17.12.08

Frustração em bloco

Fracasso na eliminação de anomalia tarifária no Mercosul é um dos custos do excesso de ambição na estratégia da associação

O MINISTRO das Relações Exteriores, Celso Amorim, declarou-se frustrado com o impasse que postergou a retirada de uma importante distorção no Mercosul. Fracassou anteontem, na reunião de líderes latino-americanos na Bahia, a tentativa de eliminar a chamada dupla incidência da Tarifa Externa Comum no bloco sul-americano.
A TEC é o imposto de importação que deveria ser aplicado em regime único pelos integrantes do bloco. Nesse conceito, não faz diferença se uma mercadoria desembarca em Santos, Buenos Aires ou Assunção: será gravada da mesma maneira, com base numa tabela que varia de 0 a 20%, de acordo com a classe do produto.
Na prática o sistema funciona mal. Além de comportar diversas exceções, o regime da TEC permite que um mesmo produto seja taxado duas vezes no interior do bloco. Um bem que desembarca no Rio, por exemplo, e é vendido para uma empresa em Montevidéu paga o imposto no Brasil e, depois, no Uruguai.
A dupla tributação é um contra-senso para um bloco que pretende comportar-se como um só país, para efeitos de comércio exterior -a chamada união aduaneira. O fim da distorção tarifária foi decidido em 2004, mas, por imposição do Paraguai, que teme perder receitas, não foi implementada até hoje.
A incidência anômala da TEC tem sido invocada pelos europeus para retardar um acordo de livre comércio com o Mercosul. A dupla tributação onera de fato os produtos importados. Inibiria, assim, a demanda por mercadorias européias no âmbito de um acordo comercial.
Já se questionou, nesta página, a aposta do Mercosul num plano de vôo ambicioso demais, que tenta cumprir em poucos anos um percurso que na Europa, com economias mais harmônicas que as do Cone Sul, consumiu várias décadas. O impasse acerca da dupla incidência da TEC é um caso concreto da incompatibilidade entre ambição e realidade.
Não faz sentido que um pequeno país, como o Paraguai, seja capaz de atravancar um acordo comercial que é do interesse do Brasil -e que o faça, eis a suprema ironia, em nome da preservação de anomalias contrárias ao projeto da união aduaneira.
O Mercosul precisa permitir a seus integrantes mais flexibilidade nos acordos internacionais. As dificuldades com a TEC já deveriam ter levado os governantes da região a uma revisão dos objetivos da associação. Ela precisaria se dedicar, durante anos, a reformar as instituições que a transformaram numa área de livre comércio -em que os países não cobram tarifa nas transações intrabloco- ainda defeituosa. A união aduaneira pode esperar. Folha

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