30.11.05

Entenda o que é PIB e como é feito seu cálculo

O PIB (Produto Interno Bruto) é um dos principais indicadores de uma economia. Ele revela o valor de toda a riqueza gerada no país.

O cálculo do PIB, no entanto, não é tão simples. Imagine que o IBGE queira calcular a riqueza gerada por um artesão. Ele cobra, por uma escultura, de madeira, R$ 30. No entanto, não é esta a contribuição dele para o PIB.

Para fazer a escultura, ele usou madeira e tinta. Não é o artesão, no entanto, que produz esses produtos --ele teve que adquiri-los da indústria. O preço de R$ 30 traz embutido os custos para adquirir as matérias-primas para seu trabalho.

Assim, se a madeira e a tinta custaram R$ 20, a contribuição do artesão para o PIB foi de R$ 10, não de R$ 30. Os R$ 10 foram a riqueza gerada por ele ao transformar um pedaço de madeira e um pouco de tinta em uma escultura.

O IBGE precisa fazer esses cálculos para toda a cadeia produtiva brasileira. Ou seja, ele precisa excluir da produção total de cada setor as matérias-primas que ele adquiriu de outros setores.

Depois de fazer esses cálculos, o instituto soma a riqueza gerada por cada setor, chegando à contribuição de cada um para a geração de riqueza e, portanto, para o crescimento econômico.

da Folha de S.Paulo

29.11.05

Procurador quer abrir sigilo de jornalistas

Bruno Acioly pretende contestar na Justiça direito da imprensa de preservar anonimato das fontes de notícias de interesse público
Vannildo Mendes para ESP

O procurador da República Bruno Caiado Acioly está recolhendo subsídios dos seus colegas de Ministério Público para contestar, na Justiça, a lei do sigilo da fonte, que garante ao jornalista o direito de preservar o anonimato de informantes de notícias de interesse público. Na troca de e-mails com os colegas, no dia 22, à qual o Estado teve acesso, Acioly revela sua intenção de mover mandado de segurança para quebra de sigilo telefônico de quatro jornalistas que publicaram reportagens sobre corrupção envolvendo servidores do Banco Central e dirigentes de bancos privados.
O objetivo do procurador é saber com quem os jornalistas falaram ao telefone na apuração de reportagens, nas quais denunciaram casos de corrupção, conforme ele admite na troca de correspondências pela rede interna do MP. "É imprescindível a quebra do sigilo telefônico dos jornalistas", defendeu.

Acioly já havia pedido a quebra de sigilo, mas foi negado pela Justiça. Ouvido pelo Estado, Acioly confirmou a consulta aos colegas, mas negou que já tenha decidido entrar com o mandado para quebrar a lei de proteção aos informantes da imprensa. "Por enquanto, é uma discussão acadêmica, teórica, para promover reflexão sobre os limites do sigilo da fonte."

Os jornalistas, segundo fontes do MP, seriam Policarpo Júnior e Alexandre Oltramari, de Veja, e Expedito Filho, do Estado. O quarto nome não foi levantado. Acioly informou que não colocou os nomes da revista ou dos repórteres na consulta porque já sabia que iria vazar e conhecia as conseqüências.

Disse que não é contra o sigilo da fonte - "uma conquista democrática do Estado de Direito" -, mas defende sua flexibilidade nos casos em que a fonte está envolvida em crimes. "Um terrorista que avisa ao jornalista que vai contaminar o reservatório de água de uma cidade não deve ter seu sigilo quebrado?"

A medida, caso concretizada, poderá provocar uma crise sem precedentes entre a imprensa e o MP, que às vezes, simultaneamente, investigam crimes de colarinho branco e corrupção. Previsto na Constituição e garantido em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o sigilo da fonte tem sido útil à Justiça e ao próprio MP na investigação do crime organizado, contra a impunidade e o esclarecimento de casos de corrupção no poder público.

Embora negue ter tomado a decisão, por se tratar de "um terreno pantanoso", Acioly deixa clara sua intenção na consulta: "A questão nevrálgica é saber se podemos ou não quebrar o sigilo telefônico do jornalista quando este se recusa a revelar seu informante, sob o fundamento do sigilo da fonte. Este sigilo é ou não relativo?"

CAUTELAR

Em parceria com a procuradora Raquel Branquinho, Acioly entrou com medida cautelar de quebra de sigilo dos quatro jornalistas, sem êxito. A quebra do sigilo foi negada pela juíza Maria de Fátima de Paula Pessoa Costa, da 10.ª Vara Federal. O processo é sigiloso e a juíza não lembra sequer se o julgou e qual teria sido sua decisão. "Ainda que lembrasse, não poderia dizer nada, porque é sigiloso."

A Polícia Federal, à qual caberia quebrar o sigilo, nega ter recebido tal ordem. Mas ao citar o Banco Central e bancos privados, Acioly deixa uma pista, pois é autor de ação, em parceria com Raquel, contra o escândalo Marka FonteCindam, que causou prejuízo de R$ 1,5 bilhão ao Erário em 1999.

Da ação, sabe-se que ela é de 25 de junho, quando começou a ser distribuída. Recebeu o número 2005.34.00.022636-7 e foi classificada como medida cautelar. Rejeitada, foi encaminhada à PF no dia 9 de novembro deste ano. Diante da rejeição da cautelar, Acioly voltou à carga contra o sigilo da fonte.

Ele deixou claro na consulta que imaginava recorrer da decisão através de mandado. "O pedido do mandado de segurança é a reforma da decisão que indeferiu a quebra do sigilo telefônico de quatro jornalistas, números comerciais e particulares, sob o fundamento do resguardo do sigilo de fonte", disse.

Acioly justificou que a quebra do sigilo se devia "ao fato de que os quatro jornalistas invocavam constantemente o sigilo profissional para não revelar o nome do informante, provavelmente alguém de dentro do esquema". A maioria esmagadora do MP ficou contra a posição de Acioly, por entender a importância desse instrumento para o Estado de Direito democrático. Mas alguns o apoiaram.

28.11.05

Denúncias enfraquecem PT de São Paulo

O PT tem perdido o sotaque paulista que dominou a legenda desde sua fundação, há 25 anos. Apesar de a presidência ainda ser exercida por um parlamentar de São Paulo, o deputado Ricardo Berzoini, a crise política derrubou os principais caciques petistas e abriu espaço para novas lideranças. No lugar do ex-todo poderoso José Dirceu (PT-SP), que acumulou no primeiro ano do governo Lula a Casa Civil e a coordenação política, estão hoje respectivamente uma gaúcha (Dilma Rousseff) e um baiano (Jaques Wagner). No Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP) divide os holofotes com Tião Viana (AC) e Delcídio Amaral (MS). Na Câmara, o líder da bancada é o gaúcho Henrique Fontana. E na secretaria-geral do PT, no lugar de Sílvio Pereira e sua Land Rover, o também gaúcho Raul Pont.

Berzoini reconhece a mudança de sotaque. "Houve um deslocamento em função da crise. O PT, pelas circunstâncias históricas, tinha suas principais figuras políticas em São Paulo", explica ele. Mas o dirigente petista acredita numa alteração interna, em função de políticos, mais do que em hegemonia de forças regionais. "Houve certa renovação, mas de pessoas e agrupamentos. O grupo dominante ficou em uma situação complicada", analisa Berzoini, ao se referir ao Campo Majoritário.

O deputado informou ao Valor a intenção de transferir a sede do PT de São Paulo para Brasília. "A idéia é discutir isso na próxima reunião da executiva. Penso em uma mudança gradual. O funcionamento do partido deve ser mais próximo do Congresso", defende. O presidente da legenda também credita a "despaulistização" do partido ao resultado das últimas eleições internas. "A eleição revelou que o partido não tem um grupo com maioria ampla", afirma.

Para o presidente da CPI dos Correios, Delcídio Amaral (MS), mais do que a mudança física da sede, é fundamental a modificação do modus operandi do PT. "Temos internet, temos um presidente deputado federal. Tudo isso ajuda a transferir as discussões para Brasília", diz. Sobre a "despaulistização", Delcídio acredita que ela agrega valores ao impedir que o debate se paute só pelos interesses de São Paulo.

Essa mudança é cobrada desde 2004, quando Marcelo Déda, Fernando Pimentel e João Paulo foram reeleitos, no primeiro turno, respectivamente, para as prefeituras de Aracaju, Belo Horizonte e Recife. Enquanto isso, a cúpula petista depositou todas as fichas na vitória de Marta Suplicy, em São Paulo, derrotada pelo tucano José Serra. A derrota foi além dos limites da capital paulista: nas eleições do ano passado, o PT ficou atrás do PSDB no Estado de São Paulo. "Não é que tenhamos birra com São Paulo. Mas o PT tem que refletir mais a diversidade do país", cobrou Pimentel.

Para outra estrela petista, Marcelo Déda, isso é mais visível no governo do que na legenda. "O governo Lula passou por uma 'despaulistização'. No PT, isto ainda está em andamento", diz ele. Déda refuta a tese de que os novos nomes do PT surgiram a partir dos escombros éticos do antigo grupo dominante. "As reflexões que temos feito, de um partido mais nacional, com teses políticas, econômicas e culturais, não são um debate anti-São Paulo, mas um debate pró-Brasil", esclarece. E adianta: "Não podemos apoiar esse processo em nomes, como eu, Pimentel e João Paulo. As bases nos diversos Estados têm que mostrar força para se inserir no debate nacional".

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), comemora a descentralização do cacicado petista. "A superconcentração de poderes em São Paulo foi responsável por essa situação que vivemos atualmente", diz o deputado, eleitor do candidato derrotado à presidência do PT Raul Pont, hoje secretário-geral do partido. "Meu voto foi nessa linha, de dividir o poder com outros Estados. O Rio de Janeiro sempre foi desconsiderado dentro do processo decisório", reclama.

Para Biscaia, o caminho do partido, agora, é a descentralização: "Para retomarmos o caminho da ética, é preciso dividir o comando e ampliar o debate". O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que deixou o PT no rastro da crise, sempre defendeu a descentralização. "Sempre critiquei o fato de o PT ser tão paulista, assim como o PSDB", diz. Mas o ex-ministro da Educação do governo Lula não vê muitas alterações no partido. "O discurso continua o mesmo."

Nem a presença de Pont na secretaria-geral, na avaliação de Cristovam, é uma demonstração de desvinculação com o passado recente. "Pont quer a mesma política econômica, com a diferença de pedir uma taxa de juros mais baixa. Não vejo um compromisso na atual cúpula do PT com o combate à exclusão social", analisa.

Outra expressão petista de fora de São Paulo, o deputado Sigmaringa Seixas, do PT de Brasília, reconhece que é natural a origem e predominância paulista no PT. O partido nasceu lá, as maiores lideranças são de lá, seu principal quadro - o presidente Lula - é de lá. Mas a análise, diz ele, deve parar por aí. "Vamos acabar com a arrogância paulista. É o maior Estado, maior PIB, mas não é o Brasil", pondera. Sigmaringa afirma que São Paulo pode ter o maior número de quadros políticos, mas isso não significa que tenha os melhores. "É inquestionável que existem quadros de peso em outros centros políticos."

Segundo colocado nas eleições internas do partido e indicado para a secretaria-geral do PT, o Raul Pont acha que a questão não pode se restringir à geografia. "Não adianta um petista no Nordeste manter a mentalidade do grupo paulista", justifica Pont. Para o gaúcho, o PT vive o dilema que assombra qualquer legenda: a distância entre discurso e prática, entre projeto e realidade. "Esse tensionamento vai durar enquanto tivermos fôlego para mantê-lo.".

