31.5.09

PT controla repasses da Petrobrás para ONGs

Ex-dirigentes sindicais dominam área de Comunicação Institucional

Às vésperas da instalação da CPI da Petrobrás, o governo tem como uma das principais preocupações a blindagem da área responsável pela distribuição de recursos a ONGs, programas sociais e ambientais e propaganda institucional. Comandada por ex-dirigentes sindicais que passaram a ocupar cargos gerenciais a partir do início do governo do PT, a área de Comunicação Institucional da Petrobrás movimenta em torno de R$ 1 bilhão por ano em projetos que, em sua maioria, dispensam processos de licitação.

Uma das estratégias da base aliada durante a CPI, diz um observador próximo ao governo, será focar os trabalhos em denúncias investigadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), para impedir uma devassa nos contratos assinados pela área de Comunicação Institucional, comandada por Wilson Santarosa. A oposição, porém, quer aproveitar a CPI das ONGs para verificar os gastos sociais e ambientais da estatal sem os obstáculos que espera encontrar na outra comissão, que será controlada por governistas.

Internamente, a companhia já iniciou uma revisão nos contratos para se antecipar a questionamentos. Além do apoio a projetos tocados por ONGs, a gerência de Comunicação Institucional é responsável pelos patrocínios culturais e esportivos e pela verba publicitária da estatal. No ano passado, segundo informações oficiais, teve um orçamento de 0,5% da receita operacional líquida da companhia, ou cerca de R$ 900 milhões.

O valor previsto para este ano não foi informado pela empresa, mas fontes afirmam que ultrapassa R$ 1,2 bilhão - o volume final, no entanto, dependerá do desempenho operacional da companhia, uma vez que o orçamento para patrocínios e projetos sociais é atrelado à receita.

As seguidas denúncias são motivadas pela pouca transparência na escolha dos projetos beneficiados: parte deles é avaliada em um processo de seleção pública, mas há um grande número de projetos escolhidos sem concorrência.

Entre eles estão os patrocínios a festas juninas na Bahia, que geraram denúncias sobre favorecimento a prefeitos da base aliada, processo que culminou com a saída do então gerente regional de Comunicação Institucional do Nordeste, Rosemberg Evangelista Pinto, transferido para o gabinete da presidência da estatal, no Rio. Rosemberg, por sinal, foi um dos ex-dirigentes sindicais indicados por Santarosa para comandar o repasse de verbas sociais e culturais da companhia.

Levado ao cargo por indicação do ex-ministro Luiz Gushiken, titular da Secretaria Comunicação Institucional no início do governo Lula, Santarosa entregou o comando das gerências regionais de sua área a egressos do movimento sindical, como ele. Rosemberg foi dirigente da Federação Única dos Petroleiros (FUP), entidade ligada à CUT, que é constantemente beneficiada com patrocínios.

Outro egresso da FUP é José Samuel Magalhães, que ocupa a gerência regional Norte, Centro-Oeste e Minas Gerais. Já os gerentes regionais de São Paulo e Sul, José Aparecido Barbosa, e do Rio e Espírito Santo, Marcelo Benites Ranuzia, foram dirigentes dos sindicatos de petroleiros de Mauá e Duque de Caxias. O próprio Santarosa presidiu o sindicato da categoria em Campinas e já estava aposentado quando foi indicado por Gushiken.

CURRÍCULO

Todos eles têm no currículo uma carreira de técnico de operação de refinaria, antes de assumir as gerências da área de Comunicação Institucional. Entre a cúpula da equipe comandada por Santarosa, o único funcionário que tem carreira de comunicação é o gerente de Responsabilidade Social, Luis Fernando Nery.

Questionada pelo Estado, a Petrobrás informou apenas que "não há restrição na companhia para que os empregados exerçam funções diferentes de sua formação original". "Entre os gerentes de comunicação temos profissionais de nível médio, técnico e superior em áreas diversas (engenheiros, administradores etc.)", completou a companhia, por meio de nota.

Segundo o organograma da Petrobrás, a área de Comunicação Institucional está diretamente ligada ao presidente José Sérgio Gabrielli. Em 2007, a empresa foi responsável pelo apoio a 1.178 projetos sociais, com aportes de R$ 222,4 milhões. Somando projetos culturais e esportivos, o investimento chegou a R$ 534 milhões. Estadão

30.5.09

Ministra adota discurso emocional e de candidata

Estadão

Participando do primeiro evento de inauguração ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde que anunciou tratamento de quimioterapia para combater um câncer linfático, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, adotou discursos emocionais ao entregar as obras em favelas do Rio. Apresentada mais uma vez por Lula como mãe do PAC, Dilma criticou governos anteriores e defendeu a Petrobrás como instrumento de investimento social.

Ao ver um menino de Manguinhos nadando no complexo aquático inaugurado ontem, Dilma disse que estava emocionada. Nosso desafio é mudar a vida da população, dar dignidade, dar valores. Dar condições materiais, sim, mas dar também condições espirituais, autoestima, disse ela, que se colocou no lugar das mães da comunidade.

Um pouco pálida, mas aparentando boa disposição, Dilma referiu-se à doença indiretamente, agradecendo a solidariedade, as preces e a torcida.

A ministra retribuiu os elogios do governador Sérgio Cabral dizendo que a aliança com ele e o prefeito da capital, Eduardo Paes (PMDB), foi decisiva para empreender projetos na periferia. O presidente sempre diz que é muito difícil colocar em andamento uma coisa que parou. E o Brasil tinha parado de investir em educação, em saúde, não fazia obras como esta aqui. Para voltar a fazer, tivemos que brigar muito, nos esforçar muito, disse.

No Alemão, Dilma disse que o petróleo do pré-sal vai financiar o desenvolvimento social do País. Essa riqueza vai garantir que o Brasil tenha dinheiro suficiente para construir casas, diminuir a pobreza e dar saúde de qualidade igual àquela das camadas mais ricas, defendeu.

Segundo Dilma, a Petrobrás será uma grande financiadora de projetos sociais, proporcionando uma espécie de PAC do pré-sal. Enquanto isso, cerca de 30 sindicalistas petroleiros que estavam na parte reservada do palanque criticavam a CPI da Petrobrás no Senado.

Já em Manguinhos, Cabral também criticou a CPI e disse que o objetivo da oposição é tentar parar a locomotiva do Brasil. Mas ali os manifestantes eram contra Lula e Cabral. Quem não quiser ouvir reivindicação do povo, não se candidate a nada, disse Lula, que leu as faixas ao lado de governador fluminense.

Plano de habitação do governo Lula pode virar farra

Revista Época

O programa Minha Casa, Minha Vida é uma das iniciativas mais festejadas pelo governo Lula. Anunciado há dois meses, ele prevê gastos de R$ 34 bilhões para construir mais de 1 milhão de moradias para famílias com renda até R$ 4.600 mensais. Há duas semanas, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 459, que estabelece as regras do programa. Agora no Senado, a MP é daquelas em que os detalhes são mais importantes que o todo. De acordo com um estudo feito pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, o texto aprovado pelos deputados deixa brechas que podem ampliar os problemas, em vez de ajudar a resolvê-los.

Os promotores apontam problemas especialmente na parte relacionada à regularização de terrenos. Praticamente todas as cidades brasileiras têm áreas ocupadas irregularmente. A maioria é povoada por brasileiros pobres. Eles vivem nas periferias das cidades, sem acesso a financiamento e a serviços como água, luz ou esgoto. A MP 459 deveria estabelecer, em tese, regras para regularizar essas áreas e melhorar a vida dos moradores. Mas, como é comum nesses casos, o texto serve também para abrigar interesses diversos. “A MP facilita a regularização a todo custo e pode incentivar a criação de novos assentamentos clandestinos?, diz o promotor Ivan Carneiro, do Ministério Público de São Paulo.
O texto não prevê mecanismos para inibir a multiplicação
de áreas irregulares nas cidades

De acordo com o estudo dos promotores, há várias brechas perigosas. O texto da MP reduz de quatro para apenas dois os critérios exigidos para considerar uma área como urbana – e, assim, torná-la candidata à regularização. Dessa maneira, fica mais fácil encaixar qualquer local nos critérios. O texto também não estabelece as regras gerais para regularizar uma área. “O correto é que a situação de cada área fosse estudada por profissionais de diversos setores, como urbanismo e meio ambiente, antes de tomar a decisão?, afirma Carneiro. Como a MP está redigida, a decisão pode ser tomada por um só profissional da prefeitura. “E não há regras claras que ele possa seguir.? A MP 459 também não prevê nenhum mecanismo de prevenção para desestimular o surgimento de novos loteamentos clandestinos. Outro temor dos promotores é que o texto delega às prefeituras a tarefa de conceder a licença ambiental, sem prever compensações por áreas já degradadas. “O texto tenta tornar cada vez mais fácil a liberação de uma área, em detrimento do meio ambiente?, diz a promotora Cristina Freitas.

Na rápida passagem pela Câmara, o texto ganhou outra passagem ambígua. Como não especifica claramente que as regras valem apenas para casos de baixa renda, a MP 459 abre espaço para que empreendimentos de classe média e de luxo sejam beneficiados. “Temos de lutar para derrubar no Senado essa brecha?, afirma a urbanista Raquel Rolnik, relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para Moradia Adequada. “O espírito da MP é para moradores de baixa renda, não para ajudar condomínios de luxo.? A brecha pode alimentar uma indústria próspera, em que o empreendedor abre um novo loteamento sem as licenças necessárias e depois tenta regularizar a situação. “É generalizar uma farra?, diz Raquel Rolnik.

