9.11.07

O gás que não vai faltar


Só quem assistiu ao evento in loco, ou pela TV, pôde ter a exata medida do grau de exaltação, próximo da apoplexia, com que o presidente Lula reagiu, em discurso no Palácio do Planalto, na quarta-feira, àqueles que falaram em crise, quando, como ele disse, "aconteceu um probleminha de gás no Rio de Janeiro". "Ah! acabou a energia no mundo", esbravejou ele de olhos esbugalhados como se estivesse respondendo a um insulto, para concluir dizendo que não acabou e "este país já tem energia garantida até 2012".

Não tem - e o contraste entre essa realidade e os tão freqüentes pronunciamentos presidenciais, marcados pelo triunfalismo ficcional, torna ainda mais estranha a extrema veemência com que ele se manifestou. Como se a ênfase, o arroubo, os olhos arregalados e o dedo em riste pudessem por um passe de mágica transformar situações sumamente inquietantes em cenários edênicos. Falando de improviso, Lula assegurou (o verbo é dele) "que o governo vai muito bem, o Brasil vai muito bem e está bem gerenciado".

É verdade que o Brasil vai muito bem. Graças, no entanto, muito menos à qualidade do gerenciamento das questões inerentes à agenda administrativa do País do que aos ventos excepcionalmente favoráveis da economia globalizada na sua presente quadra - os quais, por sinal, ameaçam se transformar no seu contrário, em razão da mais recente crise bancária nos Estados Unidos, do Petróleo a US$ 100 e da queda incontida da cotação da moeda americana.

E se há um setor em que o governo vai muito mal e o Brasil está mal gerenciado é precisamente o da energia. A exemplo do apagão aéreo, fruto da generalizada falta de "mão-de-obra qualificada" no governo petista, o risco, que é real, de um apagão não se dissipará a golpes oratórios com gesticulação estudada.

Só pode piorar as coisas a tentativa do presidente Lula de varrer para debaixo do tapete o alerta vermelho que foi, há poucos dias, o "probleminha de gás" a que ele se referiu, desdenhosamente, no seu lamentável improviso de anteontem, aludindo à decisão da Petrobrás, suspensa por liminar, de não aumentar o suprimento do produto para o Rio de Janeiro, para abastecer com ele as termoelétricas movidas a esse insumo. Escaldados, os agentes econômicos não se deixam engambelar pela retórica lulista - e buscam soluções próprias para a crise anunciada.

Outro disparate do improviso de Lula é sua reclamação de que "tem muita gente dando palpite no gerenciamento do governo". Em primeiro lugar, dar palpite no gerenciamento do governo é exercício de cidadania e função principal da imprensa. Por isso, a estocada obviamente dirigida a ela tem o mesmo nível da sua impagável comparação entre o jogo bruto de Chávez para se eternizar no poder e as sucessivas reeleições dos ex-primeiros-ministros Margareth Thatcher e Helmut Kohl, normais em regimes parlamentaristas. Em vez de levar a sério as críticas, ainda que não desse o braço a torcer em público, quando tenta reduzi-las ao que não são - palpites -, ele apenas reforça as preocupações de todos quantos conhecem a distância entre os problemas objetivos de que cinco anos de lulismo não deram conta e os discursos do cotidiano presidencial.

"Nós vamos descobrir os gases (sic) que precisamos descobrir", profetizou ele em dado momento, "ou vamos comprar o gás que precisar comprar". "Vamos descobrir" graças à força do pensamento positivo? E "vamos comprar" de quem? Da Rússia, no outro lado do mundo? E a que preço? Por via das dúvidas, a Petrobrás está anunciando um aumento de até 25% no preço do gás.

A colisão frontal entre a realidade implacável e a fantasia presidencial está na cara, como se diz, na justaposição de dois títulos numa página da edição de ontem do jornal Valor. O de baixo enuncia: "Lula afirma que Brasil tem energia garantida até 2012." O de cima resume um texto que mostra por que não existe essa garantia: "Petrobrás não cumpriu metas de expansão." Citando dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) até setembro, o texto que se segue informa que a oferta de gás natural brasileiro este ano ficou aquém não só da marca de 2006 (queda de 3,4%), mas também das metas estabelecidas no plano estratégico da empresa (menos 22%, a se manter a tendência).

Por enquanto só está garantido que não faltará gás para a oratória de Lula.
Editorial do Estadão

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