Comércio Exterior
EUA querem entendimento em todas as áreas e não só acesso a mercados, afirma Allgeier
"Mercosul não está preparado para acordo"
Tatiana Bautzer De Washington - Valor
Os Estados Unidos não avaliam por enquanto a hipótese de negociar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) sem o Mercosul. O embaixador Peter Allgeier, negociador dos EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC) e co-presidente da Alca, diz que os presidentes do Brasil e EUA comprometeram-se a "discutir um caminho" para que a negociação seja retomada. Os EUA recusam-se a negociar um acordo bilateral com o Mercosul, segundo Allgeier, porque o bloco "não está preparado" para o tipo de acordo bilateral padrão negociado pelos EUA, que inclui compromissos em todas as áreas e não só acesso a mercados.
Apesar da falta de acordo prevista para a reunião de Hong Kong, o vice-ministro do United States Trade Representative (USTR) acredita que seja possível retomar as negociações da Alca se houver avanços em agricultura na Rodada Doha. Allgeier diz que o Brasil até agora só deu um "sinal muito provisório" da disposição de reduzir tarifas industriais e que deveria fazer uma proposta mais formal. Mas o embaixador também diz que a UE precisa melhorar a oferta agrícola para mostrar que "está levando a rodada a sério". Mesmo com ambição reduzida em Hong Kong, Allgeier acredita que a rodada não está perdida. Ainda não está decidido, entretanto, se haverá uma nova reunião ministerial depois de Hong Kong, nem sua data.
O embaixador mudou-se de Washington para Genebra este ano, depois da substituição de Robert Zoellick por Robert Portman no comando do USTR. Mas apenas adicionou o cargo na OMC aos títulos de vice-ministro do USTR e co-presidente da Alca. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por telefone, de seu escritório em Genebra.
Valor: Qual sua avaliação das negociações? Muitos falam em reduzir as ambições da rodada...
Peter Allgeier: O que todos estão falando aqui em Genebra é que a ambição para o pacote final que será conseguido na Rodada Doha deve continuar tão ambicioso como sempre foi. Ninguém está falando em reduzir a ambição do que queremos atingir. A questão é onde estamos hoje e se podemos chegar à reunião de Hong Kong como esperávamos há seis ou nove meses. As pessoas percebem que provavelmente isso não será atingível, mas rapidamente a questão se transforma para como podemos atingir o máximo de progresso entre agora e Hong Kong, em uma perspectiva realista. Há muita discussão sobre isso e acho que as pessoas terão de refletir. Houve uma discussão de 20 minutos com 20 ministros sobre isso. Ainda não foi tomada a decisão de ter uma segunda reunião após Hong Kong.
Valor: Existe chance de conseguir mais em agricultura? O Brasil já sinalizou a possibilidade de reduzir tarifas para bens industriais em até 50% e os europeus não se mexeram...
Allgeier: Acho que se a UE está levando a rodada a sério, terá de fazer algum movimento no acesso a mercados para produtos agrícolas. Mas por outro lado, uma coisa positiva que o Mandelson (Peter, comissário europeu de comércio) disse foi que as tarifas para produtos não-agrícolas são o que mais importam para os países-membros. Acho que agora eles vão avaliar as oportunidades nessa área para negociar e para os EUA as tarifas industriais são importantes. Houve uma discussão ainda inicial. Gostaríamos de ver um movimento maior em agricultura, mas também um movimento de países em desenvolvimento, como o Brasil, para elevar o nível das negociações de tarifas não-agrícolas.
Valor: O sr. acha que o movimento feito pelo Brasil até agora foi insuficiente, apenas um sinal de disponibilidade?
Allgeier: Acho que foi um sinal muito provisório.
Valor: Os EUA estão voltando a falar na Alca. Como continuar as negociações da Alca com tantas dificuldades na Rodada Doha?
Allgeier: É difícil dizer, mas acho que alguns movimentos na negociação de Doha ajudarão a recriar o impulso para a Alca.
Valor: Especificamente quais movimentos?
Allgeier: Não há segredo no fato de que Brasil, Argentina e Uruguai querem ver uma reforma no sistema de subsídios agrícolas e isso não podíamos atingir apenas na negociação regional. Acho que esses países ficariam mais confortáveis nas negociações regionais se vissem que as negociações globais estão lidando com a questão.