Um ponto positivo é que a medida provisória prevê que parte dos recursos pode ser usada para reabilitar imóveis vagos. Existem cerca de 6 milhões de imóveis vazios no país. Grande parte deles está nos centros das grandes cidades. Para seus donos, têm a vantagem de evitar deslocamentos que geram gastos com transportes, perda de tempo e poluição. Mas, pelo que se vê até agora, tal aspecto não foi notado: as prefeituras têm dado preferência ao cadastramento de moradores interessados em novas casas.

Doutor No dá adeus

Ex-presidente da Coreia do Sul se suicidou porque era caso raro: não aguentou as acusações de corrupção


Vilma Gryzinski

Lee Jin-man/AP

Na manhã de sábado 23, Roh Moo-hyun escreveu uma mensagem de despedida no computador, fingiu que ia dar seu passeio habitual pelo campo, pediu um cigarro ao segurança e pulou numa ribanceira de mais de 30 metros. A morte fez muito bem à reputação de Roh (pronuncia-se No). Advogado autodidata que reconheceu transações ilegítimas enquanto foi presidente da Coreia do Sul, de 2003 até o ano passado, ele recebeu incontáveis e comovidas homenagens. Em outros países, cidadãos com mais distanciamento emocional tiveram visões dos seus próprios corruptos e, corações endurecidos, simbolicamente incitaram: pula, pula. Sem chance. Roh parece ter sido um caso raro de político que, além de problemas de saúde, tinha vergonha. "Muita gente sofreu por minha causa", escreveu na mensagem de despedida. "O resto da minha vida será um peso. Não posso mais ler nem escrever." Político de esquerda nascido em família de agricultores, Roh foi peão de obra e levou para o além o ressentimento em relação aos que cursaram universidade (calma lá: estudou por conta própria e passou no equivalente ao exame da Ordem dos Advogados sem ter feito faculdade de direito). Fora da Presidência, voltou para a aldeia natal, mas não teve paz. Ônibus lotados traziam, aos milhares, turistas que iam ver o aposentado ilustre no lugarejo de apenas 120 habitantes. Também enfrentou o rito de passagem dos ex-presidentes sul-coreanos: investigações inclementes. Acabou admitindo que sua família recebeu 6 milhões de dólares de um fabricante de tênis. Mas disse que não sabia. Toda desculpa do gênero será relevada se o envolvido, depois, pular da ribanceira.

A bomba nas mãos de insanos

A posse de armas nucleares por países isolados e instáveis, como a Coreia do Norte, aumenta o risco de o gatilho atômico ser acionado por terroristas


Thomaz Favaro e Duda Teixeira

Montagem com fotos de David Guttenfelder/AP e Corbis/Latinstock
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Muito doente, Kim Jong-Il vai deixar para seu herdeiro um legado infernal: um arsenal nuclear e o país mais isolado do mundo


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Terá chegado o momento de sentir saudade da segurança relativa da Guerra Fria? Naquele tempo sombrio, quando a humanidade segurava o fôlego diante da ameaça de aniquilação, pelo menos era possível acreditar que o gatilho nuclear estava em mãos inimigas responsáveis. O cenário atual é mais incerto e mais perigoso. Os dois únicos testes nucleares deste século foram realizados pela Coreia do Norte, uma ditadura tão enigmática quanto insana. O segundo deles, na segunda-feira passada, numa região montanhosa e inóspita no nordeste do país, reverberou como a confirmação de que a proliferação nuclear atingiu o patamar a partir do qual o perigo é imediato e urgente. Dois fatos principais justificam o alarme. A posse de um artefato atômico por um país isolado e pobre demonstra que o desenvolvimento desse tipo de armamento está ao alcance de qualquer nação disposta a investir os recursos necessários para fazê-lo. Se países miseráveis e com governos frágeis se armam com átomos, não está distante o momento em que o gatilho atômico cairá na mão do terrorismo. Um estudo da Universidade Stanford estimou a probabilidade de um ataque terrorista com o uso de bombas sujas (ou seja, explosivos comuns misturados a material radioativo) em 20%. Com bombas nucleares, cai para 1%. Qualquer estimativa acima de zero é um pesadelo quando se fala da combinação de terroristas e plutônio.

O mais notável fenômeno da era nuclear talvez seja o fato de que desde o ataque a Hiroshima e Nagasaki, em 1945, o último ano da II Guerra Mundial, nenhum país ousou detonar uma bomba atômica em combate. Os Estados Unidos tiveram o monopólio do átomo entre 1945 e 1949, mas não o usaram contra a União Soviética, apesar das provocações de Stalin. Também poderiam ter empregado esse recurso no Vietnã, onde a tonelagem de explosivos convencionais lançados equivaleu a dúzias de bombas como a de Hiroshima. Armas nucleares não foram usadas nem em situações desesperadas. A Casa Branca rejeitou os apelos nesse sentido do general Douglas MacArthur, que se viu impotente diante do avanço das divisões chinesas na Guerra da Coreia. O conflito terminou em 1953 no impasse que ainda hoje divide a península coreana entre dois inimigos mortais. É complicado explicar um evento que não ocorreu, mas é comum ouvir que o temor da aniquilação mútua conteve os ímpetos guerreiros dos Estados Unidos e da União Soviética. Porém isso não explica o comedimento em circunstâncias nas quais não havia o temor de retaliação, caso dos soviéticos no Afeganistão e dos americanos no Iraque.

Fotos Rizwan Tabussum/AFP
QUESTÃO DE COMANDO
O contraste entre a guarda de mísseis no Paquistão (à esq.) e as instalações modernas do Comando Norte-Americano de Defesa Aeroespacial. À direita, manifestante paquistanês: o risco de armas nucleares em um país pobre e instável

O cientista político James Lee Ray, da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, acredita que por trás desse fenômeno reside uma espécie de "progresso moral". Esses conceitos éticos obedeceriam aos mesmos padrões daqueles que determinaram a eliminação da escravidão no século XIX – e, que, até hoje, mantêm a repulsa à sujeição de seres humanos. Mesmo sem uma proibição formal do uso de armas nucleares, as sociedades desenvolveram uma aversão moral a esse armamento. "As considerações éticas ajudaram a evitar o uso de armas nucleares desde 1945, pelo menos no que diz respeito a países detentores de um arsenal nuclear contra outros desprovidos dos mesmos artefatos", disse Lee Ray a VEJA. Com o fim da Guerra Fria, os países civilizados que assinaram o Tratado de Não Proliferação Nuclear, em 1968 (Estados Unidos, Rússia, China, Inglaterra e França), reduziram seus arsenais atômicos. Desde 1986, o número de ogivas no planeta caiu de 70 000 para 25 000, das quais cerca de 8 000 são operacionais. Outros países desistiram da bomba. Esse cenário animador, infelizmente, está agora virado de cabeça para baixo.

O fim da Guerra Fria também fomentou o comércio ilegal e a proliferação de programas nucleares em países periféricos, politicamente conturbados, como o Paquistão, quando não governados por fanáticos, como o Irã. Com a bomba na mão desse tipo de país, o capítulo seguinte se torna totalmente imprevisível. "Eu não diria que o progresso moral eliminou as possibilidades de que países instáveis, como a Coreia de Kim Jong-Il, desencadeiem uma guerra nuclear. No caso desses estados, na verdade, nem sei se posso falar em progresso moral", diz Lee Ray. O ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-Il, é uma figurinha ridícula, que usa sapatos com salto plataforma para compensar a baixa estatura e um topete ouriçado no estilo de Elvis Presley. Mas não deve ser visto como irracional ou suicida. As negociações em torno do programa nuclear norte-coreano se repetem há anos. Em bom português, pode-se dizer que a Coreia do Norte se especializou em chantagem diplomática. Em alguns momentos, senta-se à mesa com os demais países e acena com a paralisação de seu programa nuclear. Em outros, abandona rispidamente os encontros – o último foi há dois meses –, lança mísseis e faz novas ameaças. Com essa estratégia, Kim Jong-Il conseguiu ampliar o recebimento de ajuda humanitária internacional, da qual depende um terço da população, combustível e algum dinheiro. "O ditador norte-coreano quer mostrar firmeza e enviar mensagem que possa render-lhe novas concessões", disse a VEJA Stephen Noerper, analista do Nautilus Institute, na Califórnia.

Corbis/Sigma/Latinstock
ARSENAIS MENORES
Russos desmontam mísseis capazes de levar armas nucleares, em 1995: temor de que ogivas soviéticas acabassem nas mãos de terroristas

Por isso é difícil interpretar o acesso de fúria que tomou conta do governo de Pyongyang na semana passada. A escalada começou com o teste nuclear, subiu alguns tons com o disparo de meia dúzia de mísseis e se tornou estridente com o anúncio de que o país se retirava do acordo de armistício de 1953, que pôs fim à guerra. Em termos técnicos, está-se de volta ao tempo em que o general MacArthur queria vaporizar os comunistas. Desde a morte de Kim Il Sung, fundador e oficialmente presidente eterno, em 1994, não se via um comportamento tão errático da Coreia do Norte. Há explicações variadas, nenhuma delas tranquilizadora. A deterioração do país coincide agora com a decadência física de Kim Jong-Il. Ele sofreu um derrame cerebral no ano passado e, pelo que se vê nas fotos, o que sobrou é sombra do sujeito rechonchudo do passado. Aos 68 anos, ele tem a aparência de um agonizante, caminha com passos trôpegos e já não se arrisca a pronunciar uma única palavra em público.