Paulo de Tarso Lyra e Thiago Vitale Jayme De Brasília para Valor Online

27.11.05

GRAMPOLÂNDIA

Angélica Santa Cruz - Estadão

A grampolândia oficial - aquela que é feita a pedido de um delegado e com autorização de juiz - interceptou conversas de 54 mil linhas telefônicas de São Paulo nos últimos três anos. Pelo menos 12 mil telefones foram grampeados no primeiro semestre deste ano - apenas em investigações de crimes de competência estadual. No ano passado, ligações de 24 mil assinantes foram gravadas. E, em 2003, ao menos 18 mil números foram alvo de escutas. Fenônemo que explode em lugares onde a polícia é desprovida de sofisticação técnica para combater o crime de outra maneira, a telearapongagem ainda representa pouco entre o total de assinantes de São Paulo: 12,4 milhões apenas nas linhas fixas.
Mas aumenta tanto que extrapolou os debates éticos e agora esbarra em problemas concretos para ser posta em prática.
Os cálculos sobre o número de linhas interceptadas à luz da lei só são possíveis se pendurados em estimativas, quase todas pessimistas. No caso da Polícia Civil, eles podem ser feitos a partir do Instituto de Criminalística (IC). Todos os milhões de horas de conversas gravadas em fitas cassete, microfitas e CDs durante as investigações vão parar no Núcleo de Identificação Criminal, um corredor de doze salas no segundo andar do IC.

Este ano, o departamento recebeu 4. 200 casos para perícia, vindos da capital e do interior. 'Cada um desses pacotes tem pelo menos três linhas interceptadas. Então, ao menos 12 mil pessoas foram investigadas por grampos telefônicos este ano', calcula o perito Carlos do Valle Fontinhas, diretor do centro de perícias. No ano passado, o IC recebeu 8 mil casos em todo o Estado. Em 2003, os peritos abriram 6.100 pacotes. 'Não temos condições de degravar tudo. Há escutas que chegam aqui com milhares de horas', diz Elias Maximino Conceição, diretor do Núcleo de Identificação Criminal.
A maior parte da grampolândia oficial é autorizada no interior. Entre os 4.200 casos registrados no IC no primeiro semestre, 2.600 são de outras cidades. Resultam de pedidos deferidos por juízes pulverizados nas comarcas onde os crimes são investigados. São milhares de horas de conversas. Na maior parte do tempo, mostram os suspeitos tocando os enroscos do cotidiano, como os detalhes das festinhas dos filhos, o saldo no banco ou - pelo menos nesses casos é divertido ouvir - em conversas com amantes.
Na capital, a arapongagem legal é menor, a julgar pelos casos que chegam ao IC: 1.600 pacotes. As análises dos pedidos em São Paulo são feitas pelos juízes do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo). Este ano, saíram dali 231 procedimentos de interceptação - e cada um pode envolver dezenas de linhas. 'A autoridade policial precisa mostrar com dados sólidos que investiga um dos crimes previstos na lei. Não autorizamos pedidos baseados só em denúncias anônimas, por exemplo. É muito cômodo fazer uma investigação dessa maneira', afirma Marcos Zilli, juiz de direito auxiliar do Dipo.
Pela lei que regulamenta as escutas - a 9.296 -, as gravações podem ser feitas por 15 dias, renováveis por mais 15, pelo número de vezes em que o juiz achar necessário. Parte dos crimes investigados exige acompanhamento demorado, como negociações durante seqüestros. E outros demoram porque os delegados esperam para flagrar um sinal de crime, um procedimento que já é chamado de 'grampo prospectivo'. Por isso, cada interceptação acaba em lotes de dezenas de gravações. Quando chegam ao IC, vão para uma fila de espera que já chega a 3 mil casos.
A avalanche de grampos obrigou as operadoras de telefonia a montar esquemas especiais. As empresas só podem desviar uma linha telefônica para bases policiais depois de receber ofícios do juiz e do delegado.
Ainda assim, é uma operação complicada - que envolve riscos de vazamentos. 'As empresas investiram milhões em softwares que desviam a linha e em equipes de advogados e técnicos para dar a assistência a cada pedido', afirma Flávio de Leão Bastos Pereira, professor da Escola Superior de Direito Constitucional - e que integrou duas dessas equipes em duas multinacionais de telefonia de São Paulo.

Investimentos de R$ 148 milhões sob suspeita

O Globo - Chico Otavio, Bernardo de la Peña e Adriana Vasconcelos

RIO e BRASÍLIA. O Núcleos, fundo de pensão da Eletronuclear, Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e Nuclep, aplicou, entre 2003 e 2004, R$ 148,8 milhões em investimentos que estão sob suspeita. O valor representa 30% dos ativos de R$ 500 milhões dos 3.300 participantes do fundo. As operações incluem a compra de títulos públicos, que deram um prejuízo à entidade de R$ 22,7 milhões, do Banco Santos e de empresas ligadas ao fraudador argentino Cezar Arrieta. As transações com títulos públicos federais, que representaram perdas para o fundo e beneficiaram a Euro DTVM SA e a Quantia DTVM Ltda, revelam duas corretoras que já haviam participado de negócios prejudiciais aos cofres públicos na gestão da petista Benedita da Silva, em 2002.

A Euro e a Quantia participaram da venda de papéis para o RioPrevidência, o fundo de pensão dos funcionários públicos fluminenses, numa operação que, no total, custou à entidade R$ 25 milhões além do necessário. Representantes dos funcionários na gestão do Núcleos e do RioPrevidência relacionaram os prejuízos com os títulos a ingerências políticas nos fundos de pensão em governos do PT. A CPI dos Correios, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central investigam as corretoras por causa de operações com fundos de pensão consideradas “incompatíveis com os padrões de mercado”.

No caso do Núcleos, a melhor pista de interferência política encontrada até o momento é o registro feito por uma secretária, que anotara recado do economista Marcelo Sereno, então assessor especial do ex-ministro José Dirceu, para um dos diretores do fundo da Eletronuclear, Gildásio Amado Filho, pedindo que ele entrasse em contato com uma empresa de administração de recursos. Na época da operação das duas corretoras com o RioPrevidência, Sereno era secretário-executivo de Gabinete da governadora Benedita. Integrantes da CPI dos Correios dizem que o economista, que depois foi secretário de Comunicação do PT, está sendo investigado por sua suposta interferência nos fundos de pensão.

STF suspendeu quebra de sigilo

Uma inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado no RioPrevidência, em 2003, revelou que operações financeiras feitas sem licitação, entre junho e dezembro de 2002, causaram prejuízo de R$ 25,3 milhões. O relatório sustenta que o rombo foi causado por 30 operações de compra de títulos públicos federais a preços acima do valor de mercado, adquiridos em valores até 162% mais altos pelas distribuidoras Turfa (que mudou o nome para Euro no ano seguinte), CQJR e Quantia.

Dirigentes das distribuidoras, em depoimentos na Assembléia Legislativa do Rio (Alerj), alegaram que só cumpriam ordens dos gestores do RioPrevidência. Mas investigações desencadeadas pela CPI na Alerj que apurou o caso mostraram que um dos sócios da Turfa, Eric Bello, era filho do então presidente do RioPrevidência, Ruy Bello.

Outro detalhe do caso chama a atenção do engenheiro Cesar Drucker, representante dos funcionários da direção do fundo: de acordo com documentos da Junta Comercial do Rio, a Turfa foi fundada em 11 de abril de 2002, portanto, poucos dias antes da posse de Ruy Bello no fundo.

— Está claro que a distribuidora só foi criada para fazer as operações — disse.

As duas corretoras, Euro e Quantia, tiveram o sigilo bancário, telefônico e fiscal quebrados pela CPI. Uma liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, entretanto, suspendeu os efeitos da decisão da CPI. A comissão vai pedir que o ministro reconsidere.

— A Euro e a Quantia apareceram inicialmente quando foram analisadas operações de títulos públicos pelos fundos de pensão. Foram vistas operações com 11 fundos, entre eles o Núcleos. Neste exame, o primeiro feito pela CPI, antes mesmo da criação da sub-relatoria, verificou-se que ambas tinham obtido vantagens indevidas em operações que deram prejuízos para os fundos — explicou o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), sub-relator da CPI responsável pelas investigações sobre os fundos de pensão.

— Parte das corretoras que tiveram o seu sigilo quebrado já estava sendo investigada pelos órgãos reguladores do mercado — completou o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS).

A CVM instaurou inquérito administrativo para investigar a Euro. O Banco Central também enviou ofícios à comissão informando que a corretora esteve envolvida em operações suspeitas com fundos de pensão. Os técnicos do BC consideraram os negócios como fora dos padrões de mercado.

Relatório preparado pela auditoria KPMG comparou a compra de 84.397 títulos, que custaram R$ 118,875 milhões ao Núcleos, com as demais operações com os mesmos papéis realizadas no mesmo dia. Foi com base neste estudo que se chegou a um “custo de aquisição excedente de R$ 22,7 milhões”. “Observa-se que a maioria das transações foram realizadas via as corretoras Euro DTVM S.A com 35.580 títulos e a Quantia DTVM Ltda com 53.772 títulos, representando uma participação de 31% e 47%, respectivamente (78% em relação as compras totais dos títulos públicos adquiridos pelo Núcleos)”, afirma o documento.

Ação contraex-gestores

A diretoria do Núcleos foi substituída no dia 31 de agosto e o Conselho Deliberativo determinou a contratação de duas auditorias externas. Uma delas apenas para apurar possíveis prejuízos face à constatação de vultosos investimentos, de aproximadamente R$ 170 milhões entre janeiro de 2004 e junho de 2005, em títulos públicos federais de longo prazo. O Núcleos está ingressando na Justiça com uma ação de ressarcimento contra o ex-presidente Paulo Figueiredo, e mais três ex-gestores, Abel de Almeida, Gildásio Amado Filho e Fabiana Castro.

Advogado diz que Sereno não fez nomeações


O economista Marcelo Sereno, ex-assessor especial da Casa Civil na gestão de José Dirceu, não foi encontrado para comentar a reportagem. Seu advogado, Luís Paulo Viveiros de Castro, informou que Sereno não foi o responsável pela nomeação de Ruy Bello como presidente da RioPrevidência no governo Benedita da Silva e de Paulo Figueiredo na direção do Nucleos. Viveiros de Castro disse que seu cliente só não entrou com uma ação contra Neildo de Souza Jorge, represente dos funcionários no Conselho Deliberativo do Núcleos e que o acusa de ter nomeado Paulo Figueiredo porque não encontrou seu endereço:

Figueiredo também nega ter sido apadrinhado por Sereno. Ele diz que não houve irregularidades no Núcleos durante sua gestão e afirma que, no caso de aplicações em debêntures da Ulbra — empresa ligada ao fraudador argentino Cezar Arrieta — outros fundos de pensão fizeram o mesmo. Disse ainda que ingressou na Justiça com duas ações contra Neildo.

Já o advogado da Euro Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, Fernando Freire, informou na sexta-feira que não há na contabilidade da empresa registro de operações com o Núcleos. Segundo ele, isso pode ter acontecido porque a corretora nem sempre sabe para quem está vendendo os papéis que são negociados em mercados que funcionam por intermédio de sistemas eletrônicos. O advogado informou ainda que a Euro já fez negócios com outros fundos, como a Postalis, em janeiro deste ano, e com o RioPrevidência. Freire negou, entretanto, que os negócios com o fundo de pensão fluminense tenham dado prejuízo e disse que a corretora teria participado de apenas parte da operação.


"Sobre as operações com o RioPrevidência, a parte do prejuízo, no entorno de R$ 750 mil, imputado à Euro DTVM S/A, não representa a verdade", afirmou, acrescentando que a operação teria dado lucro de R$ 52.300. O advogado admitiu que um dos dirigentes da corretora, por ocasião da operação, Eric Bello, é filho do presidente do RioPrevidência na época. Mas afirmou que Eric não tinha conhecimento das operações e que quando soube do assunto pediu que todas as transações com o fundo fossem suspensas.

25.11.05

Lula sonha com Jobim para vice em 2006

Presidente do STF tem até junho para decidir candidatura

Lula sonha com Jobim para vice em 2006
Raymundo Costa De Brasília - Valor Online


Muito embora insista em dizer o contrário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não só disputará a reeleição como já vem discutindo a recandidatura com alguns ministros mais próximos. A chapa presidencial, por exemplo, terá outro vice no lugar do empresário José Alencar. O candidato dos sonhos de Lula é o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim, mas isso dependerá de uma complexa negociação com o PMDB, partido que anuncia a intenção de ter candidato próprio, talvez até mesmo o próprio Jobim.

