8.11.07

Nova aventura na Bolívia

O presidente Evo Morales é incorrigível. Sem poder produzir gás para cumprir os compromissos que assumiu - faltam-lhe recursos financeiros e capacidade técnica para isso -, mandou a Brasília emissários que fizeram ao governo brasileiro juras de bom comportamento, se a Petrobrás voltar a investir na Bolívia. Bastou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que também é incorrigível - concordasse com o pleito e mandasse o presidente da Petrobrás a La Paz, para discutir em que termos a estatal voltará a pesquisar e produzir gás naquele país, para que Evo Morales roncasse grosso: "Se quiser investir, é bem-vindo", mas a Petrobrás terá de "respeitar as normas bolivianas." O tom é de quem atende a um pedido, mas sob condições.

Ora, o problema não é se a Petrobrás obedecerá às leis da Bolívia. Isso ela sempre fez, mesmo quando foi espoliada de reservas e instalações, inclusive duas refinarias expropriadas a preço vil, e se viu esfolada por um torniquete tributário que levou 85% do valor produzido. A questão central é saber se o presidente Evo Morales se aterá às leis vigentes ou se, uma vez feitos os investimentos que ele pediu à Petrobrás, ele inventará nova legislação confiscatória. Capaz disso ele já mostrou que é.

O fato é que Evo Morales está com a corda no pescoço. Com a nacionalização do gás e do petróleo, conseguiu receitas extraordinárias que, não tendo sido aplicadas na exploração da maior riqueza da Bolívia, mas em programas assistenciais, logo se esvaíram. Sem novos investimentos, a produção de gás está declinando. A Bolívia deveria iniciar 2008 produzindo 51 milhões de m³/dia. Mal está conseguindo manter-se na faixa dos 40 milhões de m³/dia.

Em resumo, Evo Morales, fiando-se numa capacidade financeira e técnica que a Bolívia nunca teve, e nas promessas vazias de seu mentor ideológico Hugo Chávez, vendeu mais gás do que a Bolívia produz. Trata-se de aritmética elementar. Contratou com a Argentina um aumento do fornecimento de 7,7 milhões de m³/dia para 27,7 milhões de m³/dia; prometeu entregar 10 milhões de m³/dia à siderúrgica indiana Jindal; tem de abastecer o gasoduto Bolívia-Brasil com 30 milhões de m³/dia e a termoelétrica de Cuiabá com 2,2 milhões de m³/dia; e garantir o consumo doméstico, que é de 6,5 milhões de m³/dia. Mas o fato é que a Bolívia não está produzindo nem mesmo para atender aos compromissos firmes com Brasil e Argentina: está exportando para a Argentina apenas 5 milhões de m³/dia - e isso porque a Petrobrás concordou em reduzir em 2 milhões de m³/dia a sua cota - e interrompeu o fornecimento para a usina de Cuiabá.

É com um parceiro desse tipo - que não respeita contratos e vende o que não pode entregar - que a Petrobrás, por ordens do presidente Lula, voltará a fazer negócios. O presidente da estatal, cumprindo a missão que lhe foi atribuída pelo acionista controlador da empresa, declara que as condições atuais são diferentes daquelas que quase determinaram a completa retirada da Petrobrás da Bolívia, havendo garantias para novos investimentos. Na verdade, a situação na Bolívia continua tão precária quanto antes.

Só teria sentido assumir esse tipo de risco se a Bolívia fosse a única saída para a crise energética brasileira que, mais do que anunciada, na semana passada passou por um ensaio geral. Mas tanto o presidente da República como o presidente da Petrobrás já deixaram claro que os investimentos na Bolívia não serão feitos para resolver o problema da escassez do insumo no Brasil. Pela legislação boliviana, a Petrobrás atuará como simples prestadora de serviços. O gás extraído pertencerá à estatal boliviana, que dará ao produto o uso que lhe convier. Daí o presidente Lula falar em ajudar... a Argentina.

Empresários e especialistas brasileiros temem a iminência de um apagão energético. Só o governo está tranqüilo. O susto da semana passada, quando a Petrobrás teve de cortar 17% do fornecimento de gás para o Rio e São Paulo para suprir termoelétricas, foi substituído, em poucos dias, pelo alívio provocado pelo início da estação chuvosa. As autoridades acreditam que a ameaça está conjurada. Não está. E é por isso que, em vez de mandar a Petrobrás se arriscar novamente na Bolívia, o governo deveria acelerar os programas de produção nacional de gás e de importação de gás liquefeito de fornecedores confiáveis.
Editorial Estadão

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