A reboque
A Junta de Defesa do Continente, que o presidente Lula pretende propor na 3a reunião de chefes de Estado da União Sul-Americana de Nações, em Cartagena, na Colômbia, nada mais é do que uma das principais linhas da política militar de Hugo Chávez. O governo brasileiro estaria assumindo essa iniciativa como sua para retirá-la do contexto da política antiamericana chavista, segundo versões oficiais, ou, de acordo com seus críticos, estaria simplesmente validando a escalada militar bolivariana na região.
O grupo seria formado pelos ministros da Defesa de todos os países, teria como principal missão proteger a Região Amazônica e as fronteiras marítimas, e substituiria, este é o temor, a Junta Inter-Americana de Defesa, da qual participa os Estados Unidos.
Segundo o cientista político Amaury de Souza, em artigo para a revista “Digesto Econômico” da Associação Comercial de São Paulo, “para contra-arrestar a ameaça militar norteamericana, três linhas de ação vêm sendo implementadas: 1) uma nova visão estratégica de defesa nacional no marco de uma guerra assimétrica; 2) a defesa integral da nação com base em uma aliança cívico-militar; 3) o fortalecimento e a preparação da Força Armada Nacional, com a modernização de seu equipamento e a criação de uma força conjunta para a defesa da América do Sul”.
O deputado federal Raul Jungmann, do PPS, membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, não concorda com a postura do governo brasileiro na região.
Segundo ele, o Brasil adota um “pragmatismo de shopping” diante das graves crises políticas que se desenrolam no continente, “assistindo a tudo e abrindo mão de sua liderança”.
Jungmann define a postura brasileira diante da exportação da “revolução bolivariana” pelo continente como de “paralisia pela ideologização” e critica o fato de “uma certa esquerda enquistada no governo ter a Venezuela de Chávez como paradigma”.
O que tem sido menos perceptível no esquema militar chavista, segundo Amaury de Souza, “são os esforços em prol de uma integração militar e geopolítica paralela à integração econômica da região e do desenvolvimento de um pensamento militar autóctone”.
Segundo ele, “tem-se travado nas organizações militares do continente um debate sobre as vantagens de um esquema hemisférico de defesa, com a participação dos Estados Unidos, e de esquemas regionais, que não requerem necessariamente sua participação”.
Estes últimos enfatizam a cooperação multilateral de defesa com especial atenção às particularidades de cada país e da América do Sul, sem excluir ou hostilizar os Estados Unidos.
“Precisamente o contrário foi proposto no âmbito da defesa dos membros da ALBA (Cuba, Nicarágua, Venezuela e Bolívia).
Trata-se de um pacto militar para a defesa conjunta contra os Estados Unidos”.
Consequência grave dessa tendência é a tentação de intervir militarmente em um país vizinho, adverte Amaury de Souza, lembrando que acordo de cooperação militar entre a Venezuela e a Bolívia concede à primeira o direito de acantonar tropas e construir bases militares nas fronteiras da Bolívia.
Prevê-se a construção de um porto da Marinha em Puerto Quijarro, no departamento de Santa Cruz de la Sierra, a 200 quilômetros de Corumbá e da fronteira com o Paraguai, e de um forte militar em Riberalta, no departamento de Beni, próximo à fronteira com o Brasil.
Essa militarização pode ensejar conflitos com países vizinhos, ou até incentivar aventuras externas para galvanizar a opinião pública em apoio ao governo, comenta Amaury de Souza. “Não por acaso, as novas bases se localizam em áreas onde é forte a oposição ao governo de Evo Morales, deixando entrever a possibilidade de que as tropas sejam usadas para reprimir manifestações políticas”, analisa o cientista político.
Também o deputado Raul Jungmann, que visitou a Bolívia recentemente, garante que a segurança pessoal do presidente Evo Morales é feita por agentes venezuelanos. Para Jungmann, além do fator ideológico que rege nossa política externa na região, depois que o conflito leste-oeste foi encerrado, a diplomacia brasileira perdeu os parâmetros da política externa, ao mesmo tempo em que a América do Sul deixou de ser do interesse dos Estados Unidos, preocupados com as questões do Oriente Médio e do terrorismo internacional.
A ousadia de Chávez e os petrodólares abundantes transformaram a Venezuela no novo pólo diplomático na região, e o Brasil está seguindo a reboque, “numa postura sindicalista”, acusa Jungmann. Segundo ele, pela primeira vez depois da democratização está sendo aberta uma janela para a discussão do papel dos militares, justamente pela mudança que está havendo na região. “A América do Sul não é mais uma área pacífica e a tendência à nuclearização da região é uma ameaça concreta”, diz o deputado do PPS, referindo-se aos acordos que a Venezuela está fazendo com países como o Irã, a Coréia do Norte e a Rússia.
No momento em que já não existem mais “alinhamentos automáticos” no mundo, raciocina Jungmann, cada país começa a realizar seus próprios alinhamentos, segundo interesses imediatos, e é o que está levando a Venezuela a expandir seu “socialismo do século XXI”.
“O Brasil, diante dessa realidade, não age como protagonista que é na região, numa política pragmática que leva em conta de um lado as supostas vantagens comerciais, e de outro a ideologia política”.
Exemplo dessa incoerência é o fato de que, ao mesmo tempo que admite retomar os acordos com a Bolívia sobre o gás, mesmo depois da quebra de contratos anteriores e com a situação de crise política aguda, o Exército brasileiro já fez manobras perto da fronteira, preparandose para a hipótese, cada vez mais presente, de haver uma guerra civil e os brasileiros terem de ser evacuados.
Merval Pereira
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