Lula quer e Jobim também sinalizou positivamente, embora tenha ainda 11 anos até a aposentadoria compulsória. Para disputar um cargo eletivo em 2006, o ministro teria de antecipar sua aposentadoria. Ele tem prazo até junho para isso. Por essa época também se encerra o mandato de presidente STF. Na avaliação palaciana, por ser presidente do Supremo, Jobim também daria um peso ético - assunto que deve predominar na campanha eleitoral - à chapa.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, disse ao presidente Lula que dificilmente o PMDB poderá apoiá-lo no primeiro turno da eleição de 2006, mesmo que a verticalização das eleições seja derrubada, em votação prevista para terça-feira na Câmara. Seriam dois os problemas, segundo Renan contou ao presidente: a dificuldade de fazer composições estaduais com o PT e a decisão partidária de ter candidatura própria.

O Planalto, no entanto, aposta num impasse, no PMDB, entre os correligionários do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do ex-governador Anthony Garotinho (RJ), até agora o único pemedebista inscrito nas prévias marcadas pelo partido para março do próximo ano. A intenção de Lula é se coligar formalmente com o PMDB. O presidente tem dito repetidas vezes que quer formar uma aliança que lhe permita governar com maioria, no eventual segundo mandato.

A queda da verticalização - instrumento pelo qual partidos coligados nacionalmente não podem fazer alianças diferentes nos Estados -, ajudaria o projeto do presidente. Mas a emenda constitucional a ser votada na Câmara dos Deputados, que determina o fim da verticalização, enfrenta dificuldades: o PT fechou questão contra o projeto, o PSDB está dividido e PTB, PP e PL se desinteressaram do assunto quando decidiram não se coligar nacionalmente em 2006.

Graças à verticalização, Lula pode encontrar dificuldades para fazer alianças até mesmo com partidos que o apóiam ostensivamente, como no caso do PSB. Mantida a regra para as coligações, o partido pode optar por não se coligar nacionalmente a fim de ficar livre para fazer as alianças necessárias, nos Estados, para que atinja o percentual mínimo exigido pela cláusula de barreira: 5% do total da votação em pelo menos nove Estados. Partidos como o PCdoB, aliado de Lula, e o PPS, na oposição, dificilmente terão condições de cumprir essa exigência. Mas tramita na Câmara um projeto que reduz esse percentual para 2%.

O problema para Lula é que, dos tradicionais aliados, só o PSB tem um quadro com suficiente densidade eleitoral para compor a chapa com o presidente, na hipótese de não vingar a coligação com o PMDB: o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. O PCdoB tem o nome do presidente da Câmara, Aldo Rebelo, que é ex-ministro de Lula. Resta a hipótese de uma chapa inteiramente do PT, o que não é a intenção do presidente, mas pode ocorrer, sobretudo num cenário com a verticalização mantida.

Neste caso, o nome mais mencionado no PT é o do ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, responsável pelo programa que deve ser o carro-chefe da campanha de Lula em 2006, o Bolsa Família. Segundo algumas pesquisas, é o programa que tem ajudado a manter a popularidade do presidente da República sem uma queda muito acentuada. Na realidade, a oposição começa a se preparar para responder a uma acusação que fatalmente o PT fará: se Lula sair, o novo governo vai acabar com o programa Bolsa-Família.

O vice-presidente José Alencar já percebeu que não reeditará a chapa com Lula em 2006. Ele trocou o PL pelo Partido Republicano Brasileiro, "criado para viabilizar a candidatura presidencial de José Alencar", segundo o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). Segundo o senador, não houve, entre os fundadores do partido, preocupação em formar grandes bancadas justamente porque o PRB será uma espécie de "peão" para alianças - ou seja, a sigla precisa necessariamente encontrar um parceiro para poder contar com tempo de televisão suficiente para sustentar uma candidatura presidencial. O ex-governador Anthony Garotinho já anunciou: se o PMDB adiar as prévias, ele apoiará Alencar.

24.11.05

INTENTONA COMUNISTA DE 1935

1. RAÍZES DO LEVANTE
2. CAVALEIRO DA ESPERANÇA
3. ALIANÇA NACIONAL LIBERTADORA – SOMBRA DO PCB
4. ORDENS DE FORA
5. DESGOVERNO BOLCHEVISTA EM NATAL
6. OBSTINADOS DO PAVILHÃO DO COMANDO
7. FOGO E SANGUE NA PRAIA VERMELHA
8. VIOLÊNCIAS CONTRA HOMENS DESARMADOS
9. POVO SEM ÓDIOS NÃO ACEITA A VIOLÊNCIA COMO RELIGIÃO
10. ANEXOS
Anexo 1 - CONDIÇÕES DE ADMISSÃO DOS PARTIDOS NA 3ª INTERNACIONAL COMUNISTA

Oposição prega desobediência ao STF

Decisão do Supremo que pode favorecer Dirceu causa a pior crise entre Poderes

O adiamento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ao recurso protocolado pelo ex-chefe da Casa Civil, deputado José Dirceu (PT-SP), provocou a mais séria crise entre o Legislativo e o Judiciário na era Lula. Logo depois da decisão, o vice-presidente da Câmara, José Thomaz Nonô (PFL-AL), subiu à tribuna e pregou a não obediência ao Supremo Tribunal Federal (STF), argumentando que se tratava de uma interferência indevida de um poder em outro.
A votação da liminar que pedia suspensão da votação do processo de cassação de Dirceu terminou empatada e o presidente do STF, Nelson Jobim, determinou que a decisão final seja tomada após o voto do ministro Sepúlveda Pertence, ausente da sessão.
Caso Pertence vote a favor de Dirceu, o processo volta ao Conselho de Ética para novamente ouvir as testemunhas de defesa. Nesse caso, o deputado Julio Delgado (PSB-MG), relator do processo de cassação do ex-ministro chefe da Casa Civil, deverá fazer um novo relatório, fato que poderá empurrar o processo de cassação de Dirceu para o primeiro semestre de 2006.
"Temos de tocar o processo. Se o Supremo achar ruim, que intervenha na Câmara. Só na ditadura militar. Penso que abrimos um precedente grave se aceitarmos isso de maneira dócil. Todos seguirão o mesmo rumo", discursou, sendo aplaudido. Na condição de promotor que é, Nonô disse respeitar "a ordem jurídica de meu País, mas não abro mão das prerrogativas que o povo me deu".
E prosseguiu: "Os deputados têm de zelar pela sua Casa. Pondero a vossas excelências que vejam bem o que estamos fazendo e permitindo que o Supremo repouse no conceito mais abstrato que é o de definir o decoro parlamentar. Não há STF, não há ministro Jobim (Nelson Jobim, presidente do STF) capaz de definir isso. Conclamo os deputados a se unirem na defesa da Casa, da independência do poder, sob pena de terminarmos essa legislatura como bedel, subúrbio do Poder Judiciário."
O líder do PFL na Câmara, deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ), também foi à tribuna e, indignado, anunciou que seu partido não cumpriria o acordo de votar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que proíbe a verticalização na campanha eleitoral do ano que vem. A votação estava prevista para ontem. "Ou tomamos uma decisão enérgica ou seremos desmoralizados.
O ministro Jobim pensa que ainda é deputado e a cada votação interfere aqui", reclamou. Presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), também tomou o microfone do plenário e reclamou da ingerência do STF nos trabalhos do Conselho de Ética, que estão sendo conduzidos desde o início da crise do mensalão, há cinco meses. "O Poder Judiciário não sabe como funciona aqui. Estamos há cinco meses no processo e o Supremo vem dizer que houve cerceamento de defesa. Eu não aceito isso", afirmou Izar.
A favor do Supremo, apenas o presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), e o amigo de José Dirceu e de Jobim, o ex-ministro das Comunicações, deputado Miro Teixeira (PT-RJ). Miro afirmou que não há o que deliberar, já que o STF ainda não tomou a decisão. "Essa é uma discussão louca. Parece briga na geral", minimizou.
Berzoini afirmou que quando o STF decidiu liminar contra Dirceu, a oposição não reclamou a interferência do Judiciário no Legislativo. Agora que a decisão é favorável, o discurso é outro. "A decisão favorável à oposição, ela aplaude. Quando é contrária, não aceita. Assim é fácil." Relator do processo contra Dirceu no Conselho de Ética, Júlio Delgado (PSB-MG) disse que a Câmara cumpre rigorosamente todos os procedimentos processuais e que "não aceita" as manobras protelatórias feitas pelo petistas a partir do STF.
No Congresso, a avaliação é que a votação do Supremo pode levar o deputado José Dirceu a ver escapar qualquer chance política de salvar o seu mandato.

22.11.05

"Novidade do carisma"

Lula perdeu a "novidade do carisma", diz Lamounier


São Paulo - "Se o presidente fosse outro, o governo mudaria", afirmou o cientista político Bolívar Lamounier em entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, referindo-se às denúncias de corrupção que envolvem o atual governo. Para ele, embora as instituições brasileiras hoje estejam mais robustas, o Brasil ainda apresenta problemas constitucionais latentes.

"A chamada alternância do poder não é tão fluente como parecia em 2002", disse o cientista político. Segundo Lamounier, o impeachment por causas de corrupção envolve a figura do crime de responsabilidade, que é em parte jurídica e em parte política. "Por um certo temor reverencial ao PT e ao Lula, os políticos simplesmente estão ignorando a parte jurídica."

Lamounier confessou ter sido pego de surpresa pela extensão das denúncias que envolvem o governo Lula e o Partido dos Trabalhadores. "Surpreendeu a mim e, acredito, à maioria das pessoas", salientou. "Embora eu já estivesse atento a algumas discussões sobre Santo André e Ribeirão Preto."

Lamounier disse também que não tinha grandes expectativas no governo, no aspecto administrativo. "Eu nunca fiz a avaliação de que o PT tinha grandes quadros técnicos em quantidade e eu nunca fiz a avaliação de que tinha um programa consistente."

Símbolo - O cientista político propõe que se deixe de reverenciar tanto o fato de o atual presidente ter uma origem humilde. "O Brasil é um país de imigrantes pobres. O Lula simboliza isso, mas ele não é o único", enfatizou. Lamounier acha que, embora o presidente Lula continue sendo forte eleitoralmente, está politicamente mais fraco depois das denúncias contra o seu governo.

"Já está em tempo de desmistificá-lo, inclusive para não se tornar ferramenta eleitoral novamente", sugeriu. Ele considera que alguns dos setores mais importantes da sociedade, como os empresários e a classe média, já não apóiam Lula como antes. "Ele não tem mais o encanto da novidade carismática."

Eleições - Para Lamounier, esse enfraquecimento político do presidente Lula deixa aberto o resultado da próxima eleição presidencial. "É muito cedo para fazer uma avaliação determinante", esquivou-se sobre as possibilidades do PT ou da oposição. Disse ainda que somente uma agenda clara de governo poderia empolgar o eleitor e também unir os partidos políticos numa frente coesa de sustentação de governo, seja em torno do candidato do PT ou da oposição.

"Vamos perceber a oportunidade. E a oportunidade é que a coisa zerou, ficou competitiva", frisou. E finalizou citando Rui Barbosa, adepto do debate franco e aberto: "O debate nunca terá sido tão aberto e fundo no Brasil".

