30.5.09

REVELAÇÕES DE UM CORRETOR

Em regime de delação premiada, o homem que ajudou a desvendar o escândalo do mensalão revela a existência de uma conta secreta do deputado Valdemar Costa Neto


Diego Escosteguy

Fotos Dida Sampaio/AE, Sergio Lima/Folha Imagem e Diário de Mogi
DINHEIRO SUJO
O corretor de câmbio Lúcio Funaro, o deputado Valdemar Costa Neto e o banqueiro Henrique Borenstein: a conta secreta teria sido abastecida com dinheiro de propina recebida em negócios com o governo


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A delação premiada é, reconhecidamente, um dos instrumentos mais eficazes para produzir provas num processo criminal – tão eficiente quanto polêmico, registre-se. Esse expediente, por meio do qual um criminoso obtém perdão ao colaborar com as autoridades judiciárias, é empregado à larga pelos promotores de países como Estados Unidos e Itália, nos quais o poder e a extensão do crime organizado constituem uma constante ameaça à sociedade. No Brasil, a delação premiada, embora seja prevista em lei, ainda engatinha. Há poucos casos conhecidos de sua aplicação. Na semana passada, VEJA obteve detalhes da delação mais explosiva de que se tem notícia no país: o acordo firmado pela Procuradoria-Geral da República com Lúcio Bolonha Funaro, o corretor de câmbio que intermediou pagamentos de dinheiro no escândalo do mensalão. Ele aceitou contar tudo o que sabe ao Ministério Público. Ao longo dos últimos anos, Funaro entregou nomes, valores, datas e documentos bancários que incriminaram, em especial, o deputado paulista Valdemar Costa Neto, do Partido da República, um dos próceres do esquema do mensalão, réu por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A acusação mais demolidora de Funaro é investigada em segredo. O corretor afirmou que Valdemar era beneficiário de uma conta no banco BCN de Nova York. Uma conta secreta e abastecida com dinheiro de propina.

Como o corretor cumpriu o acordo, o procurador-geral o excluiu da denúncia do mensalão. Funaro revelou que descobriu a conta em 2002, quando foi procurado pelo empresário Henrique Borenstein, ex-diretor do BCN, banco incorporado pelo Bradesco no fim dos anos 90. Nas eleições de 2002, o banqueiro pediu a Funaro que emprestasse 3 milhões de reais ao deputado, que precisaria pagar despesas de campanha. Como garantia do empréstimo, Borenstein apresentou a conta de Valdemar em Nova York. "Fique tranquilo. Eu administro essa conta e ela tem um saldo de 1,2 milhão de dólares. Se Valdemar não pagar, eu transfiro o dinheiro para você", assegurou Borenstein. Diante da garantia, o corretor resolveu emprestar o dinheiro ao deputado. Como se descobriu no decorrer do escândalo do mensalão, para quitar essa dívida Valdemar recorreu ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, que recorreu ao lobista Marcos Valério de Souza, que recorreu ao Banco Rural... No fim, graças à diligência da turma do mensalão, Borenstein não precisou limpar a conta secreta de Valdemar.

Funaro disse aos procuradores que, uma vez resolvida a dívida, se aproximou de Valdemar. Nessas conversas, o deputado narrou ao corretor as trambicagens que abasteciam a conta secreta. Valdemar, segundo ele, confidenciou que a conta fora aberta por Borenstein no começo dos anos 90, quando o pai do deputado era prefeito de Mogi das Cruzes. Na época, Waldemar Costa Filho determinou que a prefeitura contraísse empréstimos no BCN, o banco do amigo Borenstein, a juros "muito acima" dos praticados no mercado. O pagamento pela camaradagem do prefeito, ou seja, a propina, era depositado na conta aberta por Borenstein em Nova York, cujo beneficiário era o filho, o deputado Valdemar Neto. "Nós ganhamos muito dinheiro com isso", relatou o deputado, segundo contou Funaro. O empresário Henrique Borenstein admite que apresentou Valdemar ao corretor de câmbio, mas diz que "nada sabe" sobre a existência de uma conta do deputado no exterior. Já o parlamentar enviou a VEJA uma correspondência do banco em Nova York assegurando que não existe nenhuma conta em seu nome. O documento nada fala a respeito do pai do deputado.

Não é a primeira vez que se tem notícia sobre a existência de contas no exterior em nome de políticos. O ex-governador Paulo Maluf, por exemplo, guardava 200 milhões de reais em paraísos fiscais. Estima-se que brasileiros mantenham 70 bilhões de dólares no exterior em contas ilegais. Frise-se que não é ilegal abrir uma conta no exterior. Ilegal é não declará-la ao Fisco. Há duas razões para ocultá-la: sonegar impostos e, principalmente, esconder a origem do dinheiro. No caso de Valdemar, não há dúvidas de que se trata da segunda opção.

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