticas, sem o seu aval. Como imaginar que Delúbio, Marcos Valério e os deputados petistas tomassem tantas e tão graves decisões sem consultá-lo? Dirceu não é Waldir Pires, os ministros do STF não são idiotas. O único a votar a favor de Dirceu foi, "com a faca no pescoço", Lewandowski.
Em Watergate também não havia "provas" contra Nixon, mas evidências e testemunhos, que, revelados e processados, o levaram à renúncia. Que prova quer Dirceu? Uma ata de reunião da turma, assinada por todos, com os planos, nomes, cargos e quantias? Talvez nem isso bastasse: seu braço direito Waldomiro Diniz foi gravado pedindo propina há três anos e continua impune.
A única possibilidade de absolvição de Dirceu é a improvável hipótese de Valério, os petistas e os aliados no esquema serem inocentados. Mas, se forem condenados, nem um advogado ficcionista poderá dizer que Dirceu ignorava as negociações e seus objetivos.
Porque não existe uma quadrilha sem chefe. Nem um projeto político sem líder.

Nelson Motta - Folha

30.8.07

Gastos com cartões do governo disparam

O governo federal aumentou os gastos com seus cartões corporativos em 2007. Levantamento feito pela assessoria de orçamento do DEM no Congresso mostra que até o dia 28 de agosto deste ano, os gastos já equivalem a R$ 53,1 milhões. O valor é aproximadamente 3,7 vezes maior do que o total gasto pelo governo federal com os cartões em 2004. Naquele ano, essa despesa foi de cerca de R$ 14,1 milhões e os gastos foram subindo nos anos seguintes. Se forem incluídos os gastos feitos em 2007 por órgãos do Poder Judiciário que também utilizam o cartão corporativo, o número salta para cerca de R$ 54,4 milhões.

Além de quase quadruplicar os gastos com os cartões, o valor utilizado este ano já bateu o total de 2006 (R$ 33 milhões). O levantamento aponta também que o uso dos cartões ocorre especialmente no sistema de saque em dinheiro, o que torna mais difícil a verificação da necessidade da despesa feita pelo servidor público. Em 2007, dos R$ 53,1milhões gastos, cerca de R$ 40,9 milhões foram sacados em espécie. Incluídas as despesas do Judiciário, os saques em dinheiro chegam a R$ 42,8 milhões. Dentro do governo, o ministério responsável pelo gasto mais elevado no uso dos cartões é o do Planejamento, com cerca de R$ 26,7 milhões, sendo R$ 24,9 milhões com saques em espécie. A justificativa do ministério são as despesas dos funcionários do IBGE, que participam desde o ano passado do censo agropecuário, que tem provocado grandes deslocamentos, sobretudo no Norte e Nordeste.

Segundo a assessoria do ministério, esses técnicos precisam retirar maiores quantidades em dinheiro para despesas de deslocamento. Por ser evento sazonal, o censo gerou aumento de gastos, na explicação do ministério. A Presidência da República vem em segundo lugar, com cerca de 11,6 milhões, sendo R$ 8,8 milhões com saques em dinheiro. Esses gastos seriam explicados em parte pelo aumento das despesas dos agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) por conta das operações durante os Jogos Pan-Americanos no Rio.

O governo, por meio da Controladoria-Geral da União (CGU), afirma que os gastos com os cartões corporativos são pequenos. Essa despesa situa-se entre 0,002% e 0,004% da despesa total do Executivo, segundo a CGU. A controladoria acrescenta que "quanto às chamadas despesas sigilosas, além de representarem uma porcentagem ínfima do total, são previstas em lei há muitos anos, não sendo criação deste governo, nem particularidade do Brasil, pois existem em qualquer país do mundo".

A Casa Civil defendeu também a adoção do sistema de cartões por considerar que ele produz maior transparência. "Ao longo dos últimos anos, a utilização do cartão como meio de pagamento das despesas de Suprimento de Fundos passou a ser um instrumento de aprimoramento, controle e transparência do gasto decorrente de compras de materiais e serviços enquadradas como suprimentos de fundos", informa a Casa Civil, via Assessoria de Imprensa.

O deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP) vai apresentar requerimento à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados pedindo que o Tribunal de Contas da União (TCU) aumente a fiscalização das despesas. Nogueira diz que os gastos com os cartões corporativos podem estar sendo desviados para fins partidários. "O uso (do cartão) dispensa manual: se o servidor achar que a compra é urgente, é só passar e pronto. A fatura é debitada do bolso do contribuinte, que não sabe onde o dinheiro foi empregado", critica Nogueira.
EStadão

"Tendência era amaciar para Dirceu"

"Tendência era amaciar para Dirceu", diz ministro do STF

Lewandowski afirma que "imprensa acuou o Supremo" no julgamento do mensalão

"Todo mundo votou com a faca no pescoço", declara o autor do único voto contra a imputação do crime de quadrilha ao petista


Em conversa telefônica na noite de anteontem, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), reclamou de suposta interferência da imprensa no resultado do julgamento que decidiu pela abertura de ação penal contra os 40 acusados de envolvimento no mensalão. "A imprensa acuou o Supremo", avaliou Lewandowski para um interlocutor de nome "Marcelo". "Todo mundo votou com a faca no pescoço." Ainda segundo ele, "a tendência era amaciar para o Dirceu".
Lewandowski foi o único a divergir do relator, Joaquim Barbosa, quanto à imputação do crime de formação de quadrilha para o ex-ministro da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu, descrito na denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, como o "chefe da organização criminosa" de 40 pessoas envolvidas de alguma forma no escândalo.
O telefonema de cerca de dez minutos, inteiramente testemunhado pela Folha, ocorreu por volta das 21h35. Lewandowski jantava, acompanhado, no recém-inaugurado Expand Wine Store by Piantella, na Asa Sul, em Brasília.
Apesar de ocupar uma mesa na parte interna do restaurante, o ministro preferiu falar ao celular caminhando pelo jardim externo, que fica na parte de trás do estabelecimento, onde existem algumas mesas -entre elas a ocupada pela repórter da Folha, a menos de cinco metros de Lewandowski.
A menção à imprensa se deve à divulgação na semana passada, pelo jornal "O Globo", do conteúdo de trocas de mensagens instantâneas pelo computador entre ministros do STF, sobretudo de uma conversa entre o próprio Lewandowski e a colega Cármen Lúcia.
Nos diálogos, os dois partilhavam dúvidas e opiniões a respeito do julgamento, especulavam sobre o voto de colegas e aludiam a um suposto acordo envolvendo a aposentadoria do ex-ministro Sepúlveda Pertence e a nomeação -que veio a se confirmar- de Carlos Alberto Direito para seu lugar. Lewandowski chegou a relacionar o suposto acordo ao resultado do julgamento.
Ontem, na conversa de cerca de dez minutos com Marcelo, opinou que a decisão da Corte poderia ter sido diferente, não fosse a exposição dos diálogos. "Você não tenha dúvida", repetiu em seguidas ocasiões ao longo da conversa.
O fato de os 40 denunciados pelo procurador-geral terem virado réus da ação penal e o dilatado placar a favor do recebimento da denúncia em casos como o de Dirceu e de integrantes da cúpula do PT surpreenderam advogados de defesa e o governo. Na véspera do início dos trabalhos, os ministros tinham feito uma reunião para "trocar impressões" sobre o julgamento, inédito pelo número de denunciados e pela importância política do caso.
Em seu voto divergente no caso de Dirceu, Lewandowski disse que "não ficou suficientemente comprovada" a formação de quadrilha no que diz respeito ao ex-ministro. "Está se potencializando o cargo ocupado [por Dirceu] exatamente para se imputar a ele a formação de quadrilha", afirmou.
Enrique Ricardo Lewandowski, 58, foi o quinto ministro do STF nomeado por Lula, em fevereiro do ano passado, para o lugar de Carlos Velloso. Antes, era desembargador do Tribunal de Justiça de SP.
No geral, o ministro foi o que mais divergiu do voto de Barbosa: 12 ocasiões. Além de não acolher a denúncia contra Dirceu por formação de quadrilha, também se opôs ao enquadramento do deputado José Genoino nesse crime, no que foi acompanhado por Eros Grau.
No telefonema com Marcelo, ele deu a entender que poderia ter contrariado o relator em mais questões, não fosse a suposta pressão da mídia. Ao analisar o efeito da divulgação das conversas sobre o tribunal, disse que, para ele, não haveria maiores conseqüências: "Para mim não ficou tão mal, todo mundo sabe que eu sou independente". Ainda assim, logo em seguida deu a entender que, não fosse a divulgação dos diálogos, poderia ter divergido do relator em outros pontos: "Não tenha dúvida. Eu estava tinindo nos cascos".
Lewandowski fez ainda referência à nomeação de Carlos Alberto Direito, oficializada naquela manhã pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Negou ao interlocutor que fizesse parte de um grupo do STF contrário à escolha do ministro do Superior Tribunal de Justiça para a vaga de Pertence, como se depreende da conversa eletrônica entre ele e Cármen Lúcia. "Sou amigo do Direito. Todo mundo sabia que ele era o próximo. Tinha uma campanha aberta para ele."
Ainda em tom queixoso, gesticulando muito e passando várias vezes a mão livre pela vasta cabeleira branca enquanto falava ao celular, Lewandowski disse que a prática de trocar mensagens pelos computadores é corriqueira entre os ministros durante as sessões. "Todo mundo faz isso. Todo mundo brinca."
Já prestes a encerrar a conversa, o ministro, que ainda trajava o terno azul acinzentado e a gravata amarela usados horas antes, no último dia de sessão do mensalão, procurou resignar-se com a exposição inesperada e com o resultado do julgamento. "Paciência", disse, várias vezes. E ainda filosofou: "Acidentes acontecem. Eu poderia estar naquele avião da TAM".
Além dos trechos claramente identificados pela reportagem, a conversa teve outras considerações sobre o julgamento, cuja íntegra não pôde ser depreendida, uma vez que Lewandowski caminhou para um lado e para outro durante o telefonema.
Logo após desligar, ao voltar para o salão principal do restaurante, Lewandowski se deteve para cumprimentar um dos proprietários, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, figura muito conhecida em Brasília e amigo de vários advogados e políticos -entre eles o próprio Dirceu, citado na conversa.
Lewandowski ficou pouco mais de uma hora no restaurante. A Expand Wine Store by Piantella é um misto de loja de vinhos, restaurante e bar localizada na quadra 403 Sul, no Plano Piloto. Pertence ao mesmo grupo de proprietários do Piantella, o mais tradicional restaurante da capital federal, ponto de encontro de políticos.
Só depois da conversa com Marcelo é que Lewandowski sentou-se e fez os pedidos: uma garrafa de vinho argentino Santa Júlia, R$ 49 segundo o cardápio, uma porção mista de queijos e outra de presunto, cada uma ao preço de R$ 35. No telão localizado às costas do ministro, eram exibidos DVDs musicais -um show do grupo Simply Red e uma apresentação da cantora Ana Carolina.
Folha

29.8.07

Doleiro complica PR e Dirceu

Em novas revelações do mensalão, doleiro complica PR e Dirceu

Em depoimento sob o acordo de delação premiada, o operador de mercado financeiro Lúcio Bolonha Funaro fez uma série de denúncias contra a cúpula do PT e PR no caso do mensalão, segundo documentos obtidos pela Folha que compõem a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal.
Funaro disse que ele e dois doleiros emprestaram R$ 3 milhões ao então presidente do PL Valdemar Costa Neto para cobrir despesas da campanha do partido em apoio à candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao Ministério Público, afirmou que um empresário pediu que fosse feito o empréstimo a Valdemar "com o intuito de pagar fornecedores da campanha a presidente do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, da coligação PL-PT", disse ele.
Em três depoimentos, entre novembro de 2005 e março de 2006, Funaro disse que o ex-ministro José Dirceu pode ter recebido R$ 500 mil "por fora" de fundos de pensão. "Que tem conhecimento de que o diretor-presidente e o diretor financeiro da Portus foram indicados por Dirceu; que essa transação envolveu um pagamento "por fora", que não sabe se destinado ao próprio deputado ou ao PT, da ordem de R$ 500 mil", disse Funaro, segundo trechos do depoimento.
O advogado de Dirceu, José Luiz Oliveira Lima, disse que as acusações não têm nenhuma procedência e que Funaro "não tem nenhuma credibilidade".
Segundo Funaro, vários fundos de pensão sofriam ingerência do grupo de Dirceu e foram usados pelo PT para irrigar o mensalão. O fundo Portus estava entre as instituições que, segundo a CPI dos Correios, teriam abastecido o mensalão.
O doleiro acusou ainda o ex-deputado José Mentor (PT-SP) de aceitar propina para livrar nomes da CPI do Banestado. Funaro foi investigado por essa CPI - Mentor era relator.
Mentor estava num compromisso e não pôde falar com a reportagem até o fechamento desta edição. Valdemar Costa Neto não foi encontrado para falar sobre o assunto.
Funaro admitiu ser sócio oculto da empresa de fachada Guaranhuns, usada para repassar dinheiro do mensalão ao PL (hoje PR). Ele foi apontado na CPI dos Correios como um dos principais suspeitos de operar transações ilegais com fundos de pensão para alimentar o mensalão. Na CPI, Funaro negava ser sócio da Guaranhuns.
Ao Ministério Público Federal, confirmou ser o verdadeiro dono da empresa e contou como recebia dinheiro da SMPB, usada por Marcos Valério para repassar o mensalão, em pagamento a supostos empréstimos que diz ter feito a Valdemar.
Folha

Todos processados

O SUPREMO Tribunal Federal satisfez as expectativas da sociedade no primeiro julgamento do mensalão. A partir de avaliação extensiva e minuciosa do relator, ministro Joaquim Barbosa, a corte reconheceu indícios de crime em mais de 80% das imputações presentes na denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza.
Todos os 40 acusados pelo chefe do Ministério Público Federal se tornaram réus. Excetuando-se o placar apertado (6 a 4) pelo qual foi aceita a acusação por peculato contra Luiz Gushiken, ex-ministro de Comunicação de Governo, prevaleceram as decisões por larga maioria e, caso mais freqüente, as unânimes.
As argumentações de alguns dos advogados de defesa mais reputados do país não foram suficientes para desautorizar a acusação. O então chefe da Casa Civil, José Dirceu, e a cúpula do PT na época dos desmandos -José Genoino e Delúbio Soares-, integrantes, segundo a denúncia, do núcleo principal da "sofisticada organização criminosa", serão processados pelas acusações de corrupção ativa e formação de quadrilha. Também será processado, acusado de formação de quadrilha, o outro membro do núcleo, Sílvio Pereira, ex-secretário-geral do PT.
O chamado núcleo publicitário, chefiado por Marcos Valério de Souza -que adaptou à escala federal e colocou a serviço do petismo governista uma tecnologia de fraudes gestada sob o governo de Eduardo Azeredo (PSDB) em Minas-, responderá por peculato, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e quadrilha. Já o núcleo financeiro, de ex-dirigentes do Banco Rural -responsável por empréstimos atípicos a Valério e ao PT e agenciador dos volumosos pagamentos em espécie aos mensaleiros-, terá de defender-se das acusações de gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro.
Líderes de partidos governistas que fizeram o recolhimento e a distribuição do numerário serão processados por corrupção ativa. Quem recebeu recursos será alvo de ação por corrupção passiva. O publicitário de Lula na campanha de 2002, Duda Mendonça, e sua sócia Zilmar Silveira, os quais o valerioduto remunerou por meio de uma conta num paraíso fiscal, tornaram-se réus sob a acusação de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
A descrição sucinta do resultado do julgamento de cinco dias não deixa dúvidas quanto à sua gravidade. Se não estivesse preocupado com os "erros históricos" cometidos contra o caju, o presidente da República poderia dizer que nunca na história deste país tanta gente que concentrou tanto poder na política federal -ministros, um presidente da Câmara, cúpulas de partidos aliados, detentores de generosas contas de publicidade e de outros contratos com o poder público- compartilhou o banco dos réus.
O Ministério Público está de parabéns, mas precisa redobrar esforços a partir de agora. Qualquer descuido na fase da produção de provas sob instrução judicial ameaçará deitar por terra a esperança de que, após esse caso, esteja superado o estigma da impunidade na política federal.
Editorial Folha

