12.11.05

A CAIXA-PRETA DO RURAL

Documentos e o testemunho de ex-superintendente revelam como o banco ajudou o PT e Marcos Valério no mensalão
DAVID FRIEDLANDER E LEANDRO LOYOLA

REVELAÇÕES
Carlos Godinho, ex-superintendente, faz acusações graves ao Banco Rural

Desde que apareceu como a casa do mensalão, o Banco Rural alega ter se envolvido com o PT e Marcos Valério por iniciativa exclusiva de seu ex-vice-presidente José Augusto Dumont, falecido no ano passado. Dumont era realmente amigo de Valério e por meio dele se aproximou de Delúbio Soares, então tesoureiro do partido. Há fortes sinais, no entanto, de que o esquema não foi coisa só de Dumont. Documentos obtidos por ÉPOCA e o depoimento do ex-superintendente do Rural Carlos Godinho mostram que, mesmo após a morte do executivo, toda a diretoria do banco continuou encenando a farsa dos empréstimos - e ninguém desconhecia que tudo era mesmo uma enorme farsa.

No centro dessa armação há um conjunto de supostos empréstimos, no valor total de R$ 55 milhões, que teriam sido feitos ao PT e a empresas de Marcos Valério para pagar dívidas de campanhas de políticos petistas e da base aliada. A maior parte do dinheiro tinha saído do Banco Rural - outra parte do BMG. Logo que essa história veio à tona, o Rural declarou, através de um comunicado encaminhado à imprensa, 'que foi Dumont quem apresentou Valério a integrantes da cúpula do PT'. No mesmo documento, dizia que, após a morte de Dumont, Kátia Rabello, presidente do banco, determinara 'um reordenamento administrativo tendo por objetivo a busca constante da transparência e o reforço à solidez da gestão'. Mais: que essa reestruturação envolveria 'revisão de procedimentos para concessão de crédito, melhoria dos índices de eficiência'. Ou seja, a instituição comunicava que havia decidido mudar seus 'procedimentos'.

FOI ELE?
Dumont é apontado como responsável pela ligação entre o Rural, Marcos Valério e o PT

Na semana passada, ÉPOCA examinou cinco operações de rolagem da tal dívida do PT com o Banco Rural. Todas foram autorizadas pela diretoria que assumiu o comando do Rural depois da morte de José Augusto Dumont. A papelada, portanto, desmonta a tese de que a vida no Rural mudou após o tempo das facilidades oferecidas pelo amigo de Valério e Delúbio. Dumont pode até ter começado essa confusão, mas seus colegas de banco continuaram inexplicavelmente afagando devedores renitentes. Só pararam quando o escândalo explodiu. Embora não pagasse o que devia e nem contasse com avalistas qualificados, o PT conseguia renovar seu empréstimo a cada 90 dias. Uma das operações, de R$ 4,7 milhões, realizada em julho de 2004, foi autorizada inclusive pela presidente, Kátia Rabello. No caso da SMP&B, o relacionamento era ainda mais incomum. Entre 2003 e 2004, a conta da SMP&B no Rural recebia caminhões de dinheiro - e, apesar de ter os recursos, Marcos Valério não liquidava seus débitos. Mesmo assim, o Rural não só renovou quatro vezes os empréstimos da SMP&B, como ainda concedeu três créditos novos - e José Augusto Dumont já não estava mais no banco.

Os contratos a que ÉPOCA teve acesso mostram que a nova diretoria do Rural em peso conhecia bem esses empréstimos estranhos que ela legitimava com uma renovação rotineira. Entre PT e SMP&B, são mais de dez operações de crédito aprovadas por meio da assinatura eletrônica de toda a diretoria. Nesse trâmite, cada diretor tem um cartão e uma senha eletrônica pessoal e intransferível, usados numa leitora instalada no computador. Esse recurso foi adotado recentemente pelos bancos para evitar fraudes.