O comunismo produziu um governo dinástico que tem mais a ver com os reis coreanos do passado do que com os ensinamentos de Marx e Lenin. Até a boa vontade divina para com o delfim é realçada na versão oficial de que Kim Jong-Il nasceu nas encostas do sagrado Monte Paektu e seu nascimento foi saudado por um duplo arco-íris. Na realidade, ele nasceu em um acampamento militar na Rússia, quando seu pai comandava o batalhão coreano do Exército Vermelho. O regime está inquieto com a sucessão – e talvez seja essa a razão de tanto rebuliço. O filho mais velho, Kim Jong-nam, de 38 anos, seria o candidato natural à sucessão, mas perdeu a vez depois do vexame de ser preso com passaporte falso no Japão, onde pretendia visitar a Disneylândia, em 2001. Também atrapalha sua presença assídua nos cassinos de Macau. O segundo, Kim Jong-chol, não conta. É homossexual e prefere assistir a um concerto de Eric Clapton na Alemanha ao tédio de um desfile militar. O favorito do ditador é o filho caçula, Kim Jong-un, de 26 anos. Educado na Suíça, fala diversas línguas, adora artes marciais e, dizem, tem a cara e o temperamento do pai: é prepotente, não gosta de ser questionado e se enfurece facilmente. É nas mãos desse jovem desconhecido que pode estar a bomba nuclear.

Bettmann/Corbis/Latinstock
PÂNICO NA ESCOLA
Estudantes americanos aprendem a se proteger de um ataque nuclear na década de 60: medo de uma hecatombe atômica nos anos da Guerra Fria

A possibilidade de a Coreia do Norte desfechar um ataque nuclear contra seja lá quem for é pequena. Em parte, porque sabe que, mesmo que arrase Seul, que está a apenas 40 quilômetros de distância, não escaparia de ser igualmente devastada. Há também que considerar que o desenvolvimento de seus artefatos bélicos está em estágio primitivo. Os dois dispositivos testados possuem mais de 3 metros de comprimento e pesam 4 toneladas. Com tais medidas, seria impossível colocá-los na ponta de um míssil. "Os dispositivos coreanos são grandes e rudimentares e não podem ser transportados nem mesmo a bordo de um avião", disse a VEJA o americano Rodger Baker, analista da Stratfor, uma consultoria de geopolítica com sede nos Estados Unidos. Estima-se que o artefato testado na semana passada tenha um poder de destruição de 4 quilotons, ou 4 000 toneladas de dinamite. A capacidade é menor do que a da bomba lançada pelos americanos sobre a cidade japonesa de Hiroshima, de 17 quilotons, mas dez vezes superior àquela testada pelos norte-coreanos em 2006.

A simples existência do programa norte-coreano é a prova da fragilidade dos mecanismos contra a proliferação nuclear. O Paquistão iniciou seu programa nuclear com os manuais de centrífugas de enriquecimento de urânio que o engenheiro Abdul Qadeer Khan roubou da empresa em que trabalhava na Holanda. O projeto da bomba foi comprado dos chineses. Festejado como herói nacional, Khan revelou-se um ladrão. Montou um esquema para vender equipamentos e tecnologia nuclear a quem tivesse interesse. Entre seus fregueses estavam o Irã, a Líbia e a Coreia do Norte. O esquema desabou em 2003, quando um carregamento com material para montar 1 000 centrífugas foi interceptado a caminho da Líbia. A Coreia do Norte agora tem parceria com o Irã no desenvolvimento de mísseis de longo alcance, capazes de levar ogivas nucleares. Montar um programa nuclear clandestino custa mais caro, mas é perfeitamente possível. Israel construiu seu arsenal às escondidas, nos anos 60. É verdade que até então não existia um tratado de não proliferação nuclear e nenhum país tinha obrigação legal de se privar de armas atômicas.

Fotos Bettmann/Corbis/Latinstock e AKG/Latinstock
LEMBRANÇA DO HORROR
Little Boy, a bomba atômica lançada sobre Hiroshima: modelo rudimentar, mas letal

Hoje é formalmente diferente. Devido ao tratado e à fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ligada à ONU, só os países isolados podem tocar seus programas militares sem ligar para a opinião da comunidade internacional. O Irã escondeu por duas décadas sua produção de urânio enriquecido e insiste em não cooperar com as inspeções da AIEA. Que tipo de responsabilidade se pode esperar de aiatolás com dentes nucleares? O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, fala abertamente em varrer Israel do mapa. Basta esse tipo de exortação ao genocídio para dar ideia do que esse país seria capaz de fazer se tivesse uma bomba nuclear, o que pode ocorrer dentro de dois ou três anos. "A incerteza sobre o comportamento desses regimes pode dar início a uma corrida armamentista no Oriente Médio e na Ásia", disse a VEJA a americana Nina Tannenwald, autora do livro The Nuclear Taboo (O Tabu Nuclear).

Apesar das sanções econômicas impostas pela ONU, o Irã segue desafiando o mundo com seu programa nuclear e está a dois ou três anos de ter a bomba. O arsenal nuclear do Paquistão está, por enquanto, sob a guarda da instituição mais sólida do país, o Exército. Mas há uma guerra aberta com o Talibã, que controla regiões fronteiriças com o Afeganistão. "Não podemos nem contemplar a possibilidade de o Talibã ter acesso ao arsenal nuclear do país", disse a secretária de Estado americana, Hillary Clinton. A possibilidade de terroristas produzirem uma bomba a partir do zero é ínfima. O processo é caro, exige tecnologia e pessoal altamente especializado. É mais simples fabricar uma bomba suja, feita com explosivos comuns e material radioativo. Ninguém precisa pensar muito para ver a conexão entre o perigo de um terrorismo atômico e os programas nucleares em países instáveis e repletos de fanáticos religiosos ou políticos. Essas condições fazem de cada um deles um potencial provedor de material atômico para grupos terroristas. O terrorista, como se sabe, só se ocupa de promover a maior atrocidade possível, sem nenhuma estratégia política que atenue sua perversidade. Se isso ocorrer, a Guerra Fria poderá vir a ser lembrada como o saudoso tempo em que o gatilho nuclear estava em mãos responsáveis.

Com reportagem de Gabriela Carelli

INSTALADA A CPI DO CQC

Dirigida por especialista em escândalos, a CPI da Petrobras já produziu uma certeza: vai custar caro ao contribuinte


Alexandre Oltramari

Fotos Ailton Freitas/Ag. Globo e Andre Dusek/AE

UMA EQUIPE BEM EXPERIENTE Renan Calheiros, que comanda o circo,
e Romero Jucá, cotado para relator: se o assunto é fraude...

Um dos programas mais divertidos da televisão brasileira, o Custe o que Custar (CQC), vai ganhar um concorrente de peso. Nesta semana, o Senado instalará a CPI da Petrobras, investigação que deveria apurar suspeitas de malfeitorias na administração da maior empresa do país. A CPI, que já tem seus onze integrantes definidos, será dirigida por Renan Calheiros, um colecionador de escândalos especialista na arte de barganhar verbas e cargos por favores a governos. Seu elenco, que vai frequentar o horário nobre da televisão pelos próximos 180 dias, tem bastante experiência na área. Dos onze integrantes da CPI, oito são réus em ações criminais no Supremo Tribunal Federal ou tiveram sua campanha financiada por empresas que fazem negócios com a petrolífera. O favorito ao cargo de relator, o senador peemedebista Romero Jucá, é investigado em dois inquéritos e já foi indiciado por crimes de responsabilidade e corrupção eleitoral. Nas mãos de Calheiros e sua turma, portanto, a CPI da Petrobras tem tudo para se transformar em uma espécie de CQC. A diferença é que o humorístico dirigido por Calheiros, além de não ter nenhuma graça, custará muito caro aos cofres públicos.

A CPI da Petrobras nem começou e já mostrou a que veio. Um de seus integrantes, o senador João Pedro, do PT do Amazonas, sugeriu o roteiro que ele considera ideal: "Acho que temos de ir no passado da Petrobras e investigar coisas como o acidente da plataforma P-36 e os gestores durante o governo Fernando Henrique". Embora as auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) que serviram de base para a criação da CPI tenham identificado superfaturamento milionário (81,5 milhões numa única obra), contratos sem licitação e indícios de fraudes recentes, o petista pretende iniciar a CPI investigando fatos ocorridos há oito anos. A tecnologia de transformar CPIs em campeonatos de delitos é recente e eficaz, quando o objetivo é não apurar nada. Foi adotada na CPI dos Correios, em 2005, e na CPI dos Cartões, no ano passado – e começa a ser reprisada agora. E foi exatamente para garantir que as investigações sejam mantidas sob estrito controle dos interesses oficiais que o governo lançou mão dos valiosos serviços oferecidos por Renan Calheiros, Romero Jucá e outros integrantes do noticiário policial do Congresso. Eles estarão lá, atentos, de prontidão, dispostos, como sempre, a fazer o que for preciso, custe o que custar.

REVELAÇÕES DE UM CORRETOR

Em regime de delação premiada, o homem que ajudou a desvendar o escândalo do mensalão revela a existência de uma conta secreta do deputado Valdemar Costa Neto


Diego Escosteguy

Fotos Dida Sampaio/AE, Sergio Lima/Folha Imagem e Diário de Mogi
DINHEIRO SUJO
O corretor de câmbio Lúcio Funaro, o deputado Valdemar Costa Neto e o banqueiro Henrique Borenstein: a conta secreta teria sido abastecida com dinheiro de propina recebida em negócios com o governo


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O julgamento do mensalão

A delação premiada é, reconhecidamente, um dos instrumentos mais eficazes para produzir provas num processo criminal – tão eficiente quanto polêmico, registre-se. Esse expediente, por meio do qual um criminoso obtém perdão ao colaborar com as autoridades judiciárias, é empregado à larga pelos promotores de países como Estados Unidos e Itália, nos quais o poder e a extensão do crime organizado constituem uma constante ameaça à sociedade. No Brasil, a delação premiada, embora seja prevista em lei, ainda engatinha. Há poucos casos conhecidos de sua aplicação. Na semana passada, VEJA obteve detalhes da delação mais explosiva de que se tem notícia no país: o acordo firmado pela Procuradoria-Geral da República com Lúcio Bolonha Funaro, o corretor de câmbio que intermediou pagamentos de dinheiro no escândalo do mensalão. Ele aceitou contar tudo o que sabe ao Ministério Público. Ao longo dos últimos anos, Funaro entregou nomes, valores, datas e documentos bancários que incriminaram, em especial, o deputado paulista Valdemar Costa Neto, do Partido da República, um dos próceres do esquema do mensalão, réu por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A acusação mais demolidora de Funaro é investigada em segredo. O corretor afirmou que Valdemar era beneficiário de uma conta no banco BCN de Nova York. Uma conta secreta e abastecida com dinheiro de propina.