28.8.07

Tudo pela sociedade

ENQUANTO o Supremo Tribunal Federal avalia a admissibilidade da principal denúncia relativa ao mensalão, o Planalto reativa a linha de defesa política que se tornou clássica: o julgamento não ameaça o governo, o presidente não sabia de nada, tudo se resumiu a financiamento irregular de campanha, cabe apenas à Justiça decidir sobre o caso.
O presidente da República voltou a esse mantra na entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" publicada no domingo. Luiz Inácio Lula da Silva repele o argumento de que o seu primeiro mandato também está sob o crivo do STF dizendo que "o governo já foi julgado, e vitoriosamente" -nas urnas.
Nessa recidiva de escapismo diante de escabrosas evidências de corrupção, o que desaponta mais, contudo, não é a retórica do governo. Frustrante é perceber que ela tenta justificar não só as faltas pretéritas da gestão mas também o curso que vai tomando o segundo mandato. A vitória eleitoral em outubro foi recebida pelo lulismo como um endosso ao aparelhamento da máquina estatal e a práticas clientelistas.
O segundo governo Lula apenas começou e já multiplicou por sete a taxa de criação de cargos de confiança na administração federal. Ao ritmo de quase 180 novos postos por mês, as colocações de livre provimento no final de julho já montavam a 22.345 -2.400 ou 12% a mais que no último ano da gestão de Fernando Henrique Cardoso.
No auge do escândalo do mensalão, há pouco mais de dois anos, o governo prometeu reduzir em quase 80% a quantidade desses cargos preenchidos sob critérios partidários. A promessa de fechar portas tradicionalmente abertas a negociatas era uma satisfação emergencial à opinião pública. Hoje a inflação de sinecuras tornou-se necessária para responder "ao constante aumento de demandas da sociedade", segundo informa o Ministério do Planejamento.
De fato. A sociedade do presidente Lula com o PSB de Ciro Gomes demandou a criação da Secretaria de Portos; a associação do Planalto com o PRB de José Alencar fez brotar a curiosa Secretaria de Planejamento de Longo Prazo -embora os cargos para essas e outras iniciativas do gênero tenham sido gerados no curto prazo mesmo. Tal estilo de gerir levou Lula a fatiar ainda mais a administração: deu à luz 12 órgãos em cinco anos (FHC criou 4 em dois mandatos).
Tampouco é possível esquecer a sociedade do presidente com o seu partido. Com 5.000 cargos na máquina federal, o PT fez crescer em 158% a receita oriunda do chamado "dízimo" pago por filiados agraciados com os postos de livre provimento. Apenas no ano passado, R$ 2,9 milhões fluíram dos cofres públicos para as contas do partido por meio desse mecanismo.
Mas a conta do aparelhamento do Estado para os contribuintes e os usuários dos serviços públicos -bem como para o enraizamento das instituições democráticas no Brasil- é bem mais alta.
Editorial Folha

Petistas fazem jantar de desagravo a acusados

Os petistas denunciados no escândalo do mensalão receberão a solidariedade de seu partido na próxima quinta-feira, véspera do início do 3º Congresso da legenda, em um jantar em São Paulo.
O evento foi marcado para aproveitar a presença dos delegados que estarão chegando para o congresso, em que a questão da ética e a avaliação das crises que o partido atravessou desde 2005 deverão estar na pauta. Apesar de ocorrer numa churrascaria, será um rodízio de pizzas, massas e saladas.
O pretexto para o ato é a sessão do STF (Supremo Tribunal Federal), que desde a semana passada analisa se aceita a denúncia contra 40 pessoas.
Entre os petistas,foram denunciados o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil), o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, o ex-presidente do PT e atual deputado federal por São Paulo José Genoino, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (SP), o deputado Paulo Rocha (PA), os ex-deputados João Magno (MG) e Professor Luizinho (SP) e o ex-ministro Luiz Gushiken (Secom).
A idéia do jantar surgiu entre apoiadores de João Paulo em sua base política, Osasco (SP), mas o desagravo deverá se ampliar para todos os petistas acusados. Os organizadores esperam entre 200 e 300 pessoas no evento, no restaurante Parrilla Brasileña. A capacidade da casa é de 250 pessoas sentadas, e cada convidado pagará sua parte: R$ 9,90 só pelo rodízio. Um convite começará hoje a ser distribuído via internet.
"Pensamos num ato de desagravo porque o pessoal ficou muito indignado com a aceitação da denúncia contra o João Paulo, especialmente a que tratou da lavagem de dinheiro", disse Sergio Ribeiro, membro da direção estadual do PT e um dos organizadores do evento.
A expectativa é que Genoino, Dirceu e os outros petistas denuciados no escândalo compareçam, embora eles ainda não tenham confirmado. O ato de desagravo servirá como combustível político para o grupo enfrentar os debates no congresso, que começam na manhã seguinte e vão até domingo.
Formalmente, o jantar é um evento de petistas, e não do PT. O partido institucionalmente não está contribuindo financeiramente, até porque a reputação dos mensaleiros é grande na ala que controla o partido, mas bem menor em tendências internas de oposição.
Dificilmente figuras de proa de tendências "radicais" ou da órbita do ministro da Justiça, Tarso Genro, comparecerão, uma vez que fazem oposição acirrada ao grupo que protagonizou o escândalo do mensalão dentro do partido.
Folha

27.8.07

Estrela de Lula vai "morder os cansadinhos"

Quem tem ou já teve um cachorro sabe que a cadela fox terrier Michele, que hoje repousa em sepultura na Granja do Torto, jamais será substituída no coração de seus donos, o presidente Lula e a primeira-dama Marisa.


Um novo bichinho, porém, está chegando ao lar presidencial: a cadelinha Estrela, de oito meses, um presente do cabeleireiro Wanderley Nunes para o casal. Ela foi batizada com o nome por causa da marca que tem no peito. Estrela é da raça cane corso. Os pais dela são italianos. Quando crescer, ela ficará do tamanho de um doberman.


Estrela chegou à família no fim de 2006. Passou o Natal com Lula, em São Bernardo. Pouco depois, foi internada na Acãodemia, do treinador Gilberto Miranda. "É um cachorro para ninguém chegar perto do presidente. Ela foi treinada para morder os cansadinhos", brinca Wanderley, referindo-se ao movimento "Cansei".


"Quando eu fui buscá-la, o presidente Lula ficou preocupado. Ele queria saber se o treinamento era feito com carinho e com jeito", diz Gilberto Miranda. Por quatro meses, Estrela recebeu adestramento para "sociabilidade e obediência", e agora está pronta para viver com os novos donos. "Ela é uma cadela bonita, ativa e inteligente", afirma Miranda. Os cães da raça são de guarda, sempre alertas para proteger os donos e as propriedades em que vivem. O treinador conta que a raça cane corso foi trazida pelo apresentador Faustão ao Brasil, há cerca de 15 anos. Têm que se alimentar com ração de primeira linha e tomar banho a cada 15 dias.


Com a chegada de Estrela a Brasília, será possível fazer uma espécie de "reunião de governo" dos cães. A ministra Dilma Rousseff, por exemplo, mora com Nego, o cão labrador que já foi de José Dirceu e que ela "herdou" quando o ex-ministro deixou Brasília.
Mônica Bergamo

Oposição desconfia da promessa de Lula

O líder dos Democratas (DEM) no Senado, José Agripino, disse que a entrevista do presidente ao jornal Estado de São Paulo, publicada no domingo, não trouxe notícias e só foi afirmativa quando Lula declarou que "nem com o povo na rua aceitaria o terceiro mandato". José Agripino julgou ser difícil acreditar que Lula realmente descartou ao mandato e perguntou se é possível levar a sério o presidente.

- Ele já disse muitas coisas e não fez - criticou Agripino.

A entrevista tratou de temas como: sucessão, crise aérea, mensalão, economia, reforma política. O presidente afirmou que não concorrerá a um terceiro mandato consecutivo porque, segundo ele, "quem se acha insubstituível vira um ditadorzinho".

Na avaliação do professor de ciência política da Universidade de Brasília Otaciano Nogueira, Lula deu opiniões cautelosas a um jornal conservador sem entrar em polêmicas. Nogueira acredita que o petista deixou claro ser um bom marqueteiro ao dizer que deseja subir no palanque para fazer seu sucessor, apesar de saber que isso é contra a lei.

Nos bastidores, existe a possibilidade de Lula estar se dedicando à aprovação da legalidade de um terceiro mandato. Mas o professor ressalta que o presidente quer manter o PT dentro do grupo que ficará no poder, mas não necessariamente na cabeça de chapa.

Para isso, as articulações que o presidente da República vem fazendo de aproximação com os governadores da base aliada e até mesmo de oposição, caso do governador de Minas Gerais, o tucano Aécio Neves, o que deverá desestimular o PT a ter candidato próprio.

- O presidente Lula já falou várias vezes com o governador mineiro Aécio Neves para que deixe o PSDB e vá para o PMDB para candidatar-se à Presidência - lembra Nogueira.

Otimista no setor econômico e cuidadoso ao falar de crise aérea, o presidente preferiu não tratar diretamente sobre a possibilidade de criar mecanismos para demitir diretores da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Disse apenas que as agências têm o papel de regular (fiscalizar) os serviços e cabe ao governo determinar as políticas públicas a serem implementadas. Para o senador José Agripino, a conduta do presidente e a atuação de toda a sua equipe de governo não dão credibilidade para que essa entrevista seja considerada balizadora.


Ao ver as manchetes dos jornais falando que a crise nos Estados Unidos pode atingir o Brasil, Lula afirmou que nunca esteve "tão tranqüilo" Na sua avaliação, a economia brasileira está constituída em bases muito sólidas e, por isso, caminha também para estabilidade social.

Para o senador Agripino, a postura do presidente neste sentido é bastante preocupante, afinal, a liquidez internacional é que tem garantido os bons resultado da economia do Brasil. Segundo um dos principais líderes da oposição, esse é um erro de avaliação do presidente porque não há como segurar a estabilidade brasileira apenas com o consumo interno.

- O Brasil não sobrevive sem a abertura para o mercado internacional. A compra de commodities brasileiras pelo mercado externo é que assegura os bons resultados da balança comercial. Sem a liquidez internacional, o Brasil estaria longe dos US$ 160 bilhões em reservas no exterior - avaliou Agripino.

Jornal do Brasil

25.8.07

O pouso forçado da charuteira

Denise: ela jura que não mente, não protege empresas e não fuma charuto

Uma das personagens mais sombrias da crise aérea, a advogada Denise Abreu saiu do ar na sexta-feira passada. Em março de 2006, ela havia assumido um cargo-chave na então recém-criada Agência Nacional de Aviação Civil (Anac): a diretoria de serviços aéreos. Conhecia pouco de aviação, mas, com um estilo impositivo, mandava mais na agência do que o diretor presidente, Milton Zuanazzi. As investigações do acidente com o Airbus da TAM, que matou 199 pessoas em Congonhas, revelaram que Denise se mantinha perigosamente próxima das empresas que deveria fiscalizar – e ela foi obrigada a pedir demissão. Já se sabia que seu irmão, o advogado Olten Abreu Júnior, prestava serviços à TAM. Na semana passada, descobriu-se que a diretora da Anac chegou a ludibriar a Justiça para favorecer as companhias aéreas. Em fevereiro, a desembargadora paulista Cecília Marcondes julgava uma ação que restringia o pouso de aviões em Congonhas nos dias de chuva – medida que desagradava às empresas. Ao receber de Denise um documento da Anac regulando essa mesma matéria, deu uma sentença que favoreceu as companhias. O papelório da Anac chegou à mesa da desembargadora como se fosse uma norma, mas era só um estudo técnico.

A fraude levou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a abrir um inquérito administrativo para averiguar o caso. Simultaneamente, a CPI do Apagão Aéreo quebrou os sigilos fiscal, bancário e telefônico da diretora da Anac. Na sexta-feira, o Ministério Público pediu seu afastamento. O bombardeio encerrou a carreira de Denise no setor aéreo. Seus primeiros vôos nessa área foram feitos no início do governo Lula. Seu chefe de então, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, incumbiu-lhe de acompanhar o salvamento da Varig. Denise embrenhou-se em um projeto de fusão dessa empresa com a TAM. O negócio não saiu, mas a preposta de Dirceu criou uma relação sólida com a TAM. Com ela, pavimentou sua nomeação para a Anac.

Foi o auge de uma carreira pública de vinte anos, na qual ela diz ter sido mal compreendida. Filha de um juiz de futebol, Denise tornou-se procuradora do estado de São Paulo em 1987. Seus amigos no PMDB lhe arranjaram uma vaga na assessoria do ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho. Poucos entenderam quando, em 1995, ela aderiu ao PSDB. Foi chefe de gabinete de José Guedes, secretário de Saúde do governo Mário Covas. Ocupou o mesmo cargo na pasta da Assistência Social, em que fez amigos. Por meio deles, passou a acompanhar as obras da antiga Febem – o que não fazia parte de suas atribuições. Suas relações com empreiteiros foram incompreendidas pelos tucanos, que a afastaram do cargo. Quando Lula chegou ao Planalto, Denise virou petista. Chamada para Brasília por José Dirceu, seu colega de faculdade, demitiu-se do estado, onde tinha um salário de 9 800 reais, para ganhar 4 900 reais no Planalto. Lá, mais uma vez foi incompreendida. Interpretaram mal até seu charuto. Ela diz que só fumou uma vez – e nem tragou. Denise reclama muito de incompreensão, mas o que ninguém entende é como ela mandou durante um ano e meio na aviação nacional.

Veja

Inveja e preconceito

No PR, Lula diz ser vítima de campanha da imprensa por "inveja e preconceito"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, no Paraná, que sofre uma "campanha da imprensa" contra ele e seu governo. "Tem gente que fica o tempo inteiro torcendo para a coisa não dar certo", disse Lula. "A inveja e o preconceito são duas doenças malignas que nascem na cabeça de algumas pessoas", completou.
O presidente afirmou identificar esse comportamento em "determinados setores da imprensa [...] que pensam que, por falar na televisão ou escrever, são donos da verdade". Ele se valeu da deixa do governador Roberto Requião (PMDB), que, em discurso antes de Lula, falou em "mídia deletéria" e "mídia desacreditada".
"Certamente, as críticas que o companheiro Requião fez ao comportamento de determinados setores da imprensa brasileira não atinge os profissionais da imprensa, os jornalistas, aqueles que vivem de salário. Atinge, na verdade, aqueles que pensam que por falar na televisão ou escrever são os donos da verdade. Então, eu acho que nós estamos vivendo um momento importante", disse Lula, para cerca de 3 mil pessoas.
Ainda ontem, Lula viajou para Porto Alegre (RS). Nos dois Estados, participou de eventos do PAC. No Rio Grande do Sul, partidos da base aliada e movimentos sociais simpatizantes ao governo fizeram uma manifestação pró-Lula. Mas um grupo de dez integrantes do movimento Luto Brasil -criado a partir do acidente com o vôo da TAM- tentou fazer uma manifestação contra o presidente.
O protesto terminou com um princípio de tumulto e cartazes do movimento rasgados pelos manifestantes favoráveis ao governo, o que fez os integrantes do Luto Brasil desistir da manifestação e ir embora.
Folha

Nomeada por Renan revisa depoimento

Secretária-geral da Mesa atrasa entrega de notas taquigráficas de reunião no conselho; relatores desconfiam de alteração

"Se houve mudança, vou denunciá-la", diz o relator Casagrande, que quer pedir o áudio do depoimento para checar com a transcrição


A secretária-geral da Mesa do Senado, Cláudia Lyra, revisou pessoalmente e reteve ontem o depoimento secreto do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), prestado aos relatores do processo contra ele no Conselho de Ética.
O depoimento aconteceu na noite de anteontem, a portas fechadas, no gabinete do presidente do conselho, Leomar Quintanilha (PMDB-TO). Acompanharam a reunião os três relatores do caso -Renato Casagrande (PSB-ES), Marisa Serrano (PSDB-MS) e Almeida Lima (PMDB-SE)-, Quintanilha, o contador de Renan, José Appel, dois assessores do conselho e a própria Cláudia Lyra. As falas foram gravadas por um operador de áudio do Senado.
Durante cerca de duas horas, Renan tentou rebater dúvidas da perícia da Polícia Federal.
A previsão era que notas taquigráficas da sessão fossem disponibilizadas aos relatores no início da manhã. Tradicionalmente, esse tipo de procedimento leva poucas horas para ser concluído. No entanto, por volta das 17h, após dois funcionários de seu gabinete voltarem com as mãos vazias da Secretaria Geral da Mesa, Marisa Serrano foi pessoalmente em busca dos dados, mas não encontrou Cláudia. Ela revisava a íntegra do depoimento na sala da Secretaria de Taquigrafia.
Flagrada por jornalistas com um fone de ouvido, Cláudia fazia anotações a lápis na transcrição do depoimento que, segundo ela, seriam repassadas ao computador. Havia frases riscadas, palavras e números circulados e anotações feitas nas laterais de quase todas as páginas. Ela enviou uma cópia ontem à noite à senadora.
Nomeada por Renan para o cargo, Cláudia é funcionária de carreira do Senado. Sua irmã é secretária do gabinete da presidência. Quando foi abordada, a tela do computador exibia trechos de um diálogo no qual Renan argumentava que a ausência de despesas de custeio nas fazendas se explicava pelo fato de elas serem supridas pelo espólio do pai.
Cláudia Lyra disse que sua intenção era decifrar diálogos, especialmente quando senadores falaram simultaneamente. "Vi que havia oradores não-identificados, frases faltando."
Questionada se era praxe se deslocar até o departamento taquigráfico para revisar pessoalmente um depoimento de duas horas, ela afirmou que "não se trata de um fato inusitado" e que fazia uso de sua experiência de taquígrafa. E utilizou um ato da presidência do Senado, de 1997, para justificar sua atitude. Na época ela era secretária-geral adjunta e o então presidente da Casa, senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), a designou para supervisionar, coordenar e orientar as subsecretarias de Taquigrafia e Expediente.
Casagrande e Marisa Serrano afirmaram que vão requerer o áudio do depoimento para checar se houve alguma alteração no contexto. "É um atraso inaceitável e, se houve alguma mudança, vou denunciá-la", disse o senador. Procurado por meio de sua assessoria, Renan não se manifestou sobre o caso.
Folha

