30.11.07

Projeto do PT abre brecha para rever mandato

Proposta de plebiscito diz que a Constituinte faria reforma em parte da Constituição que trata de reeleição e mandato de 4 anos

Responsável por fazer texto, Maurício Rands diz que não há intenções implícitas e que PT rejeitará 3º mandato "mesmo se o povo quiser"

A proposta de Assembléia Constituinte exclusiva que o PT sugere criar abre brechas para que eventualmente se discuta uma reformulação completa do sistema político-eleitoral brasileiro, incluindo a questão do mandato presidencial - duração e reeleição.
O texto do projeto de lei de iniciativa popular para realização de um plebiscito sobre a Constituinte, publicado ontem no site do PT, dá munição à oposição, que rechaça articulações para garantir um terceiro mandato ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O projeto prevê a realização de um plebiscito em 31 de janeiro de 2009 para saber se a sociedade é a favor da Constituinte específica "para promover uma reforma constitucional no Título IV da Constituição". O Título IV da Constituição é amplíssimo, e trata "da organização dos poderes", "do poder legislativo" e "do Congresso Nacional". Entre esses capítulos está o artigo 77, modificado em 1997 pela emenda 16, a "emenda da reeleição".
Ou seja, é aqui neste trecho que está definido que o mandato presidencial é de quatro anos e que "o Presidência da República, os governadores de Estado e Distrito Federal, os prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos, poderão ser reeleitos para um único período subseqüente".
O PT vai começar a recolher assinaturas para apresentar o projeto do plebiscito da Constituinte no próximo domingo, quando realiza as eleições internas dos novos dirigentes. A tese petista para defender a Constituinte é que os atuais detentores de mandato - deputados e senadores - não têm e nem terão interesse em alterar as regras políticas e eleitorais vigentes que os beneficiam.
O deputado federal Maurício Rands (PT-PE), encarregado pela direção do PT de elaborar o texto do projeto, afirmou que a convocação do plebiscito faz uma menção genérica, mas quando - e se - a Constituinte for criada serão especificados os temas que analisará.
"Primeiro o povo vai dizer se quer ou não a Constituinte. Se quiser, a Constituinte é que vai dizer o que ela vai votar", afirmou, negando que o texto abre brechas para dúvidas da oposição em relação às intenções do PT. "A oposição vai criar confusão com tudo o que fizermos. A sombra é o terceiro mandato. O povo quer o terceiro mandato. Mas nós não vamos fazer isso, nem se o povo quiser. Há regras do jogo que precisam ser respeitadas. Nós [o PT] não queremos o terceiro mandato e não faremos o que eles fizeram [a emenda da reeleição]", acrescentou Rands.
O texto do projeto de iniciativa popular feito pelo PT tem quatro artigos. O segundo determina que, se for aprovado o plebiscito, os "meios de comunicação de massa cessionários de serviço público" vão ter que divulgar, gratuitamente, propaganda sobre a consulta popular nos 60 dias que antecederem a data da sua realização.
"O PT já adotou posição clara quando votou contra a reeleição. (...) O PT não está analisando, especulando, estudando sobre isso [terceiro mandato]", disse o presidente do PT, Ricardo Berzoini, à Folha.
Para que um projeto popular tramite no Congresso é preciso recolher 1,2 milhão de assinaturas (o equivalente a 1% do eleitorado nacional) no mínimo cinco Estados, com 0,3% do eleitorado em cada um deles.
Folha
Eles estão chegando

Aloisio Mercadante

A senhora apontou para o saguão cheio de gente: "Assim não dá. Isso parece rodoviária. Eles tomaram conta do aeroporto"

ESTAVA EM Congonhas quando uma senhora muito bem-vestida se aproximou e começou a reclamar. Pensei tratar-se de atraso ou cancelamento de vôo. Não era. Com um gesto largo, a senhora apontou para o saguão cheio de gente de todas as classes sociais e disparou: "Assim não dá. Isso aqui parece uma rodoviária. Eles tomaram conta do aeroporto".
É, antes, muitos deles vinham de ônibus velhos e paus-de-arara, pisando a terra batida das estradas e o cimento sujo das rodoviárias.
Agora, alguns deles já vêm de avião e marcham com desenvoltura sobre o luxuoso mármore dos aeroportos.
Eles, quem diria, estão invadindo um sistema de transportes que era privilégio histórico de pequena minoria. Tiveram a petulância de contribuir para aumentar o número de embarques e desembarques em 44% nos últimos três anos. As más-línguas dizem até que eles são também responsáveis pela crise aérea. Mas eles não se contentam com isso. Eles têm os desejos atávicos dos que nunca tiveram seus desejos satisfeitos. Eles querem mais e estão chegando a muitos lugares antes cuidadosamente reservados aos bem-nascidos. Eles estão chegando às universidades. Até às particulares! Com efeito, não satisfeitos em entrar nas universidades públicas com o sistema de quotas, eles estão começando a percorrer os corredores das universidades privadas com o ProUni, que já colocou nos últimos três anos quase meio milhão deles no ensino superior.
Os mais pobres deles estão chegando à luz elétrica. Graças ao programa Luz para Todos, milhões de brasileiros fugiram das trevas e dos simpáticos, porém obsoletos, lampiões de querosene. Isso transformou suas vidas e os colocou, finalmente, com mais de cem anos de atraso, no século 20. Se esse processo tiver continuidade, no futuro próximo, o século 19 será passado em todo o Brasil. "Mon Dieu"!
Eles estão começando a chegar aos computadores. Embora falte muito para acabar com o apartheid digital no Brasil, a desoneração da produção de bens de informática vem aumentando exponencialmente a venda de computadores, que cresceu 46% em 2006 e deverá chegar a 8 milhões de unidades em 2007.
E eles estão chegando também à internet. De banda larga! O meu projeto de colocar essa tecnologia revolucionária em todas as escolas públicas do Brasil, somado à recente decisão do governo de levar a internet de banda larga, até 2010, a todos os 3.570 municípios ainda não conectados, deverá beneficiar cerca de 49 milhões de jovens brasileiros.
Desse jeito, em pouco tempo, o século 21 será presente em todo o país! Eles estão chegando à sociedade de consumo. E não são poucos. Segundo o IBGE, em apenas três anos (2004 a 2006), impulsionados por um crescimento econômico de 4,1% ao ano e por políticas ativas de distribuição de renda, cerca de 17 milhões de brasileiros deixaram a miséria para trás.
Engordada por um aumento real do salário mínimo de 25% nesse triênio e pelo Bolsa Família, que já beneficia 11 milhões de núcleos familiares, a renda per capita dos 50% mais pobres do país cresceu num ritmo chinês: 32%, duas vezes mais do que os rendimentos dos 10% mais ricos.
Dessa forma, está se ampliando o mercado interno, e o país, apesar das grandes desigualdades ainda existentes, começa a chegar à tão desejada combinação de crescimento econômico sustentado com distribuição de renda.
Eles estão chegando ao mercado de trabalho. E pela porta da frente, com carteira assinada. Nos últimos três anos, a ocupação total cresceu 8,2%, o que corresponde a quase 8 milhões de novos postos de trabalho, e os trabalhadores formalizados cresceram bem mais: 18%. Dessa maneira, o Brasil poderá combinar taxas de desemprego baixas com setor informal minoritário. Que audácia!
Mas tem gente que não está gostando nada disso. Trata-se da minoria que quer manter seus privilégios e vê com desconfiança esses processos de mobilidade e inclusão social. São os xiitas da desigualdade, do monopólio do poder, que encaram tais mudanças como uma invasão de bárbaros.
De certa forma, têm razão. Bárbaros, para os antigos gregos, eram os estrangeiros. E eles, os excluídos, sempre foram estrangeiros em seu próprio país. Agora, no entanto, eles estão chegando à cidadania. Chegando ao Brasil, após 500 anos.
Para completar o quadro, o ONU acaba de incluir o país na lista das nações com índice de desenvolvimento humano alto. Se a coisa continuar assim, é possível que o Brasil converta-se, afinal, em um país de todos.
ALOIZIO MERCADANTE OLIVA, 53, economista e professor licenciado da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é senador da República pelo PT-SP.

29.11.07

Opinião tarifada

Ataques de Paulo Henrique Amorim são patrocinados

por Márcio Chaer

O conhecido jornalista Paulo Henrique Amorim usa seus espaços na imprensa para defender interesses privados e fazer propaganda do governo. Ele está na linha descendente de sua carreira e se engajou na batalha comercial do lulismo contra Daniel Dantas, recebendo 80 mil reais por mês pela tarefa.

Levada ao crivo da Justiça, essa caracterização não foi considerada ofensiva, deturpada ou inverídica. Em ação movida por Amorim contra o jornalista Diogo Mainardi e contra a revista Veja, o juiz Manoel Luiz Ribeiro, da 3ª Vara Cível de Pinheiros, na capital paulista, disse que o artigo de Mainardi revelando a conduta de Amorim atendeu o interesse público. O empresário não conseguiu a indenização por dano moral que pretendia, mas ainda pode recorrer. A vitória foi obtida por Alexandre Fidalgo e Thais Matos do escritório Lourival J. Santos.

Paulo Henrique Amorim — com profissionais da sua estatura e objetivos — estão enredados em outros conflitos e são alvos de acusações parecidas. Duas semanas atrás, este site divulgou entrevista de Luciane Araújo, testemunha em processo que corre em Milão. Amorim está em uma lista de pessoas contratadas para afastar Daniel Dantas do comando da Brasil Telecom. Dantas foi incinerado e Amorim contratado pelo portal da operadora adversária do dono do Opportunity, o iG, por uma alta soma.

Evidentemente, se conseguisse, Dantas afastaria seus adversários da mesma forma. O mundo dos negócios é inclemente. Mas o que saiu do padrão no caso não foi a agressividade típica de acionistas e investidores concorrentes. O que impressiona é o envolvimento direto do governo, com a mobilização da Polícia Federal e da Abin; deputados, senadores; pelo menos um representante do Ministério Público e jornalistas — atores que, em tese, têm outros papéis no contrato social.

A investigação de Milão foi aberta porque os italianos queriam a Brasil Telecom para eles. Gastaram uma fortuna com uma rede de colaboradores camuflados, mas não atingiram o objetivo. Agora, os acionistas da operadora querem seu dinheiro de volta e responsabilizar quem se beneficiou com os esquemas.

O cenário, na ocasião, era uma briga de foice. Acionistas de teles disputavam o bilionário mercado de telefonia que se abriu com a privatização. Cada concorrente eliminado poderia representar alguns bilhões a mais na carteira do algoz. O banqueiro Daniel Dantas era a maior ameaça, por ser um adversário perigoso e por ter, à época, a retaguarda do maior banco do mundo: o Citibank. Era preciso desbancá-lo antes que ele fizesse o mesmo com os adversários. Fez-se o mutirão. A tática: usar a má-fama do banqueiro para atribuir a ele todo tipo de falcatrua.

O material produzido pelo jornalista era festejado quando chegava à Itália, conta Luciane Araújo, contratada como tradutora por uma empresa de segurança que prestou serviços à Telecom Italia: “Quem tem o Paulo Henrique Amorim não precisa de mais ninguém”, costumava dizer o chefe de operações clandestinas da Telecom Italia, Marco Bernardini. Procurado, o empresário-jornalista não quis se manifestar.

Quem coordenava os colaboradores brasileiros da disputa era o empresário Luís Roberto Demarco, criador das Lojinhas Virtuais do PT, um esquema de arrecadação partidária que ajudou a eleger Lula. Pela apuração feita na Itália, Demarco recebeu pelo menos 500 mil dólares dos espiões da Telecom Italia. Essa receita não foi declarada no Brasil. Demarco é sócio de Amorim em um projeto comercial batizado de “Brasil Limpo”. A idéia é financiar jornalistas que queiram escrever livros para eles.