Como o corretor cumpriu o acordo, o procurador-geral o excluiu da denúncia do mensalão. Funaro revelou que descobriu a conta em 2002, quando foi procurado pelo empresário Henrique Borenstein, ex-diretor do BCN, banco incorporado pelo Bradesco no fim dos anos 90. Nas eleições de 2002, o banqueiro pediu a Funaro que emprestasse 3 milhões de reais ao deputado, que precisaria pagar despesas de campanha. Como garantia do empréstimo, Borenstein apresentou a conta de Valdemar em Nova York. "Fique tranquilo. Eu administro essa conta e ela tem um saldo de 1,2 milhão de dólares. Se Valdemar não pagar, eu transfiro o dinheiro para você", assegurou Borenstein. Diante da garantia, o corretor resolveu emprestar o dinheiro ao deputado. Como se descobriu no decorrer do escândalo do mensalão, para quitar essa dívida Valdemar recorreu ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, que recorreu ao lobista Marcos Valério de Souza, que recorreu ao Banco Rural... No fim, graças à diligência da turma do mensalão, Borenstein não precisou limpar a conta secreta de Valdemar.

Funaro disse aos procuradores que, uma vez resolvida a dívida, se aproximou de Valdemar. Nessas conversas, o deputado narrou ao corretor as trambicagens que abasteciam a conta secreta. Valdemar, segundo ele, confidenciou que a conta fora aberta por Borenstein no começo dos anos 90, quando o pai do deputado era prefeito de Mogi das Cruzes. Na época, Waldemar Costa Filho determinou que a prefeitura contraísse empréstimos no BCN, o banco do amigo Borenstein, a juros "muito acima" dos praticados no mercado. O pagamento pela camaradagem do prefeito, ou seja, a propina, era depositado na conta aberta por Borenstein em Nova York, cujo beneficiário era o filho, o deputado Valdemar Neto. "Nós ganhamos muito dinheiro com isso", relatou o deputado, segundo contou Funaro. O empresário Henrique Borenstein admite que apresentou Valdemar ao corretor de câmbio, mas diz que "nada sabe" sobre a existência de uma conta do deputado no exterior. Já o parlamentar enviou a VEJA uma correspondência do banco em Nova York assegurando que não existe nenhuma conta em seu nome. O documento nada fala a respeito do pai do deputado.

Não é a primeira vez que se tem notícia sobre a existência de contas no exterior em nome de políticos. O ex-governador Paulo Maluf, por exemplo, guardava 200 milhões de reais em paraísos fiscais. Estima-se que brasileiros mantenham 70 bilhões de dólares no exterior em contas ilegais. Frise-se que não é ilegal abrir uma conta no exterior. Ilegal é não declará-la ao Fisco. Há duas razões para ocultá-la: sonegar impostos e, principalmente, esconder a origem do dinheiro. No caso de Valdemar, não há dúvidas de que se trata da segunda opção.

MODELO IMPORTADO DO BRASIL

Depois de abandonar a guerrilha que deixou milhares de mortos, a esquerda assume a Presidência da República em El Salvador tendo Lula e o PT como modelos


Otávio Cabral, de San Salvador

Fotos Leonardo Wen/Folha Imagem e Edgar Romero/AP
ESPELHO
Mauricio Funes e Lula: ministros e assessores brasileiros envolvidos diretamente na campanha e na elaboração do plano de governo salvadorenho

Por doze anos, a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) manteve acesa uma sangrenta opção preferencial pela guerrilha com o objetivo de derrubar o governo e implantar o regime comunista em El Salvador. O conflito deixou um saldo de 75 000 mortos, dividiu o país e o mergulhou em uma profunda crise econômica, social e política. Nesta segunda-feira, dezessete anos depois de trocar as armas pelo palanque, finalmente a FMLN assume o poder. A festa da posse de Mauricio Funes, o novo presidente, marcará o triunfo da revolução que começou no século passado, embora pouco ou quase nada reste daquilo que os velhos guerrilheiros imaginavam como modelo de civilização. Fidel Castro e Che Guevara, os líderes que inspiravam as ações violentas do grupo no passado, serão citados como referências históricas de um tempo que já se foi. O destaque da festa será o presidente Lula, que encontrará um cenário muito familiar na menor nação continental da América Central. Para vencer a eleição, a FMLN abandonou o discurso radical, fez alianças com políticos antes hostilizados, firmou compromisso público de que não haveria rupturas econômicas e se comprometeu com ações que vão priorizar a parte mais pobre da população. Alguma semelhança com a campanha do PT em 2002? Toda.

O modelo brasileiro não só inspirou como ajudou a eleger o novo presidente salvadorenho. A FMLN, assim como o PT, surgiu em 1980, como a principal força de oposição a um governo militar. Derrotada no campo de batalha, a FMLN desvestiu a farda e aderiu ao jogo eleitoral democrático. Apareceu à luz do dia dividida em tendências, refratária a alianças, com uma ala ainda nostálgica da luta armada e prometendo desmontar a política econômica capitalista quando chegasse ao poder. A Frente, a exemplo do PT, também foi derrotada em três eleições presidenciais seguidas. Exatamente como o PT, os salvadorenhos perceberam que sem uma reforma interna não chegariam a lugar nenhum. El Salvador ainda é um país polarizado entre o que se convencionou chamar de direita e esquerda, e muitas de suas forças políticas vivem como se o mundo estivesse sob a Guerra Fria. Mas a maioria da população já chegou ao século XXI. Na campanha, os adversários de Mauricio Funes tentaram associar sua imagem à de Hugo Chávez e à de Fidel Castro – e assim caracterizá-lo como a ameaça comunista. Não colou. Usar o exemplo do Brasil foi o antídoto escolhido pelos ex-guerrilheiros para atrair parte do empresariado e do eleitorado tradicional da direita. "Lula é um modelo e um exemplo para mim", disse o presidente Funes na semana passada a VEJA, no escritório do governo de transição, em um hotel de luxo em San Salvador. "Da mesma maneira que Lula, eu sei que não é possível fazer um governo sectário, rompendo com tudo o que já foi feito no país. É preciso governar com toda a sociedade para que El Salvador supere sua grave crise econômica."

Susan Meiselas/Magnum/Latinstock
SEM TIROS
A guerrilha da FMLN lutou durante mais de uma década para implantar o comunismo em El Salvador: vitória nas urnas e compromisso com regime sem rupturas

A participação brasileira na campanha da FMLN não se resumiu a uma mera associação de imagens. O governo brasileiro e o PT despacharam para lá assessores e técnicos para ajudar na campanha eleitoral e, depois da vitória, na transição de governo. O responsável pelo marketing foi o publicitário João Santana, o mesmo da reeleição de Lula. Santana passou três meses instalado em um escritório em El Salvador comandando uma equipe de trinta pessoas – vinte delas brasileiras. Não por coincidência, o símbolo da campanha era uma estrela vermelha, o candidato Funes sempre aparecia trajando ternos bem cortados, falando serenamente e discursando a "esperança" e a possibilidade de ser ele o homem certo para a "mudança com responsabilidade". A FMLN não informa quanto foi gasto com propaganda, nem quem foi o responsável pelo pagamento. Os adversários derrotados, é natural, insinuam que a fonte dos recursos pode ser localizada no Brasil.

A estrutura da campanha presidencial da FMLN contou com outras figuras importantes do governo brasileiro e do petismo – cada uma levando sua própria experiência a El Salvador. Marco Aurélio Garcia, o assessor para assuntos internacionais de Lula, esteve lá três vezes. O ex-ministro José Dirceu, que tem trânsito livre e acesso direto ao presidente Mauricio Funes, ajudou na estratégia de montagem das alianças políticas internas. A socióloga Ana Fonseca, uma das mentoras do programa Bolsa Família, passou uma semana no país projetando o Rede Solidária, a versão local do benefício. No início do ano, quando o clima na campanha ficou acirrado, Funes precisou atrair parte do empresariado para seu lado. Foi a vez de o deputado e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci dar sua contribuição. Responsável pelo plano de governo do PT, ele recomendou que o candidato redigisse uma carta nos mesmos moldes da Carta ao Povo Brasileiro, da campanha de Lula em 2002, na qual garantiria que contratos seriam honrados e que o país pagaria suas dívidas. Isso acalmou os mercados, possibilitou a injeção de recursos na campanha do esquerdista e praticamente assegurou a vitória do candidato oposicionista.

