Ministro alega que caso é político e que Cesare Battisti não teve direito a ampla defesa
Com a decisão, o processo de extradição de Battisti, que tramita no Supremo, ficará suspenso; italiano pode ser solto ainda hoje
O governo do Brasil concedeu ontem asilo político ao italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos entre 1978 e 1979. Ex-militante comunista do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), ele foi preso no Rio em março de 2007 e pode ser solto hoje.
A decisão, tomada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, reverteu entendimento do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) que, em novembro, negou o mesmo pedido. Para Tarso, as condenações de Battisti foram consequência de um processo político, como alega o próprio e diversas entidades esquerdistas.
Com a nova decisão, o processo de extradição de Battisti, que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) a pedido da Itália, ficará suspenso e só será reaberto em caso de mudança na decisão do governo brasileiro. O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, já havia dado um parecer favorável à extradição.
Por determinação do Supremo, Battisti, que fugiu da França para o Brasil em 2004, foi preso há quase dois anos. Atualmente ele se encontra no presídio da Papuda, em Brasília. De acordo com o Ministério da Justiça, a concessão do refúgio seria publicada hoje no "Diário Oficial" da União. Assim que for notificado, o STF determinará a soltura.
O pedido de asilo foi negado pelo Conare por 3 votos a 2, sob o argumento de que não seria possível comprovar se o italiano sofreu perseguição política em seu país de origem. O ministro e sua equipe, porém, avaliaram que Cesare Battisti tem "fundado temor de perseguição por suas opiniões políticas".
Tal reconsideração é rara na história do Brasil: desde 1998, apenas 25 decisões do Conare -entre milhares- foram revistas pelos ministros da Justiça.
O caso é rumoroso. Nomes da esquerda brasileira e internacional, como o deputado federal Fernando Gabeira e o filósofo francês Bernard-Henry Lévy, pressionavam o governo pela permanência de Battisti no país, escolhido intencionalmente por ele em 2004 justamente por conta da legislação que proíbe a extradição de quem comete crime político.
Ao conceder o pedido, a equipe de Tarso usou dois argumentos. O primeiro é uma carta do senador italiano Francesco Cossiga que, nos anos 70 ajudou a elaborar as leis que levaram à condenação de Battisti, na qual afirma que os crimes cometidos pelos movimentos de esquerda italiana naquele período foram políticos.
O outro diz respeito ao fato de o italiano ter vivido por mais de uma década na França, abrigado inicialmente pelo governo de François Mitterrand, sob a condição de ter renunciado à luta armada. O italiano foi condenado à prisão perpétua à revelia, peculiaridade prevista na legislação italiana. As provas foram baseadas em depoimento de Pietro Mutti, fundador do Proletários Armados pelo Comunismo -grupo aparentado com as Brigadas Vermelhas-, do qual Battisti fez parte.
"A sua potencial impossibilidade de ampla defesa face à radicalização da situação política na Itália, no mínimo, geram uma profunda dúvida sobre se o recorrente teve direito ao devido processo legal", diz o texto assinado por Tarso ao justificar a concessão do refúgio.
Cesare Battisti sempre negou ser o autor dos homicídios. Em entrevista à Folha, em março passado, ele contou que foi condenado após delação de Mutti à Justiça: "Ele mudou várias vezes as versões em seus depoimentos à Justiça. Era cômodo colocar toda a culpa em cima de mim", disse na época.
"O problema é que eu nunca calei a boca", disse Battisti então, ao sustentar que foi um perseguido político em um país no qual "os fascistas nunca deixaram o poder".
A Folha procurou a Embaixada da Itália, em Brasília, que não se pronunciou até a conclusão desta edição.
O advogado Nabor Bulhões, contratado pelo governo italiano, assim como o advogado de Battisti, Luiz Eduardo Greenhalgh, não foram localizados pela reportagem.Folha
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