Os fundos de pensão dominados pelo PT tomaram a Brasil Telecom e se associaram a seus antigos adversários do Citibank. Os italianos sobraram. Foram deserdados pelos petistas. Paulo Henrique Amorim continuou em ação. Segundo os defensores de Dantas, Amorim e seus parceiros têm a incumbência de produzir notícias às vésperas de cada julgamento que o banqueiro enfrenta nas dezenas de tribunais em que mantém ações, como acusador ou como acusado.

Poucos dias atrás, Amorim descreveu à Folha de S.Paulo como pratica seu jornalismo: "Quando a gente senta no computador para escrever, é como se estivesse apertando aqueles botões que disparam mísseis", disse ele, referindo-se a seu trabalho. "Cada vírgula minha tem um alvo", completa, dizendo que a sua atuação "é um exercício de pancadaria verbal, de pancadaria ideológica".

Diante de decisões judiciais que não favoreceram o governo nos últimos meses, ele passou a questionar a honestidade de ministros do Supremo Tribunal Federal e a defender o fechamento da TV Justiça. “STF, seu outro nome é impunidade”, foi o título de um de seus textos. Para prejudicar o ministro Gilmar Mendes, Amorim divulgou que o integrante do STF fora mencionado em um grampo comprometedor. A degravação em que ele se baseou deixava claro que não se tratava do ministro, mas até hoje o jornalista não corrigiu a notícia que, à época, causou transtornos ao ministro.

O convidado de estréia de seu telejornal na TV Bandeirantes, em 1997, foi o presidente Fernando Henrique Cardoso, com quem antes se encontrou na presença de Sérgio Motta, no Palácio da Alvorada. Ao mesmo tempo, fulminava Lula com acusações cuja gravidade aumentava com a proximidade das eleições. Acusado de desonesto por ele, Lula processou a TV Bandeirantes. Com o PT no poder, Amorim passou a apoiar seu governo com entusiasmo. Mas o presidente jamais concedeu entrevista a ele, apesar de seus insistentes pedidos. Os governos Sarney e Collor ele cobriu pela TV Globo.

Também em relação às empresas jornalísticas que o contratam ele muda de opinião de forma surpreendente. Depois de sair da Globo, escreveu um livro contra a emissora. No rastro de sua saída da TV Bandeirantes ficaram pelo menos cinco processos judiciais de parte a parte. Hoje ele trabalha na TV Record.

Ousado, Paulo Henrique Amorim passou a ameaçar a direção deste site depois que seu nome apareceu na lista italiana. Durante duas semanas, o acusado e uma série de pessoas assediaram os jornalistas da Consultor Jurídico para obter a localização da testemunha Luciane Araújo. Como se sabe, tanto a legislação brasileira como a italiana consideram crime a intimidação de testemunhas. Tão grave a tentativa que é uma das hipóteses para a qual se prevê prisão preventiva.

A situação de Paulo Henrique Amorim pode não melhorar caso ele não consiga explicar porque ele nunca declarou no Brasil a propriedade de dois apartamentos em Nova York. Ele admite a posse de três carros importados, uma moto e três apartamentos no valor de 800 mil reais cada um. Um patrimônio incomum para quem vive de jornalismo no Brasil.

[Texto atualizado às 14h45, de 26/11/2007, com correção de informação

Leia a coluna de Mainardi e, em seguida, a decisão judicial

A Voz do PT

José Dirceu tem um blog. Quer saber quanto o iG gasta com ele? Eu também quero. Quer saber de quem é o dinheiro do iG? É seu, tonto! De quem mais poderia ser?

O iG pertence à Brasil Telecom. E a Brasil Telecom está na esfera dos fundos de pensão estatais. Eu já contei aqui na coluna como o lulismo tomou a Brasil Telecom de Daniel Dantas. Houve de tudo: financiamento ilegal de campanha, espionagem, chantagem, achaque e propina. Eu já contei também qual foi o papel de Lula na trama. Chega de me repetir. Quem quiser saber mais sobre o assunto, consulte o arquivo de VEJA. O que importa agora é como o iG está gastando seu dinheiro. E para onde ele está indo.

Luiz Gushiken é o ideólogo da propaganda lulista. Quando os fundos de pensão passaram a influir no iG, o portal se transformou na voz do PT. Caio Túlio Costa, aquele que Paulo Francis apelidou de "lagartixa pré-histórica", foi nomeado presidente do grupo em maio deste ano. De lá para cá, além de José Dirceu, foram contratados como comentaristas Franklin Martins, Paulo Henrique Amorim e Mino Carta. Todos eles na fase descendente de suas carreiras. Todos eles afinados com o DIP de Luiz Gushiken. Mais do que isso: Paulo Henrique Amorim e Mino Carta se engajaram pessoalmente na batalha comercial do lulismo contra Daniel Dantas. Quer saber quanto o iG paga a Franklin Martins? Entre 40 000 e 60.000 reais. Quer saber quanto ele paga pelo programa de Paulo Henrique Amorim? 80.000 reais.

O iG pode parecer pouca coisa. Mas é o terceiro maior portal do Brasil. Agora está pronto para difundir a propaganda do governo. O PT acaba de elaborar um documento em que pede uma "mudança nas leis para assegurar mais equilíbrio na cobertura da mídia eletrônica". Muita gente está alarmada com o documento. O temor é que, num segundo mandato, os lulistas atropelem as leis para tentar aumentar seu controle sobre a imprensa. O fato é que isso já aconteceu pelo menos uma vez neste mandato, quando a turma de Luiz Gushiken tomou de assalto o iG.

O documento do PT fala em oferecer "incentivos econômicos para jornais e revistas independentes". Independente, para o PT, é José Dirceu. É Franklin Martins. É Paulo Henrique Amorim. É Mino Carta. É o assessor de imprensa de Delcídio Amaral, que tem um blog político no iG. Só falta o Luis Nassif. Essa é a turma que, segundo o PT, precisa de incentivos econômicos do Estado. Carta Capital sempre atacou Daniel Dantas. Acaba de ser recompensada por um acordo com o iG. De quanto? Eu quero saber.

Lula cantarolou a seguinte marchinha, como relatam os repórteres Eduardo Scolese e Leonencio Nossa no livro Viagens com o Presidente:

"Ei, José Dirceu,

devolve o dinheiro aí,

o dinheiro não é seu"

Lula conhece muito bem José Dirceu. Se diz que o dinheiro não é dele, é porque não é mesmo. Devolve o dinheiro aí, José Dirceu.

Leia a decisão no Processo 583.11.2006.116807-7

VISTOS. PAULO HENRIQUE DOS SANTOS AMORIM, qualificado nos autos, promove ação de indenização por danos morais em face de EDITORA ABRIL S/A. e DIOGO MAINARDI, também qualificados, sustentando ofensa a sua honra pessoal e profissional, bem como à sua imagem, e violação à sua intimidade por parte dos réus, através da publicação de matéria na revista VEJA, edição 1.972, ano 39, n. 35, em 06.09.2006, sob o título “A voz do PT”, de autoria do segundo-réu. Requer indenização por danos morais, sugerindo a fixação de condenação não inferior a 1.500 salários mínimos no que concerne aos danos à sua honra e imagem e pelo dano à sua intimidade o acréscimo de outros R$0,50 por unidade de revista posta em circulação da edição referida. Junta documentos.

Os réus foram citados por carta (fls. 261/262). Porém, sobreveio petição da co-ré EDITORA ABRIL, requerendo que a citação do co-réu DIOGO seja realizada no endereço do Rio de Janeiro (fls. 263). Deferida a pretensão (fls. 265), o autor postulou pedido de reconsideração da decisão, sustentando a validade da citação do co-réu DIOGO no endereço da empresa em São Paulo (fls. 266/267). Os argumentos foram acolhidos, sendo considerada válida a citação, fixando como início do prazo de defesa a data da publicação da decisão (fls. 289), que se efetivou em 01.02.1007 (fls. 290). Pedido de reconsideração da co-ré EDITORA ABRIL as fls. 291/293. Decisão mantida a fls. 294.

Contestação dos réus as fls. 299/325 e 319/326, desacompanhadas do instrumento de procuração e, no caso da pessoa jurídica, do ato constitutivo. Réplica do autor as fls. 328/347. Determinada a especificação de provas (fls. 392), sobreveio petição da co-ré EDITORA ABRIL, juntado instrumento de mandato e ata da assembléia geral extraordinária (fls. 400/434). Petição do co-réu DIOGO, regularizando sua representação as fls. 441/442. Realizada audiência de conciliação (fls. 470).

É o relatório. Fundamento e decido.

O processo comporta julgamento antecipado, na forma do art. 330, II, do CPC. Assiste razão ao autor, quando sustenta que o prazo para juntada do instrumento de procuração é de 15 dias, a contar da prática do ato urgente (no caso o oferecimento de contestação), prorrogável por mais 15 dias, diante de despacho judicial, provocado por pedido da parte (art. 37, “caput”, do CPC.).

O prazo de 15 dias é automático, não depende de determinação judicial. Nesse sentido pronuncia-se a jurisprudência: “Este prazo de 15 dias “para que o advogado exiba o instrumento de mandato outorgado pelo interessado é automático, dispensando qualquer ato da autoridade judicial, previsto apenas para a hipótese de prorrogação (RTJ 116/700” (JTA 123/89). No mesmo sentido: RTJ 172/981, RT 709/87, JTJ 148/174)” (NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. – 33ª. ed. atual. até janeiro de 2002. – São Paulo: Saraiva, 2002, p.148, nota 6c. ao art. 37). Findo o prazo de 15 dias, sem requerimento de prazo adicional, os atos “praticados serão havidos por inexistentes”, a teor do art. 37, parágrafo único, do CPC. Aliás, também neste sentido orienta-se a jurisprudência: “Se o advogado não juntou procuração nem protestou pela sua juntada no prazo de 15 dias, o ato é inexistente (STF-RT 735/203), não sendo o caso de aplicar-se o art. 13, que cuida de hipótese diversa – irregularidade de representação, e não falta de procuração (RTJ 144/605, maioria). A ementa deste acórdão consigna que “a representação tardia do instrumento de mandato não convalida atos havidos por inexistentes pela lei processual civil” (NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. – 33ª. ed. atual. até janeiro de 2002. – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 149, nota 9a. ao art. 37).

Ora, no caso vertente os réus ofertaram contestação em 12.02.2007 (fls. 299/325 e 319/326), sendo que só juntaram procuração e, no caso da ré pessoa jurídica, a ata da assembléia geral extraordinária, em 26.03.2007 (ré EDITORA ABRIL – fls. 400/434) e 09.04.2007 (réu DIOGO - fls. 441/442), fora, portanto, da quinzena legal. Não há pedido de prazo adicional de 15 dias, de forma que os atos praticados são inexistentes, na forma do art. 37, parágrafo único, do CPC. O efeito da ausência de contestação é a revelia, na forma do art. 319 do CPC. Não se conhece, portanto, dos termos das contestações havidas por inexistentes.

Passo ao exame do mérito.

A ação é improcedente.

Em que pese a existência de revelia, que torna incontroverso os fatos articulados, diante da presunção de veracidade que milita em seu favor, conforme art. 319 do CPC, a solução jurídica não favorece o autor. O exame da matéria publicada não permite extrair a ofensa à honra, pessoal ou profissional, do autor, nem a sua imagem ou privacidade. Não é possível esquecer que o autor é um homem público, um jornalista renomado, uma personalidade notória, que, dessa forma, tem a sua imagem e vida íntima ou privada sujeita a uma maior exposição pública.