Paulo Maciel para o Estadão

20.11.05

Morte de Toninho foi tramada, diz sushiman

Suposta testemunha diz ter presenciado conversa em que foi acertado assassinato de prefeito; depoimento pode mudar investigação

Morte de Toninho foi tramada, diz sushiman
MAURÍCIO SIMIONATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPINAS

O senador Eduardo Suplicy (PT), membro da CPI dos Bingos, procura na região de Campinas (SP) um garçom de codinome "Jack" que afirma ter presenciado -escondido- três reuniões em uma casa de bingo de Campinas, nas quais teria sido tramado o assassinato do prefeito Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT.
Toninho foi assassinado em 10 de setembro de 2001, na saída do Shopping Iguatemi, ao ser atingido por um tiro que entrou pelo ombro, atravessou o coração e o pulmão e saiu pelas costas. O Ministério Público e o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa) sustentam a tese de que Toninho foi morto por acaso, porque seu veículo estava atrapalhando a fuga da quadrilha do seqüestrador Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho.
O depoimento de "Jack" pode mudar os rumos da investigação sobre a morte do prefeito. A sua versão já foi ouvida pelo Ministério Público e pela polícia. A Folha conversou com ele nas duas últimas semanas, na condição de não revelar o local do encontro, e ele reafirmou o seu depoimento.
"Jack" não quis dar entrevista. Diz estar com medo de ser assassinado. Mas ele já havia confirmado sua versão à Justiça, à Promotoria e à Polícia Civil. "Jack" diz não ser garçom, e sim sushiman.
"O depoimento dele é importante. Pedirei na próxima semana que ele seja ouvido", disse Suplicy. A família de Toninho diz que as informações dadas não foram investigadas devidamente.
Segundo os depoimentos de "Jack" à Justiça e aos promotores entre 2002 e 2003, as reuniões no bingo ocorreram nos dias 3, 4 e 5 de setembro de 2001. O depoimento contradiz a versão do Ministério Público e da polícia de que Toninho morreu porque atrapalhou a fuga de Andinho.
A viúva Roseana Garcia e a ONG "Quem matou Toninho?" discordam da versão oficial. Para a viúva, o assassinato teve motivação política, por Toninho ter contrariado interesses de "grupos poderosos". Garcia apontou falhas na investigação em depoimento na CPI dos Bingos, há duas semanas. Ela disse que o depoimento de "Jack" foi desqualificado pela Promotoria e pela Polícia Civil.

Bingo
"Jack" disse ter presenciado as reuniões na madrugada, atrás de uma mesa em um mezanino do bingo. Ele diz que, com a autorização de um segurança, pernoitava eventualmente no local.
Para um dos promotores do caso, Ricardo Silvares, o depoimento é importante, mas contradiz outras apurações. "O depoimento dele não foi desqualificado. Nós [promotores] é que pedimos para que ele fosse ouvido em juízo. Ele inclusive citou nomes de quem estaria presente na reunião. Mas esse é um depoimento. Existem outros depoimentos. E isso precisa ser analisado no contexto dos autos", disse Silvares, que ouviu "Jack" em 2002.
"Jack" contou a versão pela primeira vez em meados de 2002 em uma sala na Prefeitura de Amparo (SP) na presença do irmão de Toninho, Paulo Roberto da Costa Santos, além de petistas locais e integrantes da administração - até hoje governada pelo PT.
Depois disso, o irmão do prefeito conta ter levado a testemunha a São Paulo ao então advogado da família de Toninho e hoje ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. A história foi relatada novamente. De lá, "Jack" foi encaminhado ao Ministério Público e confirmou sua versão.
Outro a conhecer a versão da testemunha foi o delegado Luiz Fernando Lopes Teixeira, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), de São Paulo, responsável pelo inquérito.
Procurado pela Folha, via assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Estado, Teixeira informou que "Jack" foi ouvido duas vezes pelo DHPP, na presença da Promotoria, e que o depoimento dele foi "desqualificado" por contradizer outras informações que estão nos autos.
Em nota, a secretaria informou na sexta-feira que "o DHPP investigou a morte do prefeito de Campinas, Antonio da Costa Santos, reconstituiu o crime e concluiu que a quadrilha de Wanderson Newton de Paula Lima, o Andinho, foi autora do homicídio".
O ministro da Justiça foi procurado por meio de sua assessoria de imprensa, mas não se pronunciou sobre o assunto até a noite de sexta-feira. Dora Cavalcanti, que na época era sócia de Márcio Thomaz Bastos e hoje é advogada da família no caso Toninho, não soube confirmar se "Jack" esteve mesmo no escritório.
"Não posso afirmar se ele esteve com Bastos. Mas eu acompanhei um depoimento dele aos promotores, em Campinas. O que é relevante nessa história é o fato de ele nunca ter pedido nada e ser tão insistente. Ele descreveu a reunião com detalhes", disse Cavalcanti.
No processo, a testemunha descreve a fisionomia das pessoas que ele diz ter visto na reunião. Ele diz que os membros da reunião se tratavam entre si como "presidente", "delegado", "coronel" e "secretário", e um outro integrante tinha sotaque português.
Um dos integrantes, segundo ele, seria um traficante de drogas. Outro aparentava ser segurança de um dos presentes. Participaram da suposta reunião entre sete e nove pessoas. "Jack" diz que o grupo demonstrou claramente que se sentia prejudicado com a política adotada por Toninho.
Ouvidos pelo Ministério Público e pela Justiça, representantes do Bingo Taquaral -onde teria ocorrido a reunião- negaram a versão e disseram que "Jack" nunca trabalhou no local.
O processo do caso Toninho continua em fase de instrução -ou seja, ainda está aberto para novas diligências e depoimentos.

Dopado
No dia 12 de dezembro de 2002, quando daria o seu primeiro depoimento à Justiça, "Jack" afirmou ter sido seqüestrado e dopado por um membro do PT de Amparo chamado Nilton Amancio, para que ele não prestasse depoimento.
Em depoimento posterior à Justiça, "Jack" afirmou que, no dia em estava marcada a primeira "oitiva", ele foi apanhado às 5h40 em um hotel de Campinas e levado para o pronto-socorro de Amparo. Depois diz ter acordado no município de Americana (SP).
O depoimento de "Jack" à Justiça foi remarcado dias depois e ele confirmou a versão da reunião ao juiz José Henrique Rodrigues Torres, da Vara do Júri.
Amancio negou que tenha tentado evitar o primeiro depoimento da testemunha à Justiça. "Isso nunca ocorreu. Eu o levei uma vez ao pronto-socorro de Amparo, mas foi porque ele pediu. Ele estava passando mal, suava frio e não foi no dia do depoimento dele na Justiça", disse Amancio.

19.11.05

PT FALSIFICA ASSINATURA!!!

Brasil
PT falsifica assinatura

Laudo comprova que o partido entrou
com ação no Conselho de Ética usando
uma assinatura fraudada de Tarso Genro


Policarpo Junior

O Conselho de Ética vai investigar um caso inédito de falta de ética, ocorrido numa petição que exigia, claro, respeito à ética. O caso é o seguinte: no início do mês passado, o deputado Onyx Lorenzoni, do PFL gaúcho, acusou o ex-ministro José Dirceu de omitir um empréstimo de 14.000 reais em suas declarações de renda. No dia 14 de outubro, em defesa do ex-ministro, a direção do PT entrou com uma representação contra o pefelista no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, acusando-o de ferir o decoro parlamentar. Para o PT, além de não provar a denúncia, Lorenzoni divulgara dados protegidos pelo sigilo bancário e fiscal, o que justificaria a cassação de seu mandato. O Conselho de Ética, porém, acaba de ser surpreendido com uma informação: a representação do PT aparece assinada pelo então presidente do partido, o ex-ministro Tarso Genro, só que o ex-ministro não assinou o documento. Ou seja: sua assinatura foi falsificada, segundo atestam as 63 páginas de um laudo pericial elaborado pelo Instituto Del Picchia, em São Paulo.

O laudo grafotécnico foi solicitado por VEJA ao perito Celso Del Picchia, o mesmo que, recentemente, revelou a autenticidade da assinatura do então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, num documento que o parlamentar negava ter assinado. A mentira custou-lhe o mandato. Na representação do PT, Del Picchia encontrou disparidades gritantes entre a assinatura falsa e a assinatura verdadeira de Tarso Genro. A falsa foi comparada com cinco modelos verdadeiros, extraídos de documentos oficiais. O modelo mais antigo é de junho de 2001, quando Genro era prefeito de Porto Alegre. O mais recente é de 29 de julho passado, assinado por Genro quando era ministro da Educação. Com isso, o perito atestou que a assinatura na representação do PT não foi feita pela mesma pessoa. Atestou mais: que até as três rubricas apostas ao documento foram falsificadas. Ou seja: Genro não é o signatário do documento que pede a cassação de Lorenzoni. "Não há dúvida de que a assinatura da representação é falsa", atesta Del Picchia, que, na página 32 do laudo, afirma, em linguagem mais técnica, que o trabalho o autoriza a "decretar sem ressalvas a inautenticidade dos sinais gráficos apostos à petição em tela".

Lorenzoni: "Agora entendo por que a peça é tão malfeita"

Ao ser informado sobre o resultado do exame, o presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar, ficou espantado, classificou o caso como "gravíssimo" e já disse que vai notificar o PT para que confirme – ou não – a autenticidade da assinatura. É uma situação embaraçosa. Se o PT admitir que a assinatura não foi feita por Tarso Genro, estará confessando o crime de falsidade ideológica, que pode render até três anos de prisão para o fraudador. Nesse caso, será preciso abrir uma investigação para saber quem, dentro das fileiras petistas, anda fraudando assinatura de dirigentes partidários em documentos públicos da legenda. Procurado na semana passada, o ex-ministro Tarso Genro não quis falar sobre o assunto, mas, por intermédio de sua secretária, mandou dizer que "assinou a representação e enviou-a à bancada". VEJA então lhe encaminhou por fax uma cópia da representação protocolada no Conselho de Ética e atestada como falsa pela perícia. De novo, Tarso não quis se manifestar e pediu que sua secretária informasse à revista que o documento remetido por fax fora assinado por ele, sim.

Dirceu: sem indício de que ele ou sua turma tenham dedo na fraude

Cria-se, portanto, um quadro esdrúxulo no qual a palavra de Genro será confrontada com sua assinatura. Pelas normas do direito brasileiro, o documento tem mais valor que a palavra. Consultado por VEJA em termos hipotéticos, sem ser informado dos nomes reais envolvidos, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, deu uma informação técnica: "Sob o ângulo formal, o laudo prevalece". Isso significa que Genro pode dizer o que quiser, mas, se a prova material oficial não lhe der o devido respaldo, estará caracterizada a falta com a verdade – e, de quebra, a suspeita de que se envolveu diretamente na fraude, ficando assim também sujeito à pena de três anos de prisão. "No aspecto criminal, concluindo-se tecnicamente que a assinatura não é do suposto autor, pode-se vislumbrar crime de falsidade ideológica", acrescentou o ministro do STF. Se, por hipótese, Genro tivesse admitido que, impossibilitado por alguma razão de assinar a representação, pedira a alguém para que o fizesse em seu lugar, ainda assim se configuraria crime. No plano jurídico, não existe absolvição para uma suposta "falsidade consentida".

A representação do PT foi protocolada no Conselho de Ética pelo deputado Wasny de Roure, do PT do Distrito Federal. A tarefa foi cumprida às pressas. O deputado conta que estava aguardando uma audiência no prédio do Ministério do Planejamento quando, de repente, recebeu um telefonema da liderança do PT na Câmara pedindo que se deslocasse imediatamente até o protocolo do Conselho de Ética. Sem esperar pela audiência, Wasny de Roure, percebendo que se tratava de um caso de urgência, simplesmente fez o que lhe pediram. "Nem sabia direito o que era", diz ele. "Apenas cumpri uma missão partidária." Quem disparou o telefonema afobado para o deputado foi um antigo funcionário da liderança petista, Athos Pereira, que se recusou a falar com VEJA. "Agora entendo por que a peça é juridicamente tão malfeita", alfineta o deputado Onyx Lorenzoni, ao lembrar que, além de um político correto, Tarso Genro é um advogado respeitado e experiente. Lorenzoni, com suas acusações fiscais, bateu de frente contra o deputado José Dirceu. Mas não há indício de que José Dirceu esteja envolvido nessa fraude.

18.11.05

CADASTRO DE INTERNAUTAS

Projeto cria cadastro de internautas para inibir crime
PATRÍCIA ZIMMERMANN
da Folha Online, em Brasília

Os usuários de internet no Brasil deverão ser cadastrados, e os registros das correspondências eletrônicas armazenadas durante um período pelos provedores de internet. É o que prevê o projeto de lei do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que foi discutido hoje em audiência pública na Comissão de Educação.

A proposta tem como objetivo estabelecer algum tipo de controle sobre o que é veiculado na internet e facilitar a apuração de crimes cometidos na rede mundial de computadores, explicou Amaral.

