O problema com Chávez
Há uma revolução em curso na Venezuela de Hugo Chávez. Seu caráter é uma incógnita, embora se proclame socialista-bolivariana. No plano político, avança no sentido da formação de um partido único e da reeleição sucessiva de seu líder. É um projeto autoritário. No plano socioeconômico, a velha oligarquia venezuelana, que sugou as riquezas do país, está sendo substituída por uma "nova burguesia", atrelada ao setor produtivo estatal, cujo eixo é a indústria petrolífera. É a fênix do modelo nacional-desenvolvimentista latino-americano. O Brasil não teria nada a ver com isso, segundo o velho dogma diplomático do direito à autodeterminação das nações, se não houvesse um ambiente de regressão política, de tensão e de conflitos nas nossas fronteiras. Seu epicentro é o forte movimento separatista de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, província que se rebelou contra Evo Morales. E há, também, as atividades ligadas ao narcotráfico e contrabando de armas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), aliadas de Chávez.
Corrida
Maciços investimentos em armas, como advertiu recentemente o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), geram um desbalanceamento estratégico-militar na América do Sul. Hoje, a Venezuela detém a hegemonia na Amazônia. Além da compra de 24 caças do tipo Sukhoi, Chávez negociou com a Rússia o fornecimento de cem mil fuzis de assalto, 30 mil dos quais já foram entregues. Agora, quer construir uma fábrica de fuzis Kalashnikov em seu país. Os US$ 4 bilhões gastos em armamentos, provenientes dos bons negócios com o petróleo, se justificariam pela ameaça norte-americana de invadir a Venezuela. Com um contingente militar de 82 mil homens, o Exército venezuelano se iguala numericamente ao do Peru. A formação de milícias populares, porém, muda tudo. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), mais antiga organização guerrilheira em atividade na América Latina, são apoiadas por Chávez. O mesmo ocorre com a Frente Farabundo Marti Para a Libertação Nacional, em El Salvador.
Em 2004, os países latino-americanos gastaram US$ 22 bilhões em armamentos. As despesas bélicas aumentaram 8% na última década. Na maioria dos países do continente, inclusive o Brasil, os equipamentos militares são do tempo da Segunda Guerra Mundial. O Chile lidera os gastos, graças à chamada "lei do cobre", pela qual 10% da receita bruta proveniente das exportações do metal são destinados às Forças Armadas. Comprou 100 tanques alemães do modelo Leopardo 2, que os enviará para a fronteira peruana, outro foco de tensão. No Peru e no Equador, as Forças Armadas recebem participação nas exportações de petróleo de seus países, o mesmo ocorrendo na Bolívia com a exploração do gás. E o Brasil, que ficou para para trás, acaba de duplicar a verba destinada ao reaparelhamento das Forças Armadas: US$ 2,585 bilhões em 2008, contra os US$ 1,1 bilhão gastos neste ano.
Ditadura
A Venezuela marcha para uma espécie de ditadura consentida. Na sexta-feira, a pretexto de implantar o socialismo bolivariano, a Assembléia Nacional modificou 69 artigos da Constituição de 1999. Fortaleceu ainda mais o poder de Chávez. Dos 167 deputados do parlamento unicameral da Venezuela, somente seis se abstiveram. Haverá um referendo para sacramentar as mudanças em dezembro. A principal é a reeleição por prazo indefinido. Chávez recebeu carta branca para promover militares, gerenciar as reservas internacionais e desvalorizar o bolívar, a moeda venezuelana. Além disso, poderá decretar estatutos para as cidades venezuelanas, criar territórios, regiões e províncias e nomear vice-presidentes para governá-las.
Chávez criou um quinto poder de Estado — o poder popular — e uma nova divisão política territorial. A idade mínima para o voto baixou de 18 para 16 anos, a jornada de trabalho semanal foi reduzida de 40 para 36 horas. Também foi criado um sistema de assistência social para trabalhadores informais. O Parlamento preservou os direitos à plena defesa, à integridade pessoal, a ser julgado por juízes naturais e a não ser condenado a prisão por mais de 30 anos. Porém, manteve a restrição ao direito à informação durante os "estados de exceção", que não terão limite de tempo. Como se sabe, a incomunicabilidade dos presos facilita seqüestros, torturas e sumiços; a censura prévia, idem.
O problema
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se esforça para manter um bom relacionamento com Chávez. Há convergências políticas entre ambos, ainda mais agora, que se fala tanto em terceiro mandato. Mas razão principal é a integração da infra-estrutura da América do Sul. Grandes empresas brasileiras, com a Odebrecht, operam na Venezuela. Constróem pontes, estradas, hidrelétricas e linhas de metrô. Além disso, a PVDSA tem parcerias com a Petrobras, uma delas é a instalação de uma refinaria de petróleo em Pernambuco. O problema é que Chávez espinafrou o Congresso brasileiro e entrou em rota de colisão com o Senado, que questiona o caráter democrático das reformas políticas de seu governo e ameaça vetar a entrada da Venezuela no Mercosul, como advertiu o ex-presidente Sarney.
Correio Brasiliense
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