30.11.07

Eles estão chegando

Aloisio Mercadante

A senhora apontou para o saguão cheio de gente: "Assim não dá. Isso parece rodoviária. Eles tomaram conta do aeroporto"

ESTAVA EM Congonhas quando uma senhora muito bem-vestida se aproximou e começou a reclamar. Pensei tratar-se de atraso ou cancelamento de vôo. Não era. Com um gesto largo, a senhora apontou para o saguão cheio de gente de todas as classes sociais e disparou: "Assim não dá. Isso aqui parece uma rodoviária. Eles tomaram conta do aeroporto".
É, antes, muitos deles vinham de ônibus velhos e paus-de-arara, pisando a terra batida das estradas e o cimento sujo das rodoviárias.
Agora, alguns deles já vêm de avião e marcham com desenvoltura sobre o luxuoso mármore dos aeroportos.
Eles, quem diria, estão invadindo um sistema de transportes que era privilégio histórico de pequena minoria. Tiveram a petulância de contribuir para aumentar o número de embarques e desembarques em 44% nos últimos três anos. As más-línguas dizem até que eles são também responsáveis pela crise aérea. Mas eles não se contentam com isso. Eles têm os desejos atávicos dos que nunca tiveram seus desejos satisfeitos. Eles querem mais e estão chegando a muitos lugares antes cuidadosamente reservados aos bem-nascidos. Eles estão chegando às universidades. Até às particulares! Com efeito, não satisfeitos em entrar nas universidades públicas com o sistema de quotas, eles estão começando a percorrer os corredores das universidades privadas com o ProUni, que já colocou nos últimos três anos quase meio milhão deles no ensino superior.
Os mais pobres deles estão chegando à luz elétrica. Graças ao programa Luz para Todos, milhões de brasileiros fugiram das trevas e dos simpáticos, porém obsoletos, lampiões de querosene. Isso transformou suas vidas e os colocou, finalmente, com mais de cem anos de atraso, no século 20. Se esse processo tiver continuidade, no futuro próximo, o século 19 será passado em todo o Brasil. "Mon Dieu"!
Eles estão começando a chegar aos computadores. Embora falte muito para acabar com o apartheid digital no Brasil, a desoneração da produção de bens de informática vem aumentando exponencialmente a venda de computadores, que cresceu 46% em 2006 e deverá chegar a 8 milhões de unidades em 2007.
E eles estão chegando também à internet. De banda larga! O meu projeto de colocar essa tecnologia revolucionária em todas as escolas públicas do Brasil, somado à recente decisão do governo de levar a internet de banda larga, até 2010, a todos os 3.570 municípios ainda não conectados, deverá beneficiar cerca de 49 milhões de jovens brasileiros.
Desse jeito, em pouco tempo, o século 21 será presente em todo o país! Eles estão chegando à sociedade de consumo. E não são poucos. Segundo o IBGE, em apenas três anos (2004 a 2006), impulsionados por um crescimento econômico de 4,1% ao ano e por políticas ativas de distribuição de renda, cerca de 17 milhões de brasileiros deixaram a miséria para trás.
Engordada por um aumento real do salário mínimo de 25% nesse triênio e pelo Bolsa Família, que já beneficia 11 milhões de núcleos familiares, a renda per capita dos 50% mais pobres do país cresceu num ritmo chinês: 32%, duas vezes mais do que os rendimentos dos 10% mais ricos.
Dessa forma, está se ampliando o mercado interno, e o país, apesar das grandes desigualdades ainda existentes, começa a chegar à tão desejada combinação de crescimento econômico sustentado com distribuição de renda.
Eles estão chegando ao mercado de trabalho. E pela porta da frente, com carteira assinada. Nos últimos três anos, a ocupação total cresceu 8,2%, o que corresponde a quase 8 milhões de novos postos de trabalho, e os trabalhadores formalizados cresceram bem mais: 18%. Dessa maneira, o Brasil poderá combinar taxas de desemprego baixas com setor informal minoritário. Que audácia!
Mas tem gente que não está gostando nada disso. Trata-se da minoria que quer manter seus privilégios e vê com desconfiança esses processos de mobilidade e inclusão social. São os xiitas da desigualdade, do monopólio do poder, que encaram tais mudanças como uma invasão de bárbaros.
De certa forma, têm razão. Bárbaros, para os antigos gregos, eram os estrangeiros. E eles, os excluídos, sempre foram estrangeiros em seu próprio país. Agora, no entanto, eles estão chegando à cidadania. Chegando ao Brasil, após 500 anos.
Para completar o quadro, o ONU acaba de incluir o país na lista das nações com índice de desenvolvimento humano alto. Se a coisa continuar assim, é possível que o Brasil converta-se, afinal, em um país de todos.
ALOIZIO MERCADANTE OLIVA, 53, economista e professor licenciado da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é senador da República pelo PT-SP.

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