A sociedade tem interesse em conhecer os passos de personalidades notórias, conhecer como vivem, o que fazem etc. Cabe consignar, ainda, que a matéria veiculada é de interesse público e que a menção ao autor decorre da abordagem de fatos também de interesse público. Ora, a matéria publicada envolve fundos de pensão, BRASIL TELECOM e “INTERNET GROUP” (IG). É fato notório e veiculado largamente na imprensa que a BRASIL TELECOM adquiriu parte do capital da “INTERNET GROUP”, sendo que aquela pessoa jurídica possui ações de fundos de pensão, o que também acabou sendo objeto de informação jornalística amplamente divulgada. Nessa seara é possível dizer que o interesse público em conhecer a destinação dos fundos de pensão legitima o direito de informação.

O réu Diogo abordou o tema e assim o fazendo, para noticiar vínculos da “Internet Group” com fundos de pensão e “blog” de militantes do Partido dos Trabalhadores e jornalistas naquele inseridos (IG), acabou por mencionar o nome do autor, em inequívoca intenção crítica, mas que se vê compreendida dentro dos limites do exercício do direito de informação. Ademais, o autor, na qualidade de jornalista, está exposto às críticas quanto a seu trabalho, não se vislumbrando intenção ofensiva à sua honra ou imagem no corpo da matéria veiculada.

Quando se menciona a fase descendente de sua carreira, o intuito não é o de menosprezá-lo. Sem dúvida o autor já foi jornalista da Rede Globo de Televisão, apresentando programas de elevadíssima audiência, de forma que a menção à “carreira descendente” visa apenas identificá-lo como estando hoje em veículo de menor expressão do que aquele outrora. Talvez até tenha sido empregada para criticar sua defesa do “lulismo”, conforme sustenta o réu, mas dentro do limite crítico aceitável, até porque o autor de obra literária, ou de que qualquer forma de jornalismo, como é o caso, está sempre sujeito às críticas em relação ao seu trabalho. Aliás, a lei penal exclui a ilicitude da ofensa à honra, quando expressa por intermédio de crítica literária ou artística sem intenção de injuriar ou difamar (art. 142, II, do CP).

Há na matéria a intenção de criticar o governo e integrantes do Partido dos Trabalhadores, bem como o autor, por estar vinculado àquele, defendendo-o em seu “blog”, o que não viola qualquer direito de imagem ou honra deste último. Até mesmo na menção ao contrato entre o autor e o IG não se encontra ofensa à sua privacidade, posto que o interesse público em jogo legitima que se traga ao conhecimento da sociedade a destinação de dinheiro público, quando se vincula os fundos de pensão à BRASIL TELECOM e esta à “Internet Group”, contratante do autor, seja como pessoa física ou jurídica pouco importa. O fato é verdadeiro e não há evidencia de tentativa de deturpá-lo, visando atingir a honra, imagem ou privacidade do autor.

A matéria não busca expor a intimidade do autor, mas o vínculo contratual deste com o IG e este com os fundos de pensão, para também criticar o apoio do jornalista aos atos do governo, conforme sustenta a matéria escrita pelo co-réu Diogo e publicada pela ré EDITORA ABRIL. Pouco importa se o valor do contrato é de R$ 80.000,00, R$ 40.000,00 ou R$ 20.000,00. O valor do contrato ainda que eventualmente incorreto (não se discute o valor correto porque desnecessário e protegido pelo sigilo necessário) é citado apenas para indicar a destinação do dinheiro público, quando o réu vincula, de um lado os fundos de pensão e de outro, ao final da ponta, o autor, pelo vínculo contratual que tem com o IG e o fato de nele haverem “blogs”, dentre eles o do autor, defendendo o governo.

Mesmo quando é citada a expressão “DIP de Luiz Gushiken”, a crítica está dentro do contexto da vinculação do autor com o “lulismo”, sem intenção ofensiva à honra ou imagem do autor. Não se observa na matéria a afirmação de fatos inverídicos, deturpados, ou mesmo crítica à forma jornalística desenvolvida pelo autor em seu “blog” junto ao IG, com o intuito ofensivo a quaisquer valores de sua personalidade. Como jornalista, o autor está exposto a tais críticas, sendo que os fatos da forma em que narrados veiculam matéria de interesse público.

Deve ser sopesado o direito à informação, à crítica jornalística destituída de intuito ofensivo e à privacidade e intimidade de personalidade notória, que possui exposição pública mais ampla do que outra pessoa qualquer, sem tais atributos. No caso vertente o interesse público na matéria jornalística acaba sobrepondo-se, até porque a partir dela fatos de interesse social acabam sendo apurados e muitos deles indicam ilegalidades que só viriam à tona a partir da publicação. O autor, competente e por isso renomado jornalista, há de compreender melhor as licenças da imprensa e as críticas que os jornalistas estão legitimados a produzir, a fim de expor sua visão sobre a atuação do Poder Público e vínculos privados de notório interesse social.

Ante ao exposto, JULGO IMPROCEDENTE A AÇÃO, deixando de impor ao autor o ônus da sucumbência, na medida em que não há resistência adequada por parte dos réus (revéis). Transitada em julgado, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, 31 de outubro de 2007.

MANOEL LUIZ RIBEIRO

Juiz de Direito

Revista Consultor Jurídico, 26 de novembro de 2007
A reboque


A Junta de Defesa do Continente, que o presidente Lula pretende propor na 3a reunião de chefes de Estado da União Sul-Americana de Nações, em Cartagena, na Colômbia, nada mais é do que uma das principais linhas da política militar de Hugo Chávez. O governo brasileiro estaria assumindo essa iniciativa como sua para retirá-la do contexto da política antiamericana chavista, segundo versões oficiais, ou, de acordo com seus críticos, estaria simplesmente validando a escalada militar bolivariana na região.

O grupo seria formado pelos ministros da Defesa de todos os países, teria como principal missão proteger a Região Amazônica e as fronteiras marítimas, e substituiria, este é o temor, a Junta Inter-Americana de Defesa, da qual participa os Estados Unidos.

Segundo o cientista político Amaury de Souza, em artigo para a revista “Digesto Econômico” da Associação Comercial de São Paulo, “para contra-arrestar a ameaça militar norteamericana, três linhas de ação vêm sendo implementadas: 1) uma nova visão estratégica de defesa nacional no marco de uma guerra assimétrica; 2) a defesa integral da nação com base em uma aliança cívico-militar; 3) o fortalecimento e a preparação da Força Armada Nacional, com a modernização de seu equipamento e a criação de uma força conjunta para a defesa da América do Sul”.

O deputado federal Raul Jungmann, do PPS, membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, não concorda com a postura do governo brasileiro na região.

Segundo ele, o Brasil adota um “pragmatismo de shopping” diante das graves crises políticas que se desenrolam no continente, “assistindo a tudo e abrindo mão de sua liderança”.

Jungmann define a postura brasileira diante da exportação da “revolução bolivariana” pelo continente como de “paralisia pela ideologização” e critica o fato de “uma certa esquerda enquistada no governo ter a Venezuela de Chávez como paradigma”.

O que tem sido menos perceptível no esquema militar chavista, segundo Amaury de Souza, “são os esforços em prol de uma integração militar e geopolítica paralela à integração econômica da região e do desenvolvimento de um pensamento militar autóctone”.

Segundo ele, “tem-se travado nas organizações militares do continente um debate sobre as vantagens de um esquema hemisférico de defesa, com a participação dos Estados Unidos, e de esquemas regionais, que não requerem necessariamente sua participação”.

Estes últimos enfatizam a cooperação multilateral de defesa com especial atenção às particularidades de cada país e da América do Sul, sem excluir ou hostilizar os Estados Unidos.

“Precisamente o contrário foi proposto no âmbito da defesa dos membros da ALBA (Cuba, Nicarágua, Venezuela e Bolívia).

Trata-se de um pacto militar para a defesa conjunta contra os Estados Unidos”.

Consequência grave dessa tendência é a tentação de intervir militarmente em um país vizinho, adverte Amaury de Souza, lembrando que acordo de cooperação militar entre a Venezuela e a Bolívia concede à primeira o direito de acantonar tropas e construir bases militares nas fronteiras da Bolívia.

Prevê-se a construção de um porto da Marinha em Puerto Quijarro, no departamento de Santa Cruz de la Sierra, a 200 quilômetros de Corumbá e da fronteira com o Paraguai, e de um forte militar em Riberalta, no departamento de Beni, próximo à fronteira com o Brasil.

Essa militarização pode ensejar conflitos com países vizinhos, ou até incentivar aventuras externas para galvanizar a opinião pública em apoio ao governo, comenta Amaury de Souza. “Não por acaso, as novas bases se localizam em áreas onde é forte a oposição ao governo de Evo Morales, deixando entrever a possibilidade de que as tropas sejam usadas para reprimir manifestações políticas”, analisa o cientista político.

Também o deputado Raul Jungmann, que visitou a Bolívia recentemente, garante que a segurança pessoal do presidente Evo Morales é feita por agentes venezuelanos. Para Jungmann, além do fator ideológico que rege nossa política externa na região, depois que o conflito leste-oeste foi encerrado, a diplomacia brasileira perdeu os parâmetros da política externa, ao mesmo tempo em que a América do Sul deixou de ser do interesse dos Estados Unidos, preocupados com as questões do Oriente Médio e do terrorismo internacional.

A ousadia de Chávez e os petrodólares abundantes transformaram a Venezuela no novo pólo diplomático na região, e o Brasil está seguindo a reboque, “numa postura sindicalista”, acusa Jungmann. Segundo ele, pela primeira vez depois da democratização está sendo aberta uma janela para a discussão do papel dos militares, justamente pela mudança que está havendo na região. “A América do Sul não é mais uma área pacífica e a tendência à nuclearização da região é uma ameaça concreta”, diz o deputado do PPS, referindo-se aos acordos que a Venezuela está fazendo com países como o Irã, a Coréia do Norte e a Rússia.

No momento em que já não existem mais “alinhamentos automáticos” no mundo, raciocina Jungmann, cada país começa a realizar seus próprios alinhamentos, segundo interesses imediatos, e é o que está levando a Venezuela a expandir seu “socialismo do século XXI”.

“O Brasil, diante dessa realidade, não age como protagonista que é na região, numa política pragmática que leva em conta de um lado as supostas vantagens comerciais, e de outro a ideologia política”.

Exemplo dessa incoerência é o fato de que, ao mesmo tempo que admite retomar os acordos com a Bolívia sobre o gás, mesmo depois da quebra de contratos anteriores e com a situação de crise política aguda, o Exército brasileiro já fez manobras perto da fronteira, preparandose para a hipótese, cada vez mais presente, de haver uma guerra civil e os brasileiros terem de ser evacuados.
Merval Pereira
Chávez e as Farc


BRASÍLIA - Com as crises internas na Venezuela e na Bolívia, marcadas por grandes manifestações e até mortes, talvez estejamos subestimando uma ameaça bem mais grave: o recrudescimento do confronto entre a Venezuela e a Colômbia. Crises internas são mau sinal. Crises entre países são piores.
O Planalto e o Itamaraty insistem em dizer que está tudo bem e em achar que Hugo Chávez cutuca o colombiano Álvaro Uribe só para se fortalecer internamente. Mas setores militares e de inteligência não estão tão tranqüilos assim. A beligerância entre Venezuela e Colômbia tem um peso geopolítico.
Os dois são os antípodas da América do Sul. Chávez, com seu "socialismo bolivariano", é adversário frontal dos EUA e de Bush. Uribe, fiel à cartilha neoliberal, é o mais confiável aliado de Washington. E ambos se alimentam das disputas históricas entre seus países.
Pode ser paranóia de milico, mas algumas boas patentes têm certeza de que Chávez não tentou de fato mediar uma negociação para Uribe soltar 500 presos das Farc em troca de 45 seqüestrados do grupo guerrilheiro. Teria só arranjado um pretexto para meter a mão -e os pés- na política interna colombiana. Não, claro, a favor de Uribe.
O temor é que Chávez patrocine um candidato de esquerda, com apoio das Farc, para disputar as eleições de 2010 contra Uribe e, portanto, contra os EUA. A soma do petróleo venezuelano com as drogas colombianas seria bilionária. E quem gostaria de um governo das Farc dentro da América do Sul?
Apesar dos tanques, rifles, aviões e submarinos nucleares russos de Chávez, o governo brasileiro acha que ele não chegaria a tanto, não se meteria a besta com os EUA. Mas Chávez atuou abertamente nas eleições do Peru, da Bolívia e do Equador, pelo menos, e já ameaçou intervir caso derrubem Morales.
Então, é como as bruxas: ninguém crê, mas que ele pode, lá isso pode.
Eliane Cantanhêde elianec@uol.com.br
Lula, o viajante do palanque


Alguns torcedores festejam a vitória de seu time espancando gente na rua, arrebentando orelhões e depredando estações de metrô. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou o ingresso do Brasil no clube dos países com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) falando mal do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Discursou, como de costume, para o velho público do movimento sindical e da antiga esquerda, como se estivesse num palanque da Vila Euclides dos anos 70 e 80. Xavier de Maistre ganhou fama literária, há mais de duzentos anos, descrevendo uma viagem de 42 dias no interior de seu quarto. Lula conseguiu viajar por todo o mundo, nos últimos cinco anos, discursando como se nunca houvesse deixado aquele palanque.