O presidente da Abranet (Associação Brasileira de Provedores de Acesso de Serviços e Informações da Rede de Internet), Antônio Alberto Tavares, informou que os provedores têm interesse em ajudar no trabalho da Justiça, por isso a associação chegou a assinar convênio com o Ministério Público Federal a fim de facilitar o acesso e a busca de informações nas investigações. Ele destacou, no entanto, que o sigilo dos usuários deve ser preservado.

Ao discutir o projeto hoje, Tavares disse que o prazo de dez anos, previsto na proposta original para que as informações sobre origem e destino das mensagens transmitidas na internet fiquem armazenadas é exagerado. Segundo ele, três anos para a guarda de informações seriam suficientes.

Para o chefe do Serviço de Perícias em Informática do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, Paulo Quintiliano, a ausência de um cadastro de usuários atrapalha as investigações.

Apesar de reconhecer que a maioria dos crimes da internet é praticada utilizando endereços eletrônicos de provedores estrangeiros, fora do alcance da legislação brasileira, ele defendeu a criação do cadastro e a manutenção das informações sobre as correspondências por cinco anos.

"Nós temos que fazer a nossa parte", disse Quintiliano ao comentar que uma legislação brasileira sobre o assunto pode motivar outros países a fazerem o mesmo.

Ele também alertou os senadores da comissão para a necessidade identificação dos usuários de cyber cafés ou pontos de internet localizados em locais públicos, como aeroportos.

Segundo ele, a investigação da polícia fica ainda mais complexa quando os crimes na internet são praticados a partir desses locais, pois "o anonimato é praticamente garantido".

O coordenador do Comitê Gestor da Internet do Brasil, Marcelo de Carvalho Lopes, disse concordar com a criação do cadastro, e destacou que o setor trabalha para criar um fórum internacional de controle para combater os crimes na internet. "Devemos consolidar uma legislação e sair na vanguarda do controle", defendeu.

Ele avaliou, no entanto, que exigir co-responsabilidade dos provedores na veracidade das informações prestadas é "inadequado, exagerado e inexeqüível".

Diferente do que prevê o projeto, que aponta a Anatel como possível órgão fiscalizador para a internet, Lopes defendeu a auto-fiscalização do setor.

O próprio presidente interino da Anatel, Plínio Aguiar, que também participou da audiência, disse que a agência não tem competência legal para fiscalizar ou regular o acesso à internet, que é um serviço de valor adicionado, e não de telecomunicações.

O presidente da Abranet destacou, no entanto, que a agência deveria estar presente no setor para proteger os provedores, que são usuários das redes de telecomunicações.

Tanto o autor do projeto quanto o seu relator, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), concordaram que a proposta precisa de ajustes técnicos que serão feitos com o apoio do próprio Comitê Gestor da Internet, mas defenderam a aprovação do projeto.

CPI: prefeitura tinha tabela de propina

A CPI dos Bingos no Senado divulgou ontem uma tabela da propinas que seriam cobradas de empresas de ônibus pela Prefeitura de Santo André na segunda gestão do prefeito Celso Daniel (PT), assassinado em 2002. O documento foi elaborado pelo Ministério Público com base em depoimentos de três empresários que confessaram terem pagado a caixinha de 1997 a 2001. Segundo os promotores, o esquema arrecadava R$ 100 mil por mês e pode ter relação com a morte do prefeito.

A propina era calculada com base no valor da tarifa em vigor a cada ano. Segundo o documento, em 2001, último ano de funcionamento do esquema, cada ônibus em circulação custava R$ 550 por mês às empresas. Naquele período, a Expresso Nova Santo André (com frota de 98 veículos) e a Viação São José (com 76) teriam sido extorquidas mensalmente em R$ 53,9 mil e R$ 41,8 mil, respectivamente.

O Ministério Público aponta como responsáveis pelo esquema o empresário Ronan Maria Pinto, o ex-secretário de Serviços Municipais Klinger de Oliveira Souza e Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, também acusado de ser mandante do assassinato de Celso Daniel. Os três depuseram ontem à CPI dos Bingos.

O depoimento dos acusados foi acompanhado pelo promotor que investiga o caso, Roberto Wider Filho. Ele disse que parte do dinheiro arrecadado foi para campanhas do PT. O resto era dividido entre os participantes do esquema. Segundo Wider, Ronan arrecadava o dinheiro. Wider procura provas que relacionem o esquema à morte de Daniel.

— Sabemos que ele foi morto por um desarranjo no esquema de corrupção — disse Wider.

O promotor disse ter colhido testemunhos de ex-funcionários de Ronan que teriam ajudado a contar o dinheiro. As principais provas são quatro depósitos no valor de R$ 41,8 mil feitos pelo empresário de ônibus Luiz Alberto Ângelo Gabrilli na conta de Sombra.

Sombra teve dificuldades para explicar ontem na CPI os depósitos em sua conta feitos por Gabrilli. O dinheiro entrou na conta de Sombra em 1997, na segunda gestão de Celso Daniel. Gabrilli diz que pagou propina por benefícios recebidos por sua empresa, a Guarará. Sombra disse ontem que os depósitos eram referentes a serviços de segurança feitos às empresas de Ronan, seu ex-sócio. Depois, afirmou que ficou surpreso em saber dos depósitos de Gabrilli e negou ter relações com ele.
O Globo

16.11.05

Guerrilha treina sem-terra

As Farc ensinam suas técnicas a integrantes do MST e a
quadrilhas de traficantes do Rio e de São Paulo


Maria Clara Prates
Do Estado de Minas
Enviada especial ao Paraguai
Em 30/10/2005

Salto del Guayrá — A presença do grupo guerrilheiro colombiano Forças Armadas Revoluncionárias da Colômbia (Farc) no Brasil não se restringe hoje apenas à montagem de bases estratégicas para o tráfico de drogas e armas na selva amazônica. As ações das Farc incluem o treinamento de criminosos e líderes de movimentos sociais, entre eles o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Os centros estão montados estrategicamente na fronteira do Brasil com o Paraguai. Relatórios sigilosos em poder de autoridades brasileiras e paraguaias registram a ocorrência de pelo menos três cursos sobre técnicas de guerrilha destinados a brasileiros, realizados este ano – em maio, julho e agosto – na região de Pindoty Porã, departamento de Canindeyú, no Paraguai, cidade na fronteira com o Mato Grosso do Sul e o Paraná.

Pelo menos um desses cursos, sobre técnicas de primeiro socorros e contra-informação, que aconteceu entre 22 e 24 de julho, teve como público alvo integrantes do MST dos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná. Sob a batuta dos mesmos instrutores colombianos, o último treinamento, que aconteceu em 29 de agosto, foi destinado a integrantes de quadrilhas responsáveis pela segurança de pontos de distribuição de drogas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Na instrução, foram repassadas aos alunos brasileiros informações sobre uso em guerrilha urbana.

A escolha da região de Pindoty Porã pelas Farc não é aleatória. O local vem sendo usado, há pelo menos dois anos, como ponto estratégico para o tráfico de maconha, cocaína e armas, que prospera com a conivência de autoridades paraguaias e sob o beneplácito da frágil legislação daquele país.

Difícil acesso

Os levantamentos do Serviço de Inteligência Externa da Secretaria Nacional Antidrogas paraguaia revelam que um dos locais utilizados como centro de treinamento das Farc no Paraguai é a fazenda do brasileiro Dioclésio Festa, acusado de controlar o tráfico de cocaína no Sul do Brasil usando a rota de Salto del Guayrá. Sua propriedade está localizada no município de Itanarã e é equipada com pista de pouso para facilitar as ações.

O acesso é por precárias estradas vicinais de terra batida. Só quem conhece bem o local consegue chegar à fazenda. Uma grande reserva de mata de cerrado, protegida com recursos do Banco Mundial, torna ainda mais difícil o acesso e o patrulhamento eficiente da região. No local, está instalado um posto do Exército paraguaio semi-abandonado. Pistas de pouso clandestinas também cortam toda a área. No período de capacitação dos sem-terra, o tempo ruim, com chuvas e baixíssimas temperaturas, comprometeu os exercícios externos e todo o curso aconteceu nas salas de aula.

Os relatórios trocados entre Brasil e Paraguai garantem existir um grande interesse das Farc em brasileiros, que nos últimos anos têm sido parceiros da guerrilha em atividades ilícitas como o tráfico de drogas e de armas. Eles confirmam também que os cursos ministrados pelas Farc são destinados a entidades civis organizadas e citam nominalmente o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Nos documentos, existem fartas informações sobre os instrutores dos treinamentos, que se escondem sob o manto dos codinomes.

Um dos colombianos responsável pelo treinamento de brasileiros é descrito como um homem com pleno domínio da língua portuguesa, mas que não consegue esconder o seu forte sotaque castelhano. É especialista em guerrilha rural e ideologia política, mas ensina também a manejar explosivos e pistolas e é um expert em artes marciais. Segundo os relatos dos serviços de informação, o instrutor é uma pessoa muito conhecida na fronteira e transita com desenvoltura por toda a região. Os serviços de inteligência do Brasil e do Paraguai tentam agora descobrir sua verdadeira identidade e, a partir disso, chegar ao restante do grupo — que muda conforme a técnica a ser repassada e o público alvo.

A coordenação geral do MST informou, através de sua assessoria de imprensa, em São Paulo, que não tem conhecimento da participação de integrantes do movimento em treinamentos promovidos pelas Farc no Paraguai. Segundo a assessoria, não é a primeira vez que o movimento é alvo de acusações infundadas. A coordenação ressaltou que o MST mantém relações de intercâmbio apenas com organizações camponesas na América Latina.

OS ALUNOS

Estes são alguns dos brasileiros que segundo investigações participaram dos cursos no Paraguai

Nome usado no Brasil - Nome usado no curso

João José --> Saracuna
Franz -->Marimbondo
Severo --> Corticeira
Pereira --> Neguinho
Nunes --> Bem-te-vi
Alfeu --> Furão
Sebastião --> Pescador
Brasil --> Viajante

Empresários garantem impunidade à guerrilha

Falsos homens de negócio e agropecuaristas apóiam as operações guerrilheiras das Farc com recursos financeiros, amigos influentes e a colocação de aliados em órgãos de fiscalização do Paraguai

Maria Clara Prates
Enviada especial ao Paraguai

As apurações conjuntas de serviços de inteligência do Brasil e do Paraguai constataram que, para prosperar e garantir a impunidade, os integrantes das Farc contam com aliados que se apresentam como bem-sucedidos homens de negócio e agropecuaristas. Na cidade de Salto del Guayrá, capital do departamento de Canindeyú, a apenas uma hora de vôo de Pindoty Porã, o comerciante paraguaio Nicolas Tutunys é investigado como um dos parceiros da guerrilha.

Proprietário das empresas Tower’s, que incluem posto de gasolina, lojas de importados, hotéis, concessionárias de veículos e fazendas, Tutunys praticamente controla a cidade. Suas lojas estão instaladas estrategicamente na Avenida Paraguai, a principal via de Salto del Guayrá, cidade que hoje funciona como uma opção a Ciudad del Este para a compra de equipamentos eletrônicos e todo o tipo de mercadoria contrabandeada.

A prosperidade do comerciante pode ser vista logo na entrada da cidade, onde está instalado um amplo shopping, que também faz parte das empresas de seu grupo. Seu sucesso financeiro o transformou, segundo investigações, num dos principais financiadores das atividades das Farc na região, algumas vezes cedendo os aposentos de seus hotéis para receber os guerrilheiros. A fachada legal de seus negócios, visível nas calçadas onde desfilam policiais com pesados armamentos, ajuda, segundo apurações das autoridades paraguaias, a esconder atividades ilícitas como o contrabando de armas, de cigarros e de produtos eletrônicos e a fazer a lavagem do dinheiro.

Além do comerciante paraguaio, o brasileiro José Leandro da Costa, proprietário da Casa Rossi, naquela cidade, dedicada ao comércio de armas de fogo e munições, também é investigado por ser um suposto fornecedor de armamento, dos mais variados calibres, para as Farc.