Fernando Amorim/Folha Imagem
MULHER FORTE
Petista militante, a primeira-dama Vanda Pignato foi a responsável pela aproximação com Lula


Mesmo no processo de transição, a tecnologia petista continuou sendo aplicada segundo o modelo utilizado no Brasil. Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula, passou três dias em San Salvador para "ensinar Funes a negociar com a direita", conforme suas próprias palavras. Para mostrar que não estava blefando, na semana passada, ao anunciar os nomes de sua equipe econômica, Funes indicou políticos moderados e economistas ligados ao mercado financeiro para os principais cargos, inclusive o Banco Central. Também anunciou a criação de programa similar ao PAC. "Lula comanda no Brasil um estado planejador na busca de crescimento econômico, distribuição de renda e combate à pobreza. É o mesmo modelo que pretendo adotar aqui em El Salvador, adaptado às realidades do país", afirmou Funes. As semelhanças, porém, param por aí. A situação que Funes herda é muito mais grave do que a enfrentada por Lula. El Salvador viveu uma guerra civil de 1980 a 1992 que deixou mais de 75 000 mortos e dividiu o país. Mesmo após um acordo de paz bancado pela ONU e uma lei de anistia ampla nos moldes da brasileira, a violência ainda impera no país, que tem o maior índice de homicídios da América Latina. É comum ver seguranças privados armados de escopetas e metralhadoras protegendo prédios comerciais e residenciais, sempre cercados por rolos de arame farpado eletrificado. A economia é dolarizada e frágil, o país praticamente não tem indústria e possui parcos recursos naturais. Para piorar, inconformados com as primeiras medidas econômicas, setores do próprio partido de Funes ameaçam boicotar o governo. Sindicatos rurais acenam com uma greve contra o ministro da Agricultura e a equipe do vice-presidente eleito, um ex-guerrilheiro, em protesto, ameaça não ir à cerimônia de posse.

"Funes está em uma encruzilhada. Se mantiver o discurso responsável da campanha, poderá ter sucesso na economia, mas vai desagradar a boa parte de seu partido, podendo provocar instabilidade política", analisa o cientista político Roberto Rubio-Fabián, diretor executivo da Fundação Nacional para o Desenvolvimento de El Salvador. "Se ceder às ideias da Frente e aderir ao socialismo bolivariano de Chávez, ele poderá acentuar a crise econômica e dividir o país." Entre a cruz e a espada, Mauricio Funes terá de se mostrar um bom negociador e compensar com a adesão do empresariado e de parte dos políticos conservadores uma eventual dissidência na Frente, conclui Rubio-Fabián. Não será uma tarefa fácil. Mas nada pode ser fácil em um país dividido politicamente e com uma das maiores desigualdades sociais do mundo.

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ANTONIO PALOCCI
O ex-ministro sugeriu carta para garantir que não haveria quebras de contrato
ANA FONSECA
Esteve em El Salvador para ajudar no projeto de criação do Bolsa Família local
GILBERTO CARVALHO
Foi ao país para ensinar os ex-guerrilheiros comunistas a "negociar com a direita"

Apesar da estreita colaboração entre as equipes, o principal elo entre o Brasil e o novo governo salvadorenho é a advogada Vanda Pignato, a primeira-dama. Paulistana do Tatuapé e fundadora do PT, Vanda mudou-se para El Salvador em 1992, pouco depois de um acordo mediado pela ONU para pôr fim à guerra civil. Representante do PT para assuntos da América Central, há quinze anos ela conheceu Funes, então jornalista e apresentador de uma rede de televisão. Vanda foi essencial na escolha do marido como candidato da Frente e na estratégia de campanha, plugada na experiência do PT. Centralizadora, brigou com boa parte da velha guarda comunista, mas seu trabalho de aproximação com o Brasil e com o empresariado local lhe rendeu respeito – e inevitáveis comparações com o estilo do ex-ministro José Dirceu. A partir desta semana será possível começar a avaliar os resultados da vitória da "revolução" sem tiros. Se der certo, como se espera, Lula e o PT poderão dizer, com toda a razão, que "nunca antes neste continente...".

Agora ele é réu

Protógenes Queiroz, o delegado da Satiagraha, começaa ser processado pelas ilegalidades que cometeu


Fábio Portela

Fernando Amorim/Ag. A Tarde/AE
NA JUSTIÇA
O delegado responderá por vazar informações sigilosas e fraudar provas processuais

Operação Satiagraha, que não sai do noticiário, pode ser resumida assim: para investigar secretamente um banqueiro suspeito de operações fraudulentas e cheio de inimigos, inclusive nas altas esferas do governo, um delegado da Polícia Federal une-se ao chefe do serviço de inteligência da Presidência da República e coloca na rua um bloco de quase uma centena de espiões – que não poderiam atuar como meganhas. Durante um ano e meio, eles vigiaram e grampearam, além do banqueiro, deputados, senadores, juízes, advogados e jornalistas – na maioria das vezes, de maneira ilegal. Ao final, o delegado produziu um relatório que se presta a ajustes de contas pessoais, políticas e empresariais. O nome do delegado é Protógenes Queiroz, o do chefe da inteligência é Paulo Lacerda e o do banqueiro, Daniel Dantas. Pelo fato de as duas autoridades terem usado o aparelho estatal de forma ilegítima e lançado uma série de acusações mal fundamentadas e formuladas, o resultado é que o banqueiro poderá se safar.

O que está em jogo nessa história toda de Satiagraha é muito mais do que destinos individuais de três homens. É a própria noção de estado de direito, no qual os ritos formais que regem a atuação da polícia, da Justiça e dos espiões oficiais representam uma garantia não só de que as liberdades dos cidadãos serão preservadas, como de que os culpados de crimes serão punidos e os inocentes, absolvidos, sem dar margem a dúvidas. Ao atropelar o estado de direito, o delegado Protógenes e o doutor Paulo Lacerda deverão pagar por seus atos, para que não se crie um perigoso precedente. O laço da Justiça já aperta o primeiro. A Justiça Federal o processa por violação de sigilo e fraude processual.

O delegado vazou informações sigilosas a repórteres da Rede Globo e pediu que eles filmassem um encontro de um policial com um emissário de Dantas, antes de a operação tornar-se pública. Na reunião, em um jantar, o policial pediu propina para excluir o banqueiro da operação. O representante caiu no flagrante armado. Dantas foi processado e condenado por corrupção. A prova do crime é o vídeo, que foi editado para retirar cenas nas quais os jornalistas apareciam. Como Protógenes alterou a prova, também cometeu fraude.

Grave, ainda, é a proximidade da relação do delegado com Rodrigo de Grandis e Fausto de Sanctis – procurador e juiz da Satiagraha, respectivamente. Os três deveriam atuar de maneira independente. A tarefa do policial é investigar. A do procurador, avaliar se há indícios para oferecer uma denúncia. A do juiz, decidir se o processo será aberto. "Os três só deveriam conversar oficialmente, por escrito. O distanciamento entre eles é o que garante a lisura do processo", diz o jurista Paulo Brossard, ex-ministro da Justiça. Na Satiagraha, porém, Protógenes, De Grandis e De Sanctis se falavam o tempo todo, como se formassem uma equipe. Em momentos-chave, os contatos telefônicos se intensificavam (veja o quadro abaixo), indicando que o trio combinava ações do inquérito. "Se um juiz deixa de ser o elemento de controle para tornar-se sócio da investigação, o estado democrático de direito fica amea-çado", diz o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.

Outro pacote explosivo está prestes a ser aberto. O juiz Ali Mazloum, que instaurou o processo contra Protógenes, encontrou indícios de que um empresário ajudou a direcionar a Satiagraha: Luiz Roberto Demarco. Ele foi funcionário de Dantas. Demitido, passou a espionar o ex-patrão e a repassar as informações à Telecom Italia. Há indicações de que Demarco e Protógenes mantiveram contato durante a Satiagraha. Ou seja, a Polícia Federal pode ter sido usada para atender a interesses econômicos privados. Mazloum determinou a abertura de dois inquéritos: um apura a participação de Demarco na operação e outro afere o real alcance dos grampos ilegais. Para completar, a PF está convencida de que os personagens que mantinham contato com Protógenes – o trio De: Demarco, De Grandis e De Sanctis – conversavam por telefone, também, com Paulo Lacerda, o homem por trás da Satiagraha. Se tudo for confirmado, a operação inteira pode ser considerada ilegal. Isso não será culpa daqueles que a investigam agora, mas dos seus próprios autores – que não se preocuparam em agir dentro da lei.

28.5.09

Lula tenta blindar Dilma na CPI da Petrobras

Governo escolhe a dedo os 8 titulares da comissão para controlar todos os trabalhos; oposição teme investigação sobre era FHC

Para aprovar requerimentos é preciso ter 6 votos, mas a oposição só tem 3 cadeiras; Romero Jucá é o favorito do Planalto para ser o relator



O governo escolheu a dedo os integrantes da CPI da Petrobras para ter controle total do trabalho da comissão, que começa oficialmente na próxima terça-feira. A principal missão dos oito titulares e cinco suplentes governistas será proteger dos ataques da oposição a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), escolhida de Lula como pré-candidata à Presidência.
Além de blindar Dilma, que é presidente do Conselho da Petrobras e mentora do atual modelo energético do país, os governistas querem dominar desde a análise de requerimentos até vazamento de documentos.
Por isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de contar com os líderes do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC), e no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), entre os titulares. Os dois são cotados para presidir e relatar a CPI, respectivamente. Também são opções João Pedro (PT-AM), como presidente, e Paulo Duque (PMDB-RJ), como relator.
Pelo regimento, o presidente é eleito pelos membros da CPI. A seguir, ele nomeia o relator.
Para relator, Jucá é o favorito do Planalto, que deseja diminuir o poder de influência de Renan Calheiros (AL), líder do PMDB, na comissão. Jucá não se submeteria às ordens de Renan, acreditam os governistas.