Valor: É possível reiniciar as negociações antes do término das negociações da Rodada Doha?
Allgeier: Essa é uma decisão que terá de ser tomada pelos 34 países que compõem a negociação da Alca. Acho que os presidentes do Brasil e EUA concordaram em marcar reuniões entre os ministros de comércio para determinar qual o caminho apropriado para prosseguir com as negociações da Alca.
Valor: O sr. concorda com o presidente do México, Vicente Fox, que quer a retomada das negociações da Alca sem o Mercosul?
Allgeier: A Alca é composta pelos 34 países com governos democraticamente eleitos. A questão é se poderia haver um acordo de integração que não incluiria o Mercosul. Nesse momento, nossa visão é que os presidentes concordaram em discutir que tipo de caminho pode ser trilhado para a Alca. Enquanto isso, estamos continuando com as negociações bilaterais e sub-regionais, por exemplo com os países andinos, Panamá, América Central e Chile. Vemos uma expansão do livre comércio no hemisfério e vamos continuar seguindo os dois caminhos que mencionei.
Valor: Com exceção do Mercosul os EUA já têm ou estão negociando acordos de livre comércio com praticamente todo o hemisfério. Por que os EUA têm se recusado a negociar acordo bilateral com o Mercosul?
Allgeier: A resposta é simples, temos uma certa concepção do que seja um acordo bilateral de livre comércio profundamente ambicioso. Você pode ver o que negociamos com Cingapura, América Central, Marrocos, com o Chile. O Mercosul não está preparado para negociar esse tipo de acordo. Essa é a resposta simples para o porquê não termos iniciado essas negociações quatro mais um.
Valor: Como harmonizar essa diferença dentro da Alca?
Allgeier: Temos essa nova concepção desde a reunião ministerial de Miami em 2003. Há um nível básico e um nível mais avançado. Esses acordos de livre comércio que estamos negociando têm um nível mais avançado. Esses acordos poderiam ser "costurados" num nível mais alto de ambição da Alca para alguns membros. Os que não estão preparados ficariam num nível mais básico de compromissos e benefícios.
Valor: Por que voltar a discutir a Alca agora ?
Allgeier: Não estamos voltando atrás e mudando de posição, houve obviamente um período de suspensão. Mas acreditamos que o livre comércio é uma ferramenta poderosa de desenvolvimento e competitividade no hemisfério. Nunca abandonamos essa idéia. Isso é algo que os países têm de querer, não estamos na posição de impor nada. Continuamos a ver um benefício para todos nós numa área maior de livre comércio.
Valor: Este ano os subsídios agrícolas americanos podem voltar a bater recorde, aproximando-se dos US$ 23 bilhões. Como isso é compatível com a declaração dos EUA nos fóruns internacionais de que quer reduzir subsídios?
Allgeier: Hoje estamos operando sob a legislação agrícola (farm bill) em vigor até 2007. Até que tenhamos uma negociação que mude o sistema mundial de comércio, continuaremos nesse sistema. Queremos uma redução expressiva dos subsídios pelos nossos competidores e uma abertura significativa dos mercados agrícolas. Mas enquanto isso não acontece estamos sob a nossa legislação. Quanto se gasta em cada ano depende dos preços das commodities e é a variação de preços que modifica o valor total dos subsídios. Isso é o que outros países também estão fazendo até que haja mudança substancial no cenário internacional.
Valor: Nesse cenário de possível nova reunião ministerial depois de Hong Kong, até quando é possível negociar com os poderes concedidos pela atual Trade Promotion Authority (TPA, autorização concedida pelo Congresso dos EUA ao Executivo para negociação comercial)?
Allgeier: O atual TPA expira em julho de 2007. Dessa vez teríamos de voltar ao Congresso e passar nova legislação, não podemos apenas estender como fizemos da última vez, porque só uma extensão automática é permitida. Esse processo não será rápido. Apesar de expirar em julho de 2007, há requerimentos de notificação do Congresso antes que possamos assinar um acordo, então não podemos continuar negociando até julho de 2007. Temos de terminar até o fim de 2006 ou no máximo no início de 2007.
Um comentário:
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