30.5.09

Plano de habitação do governo Lula pode virar farra

Revista Época

O programa Minha Casa, Minha Vida é uma das iniciativas mais festejadas pelo governo Lula. Anunciado há dois meses, ele prevê gastos de R$ 34 bilhões para construir mais de 1 milhão de moradias para famílias com renda até R$ 4.600 mensais. Há duas semanas, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 459, que estabelece as regras do programa. Agora no Senado, a MP é daquelas em que os detalhes são mais importantes que o todo. De acordo com um estudo feito pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, o texto aprovado pelos deputados deixa brechas que podem ampliar os problemas, em vez de ajudar a resolvê-los.

Os promotores apontam problemas especialmente na parte relacionada à regularização de terrenos. Praticamente todas as cidades brasileiras têm áreas ocupadas irregularmente. A maioria é povoada por brasileiros pobres. Eles vivem nas periferias das cidades, sem acesso a financiamento e a serviços como água, luz ou esgoto. A MP 459 deveria estabelecer, em tese, regras para regularizar essas áreas e melhorar a vida dos moradores. Mas, como é comum nesses casos, o texto serve também para abrigar interesses diversos. “A MP facilita a regularização a todo custo e pode incentivar a criação de novos assentamentos clandestinos?, diz o promotor Ivan Carneiro, do Ministério Público de São Paulo.
O texto não prevê mecanismos para inibir a multiplicação
de áreas irregulares nas cidades

De acordo com o estudo dos promotores, há várias brechas perigosas. O texto da MP reduz de quatro para apenas dois os critérios exigidos para considerar uma área como urbana – e, assim, torná-la candidata à regularização. Dessa maneira, fica mais fácil encaixar qualquer local nos critérios. O texto também não estabelece as regras gerais para regularizar uma área. “O correto é que a situação de cada área fosse estudada por profissionais de diversos setores, como urbanismo e meio ambiente, antes de tomar a decisão?, afirma Carneiro. Como a MP está redigida, a decisão pode ser tomada por um só profissional da prefeitura. “E não há regras claras que ele possa seguir.? A MP 459 também não prevê nenhum mecanismo de prevenção para desestimular o surgimento de novos loteamentos clandestinos. Outro temor dos promotores é que o texto delega às prefeituras a tarefa de conceder a licença ambiental, sem prever compensações por áreas já degradadas. “O texto tenta tornar cada vez mais fácil a liberação de uma área, em detrimento do meio ambiente?, diz a promotora Cristina Freitas.

Na rápida passagem pela Câmara, o texto ganhou outra passagem ambígua. Como não especifica claramente que as regras valem apenas para casos de baixa renda, a MP 459 abre espaço para que empreendimentos de classe média e de luxo sejam beneficiados. “Temos de lutar para derrubar no Senado essa brecha?, afirma a urbanista Raquel Rolnik, relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para Moradia Adequada. “O espírito da MP é para moradores de baixa renda, não para ajudar condomínios de luxo.? A brecha pode alimentar uma indústria próspera, em que o empreendedor abre um novo loteamento sem as licenças necessárias e depois tenta regularizar a situação. “É generalizar uma farra?, diz Raquel Rolnik.

Um ponto positivo é que a medida provisória prevê que parte dos recursos pode ser usada para reabilitar imóveis vagos. Existem cerca de 6 milhões de imóveis vazios no país. Grande parte deles está nos centros das grandes cidades. Para seus donos, têm a vantagem de evitar deslocamentos que geram gastos com transportes, perda de tempo e poluição. Mas, pelo que se vê até agora, tal aspecto não foi notado: as prefeituras têm dado preferência ao cadastramento de moradores interessados em novas casas.

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