29.11.07

Lula, o viajante do palanque


Alguns torcedores festejam a vitória de seu time espancando gente na rua, arrebentando orelhões e depredando estações de metrô. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou o ingresso do Brasil no clube dos países com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) falando mal do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Discursou, como de costume, para o velho público do movimento sindical e da antiga esquerda, como se estivesse num palanque da Vila Euclides dos anos 70 e 80. Xavier de Maistre ganhou fama literária, há mais de duzentos anos, descrevendo uma viagem de 42 dias no interior de seu quarto. Lula conseguiu viajar por todo o mundo, nos últimos cinco anos, discursando como se nunca houvesse deixado aquele palanque.

Segundo Lula, o Brasil, isto é, seu governo, provou ser possível combinar distribuição de renda e crescimento econômico e ao mesmo tempo expandir o mercado interno e as vendas ao exterior. Tudo isso é possível, de fato, mas quem afirmava, no Brasil, a impossibilidade de produzir para o mercado interno e para o externo? Ele mesmo e seus velhos companheiros. Ao chegar à Presidência, ele ainda falava em prioridade para o abastecimento interno, como se a agropecuária brasileira fosse incapaz de produzir para o País e para fora. Bobagens desse tipo ainda são repetidas por gente de sua turma.

Mas a conciliação do presidente Lula com os fatos permanece incompleta. Em seu discurso, ele voltou a acusar o FMI de haver imposto o ajuste fiscal, em seus programas, à custa da exclusão das políticas sociais. Novamente um lapso de memória ou de entendimento. Governos quebrados não têm como sustentar programas sociais nem condições para realizar grandes investimentos. Ele devia saber disso, quando pediu a seu antecessor, antes de tomar posse, a manutenção do acordo com o Fundo.

Se acreditasse firmemente numa alternativa, ele teria assumido o governo, em janeiro de 2003, livre, leve e solto para gastar como quisesse. Mas seu ministro da Fazenda, naquela ocasião, via os fatos com outra perspectiva - e o presidente Lula aceitou esse ponto de vista.

Mas seu passeio pelo mundo da fantasia não parou aí. De fato, as melhoras dos indicadores sociais não deixaram de ocorrer no Brasil, nos anos 90 e na década seguinte, apesar das muitas dificuldades e das várias tentativas de estabilização da economia. O presidente Lula, no entanto, parece incapaz de admitir esse fato - e continua a discursar como se o País houvesse mudado só depois de sua chegada ao governo federal.

Os próprios números da ONU desmentem essa versão. O IDH brasileiro saltou de 0,723 em 1990 para 0,753 em 1995 e daí para 0,798 em 2000. O primeiro pulo correspondeu a uma variação de 4,15%. O segundo representou um avanço de 4,78%. No terceiro, o indicador chegou a 0,800, com um progresso de apenas 1,39%.

Em outras palavras, quando o presidente Lula tomou posse, em janeiro de 2003, o País estava praticamente lá, na categoria dos países com IDH igual ou superior a 0,800, e só faltava um empurrãozinho. Só um governo de extraordinária incompetência, pior até que o do PT, seria incapaz de fazer o País percorrer aquela pequeníssima distância. Esse resultado foi conseguido principalmente com a unificação de programas sociais - basicamente de transferência de renda - concebidos e implantados em anos anteriores.

Nesses anos, o governo brasileiro foi capaz de eliminar a hiperinflação, de reconquistar o acesso ao mercado financeiro internacional e de iniciar a reforma das contas públicas, bagunçadas durante uma longa fase de pajelanças muito ao gosto dos chamados progressistas.

Se o presidente Lula se interessasse por essas coisas, poderia pedir a seus assessores um levantamento de números do IBGE. Descobriria, assim, uma interessante história de evolução dos indicadores sociais - redução da mortalidade infantil, aumento do número de matrículas, diminuição do analfabetismo, acesso crescente a bens de consumo típicos da vida moderna - ao longo dos anos 90.

Pelo menos um ponto importante o presidente parece haver reconhecido nos últimos anos: é besteira falar de redistribuição quando a renda dos pobres é corroída de forma persistente pela alta de preços. Mas a inflação nunca teria sido derrubada para valer, na década passada, se ninguém tivesse abandonado as políticas defendidas, ainda hoje, pela companheirada. E essa companheirada, é bom não esquecer, está reconquistando influência no Planalto.
Rolf Kuntz - Estadão

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