25.5.09

Como a Petrobras, de vitrine, virou vidraça

Cláudia Schuffner para Valor Econômico

A instalação de uma CPI para investir a Petrobras e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) transforma, na prática, a vitrine do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva em vidraça. A intenção da oposição ao criar CPI utilizando como justificativa desentendimento entre a Petrobras e a Receita sobre tributos parece ser, na prática, a de apagar a estrela do PT. Nunca antes na história recente do país um governante usou tanto a Petrobras como palanque político. Foram raras as inaugurações de obras na Petrobras, seja para ampliação de refinarias ou de lançamento de pedra-fundamental, sem a presença de Lula.

Entre as fotos mais emblemáticas de seu governo estão aquelas em que o presidente aparece com a mão suja de petróleo comemorando a autossuficiência do país na plataforma P-50, em 2006. Sob o PT, a estatal lançou o programa Petrobras Fome Zero, com orçamento de R$ 303 milhões.

Com Lula a Petrobras também se tornou ponta-de-lança do programa de biocombustíveis do governo. A Petrobras que detém a completa tecnologia para exploração e produção de petróleo em águas ultraprofundas é a mesma que assina contratos de assistência técnica agrícola para incentivar programas de agricultura familiar do Ceará e Piauí. A Petrobras Combustíveis é hoje comandada pelo ex-ministro de Desenvolvimento Agrário Miguel Rossetto, um dos fundadores do PT.

Quando o PAC foi lançado, 183 projetos da companhia foram incluídos ali, alguns já em andamento ou previstos há mais tempo. Dos R$ 70 milhões do orçamento do PAC para 2009, R$ 47 milhões (67%) cabem à Petrobras. A empresa é, de longe, a maior contribuinte da Receita Federal. O objetivo dessa CPI é segurar a maior alavanca de investimentos desse país, afirma um experiente político.

Foi uma instrumentalização anunciada. Um dos programas mais marcantes do horário eleitoral gratuito da campanha presidencial de 2002 foi aquele em que Lula prometia a trabalhadores do estaleiro Verolme, em Angra dos Reis, que se fosse eleito todas as encomendas de navios da Petrobras seriam feitas no país.

A Petrobras vivia um processo de expansão dos investimentos num momento em que a indústria naval tentava sair de uma (de suas muitas) fases de baixa produção e quase insolvência por meio de arrendamentos das instalações para grupos estrangeiros. O próprio Verolme, em Angra, tinha voltado a operar dois anos antes (em 2000) depois de quatro anos desativado.

Em 1997 a Petrobras teve inclusive que emprestar dinheiro para quitar dívidas do Verolme com o FGTS. Uma delas, de R$ 13,4 milhões, foi paga para interromper uma greve que ameaçava atrasar a entrega de uma plataforma que estava sendo construída lá. A Petrobras também teve que emprestar R$ 5 milhões para que o estaleiro pagasse as rescisões de funcionários demitidos. O estaleiro não podia sequer ser vendido na época porque o dinheiro teria que ser usado para abater R$ 80 milhões da dívida com o INSS.

No front interno, a Petrobras enfrentava pela primeira vez a concorrência privada em seu quintal. A Lei do Petróleo (9.478) tinha sido sancionada em 1997 e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) foi criada um ano depois para organizar o mercado. Foi nesse contexto que o decreto liberando a empresa de seguir a Lei de Licitações foi saudado pela empresa, que estava praticamente refém de um cartel de estaleiros ineficientes.

Nos três anos que dirigiu a petroleira depois da abertura do setor de petróleo, Henri Philippe Reichstul (1999-2002) fez uma reforma radical na companhia, introduzindo novas práticas contábeis e de governança corporativa, deu mais transparência e introduziu o conceito de unidades de negócios. Mudou o sistema de remuneração dos funcionários mais graduados da empresa, pautado pela meritocracia. É dessa época a criação do cargo de gerente-executivo, para o qual foram promovidos seus profissionais mais preparados. Entre os que ocuparam essas gerências iniciais estão o atual diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa.

Naquela gestão, no segundo governo de FHC, o único diretor com indicação política na Petrobras foi o atual senador Delcídio Amaral (PT-MS), que, à época fazia parte da cota do PMDB, mas também exibia um currículo técnico considerado impecável. Inúmeras tentativas do ex-governador Anthony Garotinho de nomear o diretor de Abastecimento foram frustradas. O que se imaginava naquela gestão era que a Petrobras estava sendo blindada contra ingerências políticas.

No governo Lula, a empresa está sob o comando de quadros técnicos indicados pelo PT, muitos deles oriundos do movimento sindical, e por partidos aliados do governo. Um dos mais representativos é Wilson Santarosa, gerente executivo de Comunicação Institucional da Petrobras, ex-diretor das Centrais de Abastecimento de Campinas (Ceasa) e ex-secretário-geral da CUT, que tem a mulher, Geide Miguel, como ouvidora da BR Distribuidora.

