15.6.08

Uma pergunta ainda no ar

Depoimento de Denise Abreu ao Senado não esclarece porque a Varig foi vendida pela proposta mais baixa


Fábio Portela


Lula Marques/Folha Imagem
Denise Abreu no Senado: "A ministra Dilma nunca me mandaria fazer nada"

Duas semanas depois de publicadas as primeiras denúncias sobre a venda da Varig, feitas ao jornal O Estado de S. Paulo pela ex-diretora da Anac Denise Abreu, uma pergunta persiste: por que a VarigLog decidiu vender a Varig para a Gol por 320 milhões de dólares se tinha uma proposta da TAM para fazer o mesmo negócio por 738 milhões de dólares? A solução a essa dúvida é crucial. Só ela pode dissipar ou reforçar as duas suspeitas sobre esse episódio: a de tráfico de influência contra o advogado Roberto Teixeira, amigo de três décadas do presidente Lula, e a de favorecimento do governo a uma empresa privada em uma disputa comercial dentro de um setor altamente dependente da regulação estatal. Em sua entrevista ao Estado, Denise contou ter sido pressionada por Teixeira e pelo governo, na pessoa de Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil, a tomar duas decisões:

autorizar, em junho de 2006, a compra da VarigLog por um grupo de investidores formado por três empresários brasileiros e por Lap Wai Chan, um cidadão chinês crescido no Brasil. Teixeira advogava para o grupo. A Anac relutava em autorizar a operação porque suspeitava que os três brasileiros constassem do negócio apenas como laranjas, para atender ao Código Brasileiro de Aeronáutica, que impede o controle acionário de empresas aéreas por estrangeiros;

mudar, em julho de 2006, a interpretação jurídica da Anac segundo a qual quem comprasse a Varig teria de arcar com as dívidas trabalhistas e fiscais da companhia. Após a agência mudar sua posição sobre o tema, a Gol comprou a Varig livre de dívidas pelo valor de 320 milhões de dólares. Dias antes, a TAM tentou sem sucesso comprar a mesma Varig, acenando com um valor de 738 milhões de dólares – a TAM diz estar impedida, por obrigação de confidencialidade, de comentar detalhes das negociações.

Na semana passada, em depoimento à Comissão de Infra-Estrutura do Senado, Denise Abreu esfriou suas próprias denúncias negando pressões diretas da ministra Dilma: "Sejamos objetivos. A ministra nunca me mandaria fazer nada". Sobre a atuação do escritório de Teixeira, descreveu-a apenas como imoral, não mais como ilegal: "Sem dúvida, as ingerências praticadas e a forma truculenta como o escritório Teixeira Martins agiu dentro da Anac são ações inequivocamente, no mínimo, imorais e podem ocasionar alguma ilegalidade". Para um bom entendedor da linguagem de sinais utilizada em Brasília, o recuo de Denise demonstra claramente que, se não surgirem fatos novos, a denúncia caminha para o esquecimento. Resta, no entanto, a dúvida com que se inicia o presente texto, sobre a qual Denise se negou a falar em seu longo depoimento no Senado: por que, tendo uma oferta 418 milhões de dólares superior, feita pela TAM, a VarigLog, então dona da Varig, optou por uma proposta da Gol de 320 milhões de dólares? A Gol levou a Varig pelo menor preço porque contou com o favorecimento do governo e com a intermediação do advogado Roberto Teixeira?

Para começar a responder a essas perguntas é preciso retroagir no tempo. Em dezembro de 2005, a Gol anunciou sua intenção de investir 19 milhões de dólares para abrir uma empresa aérea de baixo custo no México. Com esse projeto, a companhia criada por Nenê Constantino planejava transformar-se, até 2010, no veí-culo de popularização do transporte aéreo na América Latina. O início das operações no México, previsto para meados de 2006, foi abortado pelo súbito ingresso de outras três concorrentes de peso no mercado mexicano. A Gol então se viu no dilema de ter dinheiro em caixa sem oportunidades de expansão na região. Os controladores da Gol redirecionaram sua atenção para o mercado nacional. A empresa cogitou adquirir a Varig, que se afundava em dívidas e parecia inviável. Só os débitos da empresa com a Receita e com o INSS inscritos no Cadastro da Dívida Ativa da União alcançavam a casa de 2 bilhões de reais. Aviões eram semanalmente arrestados e faltava dinheiro para a compra de combustível.

Apesar dessa situação caótica, uma nova lei de falências, ainda não testada, abria a possibilidade de que a Varig fosse comprada limpa, livre de suas dívidas trabalhistas e tributárias. Mas a Anac, responsável pela concessão do Cheta (a autorização oficial de funcionamento das companhias aéreas), discordava. A agência acreditava que a Varig não poderia ser integralmente coberta pela nova lei. Mesmo diante da dúvida, a Gol sentiu-se confortável para avançar nas negociações. Segundo as denúncias iniciais de Denise Abreu e de Marco Antonio Audi, um dos três empresários brasileiros que venderam a Varig, a interferência do advogado Roberto Teixeira foi crucial para que a Anac mudasse de opinião e o negócio decolasse na direção da Gol. Não há provas cabais nesse sentido – nem de que a TAM queria mesmo comprar a Varig ou só atropelar as negociações da concorrente. O advogado Teixeira hoje nega tráfico de influência e lembra que o processo de venda da Varig foi integralmente conduzido pela Justiça, não pelo governo. É possível que Teixeira tenha de fato tido uma participação estritamente técnica no negócio, como alega hoje. O difícil é explicar os documentos reproduzidos nesta página. Em uma cobrança enviada à VarigLog em janeiro deste ano, além de exigir honorários atrasados, o compadre de Lula enaltece seu próprio esforço para livrar a Varig de suas dívidas, tarefa que, ele mesmo ressalta, "a muitos pareceria impossível".


Adriano Machado/Folha Imagem
Teixeira atuou em todas as operações da Varig e da VarigLog nos últimos dois anos

A contratação
Roberto Teixeira foi contratado pela VarigLog em abril de 2006, quando a Anac resistia a conceder autorização para a companhia operar com novos donos. Para resolver o problema, cobrou uma taxa de sucesso de 750 000 dólares


O resultado
Em uma cobrança de honorários atrasados enviada aos antigos clientes em janeiro de 2008, Teixeira vangloria-se de ter ajudado a livrar a nova Varig das dívidas trabalhistas da velha Varig. "A muitos pareceria impossível", gaba-se o compadre de Lula

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