21.8.07

Chinês diz ter uma Hong Kong na Amazônia

PEQUIM. Um rico empresário chinês respeitado no seu país declara aos quatro ventos ter comprado dos índios brasileiros uma parte da floresta amazônica e acaba alvo de um inquérito no Brasil. Pode parecer ficção, mas não é. Nos círculos empresariais chineses, o executivo Lu Weiguang, dono da produtora de pisos de madeira e importadora Shanghai Anxin, é respeitadíssimo como “o líder do setor de madeira” e está entre os 400 homens mais ricos do país, segundo a revista americana “Forbes”. Ele é o tipo do empreendedor chinês que deu certo, festejado pelo governo, com o qual mantém boas relações. A mídia estatal chinesa, no entanto, gosta de chamar este empresário de 39 anos de “o primeiro chinês a ser dono de parte da floresta amazônica”.

Improvável? É o que garante a Funai. Mas Lu Weiguang, em entrevista ao GLOBO por fax, afirma que comprou em 2004 mil quilômetros quadrados de floresta amazônica nativa de uma reserva indígena na região pertencente a uma tribo, que ele se recusa a identificar por temer “trazer problemas para a população indígena, meus amigos”. Lu não gosta de falar sobre o assunto nem se deixa fotografar:

— O Brasil é um país muito violento, onde mais de 50 pessoas morrem por dia só em São Paulo. Não gostaria de aparecer num jornal.

Ele só concordou em responder perguntas por escrito quando confrontado com o fato de que a região de floresta amazônica nativa que ele adquiriu é grande demais para ser ignorada. Trata-se de uma área em Mato Grosso (cuja localização exata Lu não revela) maior que Cingapura, um país de 693 quilômetros quadrados. É equivalente a todo o território de Hong Kong (1.092 quilômetros quadrados), ou mais de duas vezes a ilha de Florianópolis (cerca de 450 quilômetros quadrados). Ou o equivalente, como gostam de dizer os jornais chineses, à ilha de Congming, próxima a Xangai e visível claramente em qualquer mapa da China.

— Tenho muito orgulho desse empreendimento porque a Amazônia não é apenas um tesouro dos brasileiros, mas um tesouro do mundo inteiro — afirma Lu.

Tesouro que pertence aos brasileiros, pelo menos segundo as leis brasileiras. Mas Lu teria conseguido contornar possíveis impedimentos legais com uma estratégia no mínimo controversa:

— Ele e a mulher, Chen Jie, tiveram um filho no Brasil. O filho tem cidadania brasileira e as terras foram compradas em nome dele — diz a vice-presidente da Anxin, Chen Hong.

A trajetória de Lu como empresário começou em 1994, quando ele deixou um cargo público no Escritório de Administração de Pesca de Wenzhou, na província de Zhejiang. Com um empréstimo de 300 mil yuans (US$ 37,5 mil) do pai, fundou a Anxin, que começou vendendo pisos de madeira e hoje é a líder do setor na China e a maior importadora de madeira bruta do país.

Lu diz que tomou conhecimento da qualidade da madeira brasileira em 1996, ao conversar com empresas de Taiwan e Hong Kong que negociavam madeira entre Brasil e China. Naquele ano, uma decisão do governo chinês foi fundamental para a idéia do empresário de comprar terras no Brasil:

— Em 1996, o Conselho de Estado da China proibiu a exploração comercial das florestas nativas, por isso eu decidi comprar um pedaço da floresta brasileira. Quando estive no Brasil, em 1997, me apaixonei pela Amazônia e pela cultura indígena, pela qual tenho muito respeito — conta.

Segundo Lu, não foi fácil convencer os índios brasileiros. Em 1997, quando ele começou a abordagem, os índios se recusaram a negociar. Mas a barreira foi vencida, conta, quando a tribo passou a acreditar que ele tinha as melhores intenções para a floresta:

— Para ganhar a confiança dos índios, forneci remédios, construí escolas e até investi em infra-estrutura na região. Para monitorar e ajudar os índios, aluguei um satélite americano do sistema GPS. Os índios perceberam que minha intenção era boa.

Metade da madeira usada por Lu vem do Brasil

Em 2004, finalmente, Lu teria negociado seu latifúndio, em duas etapas: primeiro, teria comprado dos índios uma área de 150 quilômetros quadrados e, posteriormente, outra de 850 quilômetros quadrados. O valor pago ele não revela. Diz apenas que o dinheiro foi depositado num fundo administrado por uma instituição financeira do Brasil em nome dos índios.

