30.1.09

Dez testemunhas embasaram condenação

Decisões das Justiças da Itália e da França e da Corte Europeia mostram que foi assegurado ao italiano amplo direito de defesa
Tarso havia argumentado que condenação foi baseada em um único depoimento e dito ter "profunda dúvida" sobre o processo legal

A análise de cinco decisões proferidas pelas Justiças da Itália e da França e pela Corte Europeia de Direitos Humanos, relacionadas a Cesare Battisti, revela que sua condenação à prisão perpétua pela prática de quatro homicídios teve como base o depoimento de pelo menos dez testemunhas e também que a ele foi assegurado amplo direito de defesa ao longo dos processos judiciais.
A Folha obteve cópia dos documentos, que fazem parte do processo, em tramitação no STF (Supremo Tribunal Federal), no qual o governo italiano pede ao Brasil a extradição de Battisti pela prática de crimes comuns, que pela legislação nacional seriam hediondos.
As decisões não convenceram o ministro da Justiça, Tarso Genro, que concedeu status de refugiado ao italiano por entender que há "fundado temor de perseguição" política e "profunda dúvida" de que o julgamento do ex-militante de extrema esquerda seja fruto do devido processo legal.
Na decisão do Tribunal de Apelação de Milão, que em 1990 confirmou decisão na qual Battisti foi condenado à prisão perpétua pela prática de quatro assassinatos em situação de crime comum, são citados os depoimentos de pelo menos dez testemunhas, além do também militante Pietro Mutti, bem como dados colhidos em investigações policiais ocorridas na época dos fatos.
Para Tarso, no entanto, as condenações do italiano foram baseadas "em uma testemunha de acusação", em referência a Mutti, que, como Battisti, militava no movimento terrorista de esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo). O ministro acusou a falta de provas periciais que justificassem a condenação.
Ao ler a decisão judicial e entrevistar ontem o juiz que investigou o caso na época, o hoje procurador-adjunto da cidade de Turim, Pietro Forno, a reportagem identificou as seguintes testemunhas que, mediante benefícios da lei de delação premiada, contribuíram com informações para os processos que levaram à condenação de Battisti: Maria Cecilia "Barbetta", Enrico "Pasini Gatti", Marco "Barbone", Maurizio "Ferrandi", Santo "Fatone", Marco "Donat-Cattin", Antonio "Cavallina", Maurizio "Mirra", Giuseppe "Memeo" e Marina "Premoli".
Em sua maioria, eram integrantes da organização Prima Linea, que acolheu militantes do PAC após sua extinção.
Maria Cecilia Barbetta, por exemplo, contou que "soube do [próprio] Cesare Battisti do homicídio de [Antonio] Santoro, ou melhor, de sua participação no homicídio do Santoro, muito tempo depois do fato". Ela disse ainda que Battisti "falava sobre a impressão que se sente ao disparar em uma pessoa, ao ver sair o sangue".
Agente penitenciário, Santoro, a primeira das quatro pessoas assassinadas por Battisti, segundo a Justiça italiana, foi morto a tiros na cidade de Udine, em 6 de junho de 1978.
A morte do também policial Andrea Campagna, em Milão, no dia 19 de abril de 1979, teve como testemunha o militante Santo Fatone. De acordo com o procurador Forno, Fatone atuava com Battisti no PAC e seu testemunho foi fundamental para elucidar o caso.
Disse Fatone à Justiça: "A preparação do homicídio foi efetuada pelos companheiros que ficaram em Milão, ou seja, Battisti, [Giuseppe] Memeo, Lavazza, Bergamin e La Marelli, e pessoas próximas a Memeo que não saberei precisar".
Ainda sobre o assassinato de Campagna, constam da decisão do Tribunal de Apelação de Milão referências a "investigações da polícia realizadas logo após o delito" e relatos "prestados por testemunhas inquiridas na imediação dos fatos". Os dados colhidos coincidem com o depoimento de Mutti.
Os dois outros homicídios atribuídos a Battisti ocorreram em 16 de fevereiro de 1979 e vitimaram o açougueiro Lino Sabbadin e o joalheiro Pierlugi Torregiani.

França
Para derrubar na Justiça francesa a concessão de sua extradição para a Itália, Battisti disse ser vítima de perseguição política e que não lhe fora assegurado direito a defesa.
Ambos os argumentos foram refutados pelos magistrados franceses em três instâncias judiciais. Para o Conselho de Estado (segunda instância), Battisti "não tem motivos para afirmar que a extradição tenha sido pedida com finalidades políticas" e "beneficiou-se em todas as fases de um processo longo e complexo da defesa de advogados por ele escolhidos".
Diantes das negativas da Justiça francesa, Battisti recorreu à Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo (França). Novamente teve refutados os seus argumentos e confirmada a extradição, em 12 de dezembro de 2006, quando já vivia clandestino no Brasil.
A corte entendeu que era lícito "concluir que o requerente [Battisti] tinha renunciado de maneira inequívoca a seu direito de comparecer pessoalmente e de ser julgado em sua presença".

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