Alexandre Oltramari
Lula Marques /Folha Imagem |
UMA DUPLA DO BARULHO Renan e Collor manobram para comandar a investigação: o objetivo é usar a CPI para obter lucro pessoal |
Se fosse um país, a Petrobras, a maior empresa brasileira e uma das maiores petrolíferas do mundo, seria uma nação mais rica que a Nova Zelândia. Com um faturamento anual de 284,8 bilhões de reais e guardiã das economias de 200 000 acionistas privados, a estatal é um patrimônio e, na visão do nacionalismo exacerbado, até um símbolo da pátria. Na semana passada, não bastasse estar sob o crivo de uma comissão de investigação, a Petrobras virou objeto de uma vergonhosa disputa política entre parlamentares cobiçosos de cargos e riquezas. Nos próximos 180 dias, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigará especificamente sete negócios realizados pela empresa nos últimos anos. Não se sabe o potencial inflamável das suspeitas que motivaram a instalação da CPI, tampouco se haverá combustível político suficiente para extrair delas alguma medida saneadora na hipótese de se materializarem mesmo algumas irregularidades. Fosse isso, seria o caso de celebrar o bom funcionamento das instituições. Mas não se subestime a esperteza do atual Congresso. Instalada a CPI, as raposas trataram de lucrar pessoalmente com ela.
Proposta pela oposição, a CPI é, no entanto, controlada pelo partido aliado do governo, o PMDB, aquele que, conforme o desabafo de um de seus próceres mais ilustres, o senador Jarbas Vasconcelos, "só pensa em cargos e corrupção". Nas mãos do PMDB, a CPI vira uma incógnita, e seu eventual desfecho dependerá da tradicional barganha por cargos e privilégios, matéria-prima política do partido. Para se ter uma ideia do tipo de manobras em curso, o candidato a investigador-mor da CPI é ninguém menos que o ex-presidente Fernando Collor, derrubado da Presidência da República em 1992 por corrupção graças justamente aos trabalhos de uma CPI. Secundando Collor, aparece outro notório parlamentar, o senador Renan Calheiros, um tipo que só se move por interesse próprio e de seu nebuloso grupo político-empresarial. Estão o tempo todo em busca de cargos e acesso ao Erário. Renan encara a CPI da Petrobras, cuja instalação ele apoiou, como uma excelente oportunidade de negócio. Seus representantes na CPI, como sempre, vão apoiar o governo em troca de favores. O grupo já colocou no pano verde sua principal reivindicação: a nomeação de um aliado para o cargo de diretor da Petrobras responsável pelo pré-sal, a bilionária reserva encontrada a 7 000 metros de profundidade no litoral sudeste. "Ninguém tem o direito de se surpreender com as práticas fisiologistas do PMDB", afirmou Jarbas Vasconcelos. Mas ainda assim o senador Pedro Simon ficou chocado: "Isso é um escândalo. Sinto-me envergonhado. Eles pelo menos deveriam fingir alguma decência". Isso, sim, seria novidade de espantar os mais incrédulos.
Fora das intenções negociais da dupla Renan-Collor, uma CPI da Petrobras se justifica? Em tese, sim. Por seu gigantismo, volume de gastos e atuação política, uma estatal como a Petrobras sempre acaba cometendo deslizes. Durante a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a estatal ganhou autonomia para firmar certo tipo de contrato sem licitação. O objetivo era dar-lhe mais agilidade na competição internacional com as grandes petrolíferas do mundo. A decisão, é óbvio, acabou servindo de porta para toda espécie de abuso. Recentemente, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou indícios de superfaturamento, no valor de 100 milhões de reais, na construção de uma refinaria em Pernambuco. Alguns contratos para reforma de plataformas de exploração de petróleo também são alvo de suspeitas. Há ainda indícios de descontrole de contratos publicitários e de direcionamento político no uso das verbas de patrocínio. A investigação da CPI vai ser voltada também para a Agência Nacional do Petróleo (ANP), uma entidade antes respeitada que se tornou uma espécie de Detran, loteada que foi por sindicalistas e aliados do PT. A criação da CPI ganhou força com a recente revelação de que a estatal fez uma manobra contábil para ludibriar o Fisco. Enfim, se a ideia fosse mesmo investigar e dar transparência maior aos gastos da estatal, haveria trabalho a ser feito. Pena que a motivação seja outra.
Muitos milhões a menos
Fabio Portela
Divulgação |
CONSOLIDAÇÃO A Petrobras entregou o controle da Petroquímica Triunfo à Braskem, do grupo Odebrecht |
Será duro para a oposição furar o bloqueio erguido pelo governo contra as investigações da CPI da Petrobras. Se isso ocorrer, os senadores deveriam incluir na lista de questionamentos à direção da estatal o caso da Petroquímica Triunfo, uma gigantesca planta industrial, localizada no interior gaúcho, que produz matéria-prima para a produção de plásticos. A Petrobras detinha 85% do capital da Triunfo. Os outros 15% estavam nas mãos da família Gorentzvaig, cujo patriarca, Boris, foi um dos pioneiros da implantação do Polo Petroquímico do Sul, no fim da década de 70. Logo que a Triunfo começou a operar, nos anos 80, a Petrobras e os Gorentzvaig se desentenderam. Desde então, digladiam-se na Justiça para saber quem deve dar as cartas na Triunfo. Para encerrar o litígio, o juiz Mauro Gonçalves propôs em junho do ano passado que a estatal vendesse sua parte aos Gorentzvaig por 250 milhões de reais. A Petrobras topou sair do negócio, mas cobrou um valor maior por sua participação: 355 milhões de reais. Os Gorentzvaig concordaram com o novo preço. O negócio deveria ser sacramentado em outubro, durante uma audiência de conciliação judicial. Mas a advogada da Petrobras, Andréia Damiani, foi ao tribunal para dizer que a empresa não queria mais acordo. Alegou que já havia passado muito tempo desde que a empresa fizera a contraproposta e "razões estratégicas" impediam a conclusão do negócio. A advogada reclamou, também, do pedido de due diligence, investigação contábil, jurídica e econômica feita antes do fechamento de grandes negócios. Para ela, a due diligence iria "embolar o meio de campo".
No mês passado – e é aí que o caso se torna curioso –, a Petrobras decidiu repassar a Triunfo para outra empresa, a Braskem, da qual é sócia minoritária, por 250 milhões de reais, pagos em ações. Preferiu receber 250 milhões de reais em ações por 100% da Triunfo a 355 milhões de reais em dinheiro por 85% da mesma empresa. Os Gorentzvaig, minoritários na petroquímica, foram obrigados a sair do negócio e a também aceitar ações da Braskem em troca de sua participação. "Entregaram a Triunfo para a Braskem", diz Caio Gorentzvaig. A Petrobras alega que o negócio é lícito e contribuiu para a "consolidação da indústria petroquímica nacional". Controlada pela Odebrecht, a Braskem já era dona do polo petroquímico da Bahia e da refinaria paulista de Paulínia. Diz Gorentzvaig: "Vamos à Justiça para tentar derrubar essa transação".
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