19.11.07

Cisco utilizou laranjas para doar R$ 500 mil ao PT, diz PF

Em troca da doação, segundo a polícia, Caixa teria mudado o edital de leilão eletrônico

Manobra teria sido usada pelos executivos porque Justiça americana pode punir empresa envolvida com corrupção em outro país

Documentos apreendidos pela Polícia Federal e interceptações de conversas telefônicas apontam que a Cisco usou duas empresas de laranjas para doar R$ 500 mil para o PT. Em troca da doação, segundo interpretação de policiais, a Caixa Econômica Federal alterou o edital de leilão eletrônico para que empresa que distribui produtos da Cisco, a Damovo, vencesse a disputa. O contrato da Caixa é de R$ 9 milhões.
A Cisco é uma das maiores corporações do mundo em redes de computadores para a internet. Suas vendas somaram cerca de US$ 35 bilhões (R$ 62 bilhões) no ano fiscal encerrado em junho. As duas empresas, segundo a PF, também eram usadas como biombo para camuflar a Cisco no esquema de importação ilegal e de subfaturamento, para evitar impostos, de até 70% no valor de mercadorias exportadas pela sede da empresa, nos EUA.
A principal prova apreendida pela PF são dois recibos de doações de R$ 250 mil cada um para o diretório nacional do PT. Os papéis foram apreendidos na Operação Persona, que investiga fraudes em importações que podem ter dado prejuízo de R$ 1,5 bilhão ao Fisco.
Após ser procurada pela Folha, a Cisco anunciou o afastamento de dois executivos que estariam diretamente envolvidos na negociação das doações. Um deles, Sandra Tumelero, gerente de contas da Cisco e que atuava em negócios com a Caixa, disse em telefonema gravado pela PF que já tinha os recibos em mãos.
Os recibos apreendidos estavam com Marcelo Naoki Ikeda, diretor de vendas da Mude, empresa-cabeça do esquema para beneficiar a Cisco, segundo a PF. Grampos mostram que Ikeda chegou a negociar com executivos da Cisco no Brasil o pagamento de dívidas da empresa com recursos da Mude.
As empresas que assinam as doações, a ABC Industrial e a Nacional Distribuidora de Eletrônicos, não têm capacidade para doar R$ 250 mil, segundo a PF. Foram emitidos em agosto e setembro e assinados por Angela Silva, que integra a Secretaria Nacional de Finanças e Planejamento do PT, um apêndice do diretório nacional.
São fartos os indícios de que as empresas são de laranjas, segundo a investigação. A Nacional, por exemplo, foi aberta em março de 2006 e tem capital social registrado de R$ 100 mil. Seu suposto controlador, Gerson Orestes Soares Oliveira, que deteria 95% das ações da empresa, teve rendimentos de R$ 17.493,32 em 2006. O outro sócio, seu filho, no mesmo período, não teve renda.
A pergunta que a PF faz é: como alguém que ganha R$ 17,5 mil num ano doaria R$ 250 mil? A conclusão dos policiais é que ele não doou; alguém usou o nome da empresa.
A outra suposta doadora, a ABC Internacional, tem como suposto sócio o ex-ferramenteiro Marcos Zenatti, que mora num conjunto residencial de classe média baixa em Guarulhos, na Grande São Paulo.
Doar R$ 500 mil para um partido é coisa para empresas de grande porte. Foi esse valor que a Schincariol, segunda maior cervejaria do país, entregou para a campanha de Lula. Na quarta, havia um empregado na ABC Internacional, em Lauro de Freitas (BA), cidade vizinha a Salvador.
A PF só conseguiu descobrir que era a Cisco que estava por trás das empresas de laranja por causa das interceptações telefônicas. Nas conversas gravadas com autorização judicial, Carlos Carnevali Júnior, diretor de vendas da Cisco, fala abertamente sobre as doações. O executivo é filho de Carlos Carnevali, que trouxe a Cisco para o Brasil e até hoje é o responsável pela empresa perante a Justiça. O pai foi preso pela Operação Persona, sob acusação de fraudar importações.
Dois executivos que acompanharam a discussão sobre a doação ao PT contaram à Folha, sob a condição de que seus nomes não fosse revelados, detalhes do processo.
O plano inicial de Carnevali Júnior era usar a Mude, para fazer a doação. A Mude, a maior distribuidora da Cisco no Brasil, recusou o papel. Dizia não ter como justificar uma doação desse porte. A PF não sabe bem a razão, mas a Mude teve algum papel nas doações. Os recibos das duas doações foram apreendidos com um executivo dessa empresa, Ikeda.
Nas conversas em busca de um doador, segundo relato dos dois executivos, Carnevali Júnior diz que fora procurado por um petista, que ofereceu-lhe facilidades nos leilões da Caixa em troca de uma contribuição.
Com a recusa da Mude, um executivo que importava produtos da Cisco, chamado Cid Guardia Filho apresentou o que um deles chama de "a solução baiana": duas empresas da Bahia intermediariam.
O dinheiro, porém, seria repassado pela Cisco em simulações de operações comerciais. Guardia Filho está preso em Ilhéus sob acusação de controlar empresas de fachada que ajudavam a fraudar importações. Ele e Ernani Bertino Maciel são apontados pela PF como os controladores da Nacional e da ABC Industrial.
Foi Guardia Filho que acondicionou os R$ 500 mil em uma mala para entregá-lo ao PT, segundo relatos dos que acompanharam o processo.

Tudo terceirizado
Policiais envolvidos na investigação acreditam que podem estar diante de um novo modelo de relação entre empresas e partidos. Se a investigação dependesse só dos documentos apreendidos, a PF jamais chegaria à Cisco. Aparentemente, a empresa terceirizou a doação porque empresas americanas envolvidas em corrupção em outros países podem ser punidas pela Justiça dos EUA.
O PT, depois dos episódios da GTech e do "mensalão", parece ter mudado a forma de arrecadar. Nenhum militante aparece nas gravações. Quem fala com Carnevali Júnior sobre a doação é uma pessoa chamada Sandra, classificada pela PF como uma lobista. Sobre ele a polícia só sabe que usa um celular registrado em nome da Cisco.
A Cisco informou à Folha que se trata de Sandra Tumelero. Ela é gerente de contas da Cisco e já atendeu a Caixa e o Banco do Brasil.
Folha

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