E o que ele pretende fazer com o terreno? A idéia, segundo Chen Hong, é exportar a madeira do Brasil para a China, onde será transformada em pisos e até móveis para os mercados chinês, europeu e americano. Parte vai virar piso de madeira na fábrica que a empresa tem em Curitiba.

Lu garante que o projeto não vai danificar a flora amazônica. A área no Brasil, diz ele, está sendo dividida em 25 pedaços e cada um deles será explorado durante um ano e, depois, reflorestado. Assim, em 25 anos, a primeira área explorada já estará pronta para novos cortes.

A preocupação com a auto-suficiência da produção de madeira parece ser mesmo uma constante na empresa de Lu. A Anxin é, de fato, uma das empresas chinesas com mais certificação de organismos internacionais por manejo responsável das florestas chinesas — quando ela ainda podia fazê-lo na China, claro. Mark Hurley, da Global Forest & Trade Network, braço da ONG WWF que cuida do manejo responsável de recursos naturais, confirma que a Anxin faz parte do grupo de empresas monitoradas pela instituição:

— Eles fazem um trabalho muito responsável na China — diz Hurley. — A empresa busca usar produtos certificados e evita processar madeiras de árvores derrubadas ilegalmente. Todos os anos, auditamos a empresa com relação às práticas de exploração da madeira.

Lu afirma que 50 quilômetros quadrados da área adquirida foram devolvidos aos índios, sem explicar a razão.

Nada menos que 50% da madeira importada pela Anxin hoje vem do Brasil, onde ela trabalha com mais de cem madeireiras. Lu garante que nenhuma opera ilegalmente. A empresa tem hoje 1.370 empregados no Brasil e na China, e produz anualmente três milhões de metros quadrados de piso de madeira e 36 mil metros cúbicos de madeira bruta nos dois países. Seu faturamento anual ultrapassa US$ 100 milhões.

A Shanghai Anxin é membro do Conselho Empresarial Brasil-China, pelo lado chinês, e o site da empresa traz uma prosaica imagem de uma índia brasileira encostada em uma tora de madeira. Ano passado, o empresário diz que trouxe “vários índios brasileiros para realizar um show pela China e, assim, ter a chance de mostrar sua rica cultura”.

http://oglobo.globo.com/jornal/economia/285155386.asp



Rio, 06 de agosto de 2006





A notícia dos negócios na floresta







Para braço direito, um narciso que fala mas não faz

Ana Paula de Carvalho
Especial para O GLOBO

CURITIBA. No Brasil, Lu Weiguang mantém um apartamento em bairro nobre de Curitiba, para onde trouxe a mulher, Chen Jie, grávida de três meses. Com o nascimento do filho brasileiro, Victor Lu, em abril de 2003, o empresário chinês garantiu visto permanente no Brasil.

— Eles têm apartamento aqui, mas devem estar na China ou nos Estados Unidos — informa o porteiro do endereço residencial da família.

O braço-direito do empresário chinês no Brasil, Luiz Renato Durski Junior, conta que, com o filho brasileiro, Lu obteve benefícios do governo chinês e empréstimos em bancos. Íntimo de Lu, Durski diz que sua própria mãe foi quem deu o nome Victor ao filho do empresário (de acordo com as tradições chinesas, a avó dá nome aos netos). Durski mantém em Curitiba a empresa Marine Box — uma trading que negocia madeiras, fundada em 1999 —, que ostenta no escritório a logomarca da Anxin Flooring Co. A parede da sala de reuniões é enfeitada por duas molduras com a figura de Lu ao lado do presidente Lula e de Rubens Ricupero.

— A Anxin é o principal cliente na China há seis anos, mas ele (Lu Weiguang) não é sócio no Brasil — garante o dono da Marine Box.

Uma das empresas coligadas da Marine Box em Várzea Grande, no Mato Grosso, usa a sigla AXN, mas o empresário diz que é coincidência qualquer semelhança com a Anxin:

— Como trabalhamos muito com os chineses, o “A” quer dizer seriedade, o “X”, eficiência e o “N”, honestidade no ideograma chinês — afirma.

A Marine destina hoje ao mercado chinês 60% da produção de madeira produzida no Brasil, o que representou 1.200 contêineres em 2005. Além de Curitiba, a empresa mantém escritórios de apoio pelo Brasil, especialmente em pólos madeireiros. O empresário paranaense conta que viaja para a China de cinco a seis vezes por ano e negocia com Lu Weiguang há seis anos.