'A decisão do crédito foi exclusiva do José Augusto Dumont. Ele tinha poder para fazer isso na época', diz José Roberto Salgado, vice-presidente operacional do Rural. 'Se você perguntar se eu concederia esses empréstimos hoje, eu não concederia.' Segundo o executivo, o Rural só rolava os empréstimos inadimplentes porque queria receber seu dinheiro de volta. 'Se entrasse na Justiça, ia demorar, podia matar uma empresa de publicidade como a SMP&B, e aí que não recebia mesmo', afirma Salgado. Um presidente de banco consultado por ÉPOCA em São Paulo considera inconsistente a explicação: 'Uma instituição não renova empréstimos de quem não paga um pouco do principal, além dos juros', afirma.
'Por que Godinho não nos alertou quando estava no banco?'
Na entrevista a ÉPOCA, Carlos Godinho, ex-superintendente de compliance (controles contra lavagem de dinheiro) do Rural, afirma que a diretoria manteve as operações furadas com o PTe Valério porque procurava tirar vantagens no governo. Está convencido, inclusive, de que os empréstimos são uma farsa. 'Não era para pagar', diz Godinho. O relatório parcial divulgado no fim da semana passada pela CPIdos Correios conclui coisa parecida. Os parlamentares acham que os empréstimos não passavam de fachada para ocultar a verdadeira origem do dinheiro do mensalão. O vice do Rural, que conhece Godinho há 30 anos, contesta:'Se não houvesse intenção nossa de cobrar essa operação, a melhor forma era ter feito um empréstimo por cinco anos', afirma Salgado.

Carlos Godinho fez acusações pesadas contra seu antigo empregador. Sustenta que a diretoria do Rural o proibiu de relatar por escrito as irregularidades que notou nos empréstimos do PTe da SMP&B. 'Foi dada ordem para não fazer mais boletins por escrito, para comunicar ao diretor verbalmente', conta Godinho. Quando o assunto aparecia nos relatórios encaminhados à diretoria, os trechos relacionados aos dois clientes eram suprimidos do texto e a nova versão voltava para sua área assinar. Segundo Godinho, era uma estratégia para enganar a fiscalização oficial, já que esses comunicados iam para o Conselho de Administração do Rural, mas ficavam à disposição do Banco Central, que podia requisitá-los a qualquer momento. O ex-executivo afirma também que chamou a atenção da diretoria para a movimentação bancária da agência SMP&B, de Marcos Valério. Haveria indícios de lavagem de dinheiro, já que em 2003 e 2004 era comum ver a conta da SMP&B movimentar valores dez vezes ou mais acima do faturamento médio da agência. Procurado por ÉPOCA, Marcos Valério não quis se manifestar. 'O sistema de informática do banco acusa quando isso acontece, porque é considerado um indício de lavagem de dinheiro', explica Godinho.

'Por que Godinho não disse essas coisas enquanto estava no banco?', pergunta Salgado, o vice do Rural. 'Se ele disse isso, cometeu um crime, porque deveria ter avisado. Se tivesse avisado, a gente tomava todas as providências.' Na entrevista, Godinho alega que avisou. Salgado nega. 'Isso precisava fazer formalmente, por escrito. Não existe nenhum relatório assinado pelo Godinho dizendo essas coisas.'

TUDO CERTO
Delúbio sustenta versão de que os supostos empréstimos eram para pagar dívidas

Em razão das acusações de Godinho, ÉPOCA procurou o BC. O Banco Central informou através de sua assessoria de imprensa que, do ponto de vista formal, os empréstimos do Rural para o PT e para a SMP&Bestavam corretos. Todos os meses o BC recebe dos bancos arquivos magnéticos com suas operações de crédito. ORural, uma instituição de porte médio, tem 522 mil dessas operações. Os técnicos examinam apenas os aspectos formais das operações, como a avaliação que a instituição faz do devedor, a presença de avalistas e as características gerais do empréstimo. A fiscalização é feita por amostragem. Oempréstimo do Rural ao PT, infelizmente, não caiu na amostragem.

Godinho trabalhou 17 de seus 52 anos no Rural e era benquisto pelos diretores que hoje acusa (ao menos foi isso que disseram à reportagem). Deixou o emprego no final de setembro a bordo de um programa de demissão voluntária que removeu centenas de pessoas. Resolveu abrir a caixa-preta porque está magoado com o banco. Diz que não se conforma em ver que 'aqueles que deixaram o banco nessa situação' continuam no emprego 'enrolando todo mundo', enquanto ele não tem e acha que não terá trabalho. 'Quem vai querer um sujeito que trabalhava no compliance do Rural?'

2 comentários:

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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