18.8.07

Só falta a degola

Resultado da perícia feita pela Polícia Federal demole a defesa de Renan e mostra que ele mentiu e deu papéis falsos aos senadores


Roberto Stuckert/Ag. O Globo
O senador Renan Calheiros: tentativa de acordo com o governo para deixar a presidência mas ser absolvido no plenário

A Polícia Federal encaminha ainda nesta semana ao Conselho de Ética os resultados da perícia feita nos documentos apresentados pelo senador Renan Calheiros. O material examinado demole o frágil mas alardeado álibi do senador, com o qual ele queria demonstrar ter os recursos financeiros necessários para pagar suas despesas pessoais sem ter de recorrer aos préstimos de um lobista de empreiteira. As conclusões da polícia são devastadoras para Renan. Os peritos concluíram que não há evidência de que os recursos para pagar a pensão alimentícia da filha do senador saíram das suas contas bancárias. Aos olhos da polícia, a documentação apresentada fica aquém de comprovar a origem da fortuna de Renan Calheiros e não confirma sua alegada arrecadação de 1,9 milhão de reais com a venda de bois. Entre os papéis de defesa do senador, segundo a polícia, há notas fiscais frias, recibos falsos e comprovantes de transações com empresas fantasmas. A perícia era a única peça de convencimento que faltava para o conselho concluir o relatório final e pedir a cassação de Renan Calheiros por quebra de decoro parlamentar. Não falta mais nada.

Dida Sampaio/AE
Fazenda de Renan: documentos frios e frigoríficos fantasmas não enganaram a PF

Sergio Dutti/AE
O relator Casagrande: depois da perícia, a única possibilidade é pedir a
cassação de Renan


Na semana passada, dois dos relatores do caso Renan Calheiros no Conselho de Ética, Renato Casagrande (PSB-ES) e Marisa Serrano (PSDB-MS), estiveram na sede da Polícia Federal, em Brasília. Reuniram-se reservadamente com Clênio Guimarães Belluco, diretor do Instituto Nacional de Criminalística, e com peritos que analisaram os documentos de Renan. Ouviram dos peritos que não há conexão entre as datas dos pagamentos de pensão feitos à jornalista Mônica Veloso, mãe da filha de Renan, e os saques na conta do senador. Ouviram que os documentos apresentados por Renan para justificar sua fortuna agropecuária não são idôneos, por envolver empresas e funcionários fantasmas e notas fiscais frias. Ouviram finalmente que há dúvidas até se o presidente do Congresso foi realmente dono do milionário rebanho bovino que diz ter vendido a frigoríficos que não existem. Depois da reunião na Polícia Federal, um dos relatores resumiu assim o pensamento dele e dos colegas do Conselho de Ética: "Apresentar documentos falsos aos pares do Senado é uma clara quebra de decoro parlamentar. Usar um lobista para pagar despesas pessoais é uma clara quebra de decoro parlamentar. A única possibilidade é pedir a cassação de Renan".

Arquivo O Jornal
Renan recebe Lyra no Planalto quando ocupou a Presidência: sócios e amigos

O laudo técnico confirma um relatório preliminar feito pela própria PF no fim de junho. Ele foi dividido em quatro partes. Na primeira, são apresentadas a estrutura do trabalho e as questões levantadas pela perícia. Na segunda, faz-se um histórico do primeiro laudo e detalha-se seu cruzamento com o segundo. Na terceira parte, listam-se os documentos analisados. Por fim, os peritos dão resposta técnica a cada uma das trinta perguntas feitas pelo Conselho de Ética sobre as negociações de gado do presidente do Senado. Dois terços das respostas são fatais para a defesa de Renan e envergonhariam qualquer cidadão honesto. Depois de tomarem conhecimento das informações periciais, os senadores encarregados de determinar o futuro do processo em curso contra Renan descrevem como iminente o desenlace do caso. Até o senador Almeida Lima, do PMDB, terceiro relator do caso, nomeado com o claro propósito de garantir a absolvição de Renan, já aceita a tese da punição do aliado. Almeida Lima gostaria de circunscrever a punição a uma advertência, mas deve ser levado a aceitar o pedido de suspensão de mandato. O próprio senador já dá como certa a aprovação do relatório com o pedido de sua cassação na votação do Conselho de Ética. Renan aposta tudo agora na votação em plenário, em que o voto secreto permitiria a seus simpatizantes salvar-lhe o pescoço sem se expor ao escárnio público.

