Como a polícia e a Justiça do Pará encarceraram uma menina de 15 anos numa cela com trinta homens
Leonardo Coutinho
Reprodução/TV RBA/AE |
A cela onde L. ficou presa por 24 dias: seis estupros diários |
Aos 15 anos, L.A.B. mede 1,50 metro e pesa 35 quilos. Tem a compleição física de uma criança de 12 anos. Seus pais vivem em uma zona rural do Pará. Para poder estudar, ela morava com um tio em Abaetetuba, a 89 quilômetros de Belém. Desde junho, L. passava mais tempo na rua do que na escola municipal, onde cursava a 5ª série. Em 21 de outubro, foi presa pela polícia sob a acusação de ter tentado furtar um aparelho de celular, embora ninguém tenha dado queixa e não haja provas de que o crime foi cometido. Interrogada, ela negou o furto e avisou que era menor de idade. Ainda assim, foi encarcerada pela delegada Flávia Pereira em uma cela com trinta homens adultos. Meia dúzia dos detentos exigiu que L. fizesse sexo com eles. Como ela se recusou, foi estuprada e torturada. Os bandidos queimaram seu corpo com pontas de cigarro e a planta dos pés com isqueiros. Dois dias depois, L. foi levada à presença de uma juíza, Clarice de Andrade. Novamente, ela alegou que era menor. A juíza, porém, contrariando a lei, a devolveu à mesma cela. Todos os dias, L. era violada de cinco a seis vezes. A situação revoltou alguns dos presos, que disseram aos carcereiros que, além de ser uma menina, ela não podia ficar na cela com homens. Os policiais, então, cortaram o cabelo longo, liso e negro de L. à faca e rente à cabeça. Como seu corpo tem poucas curvas, ela ficou parecida com um rapaz.
À resistência de L. às investidas sexuais, seus colegas de cárcere respondiam com o confisco de sua comida. Depois de dois dias, ela passou a trocar sexo pela ração a que teria direito. Só não fez sexo em três dos 24 dias em que ficou presa, porque, nesses, os presos receberam visitas íntimas. Em 13 de novembro, uma fonte anônima delatou o caso a uma funcionária do Conselho da Infância e Juventude da cidade. Depois de constatar a veracidade da denúncia, a funcionária recorreu ao promotor Lauro Freitas para libertar L. Quando Freitas chegou à delegacia no dia seguinte, L. havia sumido. O delegado Celso Viana alegou que ela fugira. A menina foi encontrada horas depois no porto da cidade, à margem do Rio Maratauíra. Resgatada, disse que os policiais a conduziram até o cais e ordenaram que ela pegasse o primeiro barco e desaparecesse da cidade. Se ficasse em Abaetetuba, morreria.
José Cruz/ABR |
Ana Júlia dança o carimbó: menos festa e mais trabalho, governadora |
Os pais de L. não foram informados de que ela tinha sido presa, como a lei determina em casos de menores – e muito menos de que havia sido enjaulada numa cela comum e na companhia de homens, o que é escandalosamente ilegal. Depois que a menina foi encontrada pelo promotor, a polícia tentou produzir provas falsas de que ela teria 20 anos. Apresentou uma certidão de nascimento fajuta e obrigou o pai de L., Aloísio Prestes, a mentir a idade da filha. Apavorados, Prestes e Joisecléa Alves, mãe da menina, foram incluídos pelo Ministério da Justiça no programa de proteção a testemunhas. Sua filha está sob os cuidados da Polícia Rodoviária Federal e de uma ONG, que denunciou o caso às Nações Unidas. No Pará, por incrível que pareça, é corriqueiro manter mulheres em celas masculinas. Na semana passada, descobriu-se que Enailde Santos passou 45 dias nessas condições em Parauapebas. O tormento de Raimunda Santos, em São João de Pirabas, durou três meses. Na mesma cidade, Vanilza Matos permaneceu uma noite numa cela masculina depois que se recusou a massagear os pés do delegado.
A reação da governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, à divulgação das torturas sofridas por L. foi previsível. "Se ela tem 15, 20, 50, 80 ou até 100 anos, não importa. Uma mulher não poderia estar presa numa cela com homens", disse ao jornal O Estado de S. Paulo. Importa, sim. Atenta contra o Estatuto da Criança e do Adolescente manter um menor de 18 anos em uma prisão comum. Depois dessa declaração, a governadora editou um decreto proibindo que homens e mulheres dividam a mesma cela. "É bobagem. Isso é lei federal", protestou a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB no Pará, Mary Cohen. Alguém precisa explicar a Ana Júlia que ela deve garantir o cumprimento das leis no estado que governa.
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