24.8.07

Avião que levou cubanos do Brasil era da Venezuela

O avião fretado que levou os boxeadores cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara do Brasil para Cuba é venezuelano. Hugo Chávez, presidente da Venezuela, é um dos principais aliados do governo de Fidel Castro.
A informação foi revelada pelo senador Heráclito Fortes (DEM-PI) durante audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado. Estavam presentes na sessão o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda.
Logo no início da sessão, o ministro foi questionado pelo senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) sobre os dados do avião que levou os atletas de volta para Cuba. Ao dizer o prefixo YV-2053, Tarso foi interrompido por Heráclito Fortes.
"Esse prefixo é venezuelano. O avião é da Venezuela", afirmou o senador. Após a sessão, Heráclito disse que "já sabia da informação há mais de 15 dias".
Efetivamente, YV é um dos prefixos usados no país de Hugo Chávez.
O ministro reafirmou ontem que os cubanos, que participaram do Pan do Rio, voltaram para Cuba por vontade própria. "A delegação cubana informou o desaparecimento dos atletas. A polícia encontrou os desaparecidos, que, levados à Polícia Federal do Rio de Janeiro, manifestaram a intenção de voltar ao país de origem", disse.
"Eles foram questionados se queriam refúgio no Brasil ou se queriam voltar. Como optaram pela segunda opção foram deportados, pois houve um desvirtuamento do visto", afirmou o ministro.

"Afinidade"
Tarso também disse que não tem "afinidade" com o regime ditatorial cubano e afirmou que a polêmica sobre o caso dos boxeadores já está resolvida.
"O debate envolve questões ideológicas, sobre como devem se relacionar países que têm distintos regimes políticos. O nosso entendimento é que o Brasil se relaciona muito bem com Cuba, com os Estados Unidos e com qualquer país soberano", disse o petista.
Questionados sobre as declarações do chanceler cubano, Felipe Pérez Roque, que admitiu que o governo do ditador Fidel Castro contatou o Brasil para "propiciar e organizar" a volta dos cubanos, Tarso e Lacerda afirmaram que "em momento algum" foram procurados por autoridades cubanas.

Senadores cobram Tarso sobre cubanos

Senadores cobram Tarso por ter deportado cubanos

O episódio da deportação para Cuba de dois atletas que tinham abandonado a delegação nos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro, provocou bate-boca e acusações ao governo, ontem, durante o depoimento do ministro da Justiça, Tarso Genro, na Comissão de Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado.

A oposição, especialmente o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), insistiu na acusação de que o governo Lula cedeu a pressões de Cuba e enviou os pugilistas Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara de volta num processo açodado e autoritário. Tarso voltou a dizer que a Polícia Federal agiu dentro da legalidade e não houve pressões do governo de Fidel Castro.

Em 20 de julho, o comitê organizador do Pan informou o desaparecimento de Rigondeaux e Lara e a Secretaria Nacional de Segurança Pública desencadeou uma ampla operação para localizá-los. Eles foram presos no dia 2, em uma praia de Araruama e embarcaram para Havana na noite do dia 4, num vôo fretado pelo governo cubano.

Ontem, Tarso assegurou à comissão que os atletas tiveram toda a assistência jurídica - inclusive de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Ministério Público, em audiências sem a presença dos delegados - e rejeitaram ofertas de refúgio, manifestando desejo de voltar para Cuba. Ele confirmou que no dia 2 recebeu telefonema do assessor especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, mas negou que tenha sofrido qualquer ingerência ou pressão para forçar o retorno dos boxeadores. "Ele apenas me perguntou sobre a situação e eu lhe disse: ‘Estamos dando toda a assistência legal. Se eles quiserem, ficam. Se quiserem, voltam’."

Para reforçar seu argumento, Tarso lembrou que outros três cubanos pediram refúgio e continuam no Brasil livremente. "Se estivéssemos a serviço do governo cubano, faríamos um pacote completo com os cinco fugitivos - os dois que pediram para voltar e os três que pediram refúgio", acrescentou o diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, presente à audiência.

Segundo Lacerda, não houve contato de autoridades cubanas antes, durante ou depois do Pan para pressionar pela volta dos pugilistas ou dos atletas que ficaram no País. "Os contatos ocorreram no nível da segurança dos jogos, entre a delegação cubana e a delegacia onde foi notificado o desaparecimento dos atletas."

DURÍSSIMO

As explicações de Tarso e Lacerda não convenceram boa parte da oposição, sobretudo Heráclito Fortes, presidente da comissão. "O ditador de Cuba, Fidel Castro, foi duríssimo e enquadrou o governo brasileiro, resultando na deportação dos atletas", atacou o senador. Ele disse que a deportação foi um ato açodado que macula a imagem de Tarso e acusou o governo brasileiro de pôr a PF e seu aparato de segurança a serviço de Cuba para evitar a fuga de seus atletas.

Heráclito também acusou o governo de rapidez excessiva em deportar Lara e Rigondeaux e levantou dúvidas sobre o aval da OAB e do Ministério Público à ação da PF. Ele criticou até o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), que não apontou nenhuma ilegalidade na deportação.

Em tom de gozação, a líder do governo, Ideli Salvatti (PT-SC), sugeriu que Heráclito destitua a direção do Acnur e assuma seu comando. O senador não gostou e houve um princípio de bate-boca entre os dois: "Ouso sim criticar a ONU. Meu trabalho aqui é exercer o mandato com independência. Dispenso suas sugestões. Eu não denuncio colegas."


FRASES

Paulo Lacerda
Diretor-geral da PF
"Se estivéssemos a serviço do governo cubano, faríamos um pacote completo com
os cinco fugitivos"

Heráclito Fortes
Senador (DEM-PI)
"O ditador de Cuba, Fidel Castro, foi duríssimo e enquadrou o governo
brasileiro, resultando na deportação dos atletas"
Estadão

Mensaleiros = R$ 1,23 bi

Mensaleiros fizeram operações suspeitas no valor de R$ 1,23 bi

Dos 40 políticos, servidores, empresários e seus funcionários denunciados ao STF (Supremo Tribunal Federal) por suposta prática de crimes no caso mensalão, 27 foram citados em relatórios reservados nos quais o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) aponta indícios de operações suspeitas.
Personagens de 26 documentos elaborados pelo Conselho entre 2001 e 2007, os nomes dos mensaleiros estão relacionados a operações financeiras que totalizam R$ 1,23 bilhão no período e apresentam algum indício de prática de crime de lavagem de dinheiro.
As somas são ainda maiores quando o levantamento do Coaf tem como referência transações financeiras relacionadas aos 37 envolvidos no mensalão que foram alvo de cinco ações de improbidade administrativa apresentadas à Justiça pelo Ministério Público Federal em Brasília na segunda-feira.
Seus nomes estão associados a R$ 1,89 bilhão em operações financeiras consideradas atípicas desde 2001.
Ao fazer o balanço, o Coaf ressalva que as cifras do total de transações financeiras contém distorções. É possível, por exemplo, que seja contado duas vezes um mesmo dinheiro que entrou e saiu de uma conta, o que duplicaria o valor considerado. Em alguns casos foi considerada uma única transação, em outros, um período longo de saques e/ou depósitos.
Deve-se considerar, ainda, que a lista de 40 denunciados por crime e a dos 37 acusados de improbidade administrativa, não fosse por sete nomes, seria a mesma. Daí não ser possível somar os valores movimentados pelos dois grupos para fechar um único número, sob pena de produzir um resultado fictício.
Os relatórios de inteligência financeira do Coaf têm como principal matéria-prima comunicações que recebe dos bancos sobre movimentações consideradas atípicas.
Folha

Financiamento em Alagoas

Diretor da companhia de energia de Alagoas financiou filho de senador
Dirigente emitiu quatro cheques para pagar contas da campanha de 2004


Documento interno da Cian Gráfica aponta que o diretor da Ceal (Companhia Energética de Alagoas) Sérgio de Almeida emitiu cheques para pagamento de contas de campanha de Renan Calheiros Filho, o Renanzinho, na eleição de 2004.
Em uma planilha de recursos da Cian Gráfica, Almeida passou para a empresa, em julho de 2004, quatro cheques no valor de R$ 4.360 cada um. Segundo a contabilidade da empresa, os cheques referem-se ao pagamento de parte dos custos com a impressão de 500 mil santinhos e 250 adesivos para a campanha de Renanzinho e vereadores. O filho do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), elegeu-se prefeito de Murici (AL) naquele ano.
Segundo a Polícia Federal, a Ceal é uma das estatais alagoanas que contratou a Costa Dourada Veículos, uma das empresas de Ildefonso Tito Uchôa, primo de Renan e suspeito de atuar como laranja do senador.
Para justificar parte de sua renda, Renan disse à PF que tomou R$ 178 mil emprestados da Costa Dourada em 2005. A transação não foi declarada à Receita. Segundo a Folha apurou, Almeida teria sido indicado para a Ceal pelo senador.
Procurado pela Folha, o dono da Cian, Benezildo Moura, confirmou que Renan e seu filho encomendaram material de campanha à sua gráfica.
Em 2002, o senador declarou despesas de mais de R$ 80 mil na Cian e de R$ 27 mil na locadora Costa Dourada.
Renanzinho entrou como sócio da Costa Dourada Radiodifusão e da Correio Gráfica em 2005, com R$ 215 mil que declarou ter recebido de seu pai em 2005 e 2006. Nas duas empresas ele é sócio de Tito.
"Fica a suspeita [de Renan ser o dono dos negócios]. Mas como é também uma relação de pai para filho, o Renan pode estar incentivando o filho a ter um patrimônio", disse o senador Renato Casagrande (PSB-ES), do Conselho de Ética.

Outro lado
Almeida disse que já contratou serviços da Cian, mas disse não se lembrar de ter emitido cheques para pagar contas de campanha do filho de Renan.
Ele negou ter sido indicado para a Ceal por Renan e afirmou que sua área não se envolve em contratos de aluguel de carros. A assessoria do senador não se manifestou sobre o caso.
Folha

Renan explica e se complica!!!

Renan diz a conselho que usou motorista para fazer saques
Em depoimento, senador diz que, por discrição, não declarou empréstimo de R$ 178 mil tomado de locadora de veículos


Dois dos relatores dizem que explicações dadas por Renan não esclarecem as dúvidas levantadas pelo laudo da Polícia Federal

Em seu último gesto antes de ser julgado pelo Conselho de Ética, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou, segundo os relatores, que seu motorista sacava periodicamente pequenos montantes de dinheiro na Costa Dourada Veículos, em Maceió.
Renan falou a portas fechadas, por cerca de duas horas, aos relatores -Renato Casagrande (PSB-ES), Marisa Serrano (PSDB-MS) e Almeida Lima (PMDB-SE)- e ao presidente do conselho, Leomar Quintanilha (PMDB-TO). A intenção era sanar inconsistências em seus documentos apontadas na perícia da PF.
Segundo os relatores, ele não forneceu nenhum documento novo e só apresentou versões, a maioria já conhecida, sobre os pontos contestados pela PF.
"Pode ser que até o dia 30 [data da apresentação do relatório] me convença, mas hoje não estou convencida", disse Marisa Serrano. "Ficaram muitas dúvidas", disse Casagrande.
Do outro lado, o aliado do presidente do Senado, Almeida Lima, anunciou sua posição. "Não tenho elementos para cassar o senador Renan Calheiros", disse, antecipando que fará um relatório alternativo.

Empréstimo
O ponto mais polêmico na explanação de Renan foi sobre o empréstimo de R$ 178 mil que ele tomou da locadora Costa Dourada Veículos, de propriedade de Tito Uchôa, suspeito de ser laranja do senador. Segundo a PF, Renan não declarou no Imposto de Renda nem registrou em cartório as duas notas promissórias -R$ 214,89 mil e R$ 294,56 mil- referentes ao empréstimo. A Costa Dourada recebeu dinheiro de empresas públicas de Maceió.
O argumento de Renan é que o dinheiro do empréstimo serviria para arcar com pequenas despesas no Estado e não teriam sido declaradas por discrição, da mesma forma que teria feito com a pensão paga à jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha.
Segundo os relatores, ao dizer que o motorista sacava periodicamente pequenos montantes do empréstimo na empresa, Renan complicou mais sua vida financeira "paralela". Ao deixar a reunião, o senador disse estar satisfeito com o laudo e sentenciou: "Ele não fala sequer em irregularidade, fala em incongruências e inconsistências, que são desencontros de informação. Não tem a ver com quebra de decoro".

Escolta
Renan chegou ao depoimento escoltado por 14 seguranças -a média costuma ser três. Para surpresa dos relatores, que aguardavam explicações técnicas, ele iniciou sua fala dizendo estar vivendo um "calvário", e disse que a crise "atinge não só ele, mas a instituição".
Sobre outro ponto crucial o laudo, que trata dos rendimentos com gado e do custeio das fazendas, Renan alegou, segundo os relatores, que "é um setor desorganizado em Alagoas".
Argumentou que somente 22 produtores no Estado, ao qual se inclui, emitem notas fiscais. "A atividade rural é primária. Muitas das pessoas que trabalham nela não têm informação adequada, por isso há inconsistências", disse em entrevista.
Na questão das despesas das fazendas, afirmou que estão inseridas no espólio do seu pai. Também rechaçou irregularidades na alta taxa de fecundidade do seu rebanho e rebateu as inconsistências apontadas entre GTAs (guia para transportar gado) e notas fiscais. Segundo ele, elas não podem ser sobrepostas porque as GTAs não geram efeito tributário.
Folha

Anac já sabia

Anac já sabia em dezembro que avião poderia 'varar' pista

Ata de reunião revela que agência e empresas previram risco de aeronave não conseguir parar em Congonhas

Um documento revelado ontem pela CPI do Apagão da Câmara prova que, sete meses antes da tragédia do Airbus, autoridades da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) tinham noção exata do perigo que era pousar na pista do Aeroporto de Congonhas. Em reunião de técnicos da Anac e Infraero e companhias, em 13 de dezembro, foi discutido o risco iminente de um avião perder o controle e 'atravessar' a pista.

Os técnicos discutiram o assunto com o gerente de Padrões de Avaliação de Aeronaves da Anac, comandante Gilberto Schittini. Segundo ata da reunião, realizada no Rio, Schittini 'reportou que os três incidentes ocorridos recentemente poderiam ser considerados indícios de que há um potencial de ocorrências mais graves, com ultrapassagem do final da pista (varar a pista)'. Foi o que aconteceu com o Airbus, que cruzou a cabeceira e explodiu ao bater no prédio da TAM Express, matando 199 pessoas.

O comandante acrescentou, segundo a ata, que o risco existia 'principalmente se houver uma situação de decolagem abortada ou uma situação de pouso com velocidade e altura superior à de aproximação (pouso alto e embalado)'. A ata da reunião foi distribuída ontem aos deputados da CPI pela diretora da Anac Denise Abreu, que prestou depoimento de mais de sete horas.

No mês passado, o chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), brigadeiro Jorge Kersul Filho, disse à CPI ter feito uma reunião de emergência, em 28 de dezembro, com Anac, Infraero e companhias. Segundo ele, houve um comentário nos seguintes termos: 'Tudo leva a crer que teremos um acidente em Congonhas.' Emocionado, lamentou: 'Não conseguimos evitar o acidente que tínhamos previsto.'

