TCU aponta viés político na seleção de ONGs
Convênios com a Abrasel, que recebeu R$ 24 milhões no governo Lula, são considerados contrários ao interesse público
Presidente da entidade teria amigo em comum com Lula, além do apoio do ex-ministro do Turismo, cujos convênios têm "maior nível de risco"
A pedido de um amigo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou de congresso de donos de bares e restaurantes em agosto de 2006. O repasse de verbas federais para apoiar esse evento foi considerado contrário ao interesse público por auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), que analisou amostra de 167 contratos celebrados com organizações não-governamentais no governo Lula. Pagamentos a ONGs consumiram R$ 12,6 bilhões em menos de cinco anos.
O apoio do Ministério do Turismo ao 18º Congresso da Abrasel, entidade de classe que reúne donos de bares e restaurantes, ao custo de R$ 300 mil, é um dos casos emblemáticos de irregularidades graves apontados pelo TCU, em documento a que a Folha teve acesso.
"Não houve atendimento ao interesse público", relata a auditoria sobre contratos da Abrasel, que já recebeu R$ 24 milhões dos cofres públicos em menos de cinco anos. Parte do dinheiro teria beneficiado apenas os dirigentes e associados da entidade, afirma relatório que ainda será levado a voto no plenário do TCU, mas já foi encaminhado à CPI das ONGs.
Auditores do tribunal analisaram contratos celebrados com 26 entidades em nove Estados, de um universo de 7.700 contratadas no período do governo Lula.
Da mesma forma que auditoria anterior em ONGs, votada em 2006, o TCU encontrou irregularidades desde a seleção das entidades -grande parte sem qualificação para as atividades para as quais foram contratadas- até a prestação de contas, passando pela falta de acompanhamento e fiscalização por órgãos do governo. O resultado é conhecido: desperdício -ou simplesmente desvio- de dinheiro público.
Por causa dos convênios com a Abrasel, o Ministério do Turismo foi apontado na auditoria como a pasta cujos convênios envolvem o "maior nível de risco". A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes começou a receber verbas da pasta depois da posse de Paulo Solmucci na entidade. Solmucci teria um amigo em comum com o presidente Lula, além de ter o apoio do ex-ministro Walfrido dos Mares Guia (leia texto na página ao lado).
Com o objetivo de desenvolver o turismo por meio da gastronomia, o convênio mais caro com a entidade já consumiu R$ 11,4 milhões. Ele entrou em vigor em 2004 e acumula as falhas mais graves, segundo a auditoria do TCU. Com o mesmo objetivo, um novo convênio, de R$ 12,8 milhões, foi celebrado em 2007, pela atual ministra do Turismo, Marta Suplicy.
No caso do convênio que já gastou R$ 11,4 milhões, além de falta de interesse público, os auditores verificaram que a Abrasel atuava como intermediária de verbas por meio de "terceirização indevida", com indícios de concorrências dirigidas e de favorecimento ao presidente da associação.
O ministério disse à Folha desconhecer irregularidades nos convênios com a entidade.
Pouco mais de 20% dos órgãos públicos cujos convênios foram fiscalizados pelo TCU optaram pela seleção pública na contratação de ONGs. Foram vários os casos em que critérios objetivos e impessoais não foram levados em conta.
No caso da contratação do Centro Piauiense de Ação Cultural pela superintendência do Incra no Piauí, o TCU registra "indício de que a seleção foi feita com base em critério precipuamente político" devido às relações políticas do dirigente da entidade com gestores estaduais e do Instituto Nacional de Reforma Agrária no Estado.
Entre os contratos celebrados pelo Incra, o relatório registra um dos casos mais pitorescos de despesas indevidas: a compra de 2.859 litros de gasolina pelo Centro de Capacitação de Canudos a dias do término da vigência do convênio com a superintendência de Sergipe, comprovada com notas fiscais supostamente frias.
Apesar das irregularidades, o Incra celebrou novo convênio milionário com a entidade.
Entre as entidades com irregularidades apontadas pelo TCU, está o Instituto de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Xingó. A entidade recebeu em três anos R$ 11,2 milhões do Ministério de Ciência e Tecnologia -cota do PSB. E é dirigido pelo tesoureiro do partido em Pernambuco, conforme noticiou a Folha na edição de quinta-feira. Gilberto Rodrigues e o governador Eduardo Campos negam que a amizade e o relacionamento de militância política tenham tido peso no negócio.
Folha
Nenhum comentário:
Postar um comentário