Angélica Santa Cruz - Estadão
A grampolândia oficial - aquela que é feita a pedido de um delegado e com autorização de juiz - interceptou conversas de 54 mil linhas telefônicas de São Paulo nos últimos três anos. Pelo menos 12 mil telefones foram grampeados no primeiro semestre deste ano - apenas em investigações de crimes de competência estadual. No ano passado, ligações de 24 mil assinantes foram gravadas. E, em 2003, ao menos 18 mil números foram alvo de escutas. Fenônemo que explode em lugares onde a polícia é desprovida de sofisticação técnica para combater o crime de outra maneira, a telearapongagem ainda representa pouco entre o total de assinantes de São Paulo: 12,4 milhões apenas nas linhas fixas.
Mas aumenta tanto que extrapolou os debates éticos e agora esbarra em problemas concretos para ser posta em prática.
Os cálculos sobre o número de linhas interceptadas à luz da lei só são possíveis se pendurados em estimativas, quase todas pessimistas. No caso da Polícia Civil, eles podem ser feitos a partir do Instituto de Criminalística (IC). Todos os milhões de horas de conversas gravadas em fitas cassete, microfitas e CDs durante as investigações vão parar no Núcleo de Identificação Criminal, um corredor de doze salas no segundo andar do IC.
Este ano, o departamento recebeu 4. 200 casos para perícia, vindos da capital e do interior. 'Cada um desses pacotes tem pelo menos três linhas interceptadas. Então, ao menos 12 mil pessoas foram investigadas por grampos telefônicos este ano', calcula o perito Carlos do Valle Fontinhas, diretor do centro de perícias. No ano passado, o IC recebeu 8 mil casos em todo o Estado. Em 2003, os peritos abriram 6.100 pacotes. 'Não temos condições de degravar tudo. Há escutas que chegam aqui com milhares de horas', diz Elias Maximino Conceição, diretor do Núcleo de Identificação Criminal.
A maior parte da grampolândia oficial é autorizada no interior. Entre os 4.200 casos registrados no IC no primeiro semestre, 2.600 são de outras cidades. Resultam de pedidos deferidos por juízes pulverizados nas comarcas onde os crimes são investigados. São milhares de horas de conversas. Na maior parte do tempo, mostram os suspeitos tocando os enroscos do cotidiano, como os detalhes das festinhas dos filhos, o saldo no banco ou - pelo menos nesses casos é divertido ouvir - em conversas com amantes.
Na capital, a arapongagem legal é menor, a julgar pelos casos que chegam ao IC: 1.600 pacotes. As análises dos pedidos em São Paulo são feitas pelos juízes do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo). Este ano, saíram dali 231 procedimentos de interceptação - e cada um pode envolver dezenas de linhas. 'A autoridade policial precisa mostrar com dados sólidos que investiga um dos crimes previstos na lei. Não autorizamos pedidos baseados só em denúncias anônimas, por exemplo. É muito cômodo fazer uma investigação dessa maneira', afirma Marcos Zilli, juiz de direito auxiliar do Dipo.
Pela lei que regulamenta as escutas - a 9.296 -, as gravações podem ser feitas por 15 dias, renováveis por mais 15, pelo número de vezes em que o juiz achar necessário. Parte dos crimes investigados exige acompanhamento demorado, como negociações durante seqüestros. E outros demoram porque os delegados esperam para flagrar um sinal de crime, um procedimento que já é chamado de 'grampo prospectivo'. Por isso, cada interceptação acaba em lotes de dezenas de gravações. Quando chegam ao IC, vão para uma fila de espera que já chega a 3 mil casos.
A avalanche de grampos obrigou as operadoras de telefonia a montar esquemas especiais. As empresas só podem desviar uma linha telefônica para bases policiais depois de receber ofícios do juiz e do delegado.
Ainda assim, é uma operação complicada - que envolve riscos de vazamentos. 'As empresas investiram milhões em softwares que desviam a linha e em equipes de advogados e técnicos para dar a assistência a cada pedido', afirma Flávio de Leão Bastos Pereira, professor da Escola Superior de Direito Constitucional - e que integrou duas dessas equipes em duas multinacionais de telefonia de São Paulo.
Um comentário:
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