Políticos influentes

Mas somente fontes de financiamento não garantem o sucesso de ousadas investidas da guerrilha em território paraguaio e brasileiro e, por isso, vale lançar mão de amigos influentes para garantir impunidade e facilitar os negócios ilícitos. Apuração dos serviços de inteligência demonstra uma grande proximidade entre integrantes da guerrilha e o paraguaio Marciano Godoy, que é presidente da Associação Nacional Republicana, ligada ao Partido Colorado, no Departamento de Canindeyú.

Godoy é suspeito de ser o homem que abre as portas de órgãos públicos do Paraguai, como a Fiscalia e a Aduana, que funcionam nos moldes do Ministério Público e da Receita Federal, e a polícia para viabilizar as atividades criminosas de diferentes grupos, entre eles as Farc.Valendo-se de seu prestígio político, Godoy contribui para nomear para postos chaves seus aliados. No Brasil, outro aliado seria o cônsul do Paraguai em Guaira (PR), Mário Gonzales Cardoso, investigado por ligações ao roubo de veículos e carga e ao contrabando de cigarros e eletrônicos.

Todos negam qualquer envolvimento com organizações criminosas e com a guerrilha colombiana. Reafirmam que a saúde financeira é fruto de bons negócios legais.

Thomaz Bastos sobre Palocci

Thomaz Bastos diz que Palocci responderá satisfatoriamente a todas as acusações

Jaílton de Carvalho - O Globo

BRASÍLIA - O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, afirmou nesta quarta-feira que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, responderá na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado a todas as acusações que estão sendo divulgadas contra ele. Segundo Bastos, Palocci responderá satisfatoriamente aos senadores, como fez na entrevista coletiva concedida logo após o surgimento das denúncias sobre o suposto mensalão de R$ 50 mil na prefeitura de Ribeirão Preto quando ele era prefeito da cidade.

- Acredito que ele vai repetir a performance que teve na entrevista coletiva. Ele vai mostrar que esse silêncio era apenas um momento tático. Vai mostrar que pode explicar cada uma das acusações, se é que se faz alguma acusação pessoalmente contra ele - disse Bastos, depois de participar de uma solenidade de entrega de medalhas na Polícia Federal.

Thomaz Bastos disse ainda que a política econômica traçada por Palocci a partir de uma determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está dando bons resultados e não há motivo para a saída do ministro da Fazenda. Para Thomaz Bastos, a política econômica dos últimos três anos colocou o país na rota do crescimento sustentado. O ministro disse ainda que todos os indicadores são favoráveis, que a inflação está sob controle e que nunca se gerou tanto emprego como agora.

- Veja como nós pegamos o Brasil em 2002 e o Brasil como está hoje - afirmou.

O ministro também minimizou a crise política. Segundo ele, muitas denúncias estão sendo feitas com propósitos eleitorais.

- O que há em grande parte é uma disputa política. A eleição de 2006 foi antecipada em alguns arraiais políticos brasileiros - disse.

Bastos tem dito em conversas reservadas que algumas pessoas estão mais preocupadas em fazer denúncias que atinjam o governo do que apurar as supostas irregularidades. Para o ministro, estaria havendo um festival da denúncia pela denúncia. Ele reconhece, no entanto, que algumas acusações são graves e estão sendo investigadas por três CPIs, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

15.11.05

Hermanos’ em pé de guerra

Janaína Figueiredo para O Globo
Correspondente BUENOS AIRES

Uma disputa que começou durante a IV Cúpula das Américas, realizada nos dias 4 e 5 na Argentina, terminou ontem na crise diplomática mais grave da História entre os governos da Venezuela e do México, que, após um duro bate-boca entre os presidentes Hugo Chávez e Vicente Fox, decidiram retirar seus respectivos embaixadores de Cidade do México e Caracas. O debate sobre a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) — projeto defendido pelo México e rechaçado pela Venezuela — transformou-se numa guerra verbal entre os dois presidentes e atingiu o auge durante a última transmissão do programa de TV “Alô Presidente”, apresentado aos domingos pelo polêmico chefe de Estado venezuelano.

Além de atacar seu colega do México, Chávez mostrou imagens dos debates ocorridos no balneário argentino de Mar del Plata, sede da cúpula presidencial, atitude considerada inadmissível pelo governo mexicano.

— Sou como um pequeno espinito que na savana floresce: perfumo a quem passa e espeto a quem me provoca. Não se meta comigo, cavalheiro, porque sairá espetado — disse Chávez em seu show televisivo, referindo-se a um cactus típico da Venezuela e usando a letra de uma canção local para alfinetar seu novo adversário.

Semana passada, o presidente venezuelano acusara Fox de ser “filhote do império”, numa crítica ao bom relacionamento entre o presidente do México e o governo do presidente George W. Bush. Ontem, em entrevista à CNN em Espanhol, Fox acusou o presidente venezuelano de utilizar “adjetivos que não são toleráveis para o povo mexicano”.

— Me dá pena pelo povo venezuelano, pelo qual tenho tanto carinho. Me dão pena as posturas que se adotaram, pelos adjetivos que não se usam num relacionamento diplomático sério — lamentou Fox.

EUA: ‘É um assunto entre os dois países’

A ira de Chávez foi provocada durante a Cúpula das Américas, na qual Fox assumiu a liderança do grupo de países que defenderam a Alca, em sintonia com os desejos da Casa Branca. Em meio às discussões, Fox criticou a participação de Chávez na Cúpula dos Povos, evento organizado por movimentos sociais para repudiar a presença de Bush na Argentina e a Alca. No fim de semana, os dois governos tentaram resolver suas diferenças por canais diplomáticos. No entanto, a atitude de Chávez em seu programa de TV impediu qualquer acordo.

Ontem de manhã, o porta-voz de Fox, Rubén Aguilar, informou que seu governo havia decidido dar um ultimato à Venezuela, para que se desculpasse publicamente pelas declarações feitas por Chávez na véspera.

— As expressões de Chávez atentam contra a dignidade do povo e do governo mexicanos. O México exige uma desculpa formal do governo venezuelano. Caso contrário, o governo do México procederá a retirar seu embaixador na Venezuela, reduzindo o nível do relacionamento bilateral a questões de negócios — afirmou o porta-voz mexicano.

Poucas horas depois, o chanceler venezuelano, Ali Rodríguez Araque, não só descartou qualquer possibilidade de oferecer uma desculpa ao presidente mexicano, como considerou “uma agressão sem sentido o ultimato emitido pelo governo do México” e responsabilizou o presidente Fox pela crise diplomática. Resultado: os embaixadores Vladimir Villegas, da Venezuela, e Enrique Manuel Loaeza, do México, retornaram a seus respectivos países, em meio a uma gravíssima crise diplomática.

— Pouco depois de chegar a Mar del Plata, foi o presidente Fox quem desrespeitou Chávez e nós optamos pelo silêncio. Quando foi perguntado se o documento que seria assinado pelos presidentes era bom, ele (Fox) disse que não porque fazia muitas concessões à Venezuela — declarou o chanceler venezuelano.

O chanceler divulgou um comunicado no qual argumenta que a transmissão dos debates em Mar del Plata “é conseqüente com uma prática democrática em nosso país”. No vídeo aparecem os presidentes Fox, Bush, Néstor Kirchner, da Argentina, Tabaré Vázquez, do Uruguai, e o primeiro-ministro do Canadá, Paul Martin. Uma das imagens mostra um momento de forte tensão entre Fox e Kirchner. Durante o debate sobre a Alca, o presidente da Argentina manifestou publicamente suas divergências em relação à postura do governo mexicano.

Em Washington, o Departamento de Estado negou-se a comentar a crise entre Venezuela e México alegando tratar-se de “um assunto entre os dois países”.

14.11.05

Depois de Palocci, CPI dos Bingos mira o alvo contra Lula

Brasília - Depois de atingir em cheio o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Bingos começou a mirar no próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aproximando-se de personagens diretamente ligados a ele. Esse novo ciclo começará quarta-feira, quando a CPI tomará o depoimento do presidente Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Paulo Okamoto. Tesoureiro do PT no anos 80 e 90, Okamoto diz ter quitado um empréstimo contraído por Lula no PT.

Além de interrogar Okamoto, a CPI avaliará um requerimento de convocação de Genival Inácio da Silva, irmão do presidente. Ele é acusado de fazer lobby por empresas com interesses no governo Vavá e de ter intermediado negócios do empresário português Emidio Mendes com a Petrobrás.

O presidente da CPI dos Bingos, Efraim de Moraes, disse que colocará o requerimento em votação de qualquer maneira, apesar de o autor do pedido, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), preferir que requerimento fosse avaliado na próxima semana.

Okamoto teria pago um empréstimo de R$ 9 mil para quitar uma divida do presidente Lula junto ao PT. Os senadores prometem fechar o cerco para saber de que forma Okamoto pagou o empréstimo que o PT teria feito ao presidente Lula. "O Okamoto é o Delúbio Soares estilizado. Com esse pagamento de empréstimo para o Lula ele já abriu um flanco. Temos muitas perguntas para ele ", avisou o senador Antônio Carlos Magalhães, membro efetivo da CPI dos Bingos.

O caso de Vavá pode abrir um série de investigações na Petrobrás. Tasso Jereissati, autor do requerimento, admite até adiar a votação do requerimento para a próxima semana. "O Vavá fez uma série de negócios na Petrobrás e nós estamos interessados em investigar o que foi feito de irregular nessa estatal", disse o senador.

"Mercosul não está preparado para acordo"

Comércio Exterior
EUA querem entendimento em todas as áreas e não só acesso a mercados, afirma Allgeier

"Mercosul não está preparado para acordo"
Tatiana Bautzer De Washington - Valor

Os Estados Unidos não avaliam por enquanto a hipótese de negociar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) sem o Mercosul. O embaixador Peter Allgeier, negociador dos EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC) e co-presidente da Alca, diz que os presidentes do Brasil e EUA comprometeram-se a "discutir um caminho" para que a negociação seja retomada. Os EUA recusam-se a negociar um acordo bilateral com o Mercosul, segundo Allgeier, porque o bloco "não está preparado" para o tipo de acordo bilateral padrão negociado pelos EUA, que inclui compromissos em todas as áreas e não só acesso a mercados.

Apesar da falta de acordo prevista para a reunião de Hong Kong, o vice-ministro do United States Trade Representative (USTR) acredita que seja possível retomar as negociações da Alca se houver avanços em agricultura na Rodada Doha. Allgeier diz que o Brasil até agora só deu um "sinal muito provisório" da disposição de reduzir tarifas industriais e que deveria fazer uma proposta mais formal. Mas o embaixador também diz que a UE precisa melhorar a oferta agrícola para mostrar que "está levando a rodada a sério". Mesmo com ambição reduzida em Hong Kong, Allgeier acredita que a rodada não está perdida. Ainda não está decidido, entretanto, se haverá uma nova reunião ministerial depois de Hong Kong, nem sua data.

O embaixador mudou-se de Washington para Genebra este ano, depois da substituição de Robert Zoellick por Robert Portman no comando do USTR. Mas apenas adicionou o cargo na OMC aos títulos de vice-ministro do USTR e co-presidente da Alca. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por telefone, de seu escritório em Genebra.

Valor: Qual sua avaliação das negociações? Muitos falam em reduzir as ambições da rodada...

Peter Allgeier: O que todos estão falando aqui em Genebra é que a ambição para o pacote final que será conseguido na Rodada Doha deve continuar tão ambicioso como sempre foi. Ninguém está falando em reduzir a ambição do que queremos atingir. A questão é onde estamos hoje e se podemos chegar à reunião de Hong Kong como esperávamos há seis ou nove meses. As pessoas percebem que provavelmente isso não será atingível, mas rapidamente a questão se transforma para como podemos atingir o máximo de progresso entre agora e Hong Kong, em uma perspectiva realista. Há muita discussão sobre isso e acho que as pessoas terão de refletir. Houve uma discussão de 20 minutos com 20 ministros sobre isso. Ainda não foi tomada a decisão de ter uma segunda reunião após Hong Kong.

Valor: Existe chance de conseguir mais em agricultura? O Brasil já sinalizou a possibilidade de reduzir tarifas para bens industriais em até 50% e os europeus não se mexeram...

