28.8.07

Tudo pela sociedade

ENQUANTO o Supremo Tribunal Federal avalia a admissibilidade da principal denúncia relativa ao mensalão, o Planalto reativa a linha de defesa política que se tornou clássica: o julgamento não ameaça o governo, o presidente não sabia de nada, tudo se resumiu a financiamento irregular de campanha, cabe apenas à Justiça decidir sobre o caso.
O presidente da República voltou a esse mantra na entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" publicada no domingo. Luiz Inácio Lula da Silva repele o argumento de que o seu primeiro mandato também está sob o crivo do STF dizendo que "o governo já foi julgado, e vitoriosamente" -nas urnas.
Nessa recidiva de escapismo diante de escabrosas evidências de corrupção, o que desaponta mais, contudo, não é a retórica do governo. Frustrante é perceber que ela tenta justificar não só as faltas pretéritas da gestão mas também o curso que vai tomando o segundo mandato. A vitória eleitoral em outubro foi recebida pelo lulismo como um endosso ao aparelhamento da máquina estatal e a práticas clientelistas.
O segundo governo Lula apenas começou e já multiplicou por sete a taxa de criação de cargos de confiança na administração federal. Ao ritmo de quase 180 novos postos por mês, as colocações de livre provimento no final de julho já montavam a 22.345 -2.400 ou 12% a mais que no último ano da gestão de Fernando Henrique Cardoso.
No auge do escândalo do mensalão, há pouco mais de dois anos, o governo prometeu reduzir em quase 80% a quantidade desses cargos preenchidos sob critérios partidários. A promessa de fechar portas tradicionalmente abertas a negociatas era uma satisfação emergencial à opinião pública. Hoje a inflação de sinecuras tornou-se necessária para responder "ao constante aumento de demandas da sociedade", segundo informa o Ministério do Planejamento.
De fato. A sociedade do presidente Lula com o PSB de Ciro Gomes demandou a criação da Secretaria de Portos; a associação do Planalto com o PRB de José Alencar fez brotar a curiosa Secretaria de Planejamento de Longo Prazo -embora os cargos para essas e outras iniciativas do gênero tenham sido gerados no curto prazo mesmo. Tal estilo de gerir levou Lula a fatiar ainda mais a administração: deu à luz 12 órgãos em cinco anos (FHC criou 4 em dois mandatos).
Tampouco é possível esquecer a sociedade do presidente com o seu partido. Com 5.000 cargos na máquina federal, o PT fez crescer em 158% a receita oriunda do chamado "dízimo" pago por filiados agraciados com os postos de livre provimento. Apenas no ano passado, R$ 2,9 milhões fluíram dos cofres públicos para as contas do partido por meio desse mecanismo.
Mas a conta do aparelhamento do Estado para os contribuintes e os usuários dos serviços públicos -bem como para o enraizamento das instituições democráticas no Brasil- é bem mais alta.
Editorial Folha

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