19.8.07

JULGAMENTO DO MENSALÃO

Com consultorias secretas, Dirceu mantém influência

Ex-ministro, que viaja de 2 a 3 vezes por semana para atender empresas privadas, mantém sob sigilo nomes de seus clientes

Atual refúgio do petista é seu sobrado em Vinhedo, avaliado em R$ 500 mil; ex-ministro se recusa a mostrar contratos e nega fazer lobby

Portugal, República Dominicana, Argentina, Peru, Chile, duas vezes nos Estados Unidos, México, Nicarágua e, por fim, uma semana de folga em Toronto, no Canadá - só de janeiro para cá. Duas a três viagens por semana pelo Brasil, palestras e consultorias remuneradas para empresas privadas.
Para descansar, um sobrado avaliado em R$ 500 mil, de 300 metros quadrados com três quartos, quatro banheiros e dois escritórios, em Vinhedo, a 76 km de São Paulo.
Aos 61 anos, o ex-líder estudantil, ex-aprendiz de guerrilheiro em Cuba, ex-vendedor de jeans, ex-ministro e ex-homem forte do governo Lula - acusado de ser o "chefe da quadrilha" do mensalão -, o advogado José Dirceu de Oliveira e Silva cumpre uma rotina tão agitada quanto reservada -ninguém fora de seu círculo sabe para quem ele trabalha e quem sustenta a maratona de hotéis e aeroportos. E ele não faz questão de esclarecer.
A Folha encaminhou à assessoria do ex-ministro lista de 17 possíveis clientes de Dirceu, citados pela imprensa. A resposta: "Os contratos de consultoria têm cláusulas de confidencialidade, o que é normal e rotineiro. Ele teria de pedir aos contratantes autorização para confirmar e não acha que deva fazer isso". A reportagem pediu então para ver as "cláusulas de confidencialidade", mas não houve retorno.
Sabem-se cacos dessa história. Uma escuta telefônica da PF neste ano captou, acidentalmente, a informação de que ele trabalharia para o frigorífico Minerva, de Barretos (SP) - o que Dirceu confirmou, indiretamente, numa entrevista à revista "Playboy".
No ano passado, Dirceu esteve na Bolívia a bordo de um jato contratado pelo empresário de siderurgia Eike Batista. Em abril, um jornal do Tocantins informou que Dirceu circulou durante três dias na região num jato Cessna Citation registrado em nome de uma empresa de táxi aéreo de Fortaleza. Segundo contas da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), que pediu esclarecimentos, a viagem teria custado não menos que R$ 200 mil.
Na entrevista à "Playboy", Dirceu negou fazer lobby no governo: "No fundo, o que eu faço é isso: analiso a situação, aconselho. Se eu fizesse lobby, o presidente saberia no outro dia. Porque no governo, quando eu dou um telefonema, modéstia à parte, é um telefonema! As empresas que trabalham comigo estão satisfeitas. E eu procuro trabalhar mais com empresas privadas que com empresas que têm relação com o governo".
Dirceu toca duas empresas ao mesmo tempo, uma de consultoria e outra de advocacia, ambas na Vila Mariana, em São Paulo. Divide a segunda com a advogada Lilian Ribeiro. Passa pouco tempo nos escritórios.
O presidente do Irib (Instituto de Registro Imobiliário do Brasil), Helvécio Duia Castello, é dos poucos a divulgar na internet que manteve encontro com Dirceu. Disse que foram cerca de 20 minutos, no escritório da rua Sena Madureira. Castello, filiado ao PT do Espírito Santo, foi deputado federal entre 1991 e 1994.
O Irib retirou de sua página na internet a menção ao encontro. O instituto define-se como uma entidade sem fins lucrativos que tem como objetivo "o estudo e a pesquisa de procedimentos e normas jurídicas referentes ao registro de imóveis e o assessoramento de autoridades públicas e órgãos governamentais".
Não há relatos de que Dirceu passe muito tempo em Vinhedo - em novembro, o ex-ministro disse à Folha que ficava "a maior parte da semana" na cidade. A ausência é referida no boletim de ocorrência lavrado para apurar furto ocorrido em sua casa em novembro de 2005 - Dirceu deixara a Casa Civil em 23 de junho daquele ano, após as denúncias do mensalão feitas pelo ex-aliado e ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ).
A empregada da casa de Dirceu disse à Polícia Civil que os ladrões arrombaram uma janela e levaram uma TV com tela de plasma, charutos, medalhas, chocolates, um tapete vermelho", além de tentarem carregar um aparelho de som, que acabou abandonado no jardim da casa. O dado revelador é que tudo estava embalado na casa, intocado, havia mais de dois meses, junto com aparelho de microondas, sofá e cama.
Dirceu comprou o terreno em Vinhedo em dezembro de 2001, por R$ 50 mil. Escolheu um dos condomínios mais distantes e isolados, a cerca de 10 km do centro. Construiu a casa nos dois anos seguintes.
Folha

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