Allgeier: Acho que se a UE está levando a rodada a sério, terá de fazer algum movimento no acesso a mercados para produtos agrícolas. Mas por outro lado, uma coisa positiva que o Mandelson (Peter, comissário europeu de comércio) disse foi que as tarifas para produtos não-agrícolas são o que mais importam para os países-membros. Acho que agora eles vão avaliar as oportunidades nessa área para negociar e para os EUA as tarifas industriais são importantes. Houve uma discussão ainda inicial. Gostaríamos de ver um movimento maior em agricultura, mas também um movimento de países em desenvolvimento, como o Brasil, para elevar o nível das negociações de tarifas não-agrícolas.

Valor: O sr. acha que o movimento feito pelo Brasil até agora foi insuficiente, apenas um sinal de disponibilidade?

Allgeier: Acho que foi um sinal muito provisório.

Valor: Os EUA estão voltando a falar na Alca. Como continuar as negociações da Alca com tantas dificuldades na Rodada Doha?

Allgeier: É difícil dizer, mas acho que alguns movimentos na negociação de Doha ajudarão a recriar o impulso para a Alca.

Valor: Especificamente quais movimentos?

Allgeier: Não há segredo no fato de que Brasil, Argentina e Uruguai querem ver uma reforma no sistema de subsídios agrícolas e isso não podíamos atingir apenas na negociação regional. Acho que esses países ficariam mais confortáveis nas negociações regionais se vissem que as negociações globais estão lidando com a questão.

Valor: É possível reiniciar as negociações antes do término das negociações da Rodada Doha?

Allgeier: Essa é uma decisão que terá de ser tomada pelos 34 países que compõem a negociação da Alca. Acho que os presidentes do Brasil e EUA concordaram em marcar reuniões entre os ministros de comércio para determinar qual o caminho apropriado para prosseguir com as negociações da Alca.

Valor: O sr. concorda com o presidente do México, Vicente Fox, que quer a retomada das negociações da Alca sem o Mercosul?

Allgeier: A Alca é composta pelos 34 países com governos democraticamente eleitos. A questão é se poderia haver um acordo de integração que não incluiria o Mercosul. Nesse momento, nossa visão é que os presidentes concordaram em discutir que tipo de caminho pode ser trilhado para a Alca. Enquanto isso, estamos continuando com as negociações bilaterais e sub-regionais, por exemplo com os países andinos, Panamá, América Central e Chile. Vemos uma expansão do livre comércio no hemisfério e vamos continuar seguindo os dois caminhos que mencionei.

Valor: Com exceção do Mercosul os EUA já têm ou estão negociando acordos de livre comércio com praticamente todo o hemisfério. Por que os EUA têm se recusado a negociar acordo bilateral com o Mercosul?

Allgeier: A resposta é simples, temos uma certa concepção do que seja um acordo bilateral de livre comércio profundamente ambicioso. Você pode ver o que negociamos com Cingapura, América Central, Marrocos, com o Chile. O Mercosul não está preparado para negociar esse tipo de acordo. Essa é a resposta simples para o porquê não termos iniciado essas negociações quatro mais um.

Valor: Como harmonizar essa diferença dentro da Alca?

Allgeier: Temos essa nova concepção desde a reunião ministerial de Miami em 2003. Há um nível básico e um nível mais avançado. Esses acordos de livre comércio que estamos negociando têm um nível mais avançado. Esses acordos poderiam ser "costurados" num nível mais alto de ambição da Alca para alguns membros. Os que não estão preparados ficariam num nível mais básico de compromissos e benefícios.

Valor: Por que voltar a discutir a Alca agora ?

Allgeier: Não estamos voltando atrás e mudando de posição, houve obviamente um período de suspensão. Mas acreditamos que o livre comércio é uma ferramenta poderosa de desenvolvimento e competitividade no hemisfério. Nunca abandonamos essa idéia. Isso é algo que os países têm de querer, não estamos na posição de impor nada. Continuamos a ver um benefício para todos nós numa área maior de livre comércio.

Valor: Este ano os subsídios agrícolas americanos podem voltar a bater recorde, aproximando-se dos US$ 23 bilhões. Como isso é compatível com a declaração dos EUA nos fóruns internacionais de que quer reduzir subsídios?

Allgeier: Hoje estamos operando sob a legislação agrícola (farm bill) em vigor até 2007. Até que tenhamos uma negociação que mude o sistema mundial de comércio, continuaremos nesse sistema. Queremos uma redução expressiva dos subsídios pelos nossos competidores e uma abertura significativa dos mercados agrícolas. Mas enquanto isso não acontece estamos sob a nossa legislação. Quanto se gasta em cada ano depende dos preços das commodities e é a variação de preços que modifica o valor total dos subsídios. Isso é o que outros países também estão fazendo até que haja mudança substancial no cenário internacional.

Valor: Nesse cenário de possível nova reunião ministerial depois de Hong Kong, até quando é possível negociar com os poderes concedidos pela atual Trade Promotion Authority (TPA, autorização concedida pelo Congresso dos EUA ao Executivo para negociação comercial)?

Allgeier: O atual TPA expira em julho de 2007. Dessa vez teríamos de voltar ao Congresso e passar nova legislação, não podemos apenas estender como fizemos da última vez, porque só uma extensão automática é permitida. Esse processo não será rápido. Apesar de expirar em julho de 2007, há requerimentos de notificação do Congresso antes que possamos assinar um acordo, então não podemos continuar negociando até julho de 2007. Temos de terminar até o fim de 2006 ou no máximo no início de 2007.

Governo tentará impedir prorrogação de CPI na Justiça

Brasília - Lideranças governistas na Câmara manobram para reverter na Justiça a prorrogação da CPI dos Correios. Numa tática semelhante a adotada pelo petista José Dirceu (SP), pensam em obter na Justiça a diminuição do prazo da CPI, prorrogada na última sexta-feira por mais quatro meses.

O escalado para ser a infantaria dessa batalha é o deputado Carlos William (PMDB-MG). Relator da subcomissão que investiga denúncias contra o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), da própria CPI dos Correios, William informou que vai recorrer aos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo (PcdoB-AL) e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) para que seu nome entre na lista dos parlamentares que recuaram da decisão de prorrogar os trabalhos da comissão até o ano que vem. "Se eu não obtiver sucesso, vou recorrer até ao Supremo Tribunal Federal (STF) para fazer valer a minha vontade", diz.

William, primeiro, assinou o pedido de prorrogação da CPI. Mas depois mudou de idéia. Sua desistência, então, foi apresentada, mas foi considerada sem efeito porque a oposição ainda não tinha entrado com o requerimento pedindo a continuidade das investigações.

Quando a oposição protocolou o pedido, o nome de William constava da lista e foi considerado válido. "Na oposição, a ordem é punir os infiéis. O líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), vai pedir à Executiva nacional que expulse do partido o deputado Átila Lins (PI), único parlamentar tucano que retirou a assinatura do requerimento para prorrogar a CPI dos Correios. O senador alega que a iniciativa "foi um gesto de traição, incompatível com a oposição que fazemos". O deputado não foi encontrado para comentar sua decisão.

O líder anunciou que, depois de amanhã, vai criticar da tribuna o empenho do governo em impedir que as investigações avancem até o ao que vem. "Tentativa fracassada, mas nem por isso menos indigna", defendeu. Virgílio disse que o governo "escancarou os cofres públicos, liberando emendas a parlamentares, mas ainda foi derrotado".

Da parte do PFL, o presidente do partido, senador Jorge Bornhausen (SC) disse que, como não houve fechamento de questão, não há como enquadrar os três deputados que saíram da lista de prorrogação da CPI. São eles: Edimar Moreira (MG), Lael Varella e Joaquim Francisco (PE). "Do ponto de vista estatutário, não podemos fazer nenhum tipo de enquadramento, mas ainda assim lamentamos que os parlamentares tenham adotados essa medida", afirmou.

Bornhausen disse que o partido não tomou nenhum tipo de precaução porque não poderia avaliar que o empenho do governo para brecar a CPI chegaria "perto do que chegou". Outro ponto, segundo ele, foi a crença de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria dizendo a verdade quando, no Programa Roda Viva, afirmou que tinha interesse em apurar todas as denúncias nas CPIs. "Deve ter feito isso num gesto desesperado, para esconder seu sentimento de culpa", defendeu.

O líder José Agripino (RN) disse que a atitude dos colegas repercutirá na redução do prestígio dentro do partido. "Não entendi e não concordo em nenhum momento com procedimentos dessa natureza", avisou.

13.11.05

PF = 6,5 MILHÕES A 6 FUNCIONÁRIOS

Em 2 anos, PF pagou R$ 6,5 milhões a 6 funcionários
Maior gasto individual no exterior foi com o delegado-adido na Argentina, que embolsou R$ 45 mil ao mês



BRASÍLIA - Se os gastos dos militares com seus adidos impressionam, as despesas da Polícia Federal (PF) com os dela não ficam atrás. A PF mantém apenas seis delegados e agentes no exterior, mas já gastou com eles, desde 2003, pelo menos R$ 6,5 milhões em salários. Há delegados que ganham R$ 594 mil por ano. Ou R$ 45 mil por mês, incluindo na conta o 13.º salário.
As informações constam de planilha remetida pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em setembro, ao Congresso, em resposta a pedido de informações do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) sobre os gastos da PF no exterior.

Os dados chamam a atenção ainda mais no momento em que a PF enfrenta iminente greve de delegados e agentes por melhores salários. Assim como os militares, nos últimos anos a Polícia Federal sofre com cortes orçamentários. Restrições que se traduzem em equipamentos precários e falta de verbas para diligências.

As informações enviadas ao Congresso mostram que os adidos não têm do que reclamar. Hoje, a Polícia Federal tem representantes na Argentina, na Colômbia e no Paraguai. Em cada um desses países, há um delegado e um agente.

O maior gasto individual foi registrado em 2003, primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva. O delegado-adido da PF na Argentina, cujo nome não foi revelado, embolsou R$ 594 mil de "salário bruto anual". Com o 13.º, R$ 45 mil por mês. Vale lembrar que o peso argentino tem quase o mesmo valor do real.

O adido da Polícia Federal no Paraguai não ficou muito distante. No caso dele, também um delegado, foram R$ 515 mil naquele ano. Ou R$ 39 mil mensais, num país com baixo custo de vida.

Os agentes também recebem um belo salário. O da Argentina ganhou R$ 440 mil no ano de 2003, por exemplo. Por mês, R$ 33 mil. Caso parecido com o do agente no Paraguai, que levou R$ 393 mil (R$ 30 mil mensais) no mesmo ano. D.E. e M.M.

Comissão acha pista contra Dirceu

Assessor trocou 837 ligações com ele, Delúbio, Silvio e Genoino

Diego Escosteguy/Marcelo de Moraes
Estadão

BRASÍLIA - Descoberta da CPI dos Correios sexta-feira indica que Roberto Marques, assessor informal do deputado José Dirceu (PT-SP) e suspeito de ter sido autorizado a sacar dinheiro das contas de Marcos Valério, era interlocutor próximo e freqüente da cúpula do PT. Técnicos da CPI identificaram 837 ligações trocadas de 2001 a 2005 entre ele, Dirceu, o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, o ex-secretário-geral Silvio Pereira e o ex-presidente José Genoino.
Só para Dirceu, Marques ligou pelo menos 540 vezes. Para Silvio Pereira, 121.

A descoberta complica a situação do deputado, que luta para não perder o mandato na Câmara. Em depoimento à Polícia Federal, Valério garantiu não saber quem é Marques, mas contou que seu nome foi indicado por Delúbio para fazer saques. Ele repetiu a informação no depoimento à CPI dos Correios.

Na quebra de sigilo do ex-tesoureiro aparecem ligações apenas com um Roberto Marques: o mesmo que ligou 540 vezes para Dirceu. Apesar da indicação feita por Delúbio, Marques não fez nenhuma retirada das contas de Valério. A CPI trabalha com a informação que Luiz Carlos Mazano, funcionário da corretora de valores Bônus Banval, teria feito o saque no seu lugar.