Dida Sampaio/AE
Tuma, o corregedor do Senado: a situação de Renan ficou pior


O cerco aos negócios escusos do senador aumenta a cada dia. Além dos bois fantasmas, o Conselho de Ética vai instaurar um novo processo contra Renan com o objetivo de investigar o uso de "laranjas" para ocultar a compra de um jornal e duas emissoras de rádio em Alagoas. O usineiro João Lyra, ex-sócio de Renan em uma empresa de comunicação, na semana passada, prestou ao senador Romeu Tuma, corregedor do Senado, depoimento em que confirmou a compra de um jornal e duas rádios em sociedade com o senador. Valor do negócio: 2,6 milhões de reais. A parte de Renan, metade, foi paga em dinheiro vivo. Para manter o anonimato da transação, Renan utilizou dois laranjas – um primo e um assessor do Senado. João Lyra contou ainda que, quando a sociedade foi desfeita, em 2005, ele ficou com o jornal e Renan com a rádio. Como parte do acerto, Renan prometeu conseguir a renovação da concessão vencida de outra emissora de João Lyra. Em 24 de junho, o presidente do Senado mandou uma carta a João Lyra comunicando a renovação da concessão. Tudo conforme o combinado. Homem de palavra, esse Renan.

A defesa de Calheiros foi centrada na semana passada na desqualificação do acusador, João Lyra. Renan afirmou que o usineiro responde a diversos processos e que faz as denúncias motivado por ressentimentos políticos. Voltou também a negar que tivesse negócios e até mesmo relações pessoais com o usineiro. De fato, os dois romperam em 2005, mas as provas dos negócios e da amizade são mais que evidentes. O usineiro entregou a Romeu Tuma cópias de documentos e recibos da operação de compra das emissoras de rádio e do jornal assinados por Tito Uchôa, primo-laranja de Renan Calheiros. Lyra também confirmou que deixava um jato e um helicóptero à disposição do senador e nunca cobrou nada por isso. As provas de que a amizade entre os dois era intensa são muitas e indeléveis. Em 2006, ao assumir interinamente a Presidência da República durante quatro dias, Renan convidou João Lyra para uma reunião no Palácio do Planalto. O fotógrafo oficial foi chamado para registrar o encontro. Dias depois, o usineiro recebeu a recordação do momento histórico.

Acuado pelo acúmulo de evidências irrefutáveis, Renan autorizou seus aliados a negociar alternativas à cassação. A exemplo dos negócios do senador, são todas saídas heterodoxas. Uma delas é tão estapafúrdia que poderia ser chamada de Operação Mafrial, em homenagem ao agora notório frigorífico alagoano, aquele das notas frias e dos bois de ouro. Envolveria um acordo entre governo e oposição, e, por seus termos, os parlamentares teriam de aprovar o relatório de Almeida Lima sugerindo apenas a suspensão do mandato de Renan por seis meses. Nesse período, assumiria o vice-presidente, o petista Tião Viana. Renan ficaria no limbo, mas preservaria seus direitos políticos. A segunda alternativa também envolveria uma aliança entre peemedebistas e a base governista. Eles fechariam questão sobre a absolvição do senador em plenário. Em troca, Renan se afastaria da presidência e apoiaria a eleição de um petista para o cargo. Consultados, os ministros Walfrido Mares Guia, das Relações Institucionais, e Tarso Genro, da Justiça, teriam dado sinal verde ao acordo. Essas saídas são mais um bofetão na sociedade. Será tão difícil de explicá-las quanto responder à pergunta: por que ainda acreditar em Renan?

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