Segundo Lula, o Brasil, isto é, seu governo, provou ser possível combinar distribuição de renda e crescimento econômico e ao mesmo tempo expandir o mercado interno e as vendas ao exterior. Tudo isso é possível, de fato, mas quem afirmava, no Brasil, a impossibilidade de produzir para o mercado interno e para o externo? Ele mesmo e seus velhos companheiros. Ao chegar à Presidência, ele ainda falava em prioridade para o abastecimento interno, como se a agropecuária brasileira fosse incapaz de produzir para o País e para fora. Bobagens desse tipo ainda são repetidas por gente de sua turma.

Mas a conciliação do presidente Lula com os fatos permanece incompleta. Em seu discurso, ele voltou a acusar o FMI de haver imposto o ajuste fiscal, em seus programas, à custa da exclusão das políticas sociais. Novamente um lapso de memória ou de entendimento. Governos quebrados não têm como sustentar programas sociais nem condições para realizar grandes investimentos. Ele devia saber disso, quando pediu a seu antecessor, antes de tomar posse, a manutenção do acordo com o Fundo.

Se acreditasse firmemente numa alternativa, ele teria assumido o governo, em janeiro de 2003, livre, leve e solto para gastar como quisesse. Mas seu ministro da Fazenda, naquela ocasião, via os fatos com outra perspectiva - e o presidente Lula aceitou esse ponto de vista.

Mas seu passeio pelo mundo da fantasia não parou aí. De fato, as melhoras dos indicadores sociais não deixaram de ocorrer no Brasil, nos anos 90 e na década seguinte, apesar das muitas dificuldades e das várias tentativas de estabilização da economia. O presidente Lula, no entanto, parece incapaz de admitir esse fato - e continua a discursar como se o País houvesse mudado só depois de sua chegada ao governo federal.

Os próprios números da ONU desmentem essa versão. O IDH brasileiro saltou de 0,723 em 1990 para 0,753 em 1995 e daí para 0,798 em 2000. O primeiro pulo correspondeu a uma variação de 4,15%. O segundo representou um avanço de 4,78%. No terceiro, o indicador chegou a 0,800, com um progresso de apenas 1,39%.

Em outras palavras, quando o presidente Lula tomou posse, em janeiro de 2003, o País estava praticamente lá, na categoria dos países com IDH igual ou superior a 0,800, e só faltava um empurrãozinho. Só um governo de extraordinária incompetência, pior até que o do PT, seria incapaz de fazer o País percorrer aquela pequeníssima distância. Esse resultado foi conseguido principalmente com a unificação de programas sociais - basicamente de transferência de renda - concebidos e implantados em anos anteriores.

Nesses anos, o governo brasileiro foi capaz de eliminar a hiperinflação, de reconquistar o acesso ao mercado financeiro internacional e de iniciar a reforma das contas públicas, bagunçadas durante uma longa fase de pajelanças muito ao gosto dos chamados progressistas.

Se o presidente Lula se interessasse por essas coisas, poderia pedir a seus assessores um levantamento de números do IBGE. Descobriria, assim, uma interessante história de evolução dos indicadores sociais - redução da mortalidade infantil, aumento do número de matrículas, diminuição do analfabetismo, acesso crescente a bens de consumo típicos da vida moderna - ao longo dos anos 90.

Pelo menos um ponto importante o presidente parece haver reconhecido nos últimos anos: é besteira falar de redistribuição quando a renda dos pobres é corroída de forma persistente pela alta de preços. Mas a inflação nunca teria sido derrubada para valer, na década passada, se ninguém tivesse abandonado as políticas defendidas, ainda hoje, pela companheirada. E essa companheirada, é bom não esquecer, está reconquistando influência no Planalto.
Rolf Kuntz - Estadão

26.11.07

Governadora usa caso de presa para atacar adversários

Em decreto, ela diz que falta de estrutura para mulheres é herança de governos passados
Ela publicou texto após a divulgação do caso de jovem que foi mantida quase um mês em cela com 20 homens; PSDB reage a críticas

Após quase 11 meses de sua posse como governadora do Pará, Ana Júlia Carepa (PT) culpou, em decreto publicado no "Diário Oficial" no dia 23, a herança de governos passados para explicar a falta de infra-estrutura adequada para custodiar adolescentes e mulheres em delegacias do Estado.
O decreto nº 611, que define normas para a detenção de mulheres e de adolescentes em unidades da Polícia Civil do Pará, foi publicado como desdobramento do caso da adolescente de 15 anos que foi colocada numa cela com outros presos durante 26 dias, em Abaetetuba (137 km de Belém).
A garota, acusada de tentativa de furto, disse ter sido estuprada e agredida pelos presos durante todo o período em que esteve presa.
No texto do decreto, a governadora justifica a necessidade das medidas pelo "baixo nível de investimentos em segurança pública e no sistema penitenciário nos últimos anos". Ana Júlia Carepa assumiu o governo do Pará em janeiro deste ano, após 12 anos de administração do PSDB.

"Descalabro"
A governadora afirma no decreto publicado que recebeu o Estado numa "situação de grave desaparelhamento" em relação à legislação sobre a custódia de mulheres e de adolescentes e que, "em decorrência da situação de descalabro administrativo que perdurava até recentemente na área da segurança pública", o Pará tem apenas dois municípios com delegacias adequadas para abrigar mulheres e adolescentes.
De acordo com o texto, mulheres e adolescentes infratores só poderão ficar detidos em delegacias se houver instalações que atendam às exigências do Estatuto da Criança e do Adolescente ou que garantam a dignidade e a integridade física das mulheres.
A prisão de mulheres deverá ser informada imediatamente pela autoridade policial à Justiça e providenciada a sua transferência para o sistema penal.

Oposição
Para o deputado estadual José Megale, líder do PSDB na Assembléia Legislativa do Pará, a governadora ainda "não começou a governar".
"A governadora não se deu conta de que já consumiu quase 25% de seu tempo de governo e não começou a governar o Pará. Ela não foi capaz de ter um diagnóstico da estrutura da Polícia Civil do Estado", disse.
"A governadora tenta transferir o problema a governos passados, quando o único responsável pelas nomeações dos atuais dirigentes da Polícia Civil é o Partido dos Trabalhadores", afirma Megale.
Folha
Os dois lados da moeda

Está nos jornais. A Polícia Federal investiga duas doações suspeitas para o PT. As empresas ABC Industrial e Nacional Distribuidora de Eletrônicos depositaram R$ 250 mil cada um nos cofres petistas. A coisa complicou quando a PF encontrou os recibos dessas doações no escritório de um empresário envolvido no escândalo da Cisco, multinacional investigada no Brasil pela suspeita de sonegar R$ 1 bilhão. Os policiais descobriram que as duas empresas doadoras são empresas de fachada e desconfiam que elas serviram como "laranjas" para disfarçar os verdadeiros benfeitores do PT. Esta coluna tratará menos dos aspectos policiais do caso e mais do seu lado político. A impressionante capacidade do PT de arrecadar recursos milionários e os efeitos disso sobre o partido e a disputa pelo poder.

Depois da denúncia, a o tesoureiro petista soltou a seguinte nota oficial: "Em 2007, o partido fez um esforço de arrecadação com o objetivo de levantar recursos para financiar, entre outras despesas, a realização do 3º Congresso Nacional. Como resultado desse esforço, o PT recebeu entre 2 de fevereiro e 29 de setembro de 2007 doações de 16 (dezesseis) Pessoas Jurídicas, que totalizaram R$ 6.223.001,00."

Ou seja: sem dinheiro para financiar seu Congresso, o PT decidiu passar a sacola. O "esforço de arrecadação" rendeu a bagatela de R$ 6,2 milhões em oito meses. E para juntar essa fortuna, precisou da generosidade de apenas 16 empresas. São números impressionantes, só alcançáveis por um partido solidamente alojado no poder. Apenas como comparação, em 2001, quando ainda estava na oposição, o PT recebeu R$ 990 mil em doações de empresas.

Some-se a esse dado um outro, da prestação de contas da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006. Dos 104,3 milhões gastos na reeleição, nada menos que R$ 103,8 milhões vieram de empresários. Os militantes petistas contribuíram apenas com R$ 500 mil. Duas conclusões se impõem: a primeira é que o PT no governo encontrou um canal direto para buscar recursos junto a grandes empresários. A segunda é que o partido se viciou nesses recursos. Aquele partido que se financiava com o esforço de sua militância acabou. Quem consegue tanto dinheiro com grandes doadores não vai voltar a vender broches na rua para se financiar.
Além disso, a lógica do enfrentamento interno do PT encarece o partido. Na semana passada, o PSDB elegeu sua nova direção. Para chegar aos nomes da nova executiva foi preciso apenas reunir os caciques tucanos em uma sala. No PT, as correntes internas se enfrentam como partidos. No início de dezembro, haverá eleições diretas para a nova direção. Espera-se algumas centenas de milhares de votos. Uma eleição desse tamanho custa muito dinheiro.

O primeiro efeito é óbvio. Aumentam os escândalos envolvendo o partido. Todos os casos de corrupção desde o início do governo Lula tiveram relação com o financiamento eleitoral. Dos "recursos não contabilizados" de Delúbio Soares aos laranjas da Cisco, passando pelas malas de dinheiro usada pelos "aloprados", que tentavam comprar um dossiê contra tucanos em 2006.

O segundo efeito é mais sério. Dá ao PT uma enorme vantagem sobre os adversários na luta pelo poder. O partido já tinha a maior base social do país, com o mais profundo envolvimento com os sindicatos e os movimentos populares. Dispõe de uma militância grande e organizada. Ao chegar ao poder nacional, agregou dois elementos que antes eram típicos dos "partidos de elite". O controle da máquina administrativa e o acesso a financiamentos milionários. Todas essas cartas na mesma mão podem desequilibrar o jogo político. É isso que tanto assusta os partidos da oposição.

Esse é o dilema que o PT vive às vésperas da eleição direta para renovar sua direção. São vários candidatos contra um. Ou melhor, contra o atual presidente, Ricardo Berzoini. Ele representa a continuidade do modelo de direção implantado por José Dirceu e continuado por José Genoíno. O modelo que gerou o mensalão. Mas que também elegeu Lula duas vezes para a Presidência da República e deu ao PT a maior bancada na Câmara dos Deputados nas eleições de 2006. Os outros candidatos criticam Berzoini e prometem uma grande mudança na forma de administrar o partido. Mas será que estariam dispostos a esquecer a facilidade das grandes doações, mesmo aquelas com origem suspeita? Os petistas voltarão a vencer broches e estrelinhas para pagar seus congressos e material de campanha? Levantarão os R$ 100 milhões necessários a uma campanha presidencial? Parece pouco provável.
Gustavo Krieger - Correio Brasiliense

25.11.07

MST recebe treinamento das Farc!!!

