Órgão do ministério afirmou que temor de perseguição a Battisti não se sustenta
Decisão do ministro, que tem poder para rever as determinações do Conare, contrariou tudo o que o órgão havia argumentado
Em um documento de 16 páginas, os integrantes do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) justificam a negativa de status de refugiado a Cesare Battisti afirmando que Justiça italiana é democrática e respeita os direitos humanos, que não há "nexo causal" entre a perseguição alegada por ele e o pedido de refúgio e que não caberia ao órgão, vinculado ao Ministério da Justiça, definir se os crimes atribuídos a ele foram ou não "políticos".
A Folha teve acesso ao processo sigiloso do comitê -ontem o Supremo Tribunal Federal pediu uma cópia dessa decisão. Os argumentos do documento foram ignorados por completo pelo ministro Tarso Genro (Justiça), que reverteu o entendimento do órgão e concedeu o refúgio a Battisti.
O Conare é um órgão interministerial formado por conselheiros de diversas áreas do governo e da sociedade civil. Suas deliberações, conforme prevê a lei, podem ser revistas pelo ministro da Justiça -como ocorreu com Battisti. Mas isso é raro: desde a criação do comitê, em 1998, houve revisão em só 25 de 2.026 casos de refúgios.
A decisão do Conare de negar o pedido de refúgio a Battisti ocorreu em novembro, mas não foi unânime. De cinco conselheiros, três optaram pela negativa e dois pela concessão do refúgio. Votaram contra Luiz Paulo Barreto, presidente do comitê e secretário-executivo do Ministério da Justiça; Gilda Santos Neves, do Itamaraty; e o delegado Antônio Carlos Lessa, da PF, outro órgão subordinado ao ministro.
O principal argumento apresentado por Tarso é que o italiano "possui fundado temor de perseguição por suas opiniões políticas". Para os conselheiros do Conare, porém, "não há como considerar que na Itália não vige um sistema jurídico capaz de resguardar a vida daqueles que cumprem pena em seus cárceres". Acrescenta que o país é democrático, com o funcionamento normal de suas instituições, e que não há violações aos direitos humanos.
Os argumentos de Tarso, se comparados à decisão do Conare, representam mudança radical na interpretação dos fatos. O ministro afirma que a situação de Battisti na França, onde viveu por mais de uma década, foi alterada com "a mudança de posição do Estado francês, que havia lhe conferido guarida". A França concordou com sua extradição.
Já o Conare entendeu o contrário. "Se for feita uma análise real da situação do senhor Cesare Battisti, verifica-se que o mesmo foge da condenação desde 1981." E mais: "A Justiça italiana buscou a sua extradição desde o início, perpassando por diversos governos".
Em sua decisão, Tarso cita pensadores como Norberto Bobbio e Hannah Arendt, mas pouco se atém às decisões judiciais da Itália, referendadas anos depois na França e pela Corte Europeia de Direitos Humanos. O Conare reproduz despacho do último tribunal, no qual o italiano teve "direito de defesa e estava informado sobre a acusação contra ele".
O Conare se nega a avaliar se são políticos os crimes atribuídos a Battisti, dizendo ser essa "competência exclusiva" do STF, diz que não cabe a ele "instaurar" novo julgamento e atesta a legalidade do processo.
Quanto às pressões da Itália para que o Brasil extraditasse Battisti, que agora tanto tem incomodado autoridades brasileiras, os conselheiros do Conare concluíram que a atitude era um "direito legítimo de qualquer Estado que pretende ver cumpridas as suas decisões, como o faz da mesma maneira o governo brasileiro, sem que se caracterize constrangimento à soberania de outros país". Folha
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