A ata da reunião do dia 13 mostra que o encontro foi aberto pelo superintendente de Infra-Estrutura Aeroportuária da Anac, Luiz Kazumi Miyada, que classificou de 'preocupantes' os três incidentes na pista principal de Congonhas. Representantes de companhias revelaram a recomendação aos pilotos, feita já naquela época, para que pousassem no Aeroporto de Cumbica, caso não tivessem segurança de aterrissar em Congonhas. Também cobraram das autoridades informações mais precisas sobre as condições da pista de Congonhas.

Os representantes da BRA disseram que a empresa emitiu boletim técnico 'após ter dificuldade de frenagem em operação de pouso'. Pela ata, o critério estabelecido pela BRA era o de que, em dúvida, o comandante deveria alternar para o aeroporto de Cumbica. E todas as operações de pouso em Congonhas seriam feitas com autobreaking (sistema automático de frenagem) em nível máximo.

O comandante Igor Bruno falou pela Gol. Cobrou a necessidade de 'melhor qualidade de informação das condições da pista'. 'Por precaução, (a Gol) vem utilizando o autobreaking em máximo para todas as condições da pista, não havendo pressão sobre os pilotos para pouso em Congonhas.'

Representantes da TAM registraram ter distribuído alerta aos pilotos detalhando operações em pista molhada, 'realizadas somente pelo comandante da aeronave', e também cobraram 'fornecimento das corretas condições da pista'.

Ficou decidido que a Anac pediria o aval da Aeronáutica para a suspensão de operações na pista principal, 'visando medir a lâmina de água' na pista. Em 24 de janeiro, portaria determinou que fossem proibidas operações quando houvesse mais de 3 milímetros de água em mais de 25% da pista.

Anteontem, em entrevista ao Estado, o procurador federal Márcio Shusterschitz, autor da ação que pedia o fechamento da pista principal de Congonhas, criticou a forma como a Anac conduziu a questão. 'A segurança nunca foi preocupação primeira', disse. 'Antes do dia 17, havia o binômio risco-desculpa. Depois, virou o binômio acidente-desculpa. Todas as ações da agência fazem parte de um contexto único.'

CRONOLOGIA

13 de dezembro:
Técnicos da Anac demonstram preocupação com as condições da pista de Congonhas. Geraldo Schittini, da agência, fala do risco de aviões vararem a pista e informa às empresas que está elaborando uma norma para operações em dias de chuva

16 de janeiro: A funcionária da Anac Doris Vieira da Costa encaminha a Schittini, com cópias para empresas e Infraero, sugestões para a elaboração da norma

24 de janeiro: Procuradores federais em São Paulo ingressam com ação em que pedem a interdição da pista de Congonhas. No mesmo dia, a Anac edita portaria para procedimentos com pista molhada. Nela, determina a suspensão das operações quando o nível de água estiver acima de 3 mm

31 de janeiro: A Anac encaminha documentos técnicos à Justiça e sustenta que a pista tem condições de uso. No mesmo dia, a agência divulga em seu site a Instrução Suplementar que fixa normas para operação em pista molhada. É o documento que, mais tarde, a diretora Denise Abreu classificou como 'estudo interno'

5 de fevereiro: O juiz Ronald de Carvalho Filho proíbe o pouso na pista principal de Congonhas dos aviões Fokker 100 e Boeings

22 de fevereiro: A Anac encaminha ao Tribunal Regional Federal (TRF) recurso contra a restrição. Entre os documentos anexados está a norma 'extra-oficial'. Denise e técnicos da agência entregam o recurso à desembargadora Cecília Marcondes. No mesmo dia, o tribunal libera as operações

17 de julho: Airbus da TAM vara a pista de Congonhas, bate no prédio da TAM Express e explode, matando 199 pessoas

16 de agosto: Na CPI do Apagão Aéreo do Senado, Denise diz que a norma era um 'estudo interno' e foi divulgada 'por engano'.

20 de agosto: A desembargadora se diz 'enganada' por ter recebido documento sem valor legal

22 de agosto: O ministro da Defesa, Nelson Jobim, anuncia abertura de processo disciplinar para investigar o envio da norma

Estadão

23.8.07

Conversa de ministros

Voto combinado na rede

Ministros do Supremo especulam sobre ligação entre julgamento e sucessão na Corte

De Alan Gripp, Roberto Stuckert Filho e Francisco Leali em O Globo, hoje:

"No primeiro dia do julgamento do caso do mensalão no Supremo Tribunal Federal, troca de mensagens de computador entre os ministros Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia na sessão revelam conversas sobre detalhes de seus votos, confidências sobre a decisão de outro colega e até um possível reflexo do julgamento na sucessão do ministro Sepúlveda Pertence (aposentado recentemente).

Nas mensagens, há reclamações sobre o novo presidente da 1a. Turma do STF, Marco Aurélio de Mello, e declarações sobre o poder de influenciar, no próximos três anos, decisões entre os distintos grupos que compõem o tribunal.

O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, fazia a sustentação oral da acusação quando os dois ministros iniciariam um bate-papo pela intranet. A conversa, que durou horas e foi captada pelas lentes dos fotógrafos que acompanhavam o julgamento, contém indícios de que os dois ministros pretendem rejeitar parte da denúncia, desqualificando crimes imputados pelo Ministério Público a alguns dos acusados.

A conversa começou às 11h57. Separados por três metros, eles aprovam as palavras do procurador: "Ele está — corretamente — ‘jogando para a platéia’", escreve Lewandowsky. "É, e tentativa de mostrar os fatos e amarrar as situações para explicar o que a denúncia não explicou...", comenta Carmen. Pouco mais de 30 minutos depois, Lewandowski se rende: "Carmen: impressiona a sustentação do PGR".

A ministra sugere uma reunião com assessores dos dois gabinetes. Os ministros indicam que pretendem aceitar, em parte, a denúncia. Uma das dúvidas se refere ao crime de peculato — uso de cargo público para apropriação ilegal de recursos ou bens. Lewandowski não está seguro se o crime pode ser imputado aos que não ocupavam cargo público à época — como José Genoino (então presidente do PT) e Silvio Pereira (ex-secretário-geral do PT) — ou não eram donos do dinheiro que circulou pelo valerioduto. A denúncia pede que eles sejam processados como co-autores.

"Minha dúvida é quanto ao peculato em co-autoria ou participação, mesmo para aqueles que não são funcionários públicos ou não tinham a posse direta do dinheiro", diz ele. A dúvida é discutida em seguida com seu assessor, Davi de Paiva Costa. O assessor reafirma sua posição, mas se põe à disposição para alterar o voto do ministro. Lewandowski firma posição: "Não, vamos ficar firmes nesse aspecto. Manifestei apenas uma dúvida".

Por volta das 16h, Lewandowski fala da nomeação do substituto de Pertence. Um dos mais cotados é o ministro do Superior Tribunal de Justiça Carlos Alberto Direito. Carmen diz: "Lewandowski, uma pessoa do STJ (depois lhe nomeio) ligou e disse [...] para me dar a notícia do nomeado (não em nome dele, como é óbvio) [...] mas a resposta foi que lá estão dizendo que os atos sairiam casados (aposent. e nom.) [aposentadoria e nomeação] e que haveria uma [...] de posse na sala da Professora e, depois, uma festa formal por causa [...] Ela (a que telefonou) é casada com alguém influente".

Em seguida, Carmen conta: "[...] O Cupido (sentado ao lado da ministra estava Eros Grau) acaba de afirmar aqui do lado que não vai aceitar nada (ilegível)". Lewandowski mostra-se confuso com a mudança repentina de assunto: "Desculpe, mas estou na mesma, será que estamos falando da mesma coisa[?]", pergunta ele. Ela esclarece: "Vou repetir: me foi dito pelo Cupido que vai votar pelo não recebimento da den. [denúncia] entendeu?"

O ministro responde que compreendeu. E comenta: "Ah. Agora, sim. Isso só corrobora que houve uma troca. Isso quer dizer que o resultado desse julgamento era realmente importante [cai a conexão do computador]". Carmen diz que alertara antecipadamente e que recebeu o comentário: "Interessante, não foi a impressão que tive na semana passada. Sabia que a coisa era importante, mas não que valia tanto", escreveu Lewandowski.

A conversa segue com uma avaliação de Carmen: "Não sei, Lewandowski, temos ainda três anos de ‘domínio possível do grupo’, estamos com problema na turma por causa do novo [o novo chefe da primeira turma do STF, da qual os dois fazem parte, é o ministro Marco Aurélio Melo], vai ficar (ilegível) e não apenas para mim e para v. [você] principalmente para mim, mas também acho, para os outros (Carlos e J.)[Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa, este pertencente à segunda turma]. Esse [Joaquim Barbosa, relator do caso] vai dar um salto agora com esse julgamento e o Carlinhos está em lua de mel com os dois aqui do lado".

Carmen pede ao assessor Franke José Soares Rosa cópias de outras decisões para, se possível, recusar a acusação de formação de quadrilha contra um dos acusados. Enquanto os dois ministros trocavam confidências, Joaquim Barbosa lia notícias e artigos na internet. Um deles na Rádio do Moreno, do jornalista Jorge Bastos Moreno, no Globo Online".

A apoteose das formiguinhas bandalhas

La Pasionaria ficaria deslumbrada. Desde seu imortal "no pasarán" , não se ouve nada tão vigoroso quanto os discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu esforço para mostrar o Brasil como fortaleza invulnerável à crise financeira. Em seu entusiasmo, ele denuncia a irresponsabilidade americana, festeja o castigo dos jogadores e agiotas - "quem tentou especular quebrou a cara" - e alardeia tranqüilidade. "Como a formiguinha faz, nós nos preparamos para o inverno." De passagem, tem espinafrado as elites, como de costume, e atacado quem torce para dar tudo errado no Brasil. Ele não conta quem forma essa torcida, nem explica por que as elites, em sua opinião, são contrárias à educação dos pobres.

Para "muitos", disse o presidente, o governo "deveria fazer loucuras". Mas não fez, preferindo, segundo ele, a prudência das formiguinhas. Se quisesse identificar aqueles "muitos", teria de apontar uma porção de companheiros. São eles, em geral, os críticos mais freqüentes do superávit primário, destinado ao pagamento de juros e indispensável, portanto, à contenção da dívida pública.

A austeridade fiscal não é invenção petista e continua sendo execrada no interior do governo. O câmbio flutuante, defendido pelo presidente na fala de terça-feira, também nunca foi aceito por boa parte da companheirada. Partidários do câmbio administrado estão no governo e isso não deve ser novidade para Lula. Mas ele fala como se não soubesse.

A turma governista inclui também defensores notórios de uma política antiinflacionária mais frouxa. A tese de "mais inflação com mais crescimento" continua popular no Executivo, na bancada governista e na cúpula do partido. Se Lula não tivesse um forte instinto de sobrevivência, teria cedido e mandado embora, há muito tempo, o presidente do Banco Central.

Lula exagera, no entanto, ao fazer o elogio da formiguinha, assim como exagera o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ao mencionar o "sacrifício" do superávit primário. O superávit é modesto e tem sido alcançado sem aperto de cinto. O gasto corrente, incluída a folha de salários, nunca deixou de crescer, nos últimos cinco anos. O pagamento de juros, ainda parcial, vem sendo garantido principalmente pelo aumento da carga tributária. A carga voltou a crescer em 2006, segundo a Receita Federal. Continua a aumentar em 2007 e a tendência será mantida nos próximos anos, de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

O crescente peso de impostos e contribuições tem servido, até agora, apenas para sustentar um setor público voraz e perdulário. O investimento do governo continua emperrado, não por falta de dinheiro, mas porque faltam competência gerencial e disposição política para as despesas mais produtivas.

A incapacidade gerencial está associada a uma concepção de exercício do poder. A conseqüência mais dramática e mais chocante dessa concepção vem sendo mostrada nos últimos dias, com destaque, em todos os grandes jornais. A Justiça Federal, com base em documento inválido apresentado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), liberou a pista de Congonhas para pouso de grandes aviões em pista molhada. Segundo aquele documento, os aviões só poderiam pousar com o uso de reversos. O papel, soube-se depois, não tinha valor normativo. Teriam morrido 199 pessoas, naquele pouso do Airbus da TAM, se a proibição judicial continuasse em vigor, ou se o papel da Anac valesse como regra? Essa pergunta não será descartada facilmente.

Se a Anac errou nesse episódio, não foi por causa de sua autonomia operacional, mas porque seus dirigentes eram pessoas inadequadas para a função. E eram inadequadas porque foram escolhidas com base no critério do companheirismo e do loteamento de cargos. As nomeações poderiam não ter ocorrido, se os congressistas encarregados de avaliar os indicados tivessem cumprido sua obrigação. Executivo e Legislativo erraram miseravelmente, e o erro inicial decorreu de uma noção teratológica de governo.

Essa noção não foi abandonada. O loteamento continuou e não está concluído. A crise aérea é a conseqüência mais pavorosa, até agora, dessa forma de usar o poder (o verbo governar seria impróprio, neste caso). Dessa máquina pública dependerá a capacidade brasileira de investir, produzir, competir e crescer num cenário global quase certamente menos favorável que o dos últimos cinco anos. O risco não terminará com a crise do mercado hipotecário. As formiguinhas fizeram muito menos que o necessário - talvez contaminadas pelo espírito das cigarras bandalhas.

Rolf Kuntz - Estadão

22.8.07

Sanha de coletivização de terras

Com a mesma sanha que se coletivizam terras em assentamentos, em áreas delimitadas para quilombolas e em territórios indígenas ( em todos eles emprega-se o modelo coletivista), agora chegou a vez de 14 reservas extrativistas que o governo está implantando em áreas de cerrado. Enquanto isso, no Pará, procuradores de Santarém e Altamira ajuizaram ação civil pedindo anulação de todos os 99 assentamentos da Reforma Agrária que o Incra criou na região entre 2005 e 2007.

São 204 mil hectares no cerrado

Localizam-se essas áreas extrativistas em 204.000 hectares em três estados e lá serão fixadas 550 famílias, reunidas em associações. Agindo na área está também a Comissão Pastoral da Terra. O processo é capitaneado pelo Ministério do Meio Ambiente.

CIMI quer ampliar o processo

É bom lembrar que o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), no Documento Final de sua XVII Assembléia Geral terminada dia 3 de agosto passado, colocou entre seus propósitos manter e ampliar “os espaços territoriais dos povos indígenas, dos quilombolas, camponeses e aqueles destinados à proteção ambiental”.

Nessa assembléia estiveram presentes representantes de toda América Latina e movimentos sociais entre os quais a onipresente Via Campesina, a multinacional das invasões, que cada dia mais se infiltra em todos os movimentos políticos, ditos sociais. O que eles querem realmente é a destruição da propriedade privada, trocando-a por áreas coletivas sob controle de socialistas revolucionários.

¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨

Governo vai criar um fato consumado?

Se agregarmos a esse cenário a extremamente rápida e superficial implantação de áreas para quilombolas o quadro é ameaçador. Nestes últimos dias, o Governo estuda formas de acelerar repasse de recursos para quilombolas. Segundo Bárbara Lobato, na Agência Brasil, “o governo federal pretende acelerar a execução orçamentária dos recursos destinados a comunidades quilombolas ainda em 2007. Usaria para isso um Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) dos Quilombolas.

Segundo a sub-secretária de Políticas para Comunidades Tradicionais da Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Givânia Silva, “o PAC dos Quilombolas foi apresentado no dia 30 de julho ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O desejo do presidente da República é o de que o programa seja lançado o mais rápido possível. Agora estamos na outra fase, que é a de pactuação desses recursos no Ministério do Planejamento."

Fala-se em 3 bilhões de reais!!!

Para criar um fato consumado inconstitucional, por incrível que pareça! Quem poderá reverter o quadro, tendo em vista a enorme crise social que criaria?

www.paznocampo.org.br

A crise na saúde

Do caos que, há mais de três meses, se instalou no atendimento hospitalar de três estados do Nordeste — Alagoas, Pernambuco e Paraíba — se extrai mais uma prova convincente da falência das políticas públicas de saúde. Milhares de pacientes se acotovelam nas entradas e no chão dos hospitais, a maioria crianças e velhos, sem esperança de assistência. Na rede oficial, grande parte dos médicos pediu demissão inconformados com os salários. Os demais e funcionários se mantêm em greve em busca de aumento de vencimentos e melhores condições de trabalho.

No sistema privado, com maior intensidade na Paraíba, cirurgiões e clínicos acusam o Sistema Único de Saúde (SUS) de remunerá-los com pagamentos aviltantes. Recusam-se a prestar socorro aos enfermos enquanto a tabela do órgão, segundo eles da ordem de R$ 76 por cirurgia, não for revista. O valor estaria defasado há mais de 10 anos. Uma jovem, carente de intervenção cardiovascular emergencial, pagou com a vida o preço da omissão de socorro.