Líder afirma que MST recebe treinamento das Farc

O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), afirmou nesta quinta-feira (22), em audiência pública realizada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, que os movimentos de trabalhadores rurais que promovem invasões estão sendo treinados por organizações criminosas internacionais como o Sendero Luminoso, do Peru, e as Farc, da Colômbia.

Na sua avaliação, o governo tem conhecimento dessa prática, mas não toma nenhuma providência. Caiado falou na presença do ministro da Justiça, Tarso Genro, que rechaçou qualquer subjugação do governo aos interesses dos movimentos de trabalhadores sem-terra ou à pressão de proprietários rurais para defendê-los contra as invasões.

O ministro garantiu que a Justiça não será instrumento de nenhuma das partes, caso contrário, o governo perderia a capacidade de fazer valer a lei.

De acordo com Tarso Genro, a Polícia Federal não está omissa, mas isenta. Autor do requerimento de convocação, o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) acusou Tarso Genro de "faltar com a verdade".

Segundo o deputado, "existe um descompasso enorme entre o que está ocorrendo no campo e o discurso de Vossa Excelência", afirmou.

Caiado explicou que as invasões ocorridas nos últimos 12 meses em seis fazendas no sul do Pará geraram prejuízos superiores a R$ 100 milhões aos proprietários e exibiu ainda uma portaria baixada pela polícia estadual proibindo o cumprimento de ordens de reintegração de posse sem o aval do comando da corporação.

A Polícia Federal, segundo Tarso Genro, só vai agir na solução de conflitos agrários e usar violência quando houver determinação da Justiça. Tarso Genro afirmou que a PF está combatendo o crime no Pará, mas não se envolve no conflito de fundo ideológico, que opõe trabalhadores e proprietários.

O deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP) acusou o governo de "tomar partido" em favor dos sem-terra e de negligenciar o pacto que a sociedade consubstanciou na Constituição, que incluiu a proteção ao direito de propriedade. "Às vezes, se dá força ao lado que não está com a Justiça", afirmou.

Genro disse que a instituição está montando uma força-tarefa com autoridades locais para desarticular o crime organizado, que, segundo ele, atua em várias regiões do Pará.

A organização de uma força-tarefa para atuar naquele estado foi sugerida na audiência pela deputada Bel Mesquita (PMDB-PA). A deputada explicou que a situação no Pará fugiu do controle em razão da determinação que limitou a atuação da polícia para reprimir invasões de sem-terra.
Inforel

24.11.07

A batalha da França

Com apoio popular, Sarkozy vence sindicatos e pode começar a modernização do país


Duda Teixeira

Charles Pltiau/Reuters
Eric Gailard/Reuters
Ferroviários em Nice e Sarkozy (à esquerda): privilégios em jogo


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Apenas seis meses depois da posse, o presidente Nicolas Sarkozy aposta seu governo numa disputa de tudo ou nada. Nas últimas duas semanas, a França foi paralisada por uma greve no setor de transportes, logo estendida a outros servidores públicos. No auge da paralisação, metade dos trens suburbanos deixou de funcionar e Paris padeceu sob um congestionamento de 400 quilômetros. O motivo oficial da greve é a oposição sindical aos planos do presidente de extinguir o regime especial de aposentadoria para alguns funcionários públicos, entre eles os trabalhadores de ferrovias. Estes podem tornar-se pensionistas com 37 anos e meio de contribuição, enquanto o restante da população precisa de quarenta anos. Na verdade, há muito mais em jogo. Desde a campanha eleitoral, Sarkozy promete uma "ruptura" com o passado para dar início a um processo de modernização da França. O projeto do governo inclui o enxugamento da máquina pública e um corte nos privilégios usufruídos pelos funcionários do estado.

A França não era paralisada com tal intensidade desde 1995, quando três semanas de greves forçaram o presidente Jacques Chirac a recuar em reformas similares. Tradicionalmente, o poder das multidões nas ruas impede qualquer modernização nas relações trabalhistas. Desta vez, porém, o resultado aponta em outra direção. "Não nos renderemos", tem repetido o presidente francês, parafraseando o primeiro-ministro inglês Winston Churchill durante o avanço das forças nazistas na Europa, na II Guerra. Sua força vem do apoio da maioria da população. Em geral tolerantes com causas sociais, os franceses estão fartos de greves a troco de qualquer coisa. Na sexta-feira passada, os trabalhadores do setor de transportes e de energia começaram a retornar ao batente mesmo sem o governo atender a suas reivindicações. Ao vislumbrarem a vitória do presidente, os jornais franceses passaram a comparar Sarkozy com a primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher. Nos anos 80, a Dama de Ferro quebrou a espinha dorsal do sindicalismo inglês, criando condições para o crescimento econômico da Inglaterra. Sarkozy vive o seu "momento Thatcher".

O confronto com os sindicalistas era uma batalha anunciada. Durante a campanha eleitoral, Sarkozy expôs claramente seu programa de reformas. A França é a sexta maior economia e tem uma indústria avançada, mas o crescimento é pífio. Some-se a isso uma estrutura trabalhista cara e engessada e o resultado é a dificuldade em criar novos empregos. Um dos entraves é o estado paquidérmico, cada vez mais insustentável. Os gastos governamentais representam 53% do PIB francês, contra 21% no Brasil. Os franceses elegeram Sarkozy para reformar essa estrutura obsoleta. Há dois meses, ele anunciou o fim das aposentadorias especiais, repetindo uma medida tentada sem sucesso doze anos antes pelo seu antecessor, Jacques Chirac. "Este é o momento em que se decidirá se Sarkozy será um presidente forte, com um legado relevante, ou se irá sucumbir como Chirac", disse a VEJA o cientista político francês Olivier Ruchet, da Universidade Sciences-Po, em Paris.

O presidente leva uma vantagem que Chirac não tinha: o apoio da população. Seis de cada dez franceses são contra a greve. Apenas um em cada dez funcionários públicos desfruta a regalia da aposentadoria especial. Entre os beneficiados estão cenógrafos da Ópera de Paris e condutores de trem, merecedores do benefício por supostamente exercerem funções perigosas. A paciência popular com os grevistas esgotou-se depois que linhas do TGV, o trem de alta velocidade do qual os franceses se orgulham, foram sabotadas. Os sindicatos ainda terão a oportunidade de negociar com o governo nas próximas semanas, mas tudo indica que Sarkozy cederá pouco. Até porque suas reformas são modestas: enquanto os franceses se aposentam em média com 55 anos, a Inglaterra fixou a idade mínima para aposentadoria em 68 anos e a Alemanha, em 69. "Sarkozy está tentando algo tão pequeno que para o resto do mundo até soa ridículo", disse a VEJA o chileno Salvador Valdés, da Universidade Católica do Chile, especialista em questões trabalhistas internacionais. Essa medida modesta, contudo, é uma verdadeira revolução para os padrões sociais da França.

Presa, estuprada e torturada

Como a polícia e a Justiça do Pará encarceraram uma menina de 15 anos numa cela com trinta homens


Leonardo Coutinho

Reprodução/TV RBA/AE
A cela onde L. ficou presa por 24 dias: seis estupros diários

Aos 15 anos, L.A.B. mede 1,50 metro e pesa 35 quilos. Tem a compleição física de uma criança de 12 anos. Seus pais vivem em uma zona rural do Pará. Para poder estudar, ela morava com um tio em Abaetetuba, a 89 quilômetros de Belém. Desde junho, L. passava mais tempo na rua do que na escola municipal, onde cursava a 5ª série. Em 21 de outubro, foi presa pela polícia sob a acusação de ter tentado furtar um aparelho de celular, embora ninguém tenha dado queixa e não haja provas de que o crime foi cometido. Interrogada, ela negou o furto e avisou que era menor de idade. Ainda assim, foi encarcerada pela delegada Flávia Pereira em uma cela com trinta homens adultos. Meia dúzia dos detentos exigiu que L. fizesse sexo com eles. Como ela se recusou, foi estuprada e torturada. Os bandidos queimaram seu corpo com pontas de cigarro e a planta dos pés com isqueiros. Dois dias depois, L. foi levada à presença de uma juíza, Clarice de Andrade. Novamente, ela alegou que era menor. A juíza, porém, contrariando a lei, a devolveu à mesma cela. Todos os dias, L. era violada de cinco a seis vezes. A situação revoltou alguns dos presos, que disseram aos carcereiros que, além de ser uma menina, ela não podia ficar na cela com homens. Os policiais, então, cortaram o cabelo longo, liso e negro de L. à faca e rente à cabeça. Como seu corpo tem poucas curvas, ela ficou parecida com um rapaz.

À resistência de L. às investidas sexuais, seus colegas de cárcere respondiam com o confisco de sua comida. Depois de dois dias, ela passou a trocar sexo pela ração a que teria direito. Só não fez sexo em três dos 24 dias em que ficou presa, porque, nesses, os presos receberam visitas íntimas. Em 13 de novembro, uma fonte anônima delatou o caso a uma funcionária do Conselho da Infância e Juventude da cidade. Depois de constatar a veracidade da denúncia, a funcionária recorreu ao promotor Lauro Freitas para libertar L. Quando Freitas chegou à delegacia no dia seguinte, L. havia sumido. O delegado Celso Viana alegou que ela fugira. A menina foi encontrada horas depois no porto da cidade, à margem do Rio Maratauíra. Resgatada, disse que os policiais a conduziram até o cais e ordenaram que ela pegasse o primeiro barco e desaparecesse da cidade. Se ficasse em Abaetetuba, morreria.


José Cruz/ABR
Ana Júlia dança o carimbó: menos festa e mais trabalho, governadora

Os pais de L. não foram informados de que ela tinha sido presa, como a lei determina em casos de menores – e muito menos de que havia sido enjaulada numa cela comum e na companhia de homens, o que é escandalosamente ilegal. Depois que a menina foi encontrada pelo promotor, a polícia tentou produzir provas falsas de que ela teria 20 anos. Apresentou uma certidão de nascimento fajuta e obrigou o pai de L., Aloísio Prestes, a mentir a idade da filha. Apavorados, Prestes e Joisecléa Alves, mãe da menina, foram incluídos pelo Ministério da Justiça no programa de proteção a testemunhas. Sua filha está sob os cuidados da Polícia Rodoviária Federal e de uma ONG, que denunciou o caso às Nações Unidas. No Pará, por incrível que pareça, é corriqueiro manter mulheres em celas masculinas. Na semana passada, descobriu-se que Enailde Santos passou 45 dias nessas condições em Parauapebas. O tormento de Raimunda Santos, em São João de Pirabas, durou três meses. Na mesma cidade, Vanilza Matos permaneceu uma noite numa cela masculina depois que se recusou a massagear os pés do delegado.

A reação da governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, à divulgação das torturas sofridas por L. foi previsível. "Se ela tem 15, 20, 50, 80 ou até 100 anos, não importa. Uma mulher não poderia estar presa numa cela com homens", disse ao jornal O Estado de S. Paulo. Importa, sim. Atenta contra o Estatuto da Criança e do Adolescente manter um menor de 18 anos em uma prisão comum. Depois dessa declaração, a governadora editou um decreto proibindo que homens e mulheres dividam a mesma cela. "É bobagem. Isso é lei federal", protestou a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB no Pará, Mary Cohen. Alguém precisa explicar a Ana Júlia que ela deve garantir o cumprimento das leis no estado que governa.