"Sou Lula"
No fim da semana passada, Renan ficou irritado com Jucá por ele ter negociado sua presença na CPI com Aloizio Mercadante, líder do PT no Senado. "Não sou Mercadante, não sou Renan. Sou Lula", disse Jucá.
Até a semana que vem, Mercadante tenta definir a situação do senador Inácio Arruda (PC do B-CE). Inicialmente escalado como titular, Arruda precisou ser anunciado como suplente para não abrir mão da relatoria da CPI das ONGs.
Apesar de ter sido nomeado para defender os interesses da Agência Nacional do Petróleo, comandada hoje pelo PC do B, Arruda terá um importante papel na CPI das ONGs.
A oposição se prepara para usar a CPI das ONGs para tentar aprovar eventuais requerimentos de convocação e quebra de sigilo rejeitados na comissão da Petrobras. A estratégia funcionou no passado, quando a CPI dos Bingos conseguiu emplacar pedidos vetados nas comissões dos Correios e do Mensalão.
Para aprovar requerimentos é preciso seis votos. Com três senadores, a oposição sabe que dificilmente conseguirá avançar nas investigações.
Por isso, o PSDB escalou Alvaro Dias (PSDB-PR), que ontem já partiu para o ataque dizendo que pretende compartilhar com o Ministério Público todos os documentos e informações que receber.
O outro tucano titular é o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), que vai tentar evitar que se vasculhem contratos da época do governo FHC.
Renan também escolheu homens de sua confiança para compor a comissão, como Paulo Duque (RJ), que deve defender os interesses do governo do Rio de Janeiro, e Almeida Lima (SE). Entre os titulares do PMDB, o mais fiel a Renan é Leomar Quintanilha (TO).
Para não depender apenas do PMDB, a oposição definiu ontem que é preciso fazer uma ofensiva nos Estados. Deputados e senadores do DEM e do PSDB vão aos eleitores para contra-atacar o discurso do governo federal de que eles querem acabar com a Petrobras. Folha

Sistema Petrobras privilegia PT em doações a candidatos

Como é proibida por lei de doar a campanhas, estatal usa empresas nas quais tem capital

Partido do presidente Lula obteve 55% dos R$ 8,53 mi que companhias ligadas à estatal deram a políticos nas eleições de 2006 e 2008


Pelo menos nove empresas ligadas à Petrobras doaram R$ 8,53 milhões para campanhas eleitorais em 2006 e 2008, a maior parte em benefício de petistas, embora a estatal seja proibida por lei de financiar candidatos e partidos.
As empresas integram o que a estatal chama de "Sistema Petrobras": na maioria delas, a petrolífera tem participação acionária, indica diretores e participa de conselhos. Em pelo menos uma, a petroquímica Braskem, representantes da Petrobras no conselho de administração participaram da aprovação de doações. A estatal tem 23,78% do capital da empresa.
A legislação eleitoral proíbe estatais de doar, mas é omissa quanto às contribuições das empresas das quais elas são acionistas minoritárias. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, para que a corte tenha uma posição firmada sobre o assunto será preciso que seja provocada em um caso específico.
Outra empresa ligada à Petrobras, a Petroquímica União, foi a responsável pelo maior valor doado a um candidato em 2008: R$ 800 mil. O beneficiado foi o petista Luiz Marinho, eleito prefeito de São Bernardo do Campo (SP). Indústria de plásticos sediada na região do ABC, a Petroquímica União é uma subsidiária da Quattor Participações, na qual a Petrobras tem 40% do capital. Outras três subsidiárias da Quattor fizeram doações menores.
Nas duas últimas eleições, a Petroquímica União repassou R$ 3,91 milhões a políticos. Em 2006, foram R$ 504 mil para o presidente Lula e R$ 251 mil para Geraldo Alckmin (PSDB).
Já a Braskem deu R$ 3,02 milhões para campanhas nas duas últimas eleições. O PT recebeu 37% desse montante (R$ 1,12 milhão), partido mais beneficiado pela empresa. O PSDB, em segundo, teve R$ 765 mil.
A estatal tem hoje grande influência na direção da Braskem. Indicou um vice-presidente, além de membros do conselho de administração.
Recentemente, a Braskem, com sede na Bahia, anunciou a incorporação da petroquímica Triunfo (RS), o que fará dela líder do setor no Brasil. A operação só foi possível em razão da participação da Petrobras.
Nas eleições de 2006, além das campanhas majoritárias, a Braskem fez doações para nove deputados federais eleitos por sete partidos diferentes. As contribuições seguiram a média de R$ 40 mil, com exceção de Manuela D"Ávila (PC do B-RS), que recebeu R$ 10 mil.
No Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP) foi o único destinatário de doações de empresas com relação societária com a Petrobras: teve R$ 100 mil da Utingás, de Santo André (SP).
Do capital da Utingás, 31% é pertencente à Liquigás, outra subsidiária da Petrobras. A Liquigás indicou inclusive um dos diretores da Utingás. Líder de seu partido na Casa, Mercadante chegou a ser cotado para presidir a CPI da Petrobras, mas ficou de fora da comissão.
A relação de doações de empresas do "Sistema Petrobras" mostra que 54,86% dos recursos foram destinados ao PT, com uma atenção especial à campanha de Marinho, eleição acompanhada de perto pelo Planalto. A cidade é o berço político de Lula e do partido. São da Petroquímica União (R$ 800 mil) e da Quattor Petroquímica (R$ 430 mil) as duas maiores doações ao petista. Folha

PF vê ligação de libanês com a Al Qaeda

Investigação indica que sua função não estava ligada ao braço armado da organização; advogado aponta "precipitação" da polícia

Segundo as interceptações, homem detido no mês passado dizia ser integrante da Al Qaeda; FBI alertou brasileiros em fevereiro


Investigações da Polícia Federal sobre a atividade do libanês K. chegaram à conclusão de que ele tem ligações com a organização terrorista Al Qaeda.
K., acredita-se, é o responsável mundial pelo "Jihad Media Battalion", uma organização virtual que é usada como uma espécie de relações públicas on-line da Al Qaeda, propagando pela internet, em árabe, ideais extremistas e incitando o povo muçulmano a combater países como os EUA e Israel. Para a PF, K. não é membro da alta hierarquia da Al Qaeda.
De São Paulo, sempre segundo a avaliação da cúpula da PF, o libanês mantinha contato com pessoas ligadas à organização terrorista em pelo menos quatro países, um deles da Ásia.
Sua função não estava ligada ao braço armado da organização, mas a PF suspeita de que ele tenha tratado, em discussões pelo fórum, de alvos potenciais de atentados, chegando a distribuir tarefas a outros membros da organização.
Segundo as investigações, K. agia só, o que descarta, portanto, para as autoridades, a participação de algum brasileiro.
Nas intercepções feitas pela PF, o libanês foi flagrado dizendo ser integrante da Al Qaeda, que tem como líder máximo Osama bin Laden, o terrorista mais procurado do planeta.
As autoridades brasileiras foram informadas da atuação do libanês em fevereiro, em informações repassadas pelo FBI, o equivalente norte-americano da PF. Na ocasião, o FBI já tinha a identificação do IP do computador de onde o libanês coordenava a rede.
O advogado do libanês, Mehry Daychoum, diz que houve "confusão" e "precipitação" da PF e nega relação de seu cliente com qualquer organização "paramilitar ou terrorista": "Ele cometeu a infelicidade de emitir comentários na internet, jamais imaginando que isso pudesse ser crime no Brasil".
Na edição de terça, o colunista da Folha Janio de Freitas informou que um integrante da alta hierarquia da Al Qaeda tinha sido preso no Brasil. Para preservar o sigilo da operação, escreveu o jornalista, a PF atribuiu a prisão a uma investigação sobre células nazistas.
O ministro Tarso Genro (Justiça) disse que o governo não trabalhava com a hipótese de K. ter relações com a Al Qaeda. O presidente Lula demonstrou irritação ao falar do caso.
Segundo disseram à Folha autoridades brasileiras, o governo queria manter sob sigilo a suspeita da ligação de K. com a Al Qaeda, principalmente por causa da pressão internacional.
Por isso sua prisão foi divulgada como consequência de uma suposta "propagação de mensagens com conteúdo racista pela internet", segundo a nota da PF. O libanês foi indiciado por crime de racismo.
Autoridades americanas têm pressionado o Brasil por não haver em lei a tipificação do crime de terrorismo. Para Tarso, não é preciso mudar a legislação, pois atos terroristas podem ser enquadrados nas leis comuns. O debate já chegou a ser travado no Ministério da Justiça. Mas a preocupação do governo é que a criação de uma lei desse tipo possa criminalizar movimentos sociais.
K. vive no Brasil com a mulher e filha, ambas brasileiras. Detido em 25 de abril, ele passou 21 dias preso por ordem do juiz da 4ª Vara Federal Criminal, Alexandre Cassettari. Agora, mesmo em liberdade, o libanês segue sendo monitorado.
Em nota, a assessoria da Justiça Federal disse que a investigação da PF apontou indícios de que K. atuava como membro da "organização extremista" Jihad Media Battalion, além de ter ligações "com outros grupos". Segundo a Justiça, "as diligências policiais constataram, também, a associação de aproximadamente 34 membros cadastrados, o que caracterizaria a formação de quadrilha". O Ministério Público ainda não decidiu se oferecerá denúncia contra K.
Ontem, a Comissão de Segurança Pública da Câmara aprovou requerimento que convida representantes da PF e da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para discutir a prisão de K -com data a ser definida. Folha

25.5.09

Renan e Lula se reúnem para traçar estratégia e compor CPI

Senador diz que nomes serão definidos só após conversa; PT quer presidência e relatoria

Tucano Alvaro Dias afirma que vai pedir à PF, ao TCU e ao Ministério Público dados de todas as investigações que envolvem a Petrobras