Quando a vida é o bem em jogo, é obrigação de todos colocá-la acima de quaisquer outras conveniências e interesses. Dever, explique-se, sacralizado no voto missioneiro de quem se entrega ao ofício da medicina. Abandonar enfermos ao infortúnio da dor, largados como restolho humano à mercê da morte nas portas ou nos pisos dos hospitais, antes de tudo é violar os direitos essenciais da pessoa e adotar conduta criminosa. Não importa se o motivo da barbárie seja a reivindicação de condições mais dignas de sobrevivência.

Aí está apenas uma face do problema. A outra, carregada da mesma dramaticidade, é a incúria do poder público, à frente o governo federal, em acionar diretrizes capazes de assegurar meios eficientes de saúde à população. Há 10 anos criou-se fonte tributária específica — a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) — para resolver o problema. Mas os recursos, salvo migalhas, jamais foram aplicados para cumprir os objetivos da inovação fiscal. Os desvios das receitas, antes como hoje, constituem a regra que se aplica para distribuí-las.

O drama do Nordeste não é particularidade da região. Situações de risco à população e graves carências estão presentes em todos os quadrantes do país. Mas repõe em cena questão antiga e só lembrada em momentos de crise aguda. Trata-se da legislação para disciplinar o direito de greve no âmbito da administração oficial. É iniciativa indispensável e urgente. Cumpre garantir, em caso de greve, limites à execução de serviços essenciais, como os relacionados com a saúde, previdência social, ensino, energia, água, transportes e os concedidos à iniciativa privada.

Quanto a pacientes mortos ou que vierem a morrer por falta de atendimento, é obrigação do Ministério Público indiciar os responsáveis por omissão de socorro, crime capitulado no Código Penal. Ninguém pode louvar-se no fato de estar em greve ou de ser mal pago para justificar o desleixo com a vida humana.

Editorial Correio Brasiliense

21.8.07

Chinês diz ter uma Hong Kong na Amazônia

PEQUIM. Um rico empresário chinês respeitado no seu país declara aos quatro ventos ter comprado dos índios brasileiros uma parte da floresta amazônica e acaba alvo de um inquérito no Brasil. Pode parecer ficção, mas não é. Nos círculos empresariais chineses, o executivo Lu Weiguang, dono da produtora de pisos de madeira e importadora Shanghai Anxin, é respeitadíssimo como “o líder do setor de madeira” e está entre os 400 homens mais ricos do país, segundo a revista americana “Forbes”. Ele é o tipo do empreendedor chinês que deu certo, festejado pelo governo, com o qual mantém boas relações. A mídia estatal chinesa, no entanto, gosta de chamar este empresário de 39 anos de “o primeiro chinês a ser dono de parte da floresta amazônica”.

Improvável? É o que garante a Funai. Mas Lu Weiguang, em entrevista ao GLOBO por fax, afirma que comprou em 2004 mil quilômetros quadrados de floresta amazônica nativa de uma reserva indígena na região pertencente a uma tribo, que ele se recusa a identificar por temer “trazer problemas para a população indígena, meus amigos”. Lu não gosta de falar sobre o assunto nem se deixa fotografar:

— O Brasil é um país muito violento, onde mais de 50 pessoas morrem por dia só em São Paulo. Não gostaria de aparecer num jornal.

Ele só concordou em responder perguntas por escrito quando confrontado com o fato de que a região de floresta amazônica nativa que ele adquiriu é grande demais para ser ignorada. Trata-se de uma área em Mato Grosso (cuja localização exata Lu não revela) maior que Cingapura, um país de 693 quilômetros quadrados. É equivalente a todo o território de Hong Kong (1.092 quilômetros quadrados), ou mais de duas vezes a ilha de Florianópolis (cerca de 450 quilômetros quadrados). Ou o equivalente, como gostam de dizer os jornais chineses, à ilha de Congming, próxima a Xangai e visível claramente em qualquer mapa da China.

— Tenho muito orgulho desse empreendimento porque a Amazônia não é apenas um tesouro dos brasileiros, mas um tesouro do mundo inteiro — afirma Lu.

Tesouro que pertence aos brasileiros, pelo menos segundo as leis brasileiras. Mas Lu teria conseguido contornar possíveis impedimentos legais com uma estratégia no mínimo controversa:

— Ele e a mulher, Chen Jie, tiveram um filho no Brasil. O filho tem cidadania brasileira e as terras foram compradas em nome dele — diz a vice-presidente da Anxin, Chen Hong.

A trajetória de Lu como empresário começou em 1994, quando ele deixou um cargo público no Escritório de Administração de Pesca de Wenzhou, na província de Zhejiang. Com um empréstimo de 300 mil yuans (US$ 37,5 mil) do pai, fundou a Anxin, que começou vendendo pisos de madeira e hoje é a líder do setor na China e a maior importadora de madeira bruta do país.

Lu diz que tomou conhecimento da qualidade da madeira brasileira em 1996, ao conversar com empresas de Taiwan e Hong Kong que negociavam madeira entre Brasil e China. Naquele ano, uma decisão do governo chinês foi fundamental para a idéia do empresário de comprar terras no Brasil:

— Em 1996, o Conselho de Estado da China proibiu a exploração comercial das florestas nativas, por isso eu decidi comprar um pedaço da floresta brasileira. Quando estive no Brasil, em 1997, me apaixonei pela Amazônia e pela cultura indígena, pela qual tenho muito respeito — conta.

Segundo Lu, não foi fácil convencer os índios brasileiros. Em 1997, quando ele começou a abordagem, os índios se recusaram a negociar. Mas a barreira foi vencida, conta, quando a tribo passou a acreditar que ele tinha as melhores intenções para a floresta:

— Para ganhar a confiança dos índios, forneci remédios, construí escolas e até investi em infra-estrutura na região. Para monitorar e ajudar os índios, aluguei um satélite americano do sistema GPS. Os índios perceberam que minha intenção era boa.

Metade da madeira usada por Lu vem do Brasil

Em 2004, finalmente, Lu teria negociado seu latifúndio, em duas etapas: primeiro, teria comprado dos índios uma área de 150 quilômetros quadrados e, posteriormente, outra de 850 quilômetros quadrados. O valor pago ele não revela. Diz apenas que o dinheiro foi depositado num fundo administrado por uma instituição financeira do Brasil em nome dos índios.

E o que ele pretende fazer com o terreno? A idéia, segundo Chen Hong, é exportar a madeira do Brasil para a China, onde será transformada em pisos e até móveis para os mercados chinês, europeu e americano. Parte vai virar piso de madeira na fábrica que a empresa tem em Curitiba.

Lu garante que o projeto não vai danificar a flora amazônica. A área no Brasil, diz ele, está sendo dividida em 25 pedaços e cada um deles será explorado durante um ano e, depois, reflorestado. Assim, em 25 anos, a primeira área explorada já estará pronta para novos cortes.

A preocupação com a auto-suficiência da produção de madeira parece ser mesmo uma constante na empresa de Lu. A Anxin é, de fato, uma das empresas chinesas com mais certificação de organismos internacionais por manejo responsável das florestas chinesas — quando ela ainda podia fazê-lo na China, claro. Mark Hurley, da Global Forest & Trade Network, braço da ONG WWF que cuida do manejo responsável de recursos naturais, confirma que a Anxin faz parte do grupo de empresas monitoradas pela instituição:

— Eles fazem um trabalho muito responsável na China — diz Hurley. — A empresa busca usar produtos certificados e evita processar madeiras de árvores derrubadas ilegalmente. Todos os anos, auditamos a empresa com relação às práticas de exploração da madeira.

Lu afirma que 50 quilômetros quadrados da área adquirida foram devolvidos aos índios, sem explicar a razão.

Nada menos que 50% da madeira importada pela Anxin hoje vem do Brasil, onde ela trabalha com mais de cem madeireiras. Lu garante que nenhuma opera ilegalmente. A empresa tem hoje 1.370 empregados no Brasil e na China, e produz anualmente três milhões de metros quadrados de piso de madeira e 36 mil metros cúbicos de madeira bruta nos dois países. Seu faturamento anual ultrapassa US$ 100 milhões.

A Shanghai Anxin é membro do Conselho Empresarial Brasil-China, pelo lado chinês, e o site da empresa traz uma prosaica imagem de uma índia brasileira encostada em uma tora de madeira. Ano passado, o empresário diz que trouxe “vários índios brasileiros para realizar um show pela China e, assim, ter a chance de mostrar sua rica cultura”.

http://oglobo.globo.com/jornal/economia/285155386.asp



Rio, 06 de agosto de 2006





A notícia dos negócios na floresta







Para braço direito, um narciso que fala mas não faz

Ana Paula de Carvalho
Especial para O GLOBO

CURITIBA. No Brasil, Lu Weiguang mantém um apartamento em bairro nobre de Curitiba, para onde trouxe a mulher, Chen Jie, grávida de três meses. Com o nascimento do filho brasileiro, Victor Lu, em abril de 2003, o empresário chinês garantiu visto permanente no Brasil.

— Eles têm apartamento aqui, mas devem estar na China ou nos Estados Unidos — informa o porteiro do endereço residencial da família.

O braço-direito do empresário chinês no Brasil, Luiz Renato Durski Junior, conta que, com o filho brasileiro, Lu obteve benefícios do governo chinês e empréstimos em bancos. Íntimo de Lu, Durski diz que sua própria mãe foi quem deu o nome Victor ao filho do empresário (de acordo com as tradições chinesas, a avó dá nome aos netos). Durski mantém em Curitiba a empresa Marine Box — uma trading que negocia madeiras, fundada em 1999 —, que ostenta no escritório a logomarca da Anxin Flooring Co. A parede da sala de reuniões é enfeitada por duas molduras com a figura de Lu ao lado do presidente Lula e de Rubens Ricupero.

— A Anxin é o principal cliente na China há seis anos, mas ele (Lu Weiguang) não é sócio no Brasil — garante o dono da Marine Box.

Uma das empresas coligadas da Marine Box em Várzea Grande, no Mato Grosso, usa a sigla AXN, mas o empresário diz que é coincidência qualquer semelhança com a Anxin:

— Como trabalhamos muito com os chineses, o “A” quer dizer seriedade, o “X”, eficiência e o “N”, honestidade no ideograma chinês — afirma.

A Marine destina hoje ao mercado chinês 60% da produção de madeira produzida no Brasil, o que representou 1.200 contêineres em 2005. Além de Curitiba, a empresa mantém escritórios de apoio pelo Brasil, especialmente em pólos madeireiros. O empresário paranaense conta que viaja para a China de cinco a seis vezes por ano e negocia com Lu Weiguang há seis anos.

— Ele esteve aqui na semana passada e o plano dele agora é montar uma agência de viagens e um hotel no Rio de Janeiro, uma pousada no Pantanal e outra em Manaus para trazer chineses.

Mas Durski minimiza as investidas do chinês no Brasil:

— Ele é o cara mais marqueteiro do mundo, diferente do que é a realidade. Agora ele está com os planos dos hotéis, mas depois muda de idéia.

Durski desmente Lu no que diz respeito à compra de terras de índios brasileiros:

— Na época, ele disse para comprar floresta, mas não comprou nem um hectare.

E vai além:

— Ele disse que índio dava “ibope” na China e propôs procurar uma tribo para a Anxin ajudar. Achamos índios em Jaciara, no Mato Grosso. Ele levou presentes, comida, R$ 5 mil e voltou para a China com fotos. Fez o maior marketing, apontando como sendo os índios da sua floresta. Depois, eu fui junto: os índios ganharam do empresário R$ 2 mil por dez meses e só.

Durski contabiliza como resultado dessa ação de marketing a associação com investidores americanos, entre eles a empresa Carlyle:

— Ele é narciso e um cara que consegue muito. Não chega a ser mentiroso. Ele simplesmente começa a fazer um negócio, divulga, mas depois não faz.

http://oglobo.globo.com/jornal/economia/285155383.asp

Rio, 06 de agosto de 2006



Polêmica com madeireiras da Malásia

O interesse de asiáticos pela Amazônia não é novo. Acusadas por ambientalistas de devastarem enormes florestas em seu país, madeireiras da Malásia começaram a operar na região no fim da década de 90. Pelo menos três grupos daquele país atuaram na área florestal nos últimos anos, causando polêmica: a Samling, com o controle da Amcol, no Pará; a Rimbunan Hijau, com a holding Verde Vivo, para administrar as madeireiras Selvaplac e Maginco, também no Pará; e a WTK, por meio da Amaplac, no Amazonas.

Na maioria dos casos, os grupos adquiriram a baixo preço serrarias quase falidas para entrar no país. Depois, a idéia era comprar terras para extrair madeira. Reportagem do GLOBO de março de 1998 mostrou que o Ibama, surpreendido num primeiro momento, começou a agir quando ONGs ambientais denunciaram a questão.

http://oglobo.globo.com/jornal/economia/285155385.asp

Rio, 06 de agosto de 2006

Funai pede à PF abertura de inquérito


Eliane Oliveira

BRASÍLIA. A notícia de que o chinês Lu Weiguang teria comprado mil quilômetros quadrados de terras indígenas no Brasil e de que se apresentaria como defensor do meio ambiente em eventos internacionais causou perplexidade ao governo brasileiro. Preocupada, a Fundação Nacional do Índio (Funai) pediu à Polícia Federal a instauração de um inquérito para apurar o caso, uma vez que o próprio chinês confirma a compra ao GLOBO.

— As terras indígenas são inalienáveis e a Constituição proíbe sua exploração. Isso é crime. Além da Polícia Federal, estamos acionando as Funais nos estados, para tentar conseguir mais informações e, se for o caso, tomar as providências cabíveis — disse o procurador-geral da Funai, Luiz Fernando Villares e Silva.

Segundo ele, o mais provável é que Lu esteja apenas contando vantagem em seu país. Villares comentou que há casos semelhantes envolvendo estrangeiros que afirmaram ter comprado terras públicas ocupadas por índios brasileiros.

— Há também estrangeiros que são enganados, compram terras de grileiros ou de fazendeiros que invadiram reservas indígenas e, mais tarde, descobrem que foram enganados. Mas não creio que este seja o caso do chinês — afirmou.

Ele explicou que a proibição de venda e exploração comercial de terras indígenas está na Constituição e no Estatuto do Índio, de 1973.

— Ele (o chinês) pode estar usando uma estratégia de marketing. Mas vamos averiguar, pois, se for verdade, é um crime — disse Villares, lembrando que a legislação prevê, entre outras punições, multa e prisão de dois a quatro anos.

O assunto também preocupa o Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Ao saber da história, o presidente do SFB, Tasso Azevedo, buscou se informar com madeireiros da região:

— Ninguém conhece esse empresário chinês. O ideal é sabermos a localização exata da operação, pois não temos qualquer referência a respeito.

http://oglobo.globo.com/jornal/economia/285155387.asp

Brasil "vende a Amazônia"

Brasil "vende a Amazônia" sob a capa de projetos de desenvolvimento

O governo brasileiro foi acusado de vender grandes porções da floresta tropical amazônica --entre as quais o mais velho parque nacional de preservação ecológica-- a empresas madeireiras inescrupulosas, sob o disfarce de um plano ineficiente de desenvolvimento sustentável.

Luiz Inácio Lula da Silva chegou à presidência em 2003 com a promessa de assentar 400 mil famílias de sem terras em seu mandato de quatro anos, uma meta pouco realista que ele é acusado de só ter conseguido realizar por meio de acordos de último minuto antes de sua reeleição, no ano passado.

Uma investigação de oito meses sobre a trapaça de terras, conduzida pelo Greenpeace, revelou que a agência brasileira de reforma agrária, Incra, estabeleceu grandes assentamentos em áreas florestais, em lugar de posicioná-los em áreas já desmatadas, e os povoou com famílias urbanas que imediatamente venderam os direitos de exploração madeireira às grandes empresas do setor.

"Em lugar de ajudar, os esforços oficiais estão na verdade criando mecanismos que garantem às madeireiras um suprimento de matéria-prima. Isso abre as portas a destruição ainda maior da floresta e a alterações climáticas mais intensas", disse André Muggiati, do Greenpeace.

Em 2006, o Incra criou 97 "projetos de desenvolvimento sustentável" (PDS) em Santarém, na região oeste do Pará, um dos Estados da Amazônia, em áreas de floresta primária muito procuradas pelas madeireiras. Os assentamentos ocupam uma área de 2,2 milhões de hectares, e 33,7 mil famílias foram designadas para ocupá-los.