23.11.07

VALERIODUTO TUCANO / TROCA DE GUARDA

Novo ministro já foi citado no mensalão

Segundo o Ministério Público, José Múcio participou de reuniões com Delúbio sobre pagamento de R$ 4 milhões ao PTB

Depoentes mencionam que petebista sabia de "mesada" para a base aliada desde o final de 2003, mas esquema só veio a público em 2005

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O novo ministro das Relações Institucionais do governo Lula, José Múcio (PTB-PE), é citado na denúncia do mensalão entregue ao STF (Supremo Tribunal Federal) como um dos articuladores do acordo fechado entre as cúpulas do PT e PTB que previa o pagamento de R$ 20 milhões dos petistas aos petebistas. Parte desses recursos foi paga por meio do esquema de caixa dois comandado pelo ex-tesoureiro nacional do PT, Delúbio Soares, e pelo publicitário Marcos Valério.
O nome de Múcio aparece numa nota explicativa que reproduz o depoimento do ex-tesoureiro informal do PTB, Emerson Palmieri. Ele revelou à Polícia Federal que Múcio manteve reuniões com o ex-presidente nacional da sigla, Roberto Jefferson (RJ), com Delúbio e outros petistas para tratar de dinheiro para cobrir gastos petebistas de 2004.
O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, afirmou, em sua denúncia, que o esquema PT-PTB começou em julho de 2003, quando o deputado José Carlos Martinez (PR) presidia o PTB. Cerca de R$ 1 milhão foi enviado pelo PT até outubro daquele ano, mês em que Martinez morreu num acidente aéreo.
O partido elegeu então Jefferson presidente nacional e José Múcio, líder do partido na Câmara. No segundo trimestre de 2004 ocorreram reuniões entre as cúpulas partidárias.
"Como resultado do acordo estabelecido com o núcleo central da quadrilha entre os meses abril e maio de 2004, (...) Jefferson e Emerson Palmieri, no mês de junho de 2004, receberam na sede nacional do PTB, diretamente de Marcos Valério, a importância de R$ 4 milhões (...)", diz a denúncia.
No rodapé da descrição, Souza lembrou: "Vide, entre outros, depoimento de Emerson Palmieri, especialmente: "Que participaram como representantes do PTB, o presidente do partido, Roberto Jefferson, o líder do PTB na Câmara dos Deputados, José Múcio, e o declarante, e pelo PT, o presidente José Genoino, o tesoureiro Delúbio Soares, Silvio Pereira e Marcelo Sereno".
Palmieri confirmou as reuniões em depoimento que prestou à CPI do Mensalão.
Não citados pelo procurador em sua denúncia, outros depoimentos dados em 2005 por Jefferson, pelo ex-ministro das Comunicações Miro Teixeira e por Palmieri demonstram que Múcio tinha conhecimento do esquema do mensalão desde, pelo menos, o final de 2003 -o caso só viria a público em 2005, após Jefferson denunciá-lo, em entrevista à Folha.
Mesmo sabendo que o PT e integrantes do governo se valiam de um tipo de cooptação política que envolvia pagamentos, Múcio manteve silêncio.
Em depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, Miro Teixeira afirmou: "Eu confirmo que Roberto Jefferson esteve comigo e fez menção a isso que agora se chama de mensalão. Fez menção, porque me visitou acompanhado do deputado Múcio e do deputado [João] Lyra para me convidar a entrar no PTB. Isso foi no final de 2003 [...] Já ia lá pelo vigésimo minuto a conversa, que durou uns 30 minutos, quando ele disse: "Olha, inclusive, o PTB não entrou nessa história de mesada. Deputado do PTB não recebe mesada". Perguntei: "Que mesada, Roberto?'".
Em depoimento no Congresso, Jefferson contou que ele e Múcio lutavam para evitar que petebistas fossem cooptados pelo Planalto: "Eu e o Múcio vivíamos um dia-a-dia de sofrimento com alguns companheiros que fraquejavam".
Procurado ontem, o novo ministro não foi localizado. Ele disse em 2005 ao Conselho de Ética da Câmara que ouvira apenas "rumores" sobre o mensalão e que não discutiu o assunto com Delúbio.
Folha
Justiça sabia que menina dividia cela com homens

Polícia apresentou relato da situação protocolado no fórum em 7 de novembro

Em nota na terça-feira, três juízes, três promotores e duas defensoras públicas de Abaetetuba (PA) negaram saber da situação da garota


A Justiça do Pará sabia que uma jovem dividia uma cela com cerca de 20 homens antes do dia 14 de novembro, quando o Conselho Tutelar de Abaetetuba (137 km de Belém) denunciou o caso às autoridades.
A afirmação é da Polícia Civil do Estado, em mais um capítulo do jogo de empurra entre autoridades paraenses em torno da responsabilidade pelo caso.
A corporação apresentou documento protocolado no Fórum de Abaetetuba em 7 de novembro, no qual o delegado Antonio Cunha, superintendente regional da região do Baixo Tocantins, pedia a transferência urgente da jovem para o CRF (Centro de Recuperação Feminina), localizado em Belém. No documento, encaminhado à juíza Clarice Maria de Andrade, Cunha informava que a garota estava presa com outros detentos e que corria risco de sofrer "todo e qualquer tipo de violência".
Nota divulgada na última terça pelos três juízes, três promotores e duas defensoras públicas de Abaetetuba informava, entretanto, que no pedido de remoção da jovem nada fora comunicado "sobre o fato de que a presa estava na mesma carceragem que presos".
O pedido de transferência da polícia só foi feito quando a jovem já estava presa havia 15 dias. No total, a jovem ficou presa durante 26 dias.
Cunha é um dos três delegados afastados até o fim das apurações do caso pela Corregedoria da Polícia Civil. A reportagem tentou falar ontem com a juíza, mas ela não ligou de volta. Segundo o conselheiro tutelar José Maria Quaresma, o conselho soube da situação da garota em 14 de novembro, por meio de uma denúncia anônima. Membros do órgão visitaram a carceragem e confirmaram a informação. A mesma denúncia informava que ela tinha 15 anos -a idade da jovem ainda está sob apuração.
Aos conselheiros, a jovem disse ter sofrido abuso sexual dos cerca de 20 presos da cela, que teve que fazer sexo com eles em troca de comida e que foi agredida -apresentava hematomas e marcas de queimadura de cigarro pelo corpo.
O promotor Lauro Freitas Júnior, de Abaetetuba, afirmou que o registro da prisão em flagrante da garota chegou ao Ministério Público Estadual apenas em 12 de novembro.
Segundo ele, não havia informação no documento sobre a situação da jovem na cadeia. A defensora pública Rossana Parente, que recebeu o flagrante da menina, disse que não tem tempo para ir à delegacia a cada registro. Afirmou ainda que não pôde pedir a soltura, pois a jovem estava sem documentos e a família não fez contato.
O pai da jovem afirmou ontem à Corregedoria da Polícia ter sido coagido por policiais civis a declarar, em depoimento, que a filha tem mais de 18 anos.
A ONG Justiça Global e uma comissão coordenada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República vão acompanhar o caso.
Folha

22.11.07

Com bandeira, bolsistas brasileiros engrossam marcha pró-reforma

DE CARACAS

A manifestação a favor da reforma constitucional teve ontem o reforço de um ruidoso grupo de universitários brasileiros que estuda na Venezuela com bolsas de estudos do governo Hugo Chávez.
Com uma bandeira brasileira para se abrigar do sol e uma batucada improvisada, os cerca de 20 estudantes traziam também bonés, camisetas e bandeirolas dos movimentos sociais às quais pertencem, como o MST e o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), todos ligados à Via Campesina, movimento internacional que reúne organizações pró-reforma agrária.
"Estamos aqui porque apoiamos o processo e vamos contribuir com o que for possível", diz a estudante de medicina Lucicléia Soares, 21, de Conceição do Araguaia (PA), filiada ao Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).
"A soberania tem de estar no povo. Se o povo quiser, tira o Chávez", diz a colega Vaubéria Macêdo, 22, ao defender o ponto mais debatido da reforma, a reeleição indefinida para presidente. Originária de Nova Olinda (CE) e ligada à Pastoral da Juventude Rural, ela acha que o presidente venezuelano precisa de mais tempo: "As pessoas que apóiam o capitalismo ainda estão muito fortes, a revolução precisa de tempo".
Lucicléia e Vaubéria contam que chegaram a Caracas há sete meses para estudar medicina na Escola Latino-Americana de Medicina (Elam), projeto criado em Cuba. O grupo conta ao todo com 66 brasileiros. Todos recebem uma bolsa integral do governo venezuelano e devem ficar no país durante os sete anos do curso.
Há mais brasileiros que fazem outros cursos na Venezuela, como agronomia, também com bolsas integrais. Em meados do ano, a Elam foi alvo de uma polêmica depois que um estudante colombiano abandonou a escola, sob a alegação de que o curso tinha um forte doutrinamento ideológico, com aulas sobre Ernesto Che Guevara e Fidel Castro.
Folha

21.11.07

Venezuela não oferece risco, diz Itamaraty

Embaixador leva à CCJ da Câmara estudo que afirma que rearmamento venezuelano não ameaça soberania brasileira
Deputados devem votar hoje protocolo de adesão do país governado por Chávez ao Mercosul; Carlos Pio, da UnB, defendeu a rejeição


O Ministério das Relações Exteriores do Brasil realizou um estudo sobre a atuação e o processo de rearmamento das Forças Armadas da Venezuela. Chegou à conclusão de que não há ameaça aparente à soberania brasileira hoje.
O estudo foi comentado, sem detalhes, pelo secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães. Ele não precisou quando o estudo foi feito, o que ajudaria a explicar se o discurso das autoridades de que a Venezuela não é um perigo foi embasado nele ou se apenas há consonância de opiniões.
Os comandantes militares, contudo, usam o "risco Hugo Chávez" como justificativa para novos investimentos nas Forças Armadas. Nas últimas semanas, os comandantes repetem em público o estado de penúria de seus equipamentos. Chávez já anunciou gastos da ordem de US$ 4 bilhões em novos equipamentos, a maior parte vinda da Rússia.
Mesmo sem detalhar, Guimarães citou trechos do estudo ontem em audiência pública na Câmara dos Deputados. Há argumentos que não contemplam, contudo, análises de cenários futuros.
Falou de distribuição de tropas, por exemplo. "As Forças Armadas da Venezuela, estão todas elas ao norte do país. Não há Forças Armadas venezuelanas na fronteira com o Brasil", assinalou o diplomata. Ocorre que o maior risco que analistas vêem, e não imediatamente, mas num futuro próximo, é o de a Venezuela se envolver em conflitos com vizinhos -e não uma invasão da Amazônia.
Sobre as compras chavistas, segundo o diplomata brasileiro o objetivo da Venezuela seria apenas reequipar suas Forças Armadas, trocando armas obsoletas por novas. "Não há nenhum risco à soberania nacional brasileira", disse.
Para ele, a compra de 24 caças russos apenas visava substituir os 22 caças americanos F-16 que o país comprou nos anos 80, que caducaram e não podem ser modernizados porque os EUA vetam a venda de componentes militares à Venezuela. Não citou o fato de que a Força Aérea de Chávez tem planos bem mais ambiciosos, com a ampliação da frota de Sukhoi.
"Acredito sinceramente (...) que o que está se verificando na Venezuela, pelas informações que levantamos, pelo estudo que fizemos, é o reequipamento das Forças Armadas", disse.
A audiência pública foi convocada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara para debater a entrada da Venezuela no Mercosul, cujo protocolo de adesão será votado hoje. O professor Carlos Pio, da Universidade de Brasília, defendeu posição contrária à entrada do país de Chávez.

