28.11.05

Denúncias enfraquecem PT de São Paulo

O PT tem perdido o sotaque paulista que dominou a legenda desde sua fundação, há 25 anos. Apesar de a presidência ainda ser exercida por um parlamentar de São Paulo, o deputado Ricardo Berzoini, a crise política derrubou os principais caciques petistas e abriu espaço para novas lideranças. No lugar do ex-todo poderoso José Dirceu (PT-SP), que acumulou no primeiro ano do governo Lula a Casa Civil e a coordenação política, estão hoje respectivamente uma gaúcha (Dilma Rousseff) e um baiano (Jaques Wagner). No Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP) divide os holofotes com Tião Viana (AC) e Delcídio Amaral (MS). Na Câmara, o líder da bancada é o gaúcho Henrique Fontana. E na secretaria-geral do PT, no lugar de Sílvio Pereira e sua Land Rover, o também gaúcho Raul Pont.

Berzoini reconhece a mudança de sotaque. "Houve um deslocamento em função da crise. O PT, pelas circunstâncias históricas, tinha suas principais figuras políticas em São Paulo", explica ele. Mas o dirigente petista acredita numa alteração interna, em função de políticos, mais do que em hegemonia de forças regionais. "Houve certa renovação, mas de pessoas e agrupamentos. O grupo dominante ficou em uma situação complicada", analisa Berzoini, ao se referir ao Campo Majoritário.

O deputado informou ao Valor a intenção de transferir a sede do PT de São Paulo para Brasília. "A idéia é discutir isso na próxima reunião da executiva. Penso em uma mudança gradual. O funcionamento do partido deve ser mais próximo do Congresso", defende. O presidente da legenda também credita a "despaulistização" do partido ao resultado das últimas eleições internas. "A eleição revelou que o partido não tem um grupo com maioria ampla", afirma.

Para o presidente da CPI dos Correios, Delcídio Amaral (MS), mais do que a mudança física da sede, é fundamental a modificação do modus operandi do PT. "Temos internet, temos um presidente deputado federal. Tudo isso ajuda a transferir as discussões para Brasília", diz. Sobre a "despaulistização", Delcídio acredita que ela agrega valores ao impedir que o debate se paute só pelos interesses de São Paulo.

Essa mudança é cobrada desde 2004, quando Marcelo Déda, Fernando Pimentel e João Paulo foram reeleitos, no primeiro turno, respectivamente, para as prefeituras de Aracaju, Belo Horizonte e Recife. Enquanto isso, a cúpula petista depositou todas as fichas na vitória de Marta Suplicy, em São Paulo, derrotada pelo tucano José Serra. A derrota foi além dos limites da capital paulista: nas eleições do ano passado, o PT ficou atrás do PSDB no Estado de São Paulo. "Não é que tenhamos birra com São Paulo. Mas o PT tem que refletir mais a diversidade do país", cobrou Pimentel.

Para outra estrela petista, Marcelo Déda, isso é mais visível no governo do que na legenda. "O governo Lula passou por uma 'despaulistização'. No PT, isto ainda está em andamento", diz ele. Déda refuta a tese de que os novos nomes do PT surgiram a partir dos escombros éticos do antigo grupo dominante. "As reflexões que temos feito, de um partido mais nacional, com teses políticas, econômicas e culturais, não são um debate anti-São Paulo, mas um debate pró-Brasil", esclarece. E adianta: "Não podemos apoiar esse processo em nomes, como eu, Pimentel e João Paulo. As bases nos diversos Estados têm que mostrar força para se inserir no debate nacional".

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), comemora a descentralização do cacicado petista. "A superconcentração de poderes em São Paulo foi responsável por essa situação que vivemos atualmente", diz o deputado, eleitor do candidato derrotado à presidência do PT Raul Pont, hoje secretário-geral do partido. "Meu voto foi nessa linha, de dividir o poder com outros Estados. O Rio de Janeiro sempre foi desconsiderado dentro do processo decisório", reclama.

Para Biscaia, o caminho do partido, agora, é a descentralização: "Para retomarmos o caminho da ética, é preciso dividir o comando e ampliar o debate". O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que deixou o PT no rastro da crise, sempre defendeu a descentralização. "Sempre critiquei o fato de o PT ser tão paulista, assim como o PSDB", diz. Mas o ex-ministro da Educação do governo Lula não vê muitas alterações no partido. "O discurso continua o mesmo."

Nem a presença de Pont na secretaria-geral, na avaliação de Cristovam, é uma demonstração de desvinculação com o passado recente. "Pont quer a mesma política econômica, com a diferença de pedir uma taxa de juros mais baixa. Não vejo um compromisso na atual cúpula do PT com o combate à exclusão social", analisa.

Outra expressão petista de fora de São Paulo, o deputado Sigmaringa Seixas, do PT de Brasília, reconhece que é natural a origem e predominância paulista no PT. O partido nasceu lá, as maiores lideranças são de lá, seu principal quadro - o presidente Lula - é de lá. Mas a análise, diz ele, deve parar por aí. "Vamos acabar com a arrogância paulista. É o maior Estado, maior PIB, mas não é o Brasil", pondera. Sigmaringa afirma que São Paulo pode ter o maior número de quadros políticos, mas isso não significa que tenha os melhores. "É inquestionável que existem quadros de peso em outros centros políticos."

Segundo colocado nas eleições internas do partido e indicado para a secretaria-geral do PT, o Raul Pont acha que a questão não pode se restringir à geografia. "Não adianta um petista no Nordeste manter a mentalidade do grupo paulista", justifica Pont. Para o gaúcho, o PT vive o dilema que assombra qualquer legenda: a distância entre discurso e prática, entre projeto e realidade. "Esse tensionamento vai durar enquanto tivermos fôlego para mantê-lo.".

Paulo de Tarso Lyra e Thiago Vitale Jayme De Brasília para Valor Online