"Todos esses assentamentos foram criados nos três últimos meses do ano passado", diz um funcionário do Incra. "Era o final do primeiro mandato de Lula, de modo que ele tinha de realizar as metas. Foram os políticos que se beneficiaram do sistema PDS".

Em outubro de 2006, Lula conseguiu a reeleição.

Além dos políticos, o esquema beneficia os colonos, que recebem terras e vendem os direitos de exploração florestal a grandes madeireiras, as quais ganham acesso a recursos preciosos, e o Incra, que estás perto de atingir as metas estipuladas pelo governo.

Ainda na semana passada o governo brasileiro estava se vangloriando de uma queda no nível de desflorestamento pelo terceiro ano consecutivo, mas agora abriu as portas a desflorestamento ainda mais intenso, com as conseqüências adversas que isso acarreta sobre as alterações no clima mundial. O Brasil é o quarto maior emissor mundial dos gases responsáveis pelo efeito-estufa. Uma grande proporção das emissões deriva do desflorestamento da Amazônia, e 15,5% do desflorestamento total é gerado pela criação de assentamentos.

O Incra está criando assentamentos com tamanha rapidez que não consegue fornecer a infra-estrutura necessária aos colonos. Por isso, a agência improvisa encorajando as associações de moradores a fecharem acordos com madeireiras, que constroem estradas e saneamento em troca dos direitos de exploração florestal nessas áreas.

O conceito do PDS foi concebido em 1999 por Raimundo Lima, diretor do Incra, como forma de sustentar as famílias que seguem um modo de vida tradicional, de forma a permitir que vivessem da terra. Cada família deveria receber alojamento e um certo montante de crédito financeiro que lhes desse a oportunidade de começar a plantar; elas teriam permissão de cultivar 20% das terras que lhes seriam destinadas, e explorar a madeira dos 80% restantes, de acordo com um plano rígido de gestão de recursos florestais. Agora, esses planos são ditados pelas madeireiras, o que significa que elas podem violar as normas de desenvolvimento sustentável e pagar valor bem inferior ao de mercado pela madeira extraída.

Felipe Fritz Braga, procurador da Justiça Federal brasileira em Santarém, diz que a forma original do PDS como assentamento para famílias que seguiam o modo de vida tradicional da região foi abandonado, e que as madeireiras bancaram as eleições do ano passado para salvaguardar o programa.

"Dez anos atrás, foram criados diversos PDS que deveriam servir a preservar comunidades tradicionais. Com o passar do tempo, eles sofreram uma metamorfose jurídica e agora estão sendo usados na Amazônia a fim de assentar pessoas que não formam comunidades tradicionais", explica Braga. "A fonte de verbas de campanha para o governo, nas eleições, foram as madeireiras". No escritório do Incra em Santarém, que quadruplicou de tamanho em 2005, antecipando a atual onda colonizatória, os funcionários estão insatisfeitos com os métodos que foram encorajados a seguir a fim de obter aprovação a tantos assentamos em prazo tão curto. Dois informantes anônimos alegam que foram forçados a falsificar as datas de importantes documentos, que viram em computadores da instituição mapas que um funcionário do Incra desenhou para um grileiro de terras e que a pesquisa para a criação de um PDS foi realizada com o uso do avião de um próspero empresário madeireiro.

Eles também alegam que 11 assentamentos foram criados no Parque Nacional da Amazônia, onde não há quaisquer famílias assentadas, a pedido de um poderoso fazendeiro, e estão preocupados com a possibilidade de que a situação em torno de Santarém sirva como indicação de maior devastação na Amazônia. "Acreditamos que o que está acontecendo seja um teste de laboratório e que o modelo venha a ser reproduzido posteriormente no restante da Amazônia", afirmaram. O Incra não discute oficialmente um assentamento chamado Renascer, criado no território disputado entre duas madeireiras, a Alecrim e a José Pires. O assentamento deveria abrigar 200 famílias, mas em lugar disso os direitos sobre a terra estão sendo disputados pelos presidentes de duas associações rivais de moradores, cada uma das quais apoiada por uma madeireira. Comandar esse tipo de associação é uma atividade em crescimento entre os empresários locais. Sancler Oliveira está negociando os direitos de exploração florestal em nome do seu quinto grupo de famílias.

Um assentamento chamado Santa Clara foi criado em outra área já controlada por madeireiras. Francisco das Chagas Dias recebeu terras no local em companhia de 26 outras famílias de colonos depois que foram ordenados pelo Incra a sair de outro assentamento por se recusaram a acatar as ordens da madeireira que dirigia a área. Eles recusaram a transferência para Santa Clara, e estão de novo à espera de assentamento em alguma outra região.

Em Igarapé do Anta, o PDS modelo do Incra, a maioria dos residentes deixou suas casas novas para trás e encontrou empregos na cidade. "Eles as usam como casas de fim de semana", disse Antonio Rodriguez dos Santos, ex-presidente da associação de moradores de Igarapé do Anta.

A irmã Dorothy Stang, uma veemente militante ecológica, foi assassinada em 2005 quando estava defendendo dois desses assentamentos, em Anapu, Pará, uma região notória por sua falta de supervisão governamental. Devido ao apoio da irmã Dorothy, o conceito dos PDS se tornou, indevidamente, sinônimo de boas práticas ambientais.

A Amazônia há muito está sob ameaça de grandes empresas; as madeireiras desbastam a floresta densa antes que os fazendeiros se instalem nas terras para criar gado, criar imensas plantações de sojas, e exaurir o solo. Passada quase uma década de sua concepção institucional, o sistema PDS se transformou em um catalisador que permite à indústria madeireira abocanhar parcela ainda maior dos recursos naturais da Amazônia.

Independent
, em Santarém

Juíza foi enganada pela Anac

Fui enganada sobre Congonhas, diz juíza

Cecília Marcondes, do TRF, disse que recebeu de Denise Abreu, diretora da Anac, documento com falsas medidas de segurança

Documento foi usado para convencer a Justiça a liberar as operações no aeroporto, que estavam restritas para alguns tipos de aviões



A juíza do TRF (Tribunal Regional Federal) Cecília Marcondes disse ontem que recebeu das mãos da própria diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) Denise Abreu o documento com as falsas medidas de segurança para pousos de aviões em pista molhada no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

O documento foi utilizado para convencer a Justiça a liberar, no início do ano, as operações no aeroporto, que estavam restritas para alguns tipos de aviões. O problema é que a tal norma em questão, a IS-RBHA 121-189, não estava em vigor.

A "norma" que constava do recurso ao TRF (3ª Região) vedava às empresas o uso de aviões com um reverso inoperante em pistas molhadas.

Se estivesse sendo aplicada, o acidente com o vôo 3054 da TAM (199 mortes) teria sido evitado -naquele dia, a aeronave estava com o reversor direito inoperante, e a pista, molhada.

Na última quinta-feira, em depoimento na CPI do Apagão Aéreo do Senado, Denise disse que o documento não tem valor legal por se tratar de um "estudo interno", publicado no site de internet da agência por "falha da área de informática".

"Ela [Denise] estava presente, tinha ciência absoluta da existência daquele documento que estava sendo apresentado para mim. Até porque todos falavam a respeito dele", disse ontem a juíza. "Ou mentiram na CPI ou agiram com improbidade pelo fato de não terem aplicado as regras estabelecidas por aquele documento."

Segundo a juíza, o documento foi entregue por Denise no dia 22 de fevereiro.

A juíza disse que a diretora da Anac foi auxiliada por dois técnicos que explicaram detalhadamente que as normas publicadas pela agência, contidas no documento, garantiriam a segurança dos vôos. Convencida pela comitiva, composta por mais duas pessoas, a juíza suspendeu a restrição.

A diretora da Anac, ainda segundo Cecília, demonstrava muita pressa na liberação do aeroporto para todos os tipos de avião. A decisão da Justiça foi assinada horas depois.

A juíza afirmou que recebeu a declarações de Denise com "espanto muito grande" e "revolta". "Não é só a pessoa da juíza que está sendo enganada. Está sendo enganada uma instituição, está sendo enganado um Poder do Estado e por um órgão que está também inserido dentro do Poder do Estado. Isso é o mais grave de tudo."

E continuou: "Se nós não podemos confiar nas agências que fiscalizam, não temos em quem confiar. É uma situação muito desagradável. É uma coisa extremamente séria, estamos mexendo com vidas. Parece uma brincadeira isso aqui".

A juíza disse que, mesmo com a alegação da Anac, da não-validade do documento, a direção da agência não está isenta de responsabilidade porque, para a Justiça, a norma está em vigor. "Por isso que deixei claro que caberia responsabilidade criminal e administrativa para aqueles que não cumprissem aquilo que estava escrito lá. Deixei ressaltado para evitar esquecimentos."

O Ministério Público Federal de São Paulo irá pedir que a Anac seja investigada por improbidade administrativa e falsidade ideológica.

Para a Procuradoria-Geral da Anac, subordinada à AGU (Advocacia-Geral da União), a sindicância aberta ontem deve investigar o grupo de técnicos que subsidiou a estratégia de defesa e "quem mandou".

"É preciso investigar se não houve crime de falsidade ideológica e de improbidade administrativa", disse a procuradora federal Fernanda Taubemblatt, que moveu a ação inicial pedindo o fechamento da pista.

Dentro da Anac, o procurador-geral João Ilídio de Lima Filho considera que os procuradores de São Paulo são responsáveis pela parte jurídica do processo, não pelos anexos técnicos. "A peça jurídica está primorosa. No mérito, está perfeita. Agora, se alguém anexa um documento para subsidiar a tese da defesa, então tem que ser apurado o motivo, por que os técnicos utilizaram o estudo e por ordem de quem", disse.

As CPIs do Apagão Aéreo também irão examinar o caso.
Folha

JOSÉ DIRCEU, EM ENTREVISTA PARA A PLAYBOY

Uma conversa franca com o ex-todo-poderoso ministro da Casa Civil, e agora bem-sucedido consultor de empresas, sobre a crise do mensalão, conselhos ao presidente Lula, saudade do poder, sósias indigestos, fama de namorador e sua eterna birra com a imprensa.

Quando ainda usava calças cur-tas em Passa Quatro, interior de Minas Gerais, José Dirceu de Oliveira e Silva, num surto de grandeza, disse à mãe, dona Olga: “Um dia seu filho será presidente da República”. Hoje, aos 61 anos, ele revê a história. “Ela diz que eu falei isso, mas eu não lembro. Como mãe não mente, deve ser verdade.” O fato é que, mesmo que não tenha ocupado o cargo mais alto da República, Dirceu provou como ninguém o gosto do poder quando assumiu, em 2003, o cargo de ministro da Casa Civil. Era ele quem dava as cartas. Deu tantas cartas que, no dia 1º de dezembro de 2005, acabou tendo seus direitos políticos cassados até 2015 pela Câmara por quebra de decoro.

José Dirceu tem uma ligação histórica com a PLAYBOY. Foi aqui, num perfil publicado em janeiro de 1992, que o então deputado federal revelou como ficou de 1975 a 1979 na clandestinidade, vivendo como se fosse o comerciante Carlos Henrique Gouveia de Mello, em Cruzeiro do Oeste, interior do Paraná. Dirceu estava banido do país desde que fora, junto com outros militantes de esquerda, trocado pelo embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. Em 1970, em Cuba, o guerrilheiro teve o rosto modificado por cirurgiões plásticos – o nariz original seria devolvido dez anos depois. Carlos enganou a todos, inclusive à mulher, Clara Becker. Quando saiu a anistia, ele a chamou e mostrou um jornal com uma foto sua sob os dizeres “procurado pela polícia”. O casamento acabou.

Com a experiência de quem efetivamente já “morreu” e “ressuscitou”, o Dirceu de hoje desafia aqueles que apostam que ele esteja sepultado politicamente. Sempre que surge uma oportunidade, repete que quer ser julgado (e absolvido) pelo Supremo Tribunal Federal. Sua vontade pode ser atendida no fim deste mês, quando os ministros do Supremo decidem se abrem processo contra ele e mais 39 pessoas denunciadas como integrantes da “organização criminosa” responsável pelo mensalão.

Enquanto espera a definição do seu futuro político, toca uma próspera empresa de consultoria. Há quem jure que sua lista de clientes inclui o presidente da República Dominicana e o homem mais rico do mundo, o mexicano Carlos Slim, o que ele não confirma, nem nega. Para entrevistar José Dirceu, PLAYBOY escalou o jornalista e escritor Tom Cardoso e o repórter Fernando Barros de Mello. Foram três encontros – dois no seu amplo escritório e o último num hotel de luxo em São Paulo. No seu QG, ele controla um exército de assessores, secretárias e copeiras. Antes de começar a primeira bateria de perguntas, Zé, como é chamado pelos amigos, distribuiu ordens. Primeiro, para o seu assessor de imprensa: “Não deixe de atender às minhas ligações”. Depois, para a copeira: “Veja um café com leite quente. Mas tem de ser café descafeinado! Não compraram? Vou criar uma crise. E o leite tem de ser de fazenda, com cheiro de bosta de vaca!”. Dirceu só relaxou quando recebeu uma PLAYBOY com Carol, a musa do BBB, na capa. Foi direto ao pôster e lembrou uma história recente: “Outro dia eu estava no Copacabana Palace e uma menina veio me paquerar. Não sei quem me avisou: ‘Zé, essa moça já foi capa da PLAYBOY’. Pulei fora rapidinho”.

[ PLAYBOY ] Quem era a moça?
[ José Dirceu ] Evidentemente não vou contar.

[ PLAYBOY ] Fernando Morais, seu biógrafo, disse que só duas coisas o tiram do sério: mulher e comida.
[ José Dirceu ] [Risos.] O que me tira do sério é incompetência. É a mídia brasileira, o que fizeram comigo, o que fazem com Cuba, o que os norte-americanos fizeram no Iraque. Mas realmente comida ruim e mulher ruim, pelo amor de Deus! Tem homem ruim também. Eu estou brincando, hein?

[ PLAYBOY ] No começo de sua vida estudantil, nos anos 60, o senhor estava mais próximo da revolução sexual ou da revolução socialista?
[ José Dirceu ] Eu tinha uma intensa relação com várias companheiras, como era muito próprio da época. No movimento estudantil tinha um pouco de mito do líder, me chamavam de “Alain Delon dos Pobres”. Outros diziam que eu era o “Ronnie Von das Massas”, para ridicularizar meu cabelo comprido. A geração de 68 também fez uma revolução de comportamento no Brasil, mas eu estava com a mente e o coração na revolução política, democrática e na revolução da luta pelo socialismo.

[ PLAYBOY ] O que não impediu que o senhor fosse chamado por dois comunistas italianos, na sua prisão de 1966, de “boêmio inofensivo e namorador”...
[ José Dirceu ] Essa prisão foi fantástica! Esses dois italianos eram meus vizinhos de frente no apartamento da alameda Barros, em São Paulo. Eles cozinhavam maravilhosamente e eu sou apaixonado por comida italiana. Um belo dia fui preso e não entendi nada. Eu estudava direito na PUC, já fazia movimento estudantil, mas não era uma liderança. Só na prisão fiquei sabendo: os dois tinham sido enviados ao Brasil para fornecer explosivos e armamentos para a Ação Libertadora Nacional. Eu acabei solto. Até o [então deputado federal] Franco Montoro depôs a meu favor.

[ PLAYBOY ] Experimentar drogas também fazia parte da revolução?
[ José Dirceu ] Não. Droga é depois de 1969, depois da queda de Ibiúna [Dirceu e mais de 800 estudantes foram presos no 30º Congresso da UNE, realizado clandestinamente em Ibiúna em 12 de outubro de 1968]. Em 60, existia maconha na minha escola, mas eu nunca fumei. E comecei a beber depois dos 30. Nessa época eu não tomava chá nem café, só leite. Fumei cigarro por um período muito pequeno e depois parei. Agora fumo charuto uma vez por mês.

[ PLAYBOY ] Uma passagem famosa da sua biografia foi o casamento com a Clara Becker. Durante a ditadura, vocês ficaram quatro anos juntos sem que ela soubesse quem o senhor realmente era. Há quem diga que um sujeito que consegue esconder sua identidade da própria mulher é capaz de qualquer coisa...
[ José Dirceu ] Uma pessoa que fala isso tem mulher, mas dorme com uma amante e não conta pra ela. Coisa mais grave. O que eu estava fazendo do ponto de vista ético e moral era totalmente defensável. A Clara nunca deu essa versão que as pessoas atribuem a ela. Fiz tudo para protegê-la.