— Ele esteve aqui na semana passada e o plano dele agora é montar uma agência de viagens e um hotel no Rio de Janeiro, uma pousada no Pantanal e outra em Manaus para trazer chineses.

Mas Durski minimiza as investidas do chinês no Brasil:

— Ele é o cara mais marqueteiro do mundo, diferente do que é a realidade. Agora ele está com os planos dos hotéis, mas depois muda de idéia.

Durski desmente Lu no que diz respeito à compra de terras de índios brasileiros:

— Na época, ele disse para comprar floresta, mas não comprou nem um hectare.

E vai além:

— Ele disse que índio dava “ibope” na China e propôs procurar uma tribo para a Anxin ajudar. Achamos índios em Jaciara, no Mato Grosso. Ele levou presentes, comida, R$ 5 mil e voltou para a China com fotos. Fez o maior marketing, apontando como sendo os índios da sua floresta. Depois, eu fui junto: os índios ganharam do empresário R$ 2 mil por dez meses e só.

Durski contabiliza como resultado dessa ação de marketing a associação com investidores americanos, entre eles a empresa Carlyle:

— Ele é narciso e um cara que consegue muito. Não chega a ser mentiroso. Ele simplesmente começa a fazer um negócio, divulga, mas depois não faz.

http://oglobo.globo.com/jornal/economia/285155383.asp

Rio, 06 de agosto de 2006



Polêmica com madeireiras da Malásia

O interesse de asiáticos pela Amazônia não é novo. Acusadas por ambientalistas de devastarem enormes florestas em seu país, madeireiras da Malásia começaram a operar na região no fim da década de 90. Pelo menos três grupos daquele país atuaram na área florestal nos últimos anos, causando polêmica: a Samling, com o controle da Amcol, no Pará; a Rimbunan Hijau, com a holding Verde Vivo, para administrar as madeireiras Selvaplac e Maginco, também no Pará; e a WTK, por meio da Amaplac, no Amazonas.

Na maioria dos casos, os grupos adquiriram a baixo preço serrarias quase falidas para entrar no país. Depois, a idéia era comprar terras para extrair madeira. Reportagem do GLOBO de março de 1998 mostrou que o Ibama, surpreendido num primeiro momento, começou a agir quando ONGs ambientais denunciaram a questão.

http://oglobo.globo.com/jornal/economia/285155385.asp

Rio, 06 de agosto de 2006

Funai pede à PF abertura de inquérito


Eliane Oliveira

BRASÍLIA. A notícia de que o chinês Lu Weiguang teria comprado mil quilômetros quadrados de terras indígenas no Brasil e de que se apresentaria como defensor do meio ambiente em eventos internacionais causou perplexidade ao governo brasileiro. Preocupada, a Fundação Nacional do Índio (Funai) pediu à Polícia Federal a instauração de um inquérito para apurar o caso, uma vez que o próprio chinês confirma a compra ao GLOBO.

— As terras indígenas são inalienáveis e a Constituição proíbe sua exploração. Isso é crime. Além da Polícia Federal, estamos acionando as Funais nos estados, para tentar conseguir mais informações e, se for o caso, tomar as providências cabíveis — disse o procurador-geral da Funai, Luiz Fernando Villares e Silva.

Segundo ele, o mais provável é que Lu esteja apenas contando vantagem em seu país. Villares comentou que há casos semelhantes envolvendo estrangeiros que afirmaram ter comprado terras públicas ocupadas por índios brasileiros.

— Há também estrangeiros que são enganados, compram terras de grileiros ou de fazendeiros que invadiram reservas indígenas e, mais tarde, descobrem que foram enganados. Mas não creio que este seja o caso do chinês — afirmou.

Ele explicou que a proibição de venda e exploração comercial de terras indígenas está na Constituição e no Estatuto do Índio, de 1973.

— Ele (o chinês) pode estar usando uma estratégia de marketing. Mas vamos averiguar, pois, se for verdade, é um crime — disse Villares, lembrando que a legislação prevê, entre outras punições, multa e prisão de dois a quatro anos.

O assunto também preocupa o Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Ao saber da história, o presidente do SFB, Tasso Azevedo, buscou se informar com madeireiros da região:

— Ninguém conhece esse empresário chinês. O ideal é sabermos a localização exata da operação, pois não temos qualquer referência a respeito.

http://oglobo.globo.com/jornal/economia/285155387.asp

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