20.8.07

Empréstimos que irrigaram valerioduto não são pagos

Fato reforça tese de que dívidas teriam sido feitas sem a intenção de quitá-las

Bancos foram à Justiça sem usar garantias dos débitos; STF decide nesta semana se acolhe denúncia contra envolvidos no esquema



A suposta dívida de mais de R$ 100 milhões do esquema do valerioduto com os bancos BMG e Rural -produto dos ora chamados na denúncia do mensalão de "pseudo-empréstimos", ora, de "empréstimos simulados", ou ainda de meras operações de lavagem de dinheiro destinado ao caixa dois do PT- não foi paga até hoje.
Mais de dois anos depois do auge do escândalo, ainda faltam provas sobre a real origem do dinheiro movimentado no esquema do mensalão, no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a inexistência de pagamento reforça a tese do procurador-geral Antonio Fernando de Souza de que os empréstimos bancários usados para justificar os repasses milionários a políticos foram criados para não serem quitados.
A partir desta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal inicia as sessões em que se decidirá sobre o acolhimento das denúncias relativas ao caso mensalão. São 40 os envolvidos, incluindo o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.
A Folha pesquisou o andamento de sete ações de cobrança e execução em que se transformaram as sete operações bancárias apresentadas pela dupla Marcos Valério Fernandes de Souza e o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares como a origem do dinheiro do caixa dois. A versão surgiu para contestar indícios de desvio de recursos públicos para o esquema -o que envolveria diretamente o governo federal.
As ações de cobrança só foram apresentadas nos últimos meses de 2005, como parte da estratégia de defesa dos bancos e do publicitário Marcos Valério, quando a CPI dos Correios já contestava a versão apresentada para a origem do dinheiro. Tramitam nos tribunais de Justiça de Minas Gerais e do Distrito Federal.
São como espectros do mensalão: os bancos BMG e Rural cobram do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza e suas empresas. O publicitário empurra a dívida para o PT, que se recusa a pagar -porque nem sequer a reconhece.
O tamanho do fantasma é incerto. A suposta dívida passava de R$ 100 milhões (exatos R$ 100.082.166,35) em 16 de dezembro de 2005, data da mais recente atualização oficial. Tanto o BMG quanto o Rural se recusaram a informar o valor corrigido da dívida, contabilizados juros e encargos. Alegam sigilo bancário.
Por ordem do Banco Central, também posterior ao escândalo, os supostos empréstimos foram classificados como créditos podres -quando as chances de pagamento são consideradas remotas, quase nulas.
Consulta aos processos de cobrança mostra que a versão dos empréstimos bancários -desacreditada pela CPI dos Correios e pela denúncia do Ministério Público- foi contestada até pelos advogados do PT. E não apenas por falta de registros formais na contabilidade do partido, como se espera de movimentações de recursos de caixa dois.

PT contra PT
Em maio do ano passado, o PT respondeu nos autos que os supostos empréstimos haviam sido concedidos "ao arrepio das mais comezinhas regras bancárias". Por serem irregulares, não seriam pagos pelo partido, resumia a defesa da agremiação, menos de um ano depois de o PT endossar a versão dos empréstimos para escapar dos indícios de desvio de dinheiro público.
Diante da contradição apontada pela reportagem, o presidente do partido, Ricardo Berzoini, afirmou que caberia à Justiça apurar a origem do dinheiro do caixa dois.
Questionado novamente na semana passada, o PT voltou a negar responsabilidade no negócio. "A defesa do PT é consistente", alega o tesoureiro Paulo Ferreira. "Não há nos referidos empréstimos responsabilidade institucional do partido, [eles] não cumpriram com os requisitos legais necessários, não foram assinados, a instituição PT não os aprovou", completou.
Persiste o empurra-empurra. Procurado pela Folha, o publicitário Marcos Valério reiterou, por meio de advogados, que depende dos pagamentos do PT para honrar as dívidas com o BMG e o Rural. "A dívida do PT não foi paga", respondeu o escritório Rodolfo Gropen. Com os bens penhorados, Valério diz esperar resposta da Justiça. A sentença do juiz da 11ª vara cível de Brasília está para sair há mais de um ano.

Sem garantia
Os processos de cobrança não lançaram mão do texto em que Delúbio Soares assumia, perante o BMG, o compromisso "irretratável e irrevogável de garantir, como avalista e devedor solidário" as supostas operações de empréstimo.
O documento foi apresentado à CPI dos Correios como parte da defesa combinada do publicitário e do ex-tesoureiro, operadores do caixa dois petista. Sua validade "é nula", concluíram as investigações do Congresso.
Antes de ir à Justiça, os bancos tampouco usaram garantias apresentadas pelas empresas de Marcos Valério para os supostos empréstimos, sustentadas sobretudo em grandes contratos de publicidade com empresas estatais (Banco do Brasil, Correios e Eletronorte).
"O banco ainda não recebeu os valores em questão, aguarda pelas decisões judiciais", respondeu o Rural por meio de sua assessoria. Apontado na denúncia do Ministério Público como braço financeiro do mensalão, o banco é responsável por pouco mais da metade dos recursos contabilizados no caixa dois petista.
Segundo a assessoria, depois de um período de "ajustes duríssimos" que se seguiu ao escândalo, o banco "já voltou a lucrar e é uma instituição financeira com perspectivas de futuro bastante positivas".
O BMG informou que reduziu em R$ 10 milhões a dívida das empresas de Valério, por meio da liquidação de uma aplicação financeira no próprio banco, oferecida como garantia. O advogado Raphael Miranda avaliou que a cobrança da maior parte da dívida tornou-se "mais difícil em virtude da situação da SMPB e da Graffiti". As duas empresas fecharam as portas.
Considerado pela CPI suspeito de favorecimento na licença para operar com crédito consignado a aposentados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o BMG ampliou a carteira após o escândalo.
Folha

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