12.11.07

Seus problemas acabaram


Os brasileiros já se acostumaram com os exageros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na ânsia desmesurada de parecer melhor e maior, tornaram-se lugar comum as frases "nunca antes neste país", "desde a criação da República" etc. De curiosas, no início, caíram no descrédito e são usadas nas piadas. Mas têm efeito nos palanques. A descoberta do novo reservatório de petróleo pela Petrobras — cuja divulgação teve exploração política ufanista e foi usada para promover a imagem da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff — levou Lula a um novo patamar de pieguice.

A reserva de Tupi é realmente fenomenal para os padrões do país. Tendo entre 5 e 8 bilhões de barris de gás natural e petróleo, é a maior já encontrada. Sendo um óleo mais leve, seu valor é maior. Os outros números de sua exploração, porém, também são gigantescos e desafiadores. A esmagadora profundidade de 7 mil metros é um desafio financeiro e tecnológico para poucos. Segundo declarou o pesquisador da UFRJ Giuseppe Bacoccoli à Folha de S. Paulo, serão necessários 10 plataformas que custam entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões cada (até quatro vezes mais que a última construída) para a área chegar à plenitude produtiva.

São de US$ 30 bilhões a US$ 40 bilhões apenas para as plataformas, fora os demais investimentos (transporte, armazenagem, refino etc). Para dar a dimensão do desafio basta dizer que o lucro da Petrobras no ano passado foi equivalente a US$ 15 bilhões. Sem Tupi, a programação de investimentos da estatal já é de US$ 112 bilhões até 2012. A estatal deve ter cada vez mais interesse em que a cotação do petróleo, hoje próximo a US$ 100 o barril, continue subindo para justificar o investimento.

Brinquedo
Embriagado pela descoberta, Lula aceita e brinca com os títulos de "magnata" e "xeque" do petróleo, segundo admitiu sábado em Santiago, no Chile, onde participou da Cúpula Ibero-americana. Apesar de Tupi levar ainda uns 10 anos para chegar à produção plena, o presidente já fala em solicitar ingresso na Organização dos Países Exportadores de petróleo (Opep). E mais: disse que o Brasil vai defender a redução do preço do barril.

Bem, há alguns senões. O primeiro é que pode não interessar à Petrobras a queda no preço para que o megacampo valha à pena ser explorado. E, além disso, a cotação do petróleo não é resultado da vontade unilateral dos membros da Opep ou de instabilidade político-militar nas principais áreas produtoras. O barril vem subindo por uma regra clássica de mercado que alguém poderia explicar no ouvido de Lula: oferta e demanda.

Pressão
O consumo de combustíveis — não só petróleo — vem crescendo. Onde a demanda aumenta em volume ou velocidade além do que os produtores podem atender, os preços sobem. Portanto, os futuros países-colegas do Brasil na Opep, que em grande parte têm o óleo como principal ou único produto com apelo comercial, não devem estar muito interessados no discurso populista sugerido pelo presidente.

Como mostrou reportagem de Luís Osvaldo Grossmann na edição de ontem do Correio Braziliense, o quadro de abastecimento mundial de energia tende a se agravar nos próximos anos. Segundo relatório da semana passada da Agência Internacional de Energia, a demanda continuará crescendo e o mundo permanecerá dependente dos combustíveis fósseis.

Carvão, petróleo e gás atendem 81% da energia consumida atualmente. E responderão por 82% em 2030, quando o consumo total será muito maior. Sem exagero, a agência prevê uma nova crise de petróleo em 2015, quando Tupi talvez esteja começando a ser explorado comercialmente.

Seguro
O que interessa, nesse prazo, é saber se a megarreserva poderá ser um seguro para o país enfrentar as pressões de preço e abastecimento, questão que o governo não teve capacidade resolver em relação ao gás natural. Não temos hoje nem garantia de volume (pelo contrário, temos falta do combustível), nem de preço, que deve sofrer um choque de 25%, como admitiu a diretora Maria das Graças Foster, da Petrobras. Azar de todos os brasileiros se chover pouco e, em particular, das indústrias e motoristas que acreditaram na política energética do governo.

Então, antes de entrar no cartel da Opep ou ter alguma relevância no mercado exportador de petróleo, o imprescindível é traçar os planos e estratégias para o Brasil ser adequadamente abastecido. O que vai acontecer em oito anos com o consumo brasileiro de petróleo, hoje em 1,9 milhão de barris por dia? E com o gás natural, cujo uso é de 52 milhões de metros cúbicos diários e, só para ligar as térmicas, atualmente paradas, precisariam de 46 milhões?

O governo e especialmente a Petrobras têm todo o direito de comemorar a descoberta de Tupi. Mas não podem se deixar levar por sonhos de grandeza enquanto as ameaças energéticas crescem.
Por Raul Pilati - Correio Brasiliense

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