[ PLAYBOY ] Houve algum momento em que ela quase descobriu?
[ José Dirceu ] Eu andava sempre armado e uma vez esqueci minha capanga – onde eu guardava a arma [aponta dentro da manga da camisa] – numa livraria em Ponta Grossa. Entrei em pânico, mas o proprietário não desconfiou e devolveu a arma. Numa outra vez o prefeito de Cruzeiro do Oeste, onde eu morava, resolveu perguntar para a Clara se ela conhecia minha família. Ela mentiu e disse que conhecia. Até hoje não sei por quê. O pessoal da cidade me chamava de Pedro Caroço, o personagem daquela música “Ele tá de olho é na butique dela”. Eu era casado com uma mulher que era dona de quatro butiques.

[ PLAYBOY ] A Clara já declarou que, se tivesse enviuvado, seria mais fácil esquecê-lo. Ela também fez um sacrifício ao abrir mão do Carlos Henrique [codinome usado por Dirceu depois de mudar o rosto para viver clandestinamente em Cruzeiro do Oeste, onde se casou]?
[ José Dirceu ] Fez. Eu reconheço.

[ PLAYBOY ] Então não era melhor o senhor fazer um sacrifício consciente, não ficar com a mulher amada, do que deixá-la se sacrificar e perdê-lo do dia pra noite?
[ José Dirceu ] Se eu não ficasse com ela, estaria correndo um risco sério porque seria totalmente atípico e anormal não namorar, não casar. Eu passaria a ter uma vida artificial, o que é mortal nesses casos. A regra número um da clandestinidade é que ninguém pode saber quem você é. Todo mundo que rompeu essa regra morreu. Como eu gostava dela e ela gostava de mim... Tanto é que até hoje nós nos gostamos. Apesar de separados, temos um filho e uma neta em comum.

[ PLAYBOY ] Faria tudo de novo?
[ José Dirceu ] Não sei se faria luta armada como fiz. Em tese, não. A luta armada era moral e eticamente justificada, mas a exclusividade que demos a ela foi um erro. Tinha que combinar com a luta política e eleitoral.

[ PLAYBOY ] O senhor fez uma plástica para mudar de rosto e se esconder da ditadura. Faria por vaidade?
[ José Dirceu ] Não fiz botox, mas não tenho objeção. Para 61 anos, acho que estou até razoavelmente, como diria meu pai, conservado. Ele morreu com 88 anos e ainda era um homem muito bonito.

[ PLAYBOY ] Já tomou Viagra?
[ José Dirceu ] Não! Se tivesse tomado, falaria. Eu não tenho preconceito com fazer plástica, colocar botox, mas saiu coisa que não é verdade, dizendo que eu teria feito isso [plástica]. Foi o jornal O Globo que publicou. Eu tenho uma saúde boa, faço ginástica. Por estética também; seria hipocrisia não admitir que sou vaidoso.

[ PLAYBOY ] E atualmente, o senhor está namorando?
[ José Dirceu ] Namorar a gente sempre está namorando.

[ PLAYBOY ]Com alguém especificamente?
[ José Dirceu ] Não vou falar sobre isso.

[ PLAYBOY ] Já foi traído por uma mulher?
[ José Dirceu ] Muitas vezes. Quem não traiu e não foi traído? Precisa ver esse conceito de trair. Eu sempre fiquei com quem eu gostava e sempre procuro terminar da melhor maneira possível.

[ PLAYBOY ] Até agora, o senhor falou mais de mulheres que de armas. O senhor atirava bem?
[ José Dirceu ] Dava pro gasto. Nunca fiz com paixão a luta armada.

[ PLAYBOY ] Atirou em alguém?
[ José Dirceu ] [Sorriso.] Depois que eu fizer 80 anos eu conto.

[ PLAYBOY ] Confirme o que disse uma fonte. O senhor teria atirado durante um assalto a um cartório em 1971, quando voltou para o Brasil para levantar fundos para a Ação Libertadora Nacional?
[ José Dirceu ] Eu participei de assalto? Eu não lembro. Estou com amnésia [irônico]. Eu participei de ações políticas e militares na luta armada aqui no Brasil em 1971 e 1972. Ponto final. Contar tudo só depois que fizer 80.

[ PLAYBOY ] Aprendeu a atirar durante o exílio em Cuba?
[ José Dirceu ] Sim. Eu andava armado [no movimento estudantil], tinha atirado, mas coisa amadora. Em Cuba fiz treinamento, tropa especial, 18 meses.

[ PLAYBOY ] Quando era estudante, o senhor sempre andava armado?
[ José Dirceu ] Sim. Andava com uma .22. Certa vez, eu conheci uma moça, a Heloísa. Ela era muito bonita e eu comecei a ter relação com ela, mas alguma coisa não encaixava. Comecei a ficar desconfiado. Um dia, eu tirei da cintura a arma e ela, para a minha surpresa, a desmontou com a maior naturalidade e precisão. Descobrimos tudo: ela era espiã do Dops [Departamento de Ordem Política e Social]. Fomos ao apartamento dela e encontramos tudo. Ela foi levada para uma sala, interrogada e a entregamos, com a imprensa presente, para a família dela. Eu conheci a Heloísa na sala de imprensa do [Centro Universitário] Maria Antônia, onde tinha uma placa que dizia: “Imprensa burguesa, fique quietinha e não mexa nas cadeiras”.

[ PLAYBOY ] Quem mandou escrever isso?
[ José Dirceu ] Fui eu.

[ PLAYBOY ] A briga é antiga, então?
[ José Dirceu ] A imprensa fez uma grande cobertura do movimento estudantil. O primeiro editorial que ganhei, acho que do Jornal da Tarde ou do Estadão, chamava-se “Os Baderneiros da PUC”. Éramos eu e o Luís Travassos [presidente da UNE].

[ PLAYBOY ] A imprensa continua “burguesa”?
[ José Dirceu ] Acho que a imprensa é partidária, ideológica, engajada, com projeto político. Isso existe no Brasil. Pena que não existe uma nossa assim tão forte.

[ PLAYBOY ] O Getúlio Vargas também se queixava até que decidiu financiar um jornal, o Última Hora. O Lula também poderia ter o seu?
[ José Dirceu ] Sim, seria legítimo. Eu quero um jornal pra gente também. A imprensa queria me tirar do governo desde o começo. Os tucanos e os peefelistas romperam o pacto democrático no caso Waldomiro Diniz, quando partiram para desestabilizar o governo. O Lula nem era presidente, eu nem era ministro [a gravação em que Waldomiro é flagrado cobrando propina de um empresário de jogos é de 2002, no Rio de Janeiro].

[ PLAYBOY ] Como assim, romperam pacto democrático? Teve corrupção documentada naquele caso.
[ José Dirceu ] Eles foram para derrubar o governo. A imprensa em geral partiu contra o Lula abertamente nessa crise e trabalhou para derrubá-lo. E muitos articulistas e chefes de redação articularam com PFL e PSDB.

[ PLAYBOY ] Na oposição, o PT não era fonte da imprensa, não passava denúncias também?
[ José Dirceu ] Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. Tenho que conviver com a imprensa, é uma democracia. Não estou dizendo que ela não deva fazer isso, é um direito, só não gosto de hipocrisia. Se começa a ter imprensa do outro lado, eles querem fechar. Foi o caso do Última Hora e do Samuel Wainer. A imprensa tem o direito editorial de fazer isso, mas não pode editorializar a notícia.

[ PLAYBOY ] A proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo apoiada pelo senhor não foi uma tentativa de cercear a liberdade de imprensa?
[ José Dirceu ] [Enfático.] Não. Existe em outros países. Mas não querem concorrência nem regulação. Tem que haver uma nova lei de comunicação de massa com regulamentação e concorrência.

[ PLAYBOY ] O texto dizia que a missão seria “orientar, disciplinar e fiscalizar” o exercício da profissão de jornalista.
[ José Dirceu ] É só tirar isso. Nem me lembro mais do texto. Era uma proposta da Fenaj [Federação Nacional dos Jornalistas] enviada ao governo. Não se permitiu nem que ela fosse discutida.

[ PLAYBOY ] E o que o senhor achou da ameaça de morte que o MR-8 fez [em maio passado] ao colunista de Veja Diogo Mainardi?
[ José Dirceu ] Aquilo é forçar a barra. O MR-8 não ameaça ninguém de morte. O Diogo Mainardi está fazendo o que ele sabe fazer, Agitprop. Ele devia ser nomeado secretário de Agitprop [referência ao Departamento de Agitação e Propaganda do Partido Comunista soviético criado para difundir os ideais da revolução] de todas as direitas de todo grande Brasil. É um espertalhão. É o pistoleiro que o Roberto Civita contratou para assassinar a honra das pessoas*. Da mesma maneira que existia pistoleiro para assassinar as pessoas, que os coronéis contratavam. O Diogo Mainardi é um pistoleiro. A arma dele é a caneta. Ele atira contra a honra das pessoas.

[ PLAYBOY ] Mas o Diogo Mainardi traz furos, entrevistas. Ele faz alguma coisa indevida? Ele mente?
[ José Dirceu ] Isso aí a Justiça vai dizer. Está cheio de processos contra ele. Não estou dizendo que ele não é bom jornalista, que não escreve bem, que não tem cultura. Não o estou ofendendo. Estou fazendo a imagem dele, que é a de um pistoleiro contratado.

[ PLAYBOY ] O senhor não acha que ele é contratado para simplesmente fazer jornalismo mesmo?
[ José Dirceu ] Mas isso é jornalismo. Existe jornalismo marrom, amarelo e existe o jornalismo do Diogo Mainardi.

[ PLAYBOY ] “Por que deveria um governo, que está fazendo o que acredita estar certo, permitir que o critiquem? Ele não aceitaria a oposição de armas letais, mas idéias são muito mais fatais que armas.” O senhor concorda com a frase de Lênin sobre a imprensa?
[ José Dirceu ] A crítica é fundamental, outra coisa é campanha articulada por partidos e parlamentares. Não estou dizendo que o PT não tenha feito isso, que não fizemos no passado. Não estou dizendo que tem de fechar ou censurar os jornais. Só estou denunciando.

[ PLAYBOY ] “Se coubesse a mim decidir se precisamos de um governo sem imprensa ou de uma imprensa sem governo, eu não hesitaria um momento em escolher a segunda situação”...
[ José Dirceu ] Foi o Thomas Jefferson que falou isso. Mas o governo Lula nunca fez nada contra a imprensa. É um mito dizer isso. A imprensa coopera mais contra a credibilidade dela própria do que o governo poderia fazer quando faz certas reportagens. Os meios de comunicação do país têm qualidade. Temos os melhores jornais, excelentes televisões. A Veja tem a sua qualidade. A maioria da classe média brasileira lê a Veja. O que faço é uma análise política. Quero ter o direito de falar tudo isso, por isso tenho que defender o direito de eles escreverem o que quiserem. O que não quero é que comecem a dizer que eu não posso falar. Posso sim.

[ PLAYBOY ] Justiça não basta para processar os jornalistas que cometem excessos?
[ José Dirceu ] Ah, no meu caso eu sei como ela é lenta e tardia. Existe a Justiça, você pode apelar, mas precisa melhorar as multas, as perdas e danos serem mais rápidos. E apertar no bolso.

[ PLAYBOY ] Por que o senhor foi para o outro lado, o de jornalista, de blogueiro [www.zedirceu.com.br]?
[ José Dirceu ] No começo eu resisti muito à idéia, achava que não seria capaz de me disciplinar o suficiente. Mas depois eu me convenci da necessidade, porque o blog me possibilita conversar com o Brasil todo.

[ PLAYBOY ] O senhor não deixa de ser personagem de blogs. O do jornalista Cláudio Humberto, por exemplo, noticiou até sua crise de labirintite, e muitos dizem que o senhor ainda tem poder no governo.
[ José Dirceu ] Cláudio Humberto é bem informado: eu tive mesmo uma crise de labirintite. Tratei. Agora, eu nem tenho a influência que eu gostaria de ter no governo, nem deixo de ter a que meus inimigos e adversários gostariam que eu não tivesse. Mas eu não tenho influência direta no governo ou no PT. Sou um militante do PT, sou um ex-ministro, ex-deputado, ex-presidente do partido. Mas seria mentira falar que eu não tenho alguma influência.

[ PLAYBOY ] Qual foi o último conselho que o Lula lhe pediu?
[ José Dirceu ] [Sorriso.] O Lula depois que foi reeleito é um homem de certezas, não é um homem de conselhos. Evidentemente que só o presidente da República pode revelar o que ele me solicita, o que me aconselha. Eu não posso revelar. Quando ele me pede algo, eu faço com prazer. A última vez que ele pediu, eu fiz.

[ PLAYBOY ] O que foi?
[ José Dirceu ] Não posso revelar. Mas não tenho tido conversas regulares com o presidente. A última vez que estive com ele foi na véspera do Natal, Ano Novo.

[ PLAYBOY ] O seu gabinete ficava fisicamente próximo ao do presidente, um andar de diferença. O senhor sente falta da proximidade com o poder?
[ José Dirceu ] Eu ficava embaixo. Sempre ficou, desde o Fernando Henrique. Desculpa, ficava em cima, no quarto andar. É que eu sempre falava “Vou descer”. As pessoas me corrigiam e eu respondia: “Não! Em cima do presidente não fica ninguém”. Eu sinto falta do governo porque governar é uma coisa fantástica. É lutar para realizar aquilo que você sempre sonhou para o seu país. A força que me moveu sempre foi o Brasil, mais até que o socialismo. Mas eu não tenho saudade do poder, sei viver muito bem fora do governo. Eu sempre fui um soldado muito disciplinado, sempre soube ser dirigido e soube jogar um segundo papel. Por isso que deu certo com o Lula. É mito essa idéia de que eu tinha um rolo compressor, mandava no PT, que o PT se submetia ao governo.

[ PLAYBOY ] Como político, quais são suas qualidades?
[ José Dirceu ] Ter sobrevivido e ter aprendido com várias gerações. Pode se dizer que minha maior qualidade é que eu sempre tomei decisões e sempre executei as decisões, sempre soube organizar tudo aquilo que me atribuíram como responsabilidade. Sempre soube planejar, ter objetivo, metas, executar e controlar a execução. Também sempre trabalhei coletivamente. Nunca trabalhei sozinho.

[ PLAYBOY ] Vamos aos defeitos?
[ José Dirceu ] Assim eu acho que vou falar demais.

[ PLAYBOY ] Um pelo menos. Qual é o que mais te dá problema?
[ José Dirceu ] Falar demais. O defeito é muitas vezes ser impetuoso, não sou voluntarista, mas sou impetuoso. Muitas vezes não tenho paciência para esperar o resultado. Tenho pressa, porque a vida é bela, mas é curta. Outro defeito é que não meço as minhas limitações e assumo muitas tarefas para além das possibilidades. E como não suporto a incompetência, não suporto aquilo que não é feito, vou assumindo. Isso me traz muitos problemas. Trouxe no PT e no governo. Também sou corinthiano...

[ PLAYBOY ] O presidente Lula tem algum defeito?
[ José Dirceu ] [Pensativo.] O Lula é um político que opta sempre mais pela segurança que pelo risco. E muitas vezes na política você tem que optar mais pelo risco que pela segurança. É de forma inata um negociador, alguém que busca resultados. E também alguém que luta. Sempre que eu convivi com ele, estávamos discutindo objetivos, metas, projetos e idéias. Ele não é uma pessoa que queria ser presidente da República e para isso adotou um pragmatismo que o inviabilizasse de fazer aquilo que queria.

[ PLAYBOY ] Vamos falar sobre a ascensão do filho do presidente, que saiu de monitor de zoológico para sócio da Telemar. O senhor conheceu o Lulinha pessoalmente? Ele é realmente muito talentoso nos negócios?
[ José Dirceu ] Conheço. Ele e o Kalil Bittar há muitos anos vinham trabalhando e desenvolvendo esses jogos. Eles têm qualidade.

[ PLAYBOY ] Como a Telemar tem capital público e é uma concessionária de serviço público, o senhor não acha que a sociedade com o filho do presidente causa, no mínimo, estranheza?
[ José Dirceu ] Lógico que não! Se não valessem no mercado o que eles valem, não tivessem qualidade, aí podia levantar suspeitas. Tem que provar que foi favorecimento. Senão, nenhum filho de governante poderia ter atividade profissional. Não era só a Telemar que queria comprar, outras também.

[ PLAYBOY ] É verdade que, no auge da crise do mensalão, numa festa junina no colégio de uma de suas filhas, em São Paulo, o senhor recebeu um correio elegante pedindo a sua prisão?
[ José Dirceu ] Não teve nada disso. Fui muito bem recebido. Teve uma professora que falou besteira e bateu boca com meu motorista, que levava a minha filha Joana para a escola e era muito amigo dela. Ela foi até madrinha do casamento dele. Eu sei que havia pessoas ali que já me condenavam. Inventaram que colocaram uma música de quadrilha dirigida a mim. Isso não é verdade.