A Diretoria de Exploração e Produção, uma das mais importantes da estatal e a que tem o maior orçamento de investimento - US$ 104,6 bilhões, o equivalente a 59% do plano estratégico até 2013, que soma US$ 174,4 bilhões - é dirigida pelo petista histórico Guilherme Estrella, um geólogo aposentado da Petrobras, onde teve uma prolífera carreira, incluindo uma passagem pelo Iraque quando estava na Braspetro. O bom currículo era obscurecido, na época, pela informação de que tinha fundado um diretório do PT em Nova Friburgo e por algumas opiniões nacionalistas consideradas excessivas depois da abertura do setor.

A de Gás e Energia é ocupada por Maria das Graças Foster, engenheira de carreira da empresa, que trabalhou como braço direito da ministra Dilma Rousseff no Ministério das Minas e Energia e mantém grande proximidade com a pré-candidata governista à Presidência. A área de Abastecimento é comandada por Paulo Roberto Costa, indicado pelo PP mas que tem trânsito entre todos os partidos, incluindo PMDB e oposição.

Jorge Zelada, da área internacional, é indicado pelo PMDB da Câmara que, contudo, estaria insatisfeito com o esvaziamento da área. Para analistas do mercado financeiro que cobrem a empresa, uma possível redução dos interesses da companhia no exterior, ainda não efetivada, é uma decisão acertada, já que ela precisa fazer frente aos pesados investimentos que o pré-sal brasileiro vai exigir.

Com a CPI, voltaram as pressões para a saída de Estrella. De novo, o PMDB cobiça o cargo, cobrando a transferência do diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, para o lugar de Estrella. Na sexta-feira, Dilma Rousseff, de volta a Brasília depois da internação hospitalar, descartou qualquer mudança nas diretorias da estatal. E refutou a denominação de caixa-preta para a empresa: A Petrobras segue leis rígidas de demonstrações contábeis, cumpre sistematicamente a Sarbanes-Oxley (lei americana contra fraudes contábeis criada em 2002). A empresa pode ter sido uma caixa preta em 1997, 1998, 1999, 2000, mas hoje é uma empresa com nível de contabilidade dos mais apurados do mundo.

Não é a primeira vez que Estrella se torna alvo da oposição. O ex-presidente da Câmara, Severino Cavalcanti pediu a diretoria que fura poço e acha petróleo quando José Eduardo Dutra presidia a Petrobras. Mais tarde Estrella só não saiu junto com o ex-diretor de Gás e Energia e professor da USP, Ildo Sauer, porque o pré-sal tinha acabado de ser anunciado. A opção é sempre a troca de Estrella por Costa porque esse seria um nome com livre trânsito entre os diversos partidos, inclusive da oposição, e não apenas no PP que o indicou.

Mesmo com essa visível interferência, a companhia continua uma estrela do mercado acionário, grandemente fundamentada pela alta qualificação de seu corpo funcional. Bateu recordes de produção nos últimos anos e descobriu os maiores reservatórios de petróleo do mundo nos últimos 30 anos. Agora pode ter seu futuro alterado pelo novo marco regulatório que o governo está preparando em um processo que até agora teve pouca transparência e discussão com a sociedade, apesar de afetar profundamente a fonte de receita de alguns Estados e municípios e colocar em compasso de espera novos investimentos de companhias de petróleo estrangeiras no país.

O economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura, acha que o atual governo acredita ter o que ele chama de monopólio do bem-querer da Petrobras, ao acusar a oposição de querer privatizar a companhia. Mas acha que a partidarização da estatal é em grande parte responsável pela situação atual. Lula nunca escondeu ter forçado a Petrobras a acelerar investimentos para evitar os efeitos da crise no país. Durante a inauguração de uma estação de tratamento de gás no Espírito Santo, chamou Gabrielli e disse: Não tem chororô, meu filho. Não vamos deixar para 2017. Vamos gastar cada centavo que pudermos gastar. Vamos investir para dinamizar a economia brasileira.

Até o momento, é incerto o impacto da CPI nas atividades da companhia, que tem um estrutura funcional com uma disciplina quase militar herdada dos generais que passaram pela sua presidência. O professor Edmilson Santos, da USP, não se mostra surpreendido com a investida da oposição, lembrando que o petróleo sempre foi um assunto que desperta paixão e interesse no país. Já Pires vê a iniciativa da CPI como uma resposta à monopolização pelo PT de uma discussão estratégica para o país, como a exploração das reservas do pré-sal.

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