22.8.07

A crise na saúde

Do caos que, há mais de três meses, se instalou no atendimento hospitalar de três estados do Nordeste — Alagoas, Pernambuco e Paraíba — se extrai mais uma prova convincente da falência das políticas públicas de saúde. Milhares de pacientes se acotovelam nas entradas e no chão dos hospitais, a maioria crianças e velhos, sem esperança de assistência. Na rede oficial, grande parte dos médicos pediu demissão inconformados com os salários. Os demais e funcionários se mantêm em greve em busca de aumento de vencimentos e melhores condições de trabalho.

No sistema privado, com maior intensidade na Paraíba, cirurgiões e clínicos acusam o Sistema Único de Saúde (SUS) de remunerá-los com pagamentos aviltantes. Recusam-se a prestar socorro aos enfermos enquanto a tabela do órgão, segundo eles da ordem de R$ 76 por cirurgia, não for revista. O valor estaria defasado há mais de 10 anos. Uma jovem, carente de intervenção cardiovascular emergencial, pagou com a vida o preço da omissão de socorro.


Quando a vida é o bem em jogo, é obrigação de todos colocá-la acima de quaisquer outras conveniências e interesses. Dever, explique-se, sacralizado no voto missioneiro de quem se entrega ao ofício da medicina. Abandonar enfermos ao infortúnio da dor, largados como restolho humano à mercê da morte nas portas ou nos pisos dos hospitais, antes de tudo é violar os direitos essenciais da pessoa e adotar conduta criminosa. Não importa se o motivo da barbárie seja a reivindicação de condições mais dignas de sobrevivência.

Aí está apenas uma face do problema. A outra, carregada da mesma dramaticidade, é a incúria do poder público, à frente o governo federal, em acionar diretrizes capazes de assegurar meios eficientes de saúde à população. Há 10 anos criou-se fonte tributária específica — a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) — para resolver o problema. Mas os recursos, salvo migalhas, jamais foram aplicados para cumprir os objetivos da inovação fiscal. Os desvios das receitas, antes como hoje, constituem a regra que se aplica para distribuí-las.

O drama do Nordeste não é particularidade da região. Situações de risco à população e graves carências estão presentes em todos os quadrantes do país. Mas repõe em cena questão antiga e só lembrada em momentos de crise aguda. Trata-se da legislação para disciplinar o direito de greve no âmbito da administração oficial. É iniciativa indispensável e urgente. Cumpre garantir, em caso de greve, limites à execução de serviços essenciais, como os relacionados com a saúde, previdência social, ensino, energia, água, transportes e os concedidos à iniciativa privada.

Quanto a pacientes mortos ou que vierem a morrer por falta de atendimento, é obrigação do Ministério Público indiciar os responsáveis por omissão de socorro, crime capitulado no Código Penal. Ninguém pode louvar-se no fato de estar em greve ou de ser mal pago para justificar o desleixo com a vida humana.

Editorial Correio Brasiliense

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