[ PLAYBOY ] Um sósia do senhor se queixou de ter sido agredido em feiras e supermercados. O senhor evita lugares públicos?
[ José Dirceu ] Não é verdade! Essa matéria [do sósia] não é verdadeira! Porque eu mandei pesquisar quem é o sujeito. Olha a ficha corrida dele, manda olhar a ficha corrida dele.

[ PLAYBOY ] O senhor mandou investigar o seu sósia?
[ José Dirceu ] Sim. Levantei inquérito. É um cidadão lá, um empresário falido.

[ PLAYBOY ] O senhor se arrepende de ter comandado alianças com PP, PL, PTB?
[ José Dirceu ] Eu não me arrependo porque, se não tivesse feito essas alianças, o governo não teria conseguido maioria na Câmara e no Senado. Tanto que no Senado foi preciso fazer aliança até mesmo com alguns setores do PFL e do PSDB, pelo menos durante os 13 meses que eu dirigi a Articulação Política. Depois, há uma coisa que me chama a atenção: por que houve mensalão na Câmara e não no Senado? Porque não houve mensalão na Câmara.

[ PLAYBOY ] Mas o então deputado do PP José Janene admitiu ter recebido 600 mil reais negociados entre a direção do PP e o senhor. Segundo ele, o senhor teria encaminhado o partido ao Delúbio [Soares, então tesoureiro do PT]...
[ José Dirceu ] Eu jamais tratei com o deputado José Janene coisa alguma. Com nenhum deputado ou senador. Ninguém foi à Casa Civil para tratar de qualquer assunto que não fosse de interesse público e republicano. Eu já falei isso no plenário da Câmara olhando para todos os senadores e deputados.

[ PLAYBOY ] As alianças não estão na origem de todos esses escândalos?
[ José Dirceu ] Não. Os erros foram nossos e do sistema político. O sistema político induz ao caixa dois.

[ PLAYBOY ] O deputado Valdemar Costa Neto [PR-SP] disse que antes das eleições de 2002 pensou em não levar adiante a aliança do PL com o PT. Mas em uma reunião foi feito um acordo de 10 milhões de reais. Vocês não transformaram uma aliança política numa operação financeira?
[ José Dirceu ] José Alencar ser o vice do PL na chapa do Lula não tinha nada a ver com apoio financeiro ao PL. Primeiro que isso é legítimo. Se depois o apoio foi feito com recursos de origem ilegal é outra questão que a Justiça está apurando. Não tem nada a ver: a discussão era política, programática, de participação na campanha e estava havendo acordo. O Valdemar Costa Neto me inocenta completamente. Minha posição foi muito clara: eu não vou discutir, não tenho participação nisso, não tenho nada a ver com a coligação e apoio. É problema de campanha eleitoral, financeiro. Você discute com o partido.

[ PLAYBOY ] Com o Delúbio?
[ José Dirceu ] Com o Delúbio e o partido. Mesmo que nós não tivéssemos nos comprometido com a campanha do PL para deputado, pois eles não iam poder fazer coligação, nós financiaríamos. Não tem nada de ilegal. O PL estava sofrendo prejuízo ao fazer aliança conosco. Tinha necessidade de recurso. A rigor não tem nada de errado. Quando os recursos vêm de origem não declarada, você cai no caixa dois.

[ PLAYBOY ] Em entrevista ao Estadão, Marcos Valério fez a seguinte declaração: “Delúbio tinha uma fidelidade canina e não fazia nada sem conversar com Zé Dirceu”.
[ José Dirceu ] [Risos.] Acho que o Delúbio não tem fidelidade canina a ninguém. Segundo, ele era tesoureiro do PT e eu era presidente. Eu saí da presidência do PT em dezembro de 2002. O Marcos Valério falou muita coisa, que era meu inimigo. Eu nunca falei com ele, nunca recebi um telefonema dele. Ele foi em duas audiências acompanhando outras empresas, mas eu nunca tive relação com ele. Pode ver em todos os depoimentos.

[ PLAYBOY ] O senhor ouviu o famoso discurso da volta do ex-presidente Collor ao Senado, em que ele diz que foi cassado sem provas e que o STF o absolveu? Há quem diga que o discurso dele e o seu são muito parecidos.
[ José Dirceu ] Isso não é agravante pra mim, é atenuante. Zé Dirceu é Zé Dirceu; Collor é Collor. Basta ver a história dos dois. Se o Collor foi cassado sem provas, ele foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal. Mas o Senado não cassou o Collor e suspendeu os direitos políticos dele por dez anos pelas acusações das quais ele foi absolvido no Supremo. No meu caso é a mesma coisa: chefe do mensalão, chefe da quadrilha. O meu é quebra de decoro. Além disso, o Collor renunciou. Eu não. Me submeti ao julgamento da Câmara e ao julgamento da Justiça do meu país.

[ PLAYBOY ] Ainda que o senhor tenha criticado a denúncia feita pelo procurador-geral, Antonio Fernando, Lula o manteve no cargo por mais dois anos. O ministro Tarso Genro [Justiça] declarou: “O trabalho dele não tem inflexão partidária e nem cria crises artificiais”. Isso não significa que o governo aprovou o trabalho de Antonio Fernando, incluindo a denúncia?
[ José Dirceu ] Essa pergunta você faz para o Tarso Genro, porque eu não ouvi o presidente falar isso.

[ PLAYBOY ] Mas o Tarso é um nome importante do governo. Ele não falou em nome do presidente?
[ José Dirceu ] Eu não tenho relações com o Tarso. Só de filiado do PT. Nós nos conhecemos, nos cumprimentamos e pronto.

[ PLAYBOY ] Quais foram, afinal, os erros que o senhor cometeu?
[ José Dirceu ] Não fazer reforma política, não viabilizar que o PMDB fosse a principal base aliada, depois do PCdoB e do PSB, evidentemente. Nós devíamos ter feito uma grande mobilização no país e não fizemos. Começou a crise e, de certa maneira, o governo estava desarmado.

[ PLAYBOY ] O senhor continua defendendo a aliança com o PMDB mesmo depois da crise envolvendo o presidente do Senado, Renan Calheiros?
[ José Dirceu ] O Renan tem direito à presunção da inocência. Se o Senado quer cassá-lo politicamente porque considera que ele quebrou o decoro, tem que apresentar provas. Por isso que o Conselho de Ética tem que investigar mais. O afastamento dele ou não da presidência do Senado é uma questão do PMDB. Evidente que há na sociedade uma demanda grande, justa, para que se apure e se esclareça e para que a corrupção seja combatida, o que o governo vem fazendo.

[ PLAYBOY ] A defesa dele não é muito frágil?
[ José Dirceu ] Precisa ver, precisa ser checada pela Receita Federal. Eu passei 17 meses sob investigação da Receita Federal, fizeram uma devassa no meu imposto de renda. E saí ileso. De qualquer maneira, acho que o caso Renan Calheiros ganhou uma dimensão mais política, por causa da aliança do PMDB com o governo do PT. Mesmo o comportamento da oposição mostra que ela tem muitos compromissos com o Renan Calheiros.

[ PLAYBOY ] Por exemplo?
[ José Dirceu ] O próprio comportamento. Há muitos interesses comuns no Senado. Pode ver que o Senado nunca investiga. Os senadores que foram acusados renunciaram. Sempre predomina um certo corporativismo. A minha crítica é que o Renan foi linchado e julgado sem direito de defesa, sem processo legal.

[ PLAYBOY ] Mas isso não abala a aliança PT e PMDB?
[ José Dirceu ] Não vejo por quê. Cada um responde pelos atos que pratica. Mas tem de ter a presunção de inocência e direito de defesa. Eu vou manter essa linha, até porque fui vítima e paguei muito caro por isso.

[ PLAYBOY ] Ainda sobre alianças: o presidente Lula errou ao dizer que daria um cheque em branco ao Roberto Jefferson (PTB-RJ)?
[ José Dirceu ] Nem sei se ele disse isso. Essas coisas viram dito pelo não dito. Mas o Lula não dá cheque em branco pra ninguém. Não é da natureza dele. Pelo contrário, ele delega, mas controla, cobra. Ele é um presidente da República que tem controle sobre tudo o que está acontecendo. O Lula trabalha, chega cedo e sai tarde. E quem acha o contrário, ótimo. Porque vai subestimar o Lula e vai nos subestimar.

[ PLAYBOY ] Mas então ele sabia do caixa dois, do dossiê fajuto contra os tucanos, não?
[ José Dirceu ] [Irritado.] Não está sob atribuição da Presidência da República. Isso não era matéria de governo, era de partido. Tanto é que o país reconheceu isso, o TSE reconheceu. Presidente da República não pode ser responsabilizado. Aliás, eu não posso ser responsável como ministro da Casa Civil por nada que aconteceu no PT, nada que aconteceu no Congresso. Por isso que eu sou inocente. Não há como me responsabilizar.

[ PLAYBOY ] O senhor já disse que a sua maior qualidade é saber “planejar, ter objetivo, metas, executar e controlar a execução”. A partir disso, não é verossímil que o classifiquem como o “chefe do mensalão”?
[ José Dirceu ] No caso, eu fui incompetente. Saí do PT e não continuei acompanhando o PT. Saí da Câmara e não continuei acompanhando a Câmara depois que eu deixei a Articulação Política, em janeiro de 2004. Foi um caso de incompetência.

[ PLAYBOY ] O ex-deputado Roberto Jefferson desperta os piores instintos no senhor?
[ José Dirceu ] Nada, zero. Eu nunca mais tive relação com ele e não pretendo ter. Eu nunca convivi com ele, fui à casa dele para reuniões. Eu não desperto isso em ninguém, só nele. Eu não trato as questões políticas como pessoais.

[ PLAYBOY ] Há uma diferença entre o homem político e o pessoal?
[ José Dirceu ] Não. O homem pessoal se expressa na política. O que eu digo é que você não pode deixar de se relacionar com alguém pelo que aconteceu no passado, se você faz política. Eu tenho amigos que são adversários, como o Aloysio Nunes Ferreira [secretário-chefe da Casa Civil do governo do tucano José Serra em São Paulo].

[ PLAYBOY ] O senhor está dizendo que não faz política com o fígado?
[ José Dirceu ] Não faço. Imagina se eu fizesse política com o fígado...

[ PLAYBOY ] Vamos falar do futuro. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, foi convidado a trocar o PSDB pelo PMDB. O Lula disse que é possível que ele apóie um candidato do PMDB. Vai ser o Aécio?
[ José Dirceu ] O Lula disse que apóia um candidato da coalizão, mas ele não falou o partido! Falou que a base vai ter um candidato. A base vai do PP até o PT. O PT deve trabalhar para ter um candidato, mas tem que partir do princípio que pode ser de outro partido, seja Ciro Gomes ou outro nome.

[ PLAYBOY ] O Aécio Neves é um bom nome?
[ José Dirceu ] Para o PSDB é um bom nome. Para o PSDB!

[ PLAYBOY ] Se Lula chegar com popularidade alta em 2010, ele pode copiar o presidente venezuelano Hugo Chávez e tentar um terceiro mandato?
[ José Dirceu ] Primeiro, o Lula jamais fará isso. Segundo, não existe nenhuma possibilidade de a sociedade brasileira aceitar. Terceiro, seria completamente inconstitucional. Não tem chance. Mas em 2014, o Lula vai estar com 68 anos, forte como um touro.

[ PLAYBOY ] A vaia ao Lula na abertura do Pan foi ensaiada? Coisa do Cesar Maia [prefeito do Rio pelo DEM]?
[ José Dirceu ] Não tenho idéia. Do Cesar Maia pode se esperar tudo. Não quer dizer que nós não possamos ser vaiados. Depende do público.

[ PLAYBOY ] Fernando Morais ia escrever um livro sobre a sua passagem pelo governo, mas os originais sumiram. Como o senhor recebeu a notícia?
[ José Dirceu ] Estava tranqüilo porque tínhamos a base, roubaram algo semi-organizado. Preciso retomar esse projeto, mas agora faria um livro sobre a minha vida, a passagem pelo governo e sobre o processo que estou vivendo, kafkaniano. O [Antonio] Palocci fez o dele. Li e gostei muito.

[ PLAYBOY ] O senhor fala com o Palocci?
[ José Dirceu ] Regularmente, a cada 15, 20 dias.

[ PLAYBOY ] O que achou do caso da quebra do sigilo bancário do caseiro Nildo?
[ José Dirceu ] Eu diria que é um caso a ser esclarecido.

[ PLAYBOY ] Mas o senhor não acha que a quebra ter acontecido já é um fato?
[ José Dirceu ] Precisa de um tempo para se debruçar sobre ele, para repor a verdade histórica. Como o caso do mensalão. A Câmara sabe que não houve mensalão: os partidos receberam dinheiro para fazer a campanha eleitoral de 2004. Eu viajo pelo Brasil, faço palestras, falo nas TVs, rádios e jornais. Sei que é um trabalho longo. Não vão achar que eu vou ser derrotado, sair da vida política.

[ PLAYBOY ] O senhor tem sido bem-sucedido como consultor de empresas?
[ José Dirceu ] Para os meus objetivos, sim: sustentar minha atividade política e a minha família. Não é verdade que ganho 150 mil reais por mês. Já declarei meu imposto de renda e está lá quanto ganho. Gosto de ir ao cinema, de ler, de comer bem; sempre que posso faço algo na minha casa em Vinhedo. Tenho esse escritório que fiz há dois anos. Comprei em 2001 e levei cinco anos para construir a casa.

[ PLAYBOY ] Seus velhos companheiros de luta não se queixam dos seus hábitos burgueses?
[ José Dirceu ] Há 20 anos eu ando com chofer, registrado, pago o salário. Eu dirijo razoavelmente bem, mas eu parei de dirigir quando dormi duas vezes de tanto trabalhar e subi num canteiro. Eu gosto de comer bem. Gosto de vinho, mas nada exagerado: 80, 100, 150 reais. Quando ganho um melhor, tomo. Gosto de Jack Daniel’s, único whisky que bebo, e de rum. Procuro me vestir bem, mas nada luxuoso. Quando vou a restaurantes mais caros, estou com empresas, clientes, mas é minha atividade profissional.

[ PLAYBOY ] O senhor não parece muito à vontade ao falar da sua atividade de consultor.
[ José Dirceu ] A lei me obriga ao sigilo e à confidencialidade, tanto no escritório de advocacia como aqui. Fazem campanha para me prejudicar. A minha vida é pública, eu continuo fazendo política, então é natural que escrevam e falem de mim. A minha atividade como consultor está totalmente legal, faz dois anos que saí do governo. Eu esperei um ano e meio. Posso fazer qualquer atividade.

[ PLAYBOY ] Ter passado pelo governo que continua no poder não ajuda?
[ José Dirceu ] O Fernando Henrique pode cobrar 85 mil reais por palestra, e eu não posso fazer consultoria? No fundo, o que eu faço é isso: analiso a situação, aconselho. Se eu fizesse lobby, o presidente saberia no outro dia. Porque no governo, quando eu dou um telefonema, modéstia à parte, é um telefonema! As empresas que trabalham comigo estão satisfeitas. E eu procuro trabalhar mais com empresas privadas que com empresas que têm relação com o governo.

[ PLAYBOY ] Recentemente, o nome do senhor foi citado por causa de um grampo feito durante investigação envolvendo a MSI, o Corinthians e o russo Boris Berezovski. O senhor evita falar no telefone?
[ José Dirceu ] Não evito porque não trato nada que seja ilegal. Você toma as medidas razoáveis que tomaria para conversar em qualquer lugar público. Mas tenho preocupação porque é um direito constitucional. Podem começar a quebrar sigilo telefônico dos jornalistas para saber as matérias que estão sendo feitas. Não sou contra [grampos], mas é preciso ter limites. Fui grampeado e não encontraram nada contra mim. Aí acharam uma conversa minha com um cliente discutindo embargo de carne para a Rússia. Como tinha a palavra Rússia, juntaram no processo.

[ PLAYBOY ] O senhor disse que o presidente Lula não passa cheque em branco pra ninguém. E o senhor?
[ José Dirceu ] Pra ninguém.

[ PLAYBOY ] Nem pra sua mãe?
[ José Dirceu ] Pra ela eu dou dinheiro vivo.

[ PLAYBOY ] Pra terminar. O senhor ficou mais de 800 dias como ministro e foi chamado de “técnico do time” pelo presidente. Em time que está ganhando se mexe?
[ José Dirceu ] Às vezes você é obrigado a mexer, por exemplo quando o adversário faz uma falta grave. No caso, tentaram quebrar as minhas pernas.