A base aliada do governo se reúne na manhã de hoje com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para definir os melhores nomes e a estratégia que será usada para proteger a Petrobras na CPI instalada no Senado para investigar denúncias de irregularidades na estatal.
Ontem, o senador Renan Calheiros (AL), líder do PMDB, negou que levará a Lula os nomes de ACM Junior (DEM-BA) para presidir e o de Romero Jucá (PMDB-RR) para relatar a CPI. Apesar de a dupla contar com apoio de parte da oposição e até de petistas, ele disse que só após conversar com o presidente vai definir a composição e o comando da comissão.
"A preocupação é com quem não vou designar. Nesse momento temos um quadro de excesso", disse Renan, que deve indicar três titulares e dois suplentes do PMDB para a CPI.
O objetivo do PMDB é se valorizar ainda mais com Lula e, também, enfraquecer o PT. Na semana passada, o senador Wellington Salgado (PMDB-MG) se encontrou com o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, nos EUA. "Ele está preocupado. Teme que qualquer licitação vire denúncia. Eu disse a ele para conversar mais com o PMDB do Senado."
Petistas, que querem manter presidência e relatoria da CPI com governistas, acreditam que Lula levará em conta todas as ponderações de Renan. Os mais próximos ao presidente dizem que ele não vai criar problemas a poucos meses das definições da eleição de 2010.
Na conversa com Lula, devem ser tratados temas como relatorias de matérias de interesse do governo no Congresso, conjuntura eleitoral e política para 2010 e reações do governo sobre a pressão peemedebista para trocar diretores da Petrobras em troca de apoio na CPI.
A estratégia do governo para conter a oposição também será um dos pontos da conversa. "A maior preocupação deve ser com os contratos da Petrobras. Não são contratos convencionais, não seguem o padrão de outras estatais. Já falei para o presidente Lula e para a ministra Dilma Rousseff [Casa Civil] que essa peculiaridade precisa ser bem trabalhada para que não haja distorções", afirmou o senador Delcídio Amaral (PT-MS), ex-diretor da estatal.
Mas, se depender da oposição, as investigações contra a estatal que já estão em andamento serão o foco inicial.
O senador Alvaro Dias (PSDB-PR) afirmou ontem que vai preparar requerimentos para apresentar na primeira reunião da CPI pedidos requisitando todos os relatórios da Polícia Federal sobre as operações que tiveram a estatal como alvo, as auditorias do Tribunal de Contas da União e o material do Ministério Público que questiona o pagamento de R$ 178 milhões da Petrobras a usineiros.
Dias reivindica a presidência da CPI por ter sido o autor do requerimento de criação da comissão, mas a base governista já vetou sua candidatura.
Apesar de as vagas de relator e presidente serem negociadas por acordo, o regimento determina que o presidente seja eleito e indique o relator. Essa eleição só ocorre após instalação da CPI, feita depois da leitura dos nomes em plenário pelo presidente. O prazo final para indicação dos nomes é quarta-feira.
A instalação poderá ser atrasada ainda mais porque o PSDB pretende insistir na reivindicação de outra vaga na comissão. Na sexta-feira, o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), negou o pedido apresentado pelo líder tucano Arthur Virgílio (AM). "A resposta do presidente foi muito vaga. Vou pedir um parecer da Comissão de Constituição e Justiça", disse. Folha

Começou bem mal

A CPI da Petrobras, criada para investigar contratos suspeitos, é tomada de assalto pela turma que gosta de cargos – principalmente na própria estatal


Alexandre Oltramari


Lula Marques /Folha Imagem
UMA DUPLA DO BARULHO
Renan e Collor manobram para comandar a investigação: o objetivo é usar a CPI para obter lucro pessoal

Se fosse um país, a Petrobras, a maior empresa brasileira e uma das maiores petrolíferas do mundo, seria uma nação mais rica que a Nova Zelândia. Com um faturamento anual de 284,8 bilhões de reais e guardiã das economias de 200 000 acionistas privados, a estatal é um patrimônio e, na visão do nacionalismo exacerbado, até um símbolo da pátria. Na semana passada, não bastasse estar sob o crivo de uma comissão de investigação, a Petrobras virou objeto de uma vergonhosa disputa política entre parlamentares cobiçosos de cargos e riquezas. Nos próximos 180 dias, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigará especificamente sete negócios realizados pela empresa nos últimos anos. Não se sabe o potencial inflamável das suspeitas que motivaram a instalação da CPI, tampouco se haverá combustível político suficiente para extrair delas alguma medida saneadora na hipótese de se materializarem mesmo algumas irregularidades. Fosse isso, seria o caso de celebrar o bom funcionamento das instituições. Mas não se subestime a esperteza do atual Congresso. Instalada a CPI, as raposas trataram de lucrar pessoalmente com ela.

Proposta pela oposição, a CPI é, no entanto, controlada pelo partido aliado do governo, o PMDB, aquele que, conforme o desabafo de um de seus próceres mais ilustres, o senador Jarbas Vasconcelos, "só pensa em cargos e corrupção". Nas mãos do PMDB, a CPI vira uma incógnita, e seu eventual desfecho dependerá da tradicional barganha por cargos e privilégios, matéria-prima política do partido. Para se ter uma ideia do tipo de manobras em curso, o candidato a investigador-mor da CPI é ninguém menos que o ex-presidente Fernando Collor, derrubado da Presidência da República em 1992 por corrupção graças justamente aos trabalhos de uma CPI. Secundando Collor, aparece outro notório parlamentar, o senador Renan Calheiros, um tipo que só se move por interesse próprio e de seu nebuloso grupo político-empresarial. Estão o tempo todo em busca de cargos e acesso ao Erário. Renan encara a CPI da Petrobras, cuja instalação ele apoiou, como uma excelente oportunidade de negócio. Seus representantes na CPI, como sempre, vão apoiar o governo em troca de favores. O grupo já colocou no pano verde sua principal reivindicação: a nomeação de um aliado para o cargo de diretor da Petrobras responsável pelo pré-sal, a bilionária reserva encontrada a 7 000 metros de profundidade no litoral sudeste. "Ninguém tem o direito de se surpreender com as práticas fisiologistas do PMDB", afirmou Jarbas Vasconcelos. Mas ainda assim o senador Pedro Simon ficou chocado: "Isso é um escândalo. Sinto-me envergonhado. Eles pelo menos deveriam fingir alguma decência". Isso, sim, seria novidade de espantar os mais incrédulos.

Fora das intenções negociais da dupla Renan-Collor, uma CPI da Petrobras se justifica? Em tese, sim. Por seu gigantismo, volume de gastos e atuação política, uma estatal como a Petrobras sempre acaba cometendo deslizes. Durante a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a estatal ganhou autonomia para firmar certo tipo de contrato sem licitação. O objetivo era dar-lhe mais agilidade na competição internacional com as grandes petrolíferas do mundo. A decisão, é óbvio, acabou servindo de porta para toda espécie de abuso. Recentemente, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou indícios de superfaturamento, no valor de 100 milhões de reais, na construção de uma refinaria em Pernambuco. Alguns contratos para reforma de plataformas de exploração de petróleo também são alvo de suspeitas. Há ainda indícios de descontrole de contratos publicitários e de direcionamento político no uso das verbas de patrocínio. A investigação da CPI vai ser voltada também para a Agência Nacional do Petróleo (ANP), uma entidade antes respeitada que se tornou uma espécie de Detran, loteada que foi por sindicalistas e aliados do PT. A criação da CPI ganhou força com a recente revelação de que a estatal fez uma manobra contábil para ludibriar o Fisco. Enfim, se a ideia fosse mesmo investigar e dar transparência maior aos gastos da estatal, haveria trabalho a ser feito. Pena que a motivação seja outra.

Muitos milhões a menos

Fabio Portela

Divulgação
CONSOLIDAÇÃO
A Petrobras entregou o controle da Petroquímica Triunfo à Braskem, do grupo Odebrecht

Será duro para a oposição furar o bloqueio erguido pelo governo contra as investigações da CPI da Petrobras. Se isso ocorrer, os senadores deveriam incluir na lista de questionamentos à direção da estatal o caso da Petroquímica Triunfo, uma gigantesca planta industrial, localizada no interior gaúcho, que produz matéria-prima para a produção de plásticos. A Petrobras detinha 85% do capital da Triunfo. Os outros 15% estavam nas mãos da família Gorentzvaig, cujo patriarca, Boris, foi um dos pioneiros da implantação do Polo Petroquímico do Sul, no fim da década de 70. Logo que a Triunfo começou a operar, nos anos 80, a Petrobras e os Gorentzvaig se desentenderam. Desde então, digladiam-se na Justiça para saber quem deve dar as cartas na Triunfo. Para encerrar o litígio, o juiz Mauro Gonçalves propôs em junho do ano passado que a estatal vendesse sua parte aos Gorentzvaig por 250 milhões de reais. A Petrobras topou sair do negócio, mas cobrou um valor maior por sua participação: 355 milhões de reais. Os Gorentzvaig concordaram com o novo preço. O negócio deveria ser sacramentado em outubro, durante uma audiência de conciliação judicial. Mas a advogada da Petrobras, Andréia Damiani, foi ao tribunal para dizer que a empresa não queria mais acordo. Alegou que já havia passado muito tempo desde que a empresa fizera a contraproposta e "razões estratégicas" impediam a conclusão do negócio. A advogada reclamou, também, do pedido de due diligence, investigação contábil, jurídica e econômica feita antes do fechamento de grandes negócios. Para ela, a due diligence iria "embolar o meio de campo".