20.11.07

Pequena família, grandes negócios

O deputado Maurício Rands, do PT pernambucano, foi um abnegado fuzileiro da tropa-de-choque de Lula na CPI do Mensalão em defesa de seus companheiros de partido. Agora, na CPI das ONGs, poderá virar alvo junto com seu irmão, Alexandre Rands, que opera numa super ONG em Pernambuco, a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal de Pernambuco. A Fade diz fazer acompanhamento de cursos profissionalizantes, como a Unitrabalho, do churrasqueiro de Lula, Jorge Lorenzetti.

Só que a Fade pode ser considerada a elite da tropa. Entre 2003 e 2007 a entidade recebeu a bolada de R$ 39,1 milhões de recursos públicos. Coincidência ou não, o maior volume de repasses foi em ano eleitoral. Em 2006 a Fade faturou R$ 14,9 milhões contra R$ 9,8 milhões em 2005, R$ 6, 8 milhões em 2007, R$ 2,3 milhões em 2003 e R$ 1,1 milhão em 2004. O curioso é que os patrocinadores da Fade são os ministérios sob a influência de políticos pernambucanos aliados do governo, como o Ministério da Saúde do ex-ministro vampiro Humberto Costa (PT) e o Ministério da Ciência e Tecnologia, feudo de Eduardo Campos (PSB-PE), que deixou a trincheira em 2006 para disputar o governo de Pernambuco. Campos emplacou na hospitaleira cadeira Sérgio Rezende e foi em 2006 a melhor pontaria da Fade no ministério: R$ 7,2 milhões.

Alexandre Rands é economista e ostenta orgulhosamente em seu currículo que mantém um "vinculo institucional" com a Fade e que seu "enquadramento funcional é de consultor" e que faz "pesquisas" desde 1994 até os dias atuais. Dotado de múltiplos talentos, Alexandre Rands também preside a empresa Datamétrica de telemarketing e consultoria econômica que anda abocanhando robustos contratos com o governo federal. Só para administrar o call center do INSS em Recife, a Datamétrica beliscou R$ 20 milhões do contribuinte.

Pequena família... 2

Na eleição de 2006, Maurício Rands queimou, modestamente, R$ 962 mil para se reeleger deputado federal. Ele próprio tirou do bolso a bagatela de R$ 376 mil, segundo a prestação de contas disponível no Tribunal Superior Eleitoral. O polivalente irmão - que leciona, é consultor, economista e sabe-se lá mais o quê - entrou com mais R$ 25 mil, através da empresa Datamétrica, que também faz pesquisas de opinião pública para os principais políticos pernambucanos. Como pessoa física, Alexandre Rands foi mais comedido e só colaborou com R$ 600 para ajudar a renovar a imunidade parlamentar do irmão.

Pequena família...3

O próprio presidente Lula compareceu à festança de inauguração da Central de Tele-atendimento da Previdência Social no dia 16 de junho do ano passado, no Bairro do Recife, onde está o tal call center operado pela Datamétrica de Alexandre Rands. Os integrantes da CPI das ONGs querem saber se Alexandre Rands é mesmo o dono da milionária empresa ou um testa-de-ferro do irmão Maurício. O patrimônio de Maurício Rands declarado à Justiça eleitoral é de causar inveja aos companheiros proletários: R$ 1,9 milhão.

Jornal do Brasil
Doações de empresários ao PT em 2007 destoam do padrão dos anos sem eleições


O valor de R$ 6,22 milhões que o PT declara ter arrecadado de empresários entre fevereiro e setembro deste ano está acima do padrão de doações ao partido em anos não-eleitorais e já é o terceiro maior da história petista -só fica atrás dos anos eleitorais de 2004 e 2006. Pelas projeções do partido, as doações para o total de 2007 podem chegar a R$ 10 milhões.
O partido vem sendo extremamente bem-sucedido em comparação com os últimos anos sem eleições: o PT arrecadou de pessoas jurídicas R$ 2,65 milhões em 2005, R$ 1,33 milhão em 2003 e apenas R$ 990 mil em 2001 (os valores estão corrigidos pelo IPCA). Mais impressionante, a arrecadação em oito meses de 2007 já supera em muito o total obtido em 2002, ano da primeira eleição de Lula, em que entraram nos cofres petistas R$ 4,52 milhões oriundos de pessoas jurídicas.
O ritmo de arrecadação dos partidos obedece a um ciclo: em anos com eleições, os cofres partidários são abastecidos por grandes contribuições. Em teoria, esse dinheiro financiaria atividades cotidianas da legenda (viagens, eventos e pagamento de funcionários), mas na prática as empresas doadoras usam brecha da Lei Eleitoral para fazer uma "doação oculta", na qual os recursos acabam financiando as campanhas. Já nos anos sem eleição, a maré de doações baixa drasticamente. Por isso a gorda arrecadação do PT neste ano é atípica.
O tesoureiro do partido, Paulo Ferreira, afirma que grande parte do dinheiro obtido no "esforço de arrecadação" de 2007 se refere a doações que estavam prometidas desde a eleição do ano passado, mas que só agora foram concretizadas: "Obtivemos doações expressivas, todas dentro da lei e declaradas. Quero que esse ritmo seja cada vez maior".
Segundo Ferreira, o esforço empreendido pelo partido teve dois objetivos: financiar o 3º Congresso do PT, realizado em agosto, em São Paulo, e ajudar a saldar as dívidas do partido. O partido diz que 16 empresas doaram os R$ 6,22 milhões arrecadados neste ano, entre elas a ABC Industrial e a Nacional Distribuidora de Eletrônicos Ltda, suspeitas de serem "laranjas" da Cisco. O orçamento do congresso ficou em R$ 2,2 milhões, e o restante obtido será destinado a pagar credores.
"Eu saí da campanha do Lula, no ano passado, com R$ 10,5 milhões em dívidas, sem falar o que devo a credores já de anos passados", disse Ferreira. Em dezembro de 2006, o buraco do partido era de R$ 48 milhões, ainda um resquício da gestão do ex-tesoureiro Delúbio Soares, que foi expulso do partido no escândalo do "mensalão".
Folha
PF vai abrir novo inquérito para investigar doação ao PT


A Polícia Federal (PF) deverá abrir um novo inquérito sobre o caso Cisco para investigar especificamente a doação de R$ 500 mil ao PT pela ABC Industrial e Nacional Distribuidora de Eletrônicos Ltda., empresa que teria sido usada pela multinacional para o aporte de dinheiro em troca de um suposto favorecimento da distribuidora Damovo, braço da Cisco, em licitação na Caixa Econômica Federal.

A definição sobre o desmembramento do inquérito sai de encontro marcado para os próximos dias entre integrantes da PF, do Ministério Público Federal e da Receita Federal que investigam o caso Cisco. Como a alteração da licitação foi decidida em Brasília e a denúncia envolve o PT, a tendência é que a nova investigação seja conduzida por delegados da PF no Distrito Federal.
Estadão
Ontem, a Caixa divulgou nota na qual desmente o favorecimento à Damovo, em edital do banco para a compra de equipamentos. A PF investiga o envolvimento das duas companhias em suposto esquema que teria gerado a doação da ABC ao PT.

Reportagem publicada domingo pelo jornal Folha de S.Paulo levanta suspeitas de que a Caixa teria beneficiado a Damovo e a Cisco em troca de doações da ABC ao PT. O benefício teria sido feito com a mudança do edital para uma concorrência de R$ 9,9 milhões vencida pela distribuidora da Cisco. Na nota, o banco diz que a hipótese é falsa e a versão foi apresentada "sem sustentação".

A Caixa argumenta que o edital foi alterado, mas a mudança não beneficiou a Damovo. Segundo o banco, o ajuste ocorreu no item III do edital, que não foi vencido pela multinacional. A alteração, segundo o banco, foi feita no prazo legalmente previsto e tinha como objetivo "viabilizar a participação de um número maior de interessados".

A Caixa observa também que "a errata não foi objeto de qualquer impugnação" das empresas que disputavam o leilão. Na nota, o banco explica que a multinacional venceu o item I do edital e esse trecho não teve alteração durante o processo de concorrência.

Na fase final da disputa, as empresas Conecta e Telefônica concorriam com a Damovo. Segundo o banco, as duas concorrentes foram desclassificadas por motivos técnicos, já que testes teriam apresentado resultado abaixo do exigido.

A nota afirma ainda que as investigações não provocaram nenhuma acusação contra o banco ou funcionários. A direção da Caixa abriu processo de auditoria interna quando as denúncias foram noticiadas há mais de 15 dias.

VAZAMENTO

O diretor geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, disse ontem em Belo Horizonte que não acredita em interesses políticos no vazamento de informações de caráter sigiloso da Operação Persona. Corrêa reiterou que a PF abrirá inquérito para apurar o possível vazamento de informações da operação que investiga o envolvimento da Cisco com o suposto esquema de fraudes de importação. A medida foi tomada a partir da reportagem da Folha de S. Paulo, publicada no domingo.

O diretor geral da PF não quis dizer se a denúncia tinha ou não fundamento. Ele observou que a Justiça deverá desmembrar o inquérito sobre o vazamento do restante da investigação, retirando seu caráter sigiloso. Corrêa classificou o suposto vazamento como "um desvio de conduta imperdoável".

"Vamos apurar se houve, porque isso (o inquérito) já transitou também em outros setores. Esteve no Judiciário, advogados já tiveram acesso, por exemplo." Corrêa participou, no início da noite de ontem, da solenidade de posse do novo superintendente da PF em Minas Gerais, Marcos David Salen.

19.11.07

Cisco utilizou laranjas para doar R$ 500 mil ao PT, diz PF

Em troca da doação, segundo a polícia, Caixa teria mudado o edital de leilão eletrônico

Manobra teria sido usada pelos executivos porque Justiça americana pode punir empresa envolvida com corrupção em outro país