Segundo dados obtidos pela CPI, depois de Dirceu, Silvio é o integrante da antiga cúpula do PT que mais teve contatos com Marques. O ex-secretário-geral do PT recebeu 121 ligações entre 2002 e 2004 e discou 35 vezes, num total de 156 chamadas. Delúbio recebeu 65 ligações de Marques entre 2002 e 2004 e discou para ele em 44 ocasiões, num total de 109 contatos.

Já o ex-presidente do PT foi o menos assíduo. Marques telefonou 8 vezes para ele em 2002 e 2003; Genoino fez outras 10 chamadas para ele. Quase sempre o contato foi em vão, já que dessas ligações feitas por Genoino apenas uma foi completada, e mesmo assim rapidamente.

Por meio de sua assessoria, Dirceu disse que não considera "expressivo" o número de ligações trocadas com o assessor. Ele informou que Marques é seu amigo há muitos anos e costuma "auxiliá-lo" nos fins de semana, voluntariamente. Aventou a hipótese de que parte das ligações trocadas por Marques com os dirigentes do PT tenha sido, na verdade, conversas do deputado com eles. Como há muitas ligações de 2002, o deputado acha que foram na campanha.

ACESSO

Para o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), não resta dúvida de que Marques tinha acesso direto a Dirceu e aos outros dirigentes. Maia acha que investigações mais detalhadas poderiam revelar se ele teve ou não envolvimento no mensalão.

Independentemente disso, Maia acredita que a situação de Dirceu já está definida. "Acho que politicamente já está definido o destino de Dirceu, que deve ser cassado pela Câmara. Pessoalmente, estou convencido do envolvimento do deputado no esquema de caixa 2 com o PT, o governo e Valério", disse.

12.11.05

A CAIXA-PRETA DO RURAL

Documentos e o testemunho de ex-superintendente revelam como o banco ajudou o PT e Marcos Valério no mensalão
DAVID FRIEDLANDER E LEANDRO LOYOLA

REVELAÇÕES
Carlos Godinho, ex-superintendente, faz acusações graves ao Banco Rural

Desde que apareceu como a casa do mensalão, o Banco Rural alega ter se envolvido com o PT e Marcos Valério por iniciativa exclusiva de seu ex-vice-presidente José Augusto Dumont, falecido no ano passado. Dumont era realmente amigo de Valério e por meio dele se aproximou de Delúbio Soares, então tesoureiro do partido. Há fortes sinais, no entanto, de que o esquema não foi coisa só de Dumont. Documentos obtidos por ÉPOCA e o depoimento do ex-superintendente do Rural Carlos Godinho mostram que, mesmo após a morte do executivo, toda a diretoria do banco continuou encenando a farsa dos empréstimos - e ninguém desconhecia que tudo era mesmo uma enorme farsa.

No centro dessa armação há um conjunto de supostos empréstimos, no valor total de R$ 55 milhões, que teriam sido feitos ao PT e a empresas de Marcos Valério para pagar dívidas de campanhas de políticos petistas e da base aliada. A maior parte do dinheiro tinha saído do Banco Rural - outra parte do BMG. Logo que essa história veio à tona, o Rural declarou, através de um comunicado encaminhado à imprensa, 'que foi Dumont quem apresentou Valério a integrantes da cúpula do PT'. No mesmo documento, dizia que, após a morte de Dumont, Kátia Rabello, presidente do banco, determinara 'um reordenamento administrativo tendo por objetivo a busca constante da transparência e o reforço à solidez da gestão'. Mais: que essa reestruturação envolveria 'revisão de procedimentos para concessão de crédito, melhoria dos índices de eficiência'. Ou seja, a instituição comunicava que havia decidido mudar seus 'procedimentos'.

FOI ELE?
Dumont é apontado como responsável pela ligação entre o Rural, Marcos Valério e o PT

Na semana passada, ÉPOCA examinou cinco operações de rolagem da tal dívida do PT com o Banco Rural. Todas foram autorizadas pela diretoria que assumiu o comando do Rural depois da morte de José Augusto Dumont. A papelada, portanto, desmonta a tese de que a vida no Rural mudou após o tempo das facilidades oferecidas pelo amigo de Valério e Delúbio. Dumont pode até ter começado essa confusão, mas seus colegas de banco continuaram inexplicavelmente afagando devedores renitentes. Só pararam quando o escândalo explodiu. Embora não pagasse o que devia e nem contasse com avalistas qualificados, o PT conseguia renovar seu empréstimo a cada 90 dias. Uma das operações, de R$ 4,7 milhões, realizada em julho de 2004, foi autorizada inclusive pela presidente, Kátia Rabello. No caso da SMP&B, o relacionamento era ainda mais incomum. Entre 2003 e 2004, a conta da SMP&B no Rural recebia caminhões de dinheiro - e, apesar de ter os recursos, Marcos Valério não liquidava seus débitos. Mesmo assim, o Rural não só renovou quatro vezes os empréstimos da SMP&B, como ainda concedeu três créditos novos - e José Augusto Dumont já não estava mais no banco.

Os contratos a que ÉPOCA teve acesso mostram que a nova diretoria do Rural em peso conhecia bem esses empréstimos estranhos que ela legitimava com uma renovação rotineira. Entre PT e SMP&B, são mais de dez operações de crédito aprovadas por meio da assinatura eletrônica de toda a diretoria. Nesse trâmite, cada diretor tem um cartão e uma senha eletrônica pessoal e intransferível, usados numa leitora instalada no computador. Esse recurso foi adotado recentemente pelos bancos para evitar fraudes.

'A decisão do crédito foi exclusiva do José Augusto Dumont. Ele tinha poder para fazer isso na época', diz José Roberto Salgado, vice-presidente operacional do Rural. 'Se você perguntar se eu concederia esses empréstimos hoje, eu não concederia.' Segundo o executivo, o Rural só rolava os empréstimos inadimplentes porque queria receber seu dinheiro de volta. 'Se entrasse na Justiça, ia demorar, podia matar uma empresa de publicidade como a SMP&B, e aí que não recebia mesmo', afirma Salgado. Um presidente de banco consultado por ÉPOCA em São Paulo considera inconsistente a explicação: 'Uma instituição não renova empréstimos de quem não paga um pouco do principal, além dos juros', afirma.
'Por que Godinho não nos alertou quando estava no banco?'
Na entrevista a ÉPOCA, Carlos Godinho, ex-superintendente de compliance (controles contra lavagem de dinheiro) do Rural, afirma que a diretoria manteve as operações furadas com o PTe Valério porque procurava tirar vantagens no governo. Está convencido, inclusive, de que os empréstimos são uma farsa. 'Não era para pagar', diz Godinho. O relatório parcial divulgado no fim da semana passada pela CPIdos Correios conclui coisa parecida. Os parlamentares acham que os empréstimos não passavam de fachada para ocultar a verdadeira origem do dinheiro do mensalão. O vice do Rural, que conhece Godinho há 30 anos, contesta:'Se não houvesse intenção nossa de cobrar essa operação, a melhor forma era ter feito um empréstimo por cinco anos', afirma Salgado.

Carlos Godinho fez acusações pesadas contra seu antigo empregador. Sustenta que a diretoria do Rural o proibiu de relatar por escrito as irregularidades que notou nos empréstimos do PTe da SMP&B. 'Foi dada ordem para não fazer mais boletins por escrito, para comunicar ao diretor verbalmente', conta Godinho. Quando o assunto aparecia nos relatórios encaminhados à diretoria, os trechos relacionados aos dois clientes eram suprimidos do texto e a nova versão voltava para sua área assinar. Segundo Godinho, era uma estratégia para enganar a fiscalização oficial, já que esses comunicados iam para o Conselho de Administração do Rural, mas ficavam à disposição do Banco Central, que podia requisitá-los a qualquer momento. O ex-executivo afirma também que chamou a atenção da diretoria para a movimentação bancária da agência SMP&B, de Marcos Valério. Haveria indícios de lavagem de dinheiro, já que em 2003 e 2004 era comum ver a conta da SMP&B movimentar valores dez vezes ou mais acima do faturamento médio da agência. Procurado por ÉPOCA, Marcos Valério não quis se manifestar. 'O sistema de informática do banco acusa quando isso acontece, porque é considerado um indício de lavagem de dinheiro', explica Godinho.

'Por que Godinho não disse essas coisas enquanto estava no banco?', pergunta Salgado, o vice do Rural. 'Se ele disse isso, cometeu um crime, porque deveria ter avisado. Se tivesse avisado, a gente tomava todas as providências.' Na entrevista, Godinho alega que avisou. Salgado nega. 'Isso precisava fazer formalmente, por escrito. Não existe nenhum relatório assinado pelo Godinho dizendo essas coisas.'

TUDO CERTO
Delúbio sustenta versão de que os supostos empréstimos eram para pagar dívidas

Em razão das acusações de Godinho, ÉPOCA procurou o BC. O Banco Central informou através de sua assessoria de imprensa que, do ponto de vista formal, os empréstimos do Rural para o PT e para a SMP&Bestavam corretos. Todos os meses o BC recebe dos bancos arquivos magnéticos com suas operações de crédito. ORural, uma instituição de porte médio, tem 522 mil dessas operações. Os técnicos examinam apenas os aspectos formais das operações, como a avaliação que a instituição faz do devedor, a presença de avalistas e as características gerais do empréstimo. A fiscalização é feita por amostragem. Oempréstimo do Rural ao PT, infelizmente, não caiu na amostragem.

Godinho trabalhou 17 de seus 52 anos no Rural e era benquisto pelos diretores que hoje acusa (ao menos foi isso que disseram à reportagem). Deixou o emprego no final de setembro a bordo de um programa de demissão voluntária que removeu centenas de pessoas. Resolveu abrir a caixa-preta porque está magoado com o banco. Diz que não se conforma em ver que 'aqueles que deixaram o banco nessa situação' continuam no emprego 'enrolando todo mundo', enquanto ele não tem e acha que não terá trabalho. 'Quem vai querer um sujeito que trabalhava no compliance do Rural?'

PT x RURAL

Empréstimos ao PT foram feitos para não serem pagos, diz ex-executivo do Banco Rural

Globo Online
CBN

RIO - Em entrevista à revista Época desta semana, o ex-superintendente do Banco Rural, Carlos Godinho, disse que os empréstimos de R$ 55 milhões da instituição para o PT foram feitos para não serem pagos. Segundo ele, os supostos empréstimos só teriam sido firmados para mascarar a entrada de dinheiro que viria de outras fontes.

Godinho disse ainda que chegou a comunicar toda a direção do banco sobre indícios de irregularidades envolvendo a agência SMP&B, do empresário Marcos Valério, e o PT, mas nenhuma providência fora tomada porque o banco não teria autorizado que os dados fossem mencionados em seus relatórios.

Procurado pela revista Época, o vice-presidente do Banco Rural José Roberto Salgado negou que a direção da instituição tenha sido avisada sobre indícios de irregularidades envolvendo os empréstimos para o PT e para o empresário Marcos Valério.

Salgado atribuiu ao ex-presidente do Banco José Augusto Dumont, amigo de Marcos Valério falecido em 2004, toda a responsabilidade pelos empréstimos firmados com o PT. Até então o ex-executivo havia sido o único responsabilizado publicamente pelos empréstimos ao partido e ao empresário, segundo reforçou a nova direção do banco em comunicado à imprensa após o surgimento das acusações, afirma a revista. A maior parte do dinheiro dos empréstimos tinha saído do Banco Rural - outra parte do BMG.

A publicação semanal baseia as informações no depoimento de Godinho e em documentos obtidos por Época junto à direção do banco, que insiste em reforçar que houve "revisão de procedimentos para concessão de crédito" após a morte do ex-vice-presidente. Em reportagem, a revista aponta no entanto que, embora não pagasse o que devia e nem contasse com avalistas qualificados, o PT conseguia renovar o empréstimo a cada 90 dias, sendo uma das operações avaliada em R$ 4,7 milhões, autorizada pela nova presidente, Kátia Rabello, em 2004.

Ainda segundo Época, documentos comprovam que apesar de não quitar débitos, o empresário Marcos Valério conseguiu renovou quatro vezes os empréstimos da SMP&B e o Banco Rural ainda concedeu três créditos novos.