26.11.07

Os dois lados da moeda

Está nos jornais. A Polícia Federal investiga duas doações suspeitas para o PT. As empresas ABC Industrial e Nacional Distribuidora de Eletrônicos depositaram R$ 250 mil cada um nos cofres petistas. A coisa complicou quando a PF encontrou os recibos dessas doações no escritório de um empresário envolvido no escândalo da Cisco, multinacional investigada no Brasil pela suspeita de sonegar R$ 1 bilhão. Os policiais descobriram que as duas empresas doadoras são empresas de fachada e desconfiam que elas serviram como "laranjas" para disfarçar os verdadeiros benfeitores do PT. Esta coluna tratará menos dos aspectos policiais do caso e mais do seu lado político. A impressionante capacidade do PT de arrecadar recursos milionários e os efeitos disso sobre o partido e a disputa pelo poder.

Depois da denúncia, a o tesoureiro petista soltou a seguinte nota oficial: "Em 2007, o partido fez um esforço de arrecadação com o objetivo de levantar recursos para financiar, entre outras despesas, a realização do 3º Congresso Nacional. Como resultado desse esforço, o PT recebeu entre 2 de fevereiro e 29 de setembro de 2007 doações de 16 (dezesseis) Pessoas Jurídicas, que totalizaram R$ 6.223.001,00."

Ou seja: sem dinheiro para financiar seu Congresso, o PT decidiu passar a sacola. O "esforço de arrecadação" rendeu a bagatela de R$ 6,2 milhões em oito meses. E para juntar essa fortuna, precisou da generosidade de apenas 16 empresas. São números impressionantes, só alcançáveis por um partido solidamente alojado no poder. Apenas como comparação, em 2001, quando ainda estava na oposição, o PT recebeu R$ 990 mil em doações de empresas.

Some-se a esse dado um outro, da prestação de contas da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006. Dos 104,3 milhões gastos na reeleição, nada menos que R$ 103,8 milhões vieram de empresários. Os militantes petistas contribuíram apenas com R$ 500 mil. Duas conclusões se impõem: a primeira é que o PT no governo encontrou um canal direto para buscar recursos junto a grandes empresários. A segunda é que o partido se viciou nesses recursos. Aquele partido que se financiava com o esforço de sua militância acabou. Quem consegue tanto dinheiro com grandes doadores não vai voltar a vender broches na rua para se financiar.
Além disso, a lógica do enfrentamento interno do PT encarece o partido. Na semana passada, o PSDB elegeu sua nova direção. Para chegar aos nomes da nova executiva foi preciso apenas reunir os caciques tucanos em uma sala. No PT, as correntes internas se enfrentam como partidos. No início de dezembro, haverá eleições diretas para a nova direção. Espera-se algumas centenas de milhares de votos. Uma eleição desse tamanho custa muito dinheiro.

O primeiro efeito é óbvio. Aumentam os escândalos envolvendo o partido. Todos os casos de corrupção desde o início do governo Lula tiveram relação com o financiamento eleitoral. Dos "recursos não contabilizados" de Delúbio Soares aos laranjas da Cisco, passando pelas malas de dinheiro usada pelos "aloprados", que tentavam comprar um dossiê contra tucanos em 2006.

O segundo efeito é mais sério. Dá ao PT uma enorme vantagem sobre os adversários na luta pelo poder. O partido já tinha a maior base social do país, com o mais profundo envolvimento com os sindicatos e os movimentos populares. Dispõe de uma militância grande e organizada. Ao chegar ao poder nacional, agregou dois elementos que antes eram típicos dos "partidos de elite". O controle da máquina administrativa e o acesso a financiamentos milionários. Todas essas cartas na mesma mão podem desequilibrar o jogo político. É isso que tanto assusta os partidos da oposição.

Esse é o dilema que o PT vive às vésperas da eleição direta para renovar sua direção. São vários candidatos contra um. Ou melhor, contra o atual presidente, Ricardo Berzoini. Ele representa a continuidade do modelo de direção implantado por José Dirceu e continuado por José Genoíno. O modelo que gerou o mensalão. Mas que também elegeu Lula duas vezes para a Presidência da República e deu ao PT a maior bancada na Câmara dos Deputados nas eleições de 2006. Os outros candidatos criticam Berzoini e prometem uma grande mudança na forma de administrar o partido. Mas será que estariam dispostos a esquecer a facilidade das grandes doações, mesmo aquelas com origem suspeita? Os petistas voltarão a vencer broches e estrelinhas para pagar seus congressos e material de campanha? Levantarão os R$ 100 milhões necessários a uma campanha presidencial? Parece pouco provável.
Gustavo Krieger - Correio Brasiliense

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