Documentos apreendidos pela Polícia Federal e interceptações de conversas telefônicas apontam que a Cisco usou duas empresas de laranjas para doar R$ 500 mil para o PT. Em troca da doação, segundo interpretação de policiais, a Caixa Econômica Federal alterou o edital de leilão eletrônico para que empresa que distribui produtos da Cisco, a Damovo, vencesse a disputa. O contrato da Caixa é de R$ 9 milhões.
A Cisco é uma das maiores corporações do mundo em redes de computadores para a internet. Suas vendas somaram cerca de US$ 35 bilhões (R$ 62 bilhões) no ano fiscal encerrado em junho. As duas empresas, segundo a PF, também eram usadas como biombo para camuflar a Cisco no esquema de importação ilegal e de subfaturamento, para evitar impostos, de até 70% no valor de mercadorias exportadas pela sede da empresa, nos EUA.
A principal prova apreendida pela PF são dois recibos de doações de R$ 250 mil cada um para o diretório nacional do PT. Os papéis foram apreendidos na Operação Persona, que investiga fraudes em importações que podem ter dado prejuízo de R$ 1,5 bilhão ao Fisco.
Após ser procurada pela Folha, a Cisco anunciou o afastamento de dois executivos que estariam diretamente envolvidos na negociação das doações. Um deles, Sandra Tumelero, gerente de contas da Cisco e que atuava em negócios com a Caixa, disse em telefonema gravado pela PF que já tinha os recibos em mãos.
Os recibos apreendidos estavam com Marcelo Naoki Ikeda, diretor de vendas da Mude, empresa-cabeça do esquema para beneficiar a Cisco, segundo a PF. Grampos mostram que Ikeda chegou a negociar com executivos da Cisco no Brasil o pagamento de dívidas da empresa com recursos da Mude.
As empresas que assinam as doações, a ABC Industrial e a Nacional Distribuidora de Eletrônicos, não têm capacidade para doar R$ 250 mil, segundo a PF. Foram emitidos em agosto e setembro e assinados por Angela Silva, que integra a Secretaria Nacional de Finanças e Planejamento do PT, um apêndice do diretório nacional.
São fartos os indícios de que as empresas são de laranjas, segundo a investigação. A Nacional, por exemplo, foi aberta em março de 2006 e tem capital social registrado de R$ 100 mil. Seu suposto controlador, Gerson Orestes Soares Oliveira, que deteria 95% das ações da empresa, teve rendimentos de R$ 17.493,32 em 2006. O outro sócio, seu filho, no mesmo período, não teve renda.
A pergunta que a PF faz é: como alguém que ganha R$ 17,5 mil num ano doaria R$ 250 mil? A conclusão dos policiais é que ele não doou; alguém usou o nome da empresa.
A outra suposta doadora, a ABC Internacional, tem como suposto sócio o ex-ferramenteiro Marcos Zenatti, que mora num conjunto residencial de classe média baixa em Guarulhos, na Grande São Paulo.
Doar R$ 500 mil para um partido é coisa para empresas de grande porte. Foi esse valor que a Schincariol, segunda maior cervejaria do país, entregou para a campanha de Lula. Na quarta, havia um empregado na ABC Internacional, em Lauro de Freitas (BA), cidade vizinha a Salvador.
A PF só conseguiu descobrir que era a Cisco que estava por trás das empresas de laranja por causa das interceptações telefônicas. Nas conversas gravadas com autorização judicial, Carlos Carnevali Júnior, diretor de vendas da Cisco, fala abertamente sobre as doações. O executivo é filho de Carlos Carnevali, que trouxe a Cisco para o Brasil e até hoje é o responsável pela empresa perante a Justiça. O pai foi preso pela Operação Persona, sob acusação de fraudar importações.
Dois executivos que acompanharam a discussão sobre a doação ao PT contaram à Folha, sob a condição de que seus nomes não fosse revelados, detalhes do processo.
O plano inicial de Carnevali Júnior era usar a Mude, para fazer a doação. A Mude, a maior distribuidora da Cisco no Brasil, recusou o papel. Dizia não ter como justificar uma doação desse porte. A PF não sabe bem a razão, mas a Mude teve algum papel nas doações. Os recibos das duas doações foram apreendidos com um executivo dessa empresa, Ikeda.
Nas conversas em busca de um doador, segundo relato dos dois executivos, Carnevali Júnior diz que fora procurado por um petista, que ofereceu-lhe facilidades nos leilões da Caixa em troca de uma contribuição.
Com a recusa da Mude, um executivo que importava produtos da Cisco, chamado Cid Guardia Filho apresentou o que um deles chama de "a solução baiana": duas empresas da Bahia intermediariam.
O dinheiro, porém, seria repassado pela Cisco em simulações de operações comerciais. Guardia Filho está preso em Ilhéus sob acusação de controlar empresas de fachada que ajudavam a fraudar importações. Ele e Ernani Bertino Maciel são apontados pela PF como os controladores da Nacional e da ABC Industrial.
Foi Guardia Filho que acondicionou os R$ 500 mil em uma mala para entregá-lo ao PT, segundo relatos dos que acompanharam o processo.

Tudo terceirizado
Policiais envolvidos na investigação acreditam que podem estar diante de um novo modelo de relação entre empresas e partidos. Se a investigação dependesse só dos documentos apreendidos, a PF jamais chegaria à Cisco. Aparentemente, a empresa terceirizou a doação porque empresas americanas envolvidas em corrupção em outros países podem ser punidas pela Justiça dos EUA.
O PT, depois dos episódios da GTech e do "mensalão", parece ter mudado a forma de arrecadar. Nenhum militante aparece nas gravações. Quem fala com Carnevali Júnior sobre a doação é uma pessoa chamada Sandra, classificada pela PF como uma lobista. Sobre ele a polícia só sabe que usa um celular registrado em nome da Cisco.
A Cisco informou à Folha que se trata de Sandra Tumelero. Ela é gerente de contas da Cisco e já atendeu a Caixa e o Banco do Brasil.
Folha
Caixa alterou edital de concorrência que diz não ter mudado

Contrato foi ganho por distribuidora da Cisco, multinacional que usou duas empresas laranjas para doar R$ 500 mil ao PT

Assessoria do banco não foi encontrada ontem; no fim de outubro, CEF negou irregularidade e informou desconhecer o pagamento


A Caixa Econômica Federal alterou o edital do pregão eletrônico no qual a empresa Damovo saiu vitoriosa, assinando um contrato de R$ 9,9 milhões.
Segundo revelou a Folha ontem, investigação da Polícia Federal aponta que a Cisco, envolvida em esquema de sonegação, usou duas empresas laranjas para doar R$ 500 mil ao PT em agosto e setembro deste ano e, em troca, a Caixa alterou o edital de leilão eletrônico para a Damovo, distribuidora da Cisco, vencer a concorrência. A Caixa e o PT negam o esquema.
O edital do pregão foi lançado em 26 de outubro de 2006. As propostas foram entregues em 24 de novembro. Houve a "retificação do edital" -o site da Caixa não informa quando isso ocorreu, mas a "retificação" sugere que ela saiu após a entrega das propostas.
O pregão visava contratar empresa para fornecer equipamentos "compatíveis com a rede de comunicação da Caixa". Na "retificação" foram retiradas do edital características técnicas dos equipamentos -e foi graças à sua proposta técnica, e não ao preço menor, que a Damovo venceu o pregão.
A Damovo apresentou maior valor para o item 1 do edital, ou seja, R$ 10,7 milhões contra R$ 8,1 milhões da Telefônica e R$ 7,8 milhões da Conecta. Na sessão do pregão em 27 de março de 2007, a Conecta foi desclassificada por motivos técnicos. No dia 20 de julho, a Telefônica também foi desclassificada.
"Após negociação, a licitante Damovo reduziu seu preço unitário para R$ 2.072,00 e global para R$ 9.900.016,00", saindo vitoriosa. Todos os dados estão no próprio site da Caixa. Mesmo assim, a Caixa diz que não houve alteração no edital do pregão eletrônico 157/ 2006.
O contrato entre a Caixa e a Damovo foi assinado em 11 de outubro, cinco dias antes da Operação Persona da Polícia Federal que apontou fraudes em importações envolvendo a Cisco, com suposto prejuízo de R$ 1,5 bilhão ao fisco. A PF apreendeu na Operação dois recibos de doação de R$ 250 mil cada um ao PT. Esse é o dinheiro que teria sido entregue ao partido para beneficiar a Damovo -que nega a existência do esquema.

Outro lado
A reportagem telefonou ao menos três vezes ontem para a assessoria de imprensa da Caixa, mas ninguém atendia ao celular. No fim de outubro, a Caixa negou à Folha irregularidade no pregão e disse desconhecer pagamento de R$ 500 mil ao PT, envolvendo a Damovo. A empresa diz desconhecer "totalmente hipotéticos episódios (...), relativos a ganho indevido de licitação promovida pela Caixa Econômica Federal".

Folha
Socialismo? Só na América Latina


Mesmo com algumas crises financeiras e bolhas, a economia mundial exibe crescimento vigoroso desde os anos 1990, e simplesmente espetacular de 2003 para cá. Diversos fatores se combinaram para isso - estabilidade monetária (inflação dominada, juros baixos), abertura ao comércio externo e à circulação de capitais, tecnologia de informação e telecomunicações, permitindo ganhos de produtividade. Mas há um outro fator histórico, decisivo: a incorporação de dezenas de países ex-socialistas e seus bilhões de habitantes ao capitalismo global.

A enorme capacidade de criar riqueza do capitalismo encontrou locais propícios para se multiplicar. Capitais do mundo todo encontraram novos pólos de investimento. Populações desses países - muitas com alto nível educacional, como as do Leste Europeu - entraram com tudo no modo de produção capitalista, com uma forte vontade de prosperar. Em diversos países se formou uma combinação de mão-de-obra educada, mais barata do que nos centros mundiais e trabalhando em plantas modernas, de alta produtividade.

Mais ainda: muitos países trouxeram novos recursos naturais, como o petróleo e o gás da Rússia e vizinhos, que alimentam a Europa Ocidental. E, sobretudo, bilhões de novos consumidores foram incorporados aos mercados mundiais. Com o crescimento acelerado desses novos capitalistas e o contínuo ganho de renda, os mercados se multiplicaram. (A brasileira Arezzo vai abrir lojas na China para vender sapatos femininos a partir de US$ 150 o par. Para quem? Para as novíssimas classes A e B que crescem naquele país. O consumo de carnes cresce fortemente nesse novo mundo, para alegria dos exportadores brasileiros.)

Na verdade, como notou Alan Greenspan em seu livro A Era da Turbulência, temos o privilégio de acompanhar um evento único: estamos verificando a olho nu, em tempo curto, como se forma esse modo de produção capitalista, processo que, na outra parte do mundo, levou séculos para se consolidar.

Há um único lugar no mundo que está tentando fazer o caminho contrário, para o socialismo. Adivinharam, claro, a América Latina.

Só nesta parte do mundo as idéias socialistas são levadas a sério, na teoria e na prática. No Brasil, temos conseguido escapar de certas experiências, mas fica sempre uma inquietação no ar, pois o pensamento socialista domina as escolas e as faculdades na área de humanas.

O pessoal continua gastando um tempo enorme estudando marxismo e socialismo - história morta. E sou capaz de apostar que nenhuma escola de ciências sociais tem estudos sérios sobre esse fenômeno da introdução do capitalismo em meio mundo.

Um exemplo desse quadro é a última prova do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), do Ministério da Educação.

Os testes não deixam outra possibilidade: se o universitário concorda com a idéia de que a história e a sociedade se movem pelo conflito de classes entre capital e trabalho, como ensina o marxismo, então deve ter tirado nota 10.

Se, ao contrário, o universitário pensa que a liberdade individual, o mercado livre e o direito de propriedade constituem os melhores fundamentos das relações sociais e econômicas, como prova o mundo moderno, esse aluno errou a maior parte das questões.

Se pensa isso e foi esperto, não errou, pois as questões são construídas de tal modo que a "resposta socialista" surge como obviamente correta e a outra, "neoliberal", parece uma estupidez ou uma ingenuidade.

A questão 10, por exemplo, pede uma breve dissertação sobre o papel desempenhado pela mídia nas sociedades democráticas, a partir de três enunciados. Dois deles, um dos quais é uma entrevista de Noam Chomsky, sustentam que a mídia (assim, no geral) é um instrumento das classes dominantes, do capital, para manter a exploração e bloquear, de modo sutil e subliminar, a circulação de "idéias alternativas e contestadoras".

O outro enunciado é maroto. Procura elaborar uma caricatura bonitinha. Diz assim: "A mídia vem cumprindo seu papel de guardiã da ética, protetora do decoro e do Estado de Direito. Assim, os órgãos midiáticos vêm prestando um grande serviço às sociedades, com neutralidade ideológica, com fidelidade à verdade factual, com espírito crítico e com fiscalização do poder onde quer que ele se manifeste."

Nesse quadro, se o aluno entendesse que, nos regimes democráticos, há jornais, revistas, rádios e TVs que procuram relatar os fatos da maneira mais objetiva possível; que a imprensa não-partidária e não-religiosa é induzida a isso pela concorrência e pela competição no livre mercado; que há, sim, imprensa comprometida com a democracia, com a liberdade de opinião e com a vigilância dos governos, sendo isso testado pelo seu público, o melhor a fazer seria evitar essa argumentação, pois o contexto da questão indicava que seria considerada falsa.

Para o Enade, ou a mídia é de uma santidade exemplar, impoluta e infalível; ou não existe a menor liberdade de imprensa e de opinião e a mídia dita democrática é sempre um truque para calar os trabalhadores e suas lideranças.

Quem se lembrou dos ataques de membros do governo e do PT à "mídia golpista" lembrou bem. É essa visão mesmo. Fazer reportagens sobre mensalão e aloprados, criticar a administração lulista e seu partido só pode ser coisa da direita, pois o governo, sendo o deles, necessariamente está certo.
Carlos Alberto Sardenberg - Estadão