No mês passado – e é aí que o caso se torna curioso –, a Petrobras decidiu repassar a Triunfo para outra empresa, a Braskem, da qual é sócia minoritária, por 250 milhões de reais, pagos em ações. Preferiu receber 250 milhões de reais em ações por 100% da Triunfo a 355 milhões de reais em dinheiro por 85% da mesma empresa. Os Gorentzvaig, minoritários na petroquímica, foram obrigados a sair do negócio e a também aceitar ações da Braskem em troca de sua participação. "Entregaram a Triunfo para a Braskem", diz Caio Gorentzvaig. A Petrobras alega que o negócio é lícito e contribuiu para a "consolidação da indústria petroquímica nacional". Controlada pela Odebrecht, a Braskem já era dona do polo petroquímico da Bahia e da refinaria paulista de Paulínia. Diz Gorentzvaig: "Vamos à Justiça para tentar derrubar essa transação".

Ela e os golpistas

A internação da ministra Dilma Rousseff provocou um grave efeito colateral na democracia: a volta do golpe do terceiro mandato para Lula


Otávio Cabral e Alexandre Oltramari

Fotos Joel Silva/Folha Imagem e Natacha Pisarenko/AP
SIM, MAS...
Lula aposta na candidatura de Dilma, mas seus próximos desenham outros cenários, alguns francamente golpistas


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Do arquivo
O câncer no palanque (6/5/2009)

Desde a eleição do presidente Lula, em 2002, o PT trabalha com a meta explícita de se manter no poder por vinte anos. É uma aspiração justa e natural de um grupo que construiu uma história e se legitimou politicamente no Brasil. Antes de cair em desgraça no escândalo do mensalão, o candidato natural à sucessão de Lula era o ex-ministro José Dirceu. A segunda opção lógica recaiu sobre o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, também abatido na investigação sobre a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Desde o ano passado, a opção vem sendo Dilma Rousseff, a gestora eficiente, gerente do governo e coordenadora das principais obras federais. Há um mês, porém, a ministra descobriu ser portadora de um câncer linfático. Como, ainda mais do que a natureza, a política abomina o vácuo, a quase certeza médica da cura total da ministra tem sido pouco para neutralizar os movimentos de busca de um novo candidato. Na semana passada, Dilma foi internada às pressas em São Paulo para tratar dos efeitos colaterais do tratamento quimioterápico a que se submete (veja o quadro). O apelo da ministra para que não misturassem sua saúde a questões políticas caiu no vazio. A notícia atiçou os aliados do governo, que, mais uma vez, se encarregaram de fundir as duas coisas, só que agora acoplando alternativas golpistas – como a de um terceiro mandato para Lula ou a simples prorrogação do atual mandato do presidente.

O deputado Jackson Barreto, do PMDB de Sergipe, que se diz amigo de Lula desde os tempos do sindicalismo, anunciou que vai apresentar na Câmara um projeto de emenda constitucional que prevê a realização de um plebiscito para que a população decida se Lula poderá concorrer a um terceiro mandato. O deputado Sandro Mabel, líder do PR, outro partido aliado do governo, apareceu com uma novidade de arrepiar: ele quer aprovar um projeto de sua autoria prevendo a prorrogação por mais dois anos dos mandatos do presidente, dos governadores, senadores, deputados federais e estaduais. A justificativa oficial é permitir a coincidência do calendário eleitoral em 2012. Até o fim da reeleição com a adoção de mandatos de cinco anos, o que daria mais um ano de Presidência para Lula, voltou a ser discutida como alternativa em reuniões de congressistas aliados do governo.

Em viagem oficial ao exterior, Lula tornou a afirmar que rejeita a proposta de um terceiro mandato: "Não discuto essa hipótese. Primeiro, porque não tem terceiro mandato. Segundo, porque Dilma está bem". É uma negativa protocolar, já que o assunto está sendo discutido inclusive por ministros e assessores próximos ao presidente. Na terça-feira, o ministro das Relações Institucionais, José Múcio, participou de um jantar com líderes do governo na Câmara no qual foi discutido abertamente o terceiro mandato. Na manhã seguinte, o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, promoveu um café da manhã com ministros, deputados e senadores que teve o tema como um dos pontos do cardápio. Na noite de quarta-feira, em um jantar na casa do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, o partido decidiu abraçar a tese do terceiro mandato e acelerar a tramitação do projeto de Jackson Barreto, aquele amigo do presidente. "Lula diz que não quer, não vai se mexer publicamente, mas não desautoriza ninguém a defender o terceiro mandato. Se cair no colo dele, não vai reclamar", afirma um líder da base.

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABR
POR ACLAMAÇÃO
Antonio Palocci é o preferido se os planos "alternativos" não colarem

Por enquanto, o discurso dos próximos do presidente é deixar a proposta de terceiro mandato seguir seu curso. Serve, no mínimo, para manter a base do governo unida enquanto aguarda uma definição da candidatura oficial. Para acalmar a oposição, o governo consolida a versão de que alterar a Constituição é uma tarefa difícil, o que é verdade, e que não existe mais tempo hábil para a manobra, o que é mentira. O tempo será um fator decisivo caso Lula queira mesmo disputar o terceiro mandato em 2010. Uma alteração constitucional precisa ser feita antes de outubro por meio de uma proposta de emenda. Ela precisaria tramitar em tempo recorde na Câmara dos Deputados e no Senado e ser promulgada por Lula durante os próximos quatro meses. É uma tarefa que parece impossível quando se considera que o ex-presidente Fernando Henrique Car-doso levou quase dois anos, apenas na Câmara dos Deputados, para aprovar a reeleição. Mas não é impossível. A emenda mais cé-lere da história, a que prorrogou a cobrança da CPMF, em 1999, um tema nada popular, tramitou durante exatos 119 dias no Congresso até ser promulgada.

A incerteza sobre a saúde da ministra já concretizou até uma alternativa oficial. Se as propostas golpistas não derem certo, o ex-ministro Antonio Palocci é apontado como o nome que, no momento, reúne mais condições de disputar a sucessão do presidente, isso, evidentemente, se ele for absolvido da acusação de ter ordenado a quebra ilegal do sigilo do caseiro. Segundo assessores do presidente, Palocci é um petista histórico, capaz de reunir a militância em torno de seu nome com muito mais facilidade. Os marqueteiros do Planalto calculam que qualquer candidato apoiado por Lula já começará a campanha com 35% nas intenções de voto e com o apoio maciço do eleitorado do Nordeste.

Depois da internação de emergência, Dilma resolveu seguir os conselhos dos médicos e reduzir seu ritmo de trabalho. Há um mês, quando a ministra anunciou a doença, alguns assessores palacianos recomendaram-lhe que se licenciasse do cargo. O conselho estava fundamentado em uma pesquisa realizada durante os meses que precederam a morte do ex-senador Antonio Carlos Magalhães, em 2007, depois de ter sido internado quatro vezes em um período de cinco meses. A pesquisa procurou aferir como a luta pela vida influencia o resultado das urnas. Descobriu-se que o drama desperta compaixão e solidariedade, mas causa sérios prejuízos eleitorais ao político. A pesquisa, em síntese, mostrou que a doença, apesar de galvanizar a opinião pública, tira votos. É este – e apenas este – o drama que hoje comove os golpistas.

Mal das pernas por um dia

Adriana Dias Lopes

A ministra da Casa Civil é mais vulnerável aos efeitos da quimioterapia do que o esperado por seus médicos. Na madrugada de terça-feira 19, com fortes dores nas pernas, ela foi levada às pressas de Brasília para São Paulo. Depois de uma série de exames no Hospital Sírio-Libanês, recebeu o diagnóstico: dores musculares decorrentes da químio. Tal desconforto é raríssimo entre os pacientes em tratamento quimioterápico contra linfoma – acomete apenas oito doentes em cada grupo de 800. As dores estão associadas a um tipo de corticoide, a prednisona, uma das cinco medicações que compõem a quimioterapia aplicada na ministra. Depois de cada sessão, os protocolos preveem que os pacientes continuem a tomar corticoides, por via oral, por mais quatro dias. O problema nas pernas surgiu porque o organismo de Dilma sofreu com a retirada do remédio. De modo a minimizar os riscos de uma nova crise, ao longo do próximo mês, a ministra receberá diariamente doses mínimas de corticoides. Além disso, por segurança, depois das próximas quatro sessões de químio, a suspensão da prednisona será feita gradualmente, durante uma semana.

Dilma começou a se sentir mal depois de uma de suas caminhadas matinais, em Brasília. As dores se iniciaram nas panturrilhas, subiram para as coxas e foram aumentando de intensidade até culminar com uma sensação de cãibra. Ainda na capital federal, ela foi medicada com gabapentina, um remédio contra dores neuropáticas, provocadas por lesões nos nervos. Sem que o quadro apresentasse melhora, ela foi levada de avião-ambulância para São Paulo. O jatinho foi solicitado pela direção do Hospital Sírio-Libanês a uma seguradora de saúde que não é a da ministra. Durante a viagem, Dilma recebeu uma injeção de morfina. Ao chegar ao hospital, fez exames de sangue e ressonância magnética. Nada foi detectado de anormal. Como as dores não cediam com gabapentina e morfina, os médicos suspeitaram da hipótese da falta de corticoide e lhe deram uma dose do medicamento. O sofrimento cessou imediatamente.

No início da tarde de quarta-feira, ao deixar o hospital, a ministra mencionou, pela primeira vez, a perda de cabelo, outro efeito colateral da químio. "Eu estou usando uma peruquinha básica, como vocês podem ver. Espero que, logo que (o cabelo) começar a crescer e estiver na altura dos masculinos, eu possa tirar a peruca, porque é muito chato", disse ela. A próxima sessão de quimioterapia, a terceira, está prevista para a primeira semana de junho.