24.5.06

Entrevista Roberto Rodrigues

"Governo demorou para ver a crise rural"
Ministro da Agricultura afirma que, com dificuldade para cobrir dívidas, setor vive um de seus mais graves momentos


A DEMORA do governo em olhar para os problemas do setor agrícola exige, agora, um esforço ainda maior para contorná-los, segundo o ministro Roberto Rodrigues. Dólar desvalorizado, custos de produção elevados e investimentos feitos pelos próprios produtores no período favorável da agricultura deixaram para trás um forte endividamento. "Com dificuldades para cobrir as dívidas, a agricultura entrou em uma das mais graves crises das últimas décadas."

FOLHA - A agricultura vive de crises cíclicas. Quais os pontos básicos da atual crise do setor?
ROBERTO RODRIGUES - Um deles é o câmbio, que gera o descasamento de custos entre o plantio e a colheita, e que resulta em perda de renda. Soma-se ao problema cambial o custo de produção em dólar: diesel, fertilizantes, equipamentos e máquinas. Além disso, o setor supridor de insumos aproveitou o momento positivo da agricultura e fez investimentos vigorosos, e, para amortizar isso, cobrou mais caro.

FOLHA - Então o setor aumentou a margem...
RODRIGUES - É, aumentou a margem. O segundo fator foi a queda dos preços, e aí o câmbio é fundamental. Com o câmbio desfavorável e o crescimento dos custos, vem o terceiro fator, que é o forte endividamento. O produtor aproveitou o bom momento da agricultura e também fez investimentos, mas a custos elevados.

FOLHA - Que outros fatores cooperaram para a crise atual?
RODRIGUES - A seca e a conseqüente redução da produção. Some a tudo isso a questão da logística, o volume de recursos insuficiente e a taxa de juros elevada e você tem uma crise de renda na agricultura.

FOLHA - Se o problema maior é o câmbio, o governo tem responsabilidade nessa crise?
RODRIGUES - É difícil dizer que o governo tem culpa. O exagero é da questão monetária: juros altos e o câmbio.

FOLHA - E a responsabilidade do ministro da Agricultura?
RODRIGUES - O ministério vem insistindo com o governo sobre a necessidade de recursos. Em fevereiro de 2005, a Agricultura solicitou R$ 1 bilhão para a Fazenda. Se tivéssemos colocado aquele recurso para apoiar a comercialização em fevereiro e em março, teríamos dado um sinal para impedir o desastre no nível dos preços.

FOLHA - O dinheiro veio tarde?
RODRIGUES - Veio. Do R$ 1 bilhão pedido, R$ 400 milhões foram liberados no final de julho e R$ 300 milhões no final de novembro [de 2005], quando a comercialização da safra já tinha praticamente passado. Todos os grandes fatores causais da crise agrícola estão fora do ministério. Temos tentado convencer as outras áreas do governo que são responsáveis pelos fatores causais da crise, mas acho que não fui competente nessa questão.

FOLHA - A Agricultura acabou recebendo menos recursos do que outras áreas?
RODRIGUES - Recebeu muito menos devido ao tamanho da crise, que foi anunciada, desenhada e documentada pelo Ministério da Agricultura, mas não teve a necessária atenção dentro do governo.

FOLHA - O senhor classificou 2005 como um ano horrível. Como está sendo 2006?
RODRIGUES - Um horrível "plus". Mas os jornais de hoje [sábado] dão duas boas notícias: mudanças no câmbio e a questão do H-Bio (biodiesel).

FOLHA - E o pacote do dia 25 [amanhã], o que tem de novo?
RODRIGUES - O governo trabalha um pacote com substância em três conjuntos: endividamento, medidas estruturais e plano de safra. Primeiro, está avaliando o endividamento, a área mais complicada porque tem a ver com a volta do dinheiro [emprestado] da safra anterior para financiar a próxima.

FOLHA - E as medidas estruturais, quais são?
RODRIGUES - Não tenho ainda as medidas prontas, mas um ponto relevante será o seguro rural. Adotaremos medidas mais sensíveis e criaremos um fundo contra catástrofes para ajudar de fato as seguradoras e resseguradoras a acreditar no processo.

FOLHA - De onde virá o dinheiro?
RODRIGUES - Estamos trabalhando com aumentos de limite e de volume. Em 2005, tivemos R$ 2,6 milhões de recursos. Neste ano são R$ 46 milhões. Houve aumento de limite e maior subvenção. Há uma certa resistência das resseguradoras do mundo inteiro no setor depois do furacão Katrina [nos EUA, em 2005] e do tsunami [na Ásia, em 2004]. É fundamental, portanto, que o IRB [Instituto de Resseguros do Brasil] assuma isso.

FOLHA - E o dinheiro para o fundo contra catástrofes?
RODRIGUES - O pontapé inicial tem de vir do Tesouro. Virão também de prêmios, investimentos de seguradoras e de outras investidores externos.

FOLHA - E a redução de custos, como pode ser feita?
RODRIGUES - Trabalhamos fundamentalmente com redução de tributos sobre insumos e menores tarifas de importação. Essas medidas, no entanto, estão sob análise porque representam ônus para o Tesouro e problemas [menos recursos] para a Receita Federal.

FOLHA - Até que ponto a crise atual compromete a agropecuária nos próximos anos?
RODRIGUES - O comprometimento já é comprovado, como a própria Folha já mostrou. Há queda de área plantada que, se continuar, poderá tirar até 50 milhões de toneladas na produção de grãos. E isso afetará os preços e pode ter reflexo na inflação lá na frente. Mas a preocupação não é só com a queda de área plantada, mas também com a redução do padrão tecnológico. Tudo o que foi conquistado e que permitiu o saldo de produtividade pode ser perdido.

FOLHA - O senhor disse que não fica mais no governo. Faça uma avaliação do que foi positivo em seu ministério.
RODRIGUES - Penso que vou deixar algumas coisas. Uma delas é o biodiesel. É uma coisa muito importante para a história da agricultura brasileira e até mundial. Outra, acho que tive um papel importante na gênese do G-20 [grupo de países em desenvolvimento que luta pela abertura da agricultura mundial]. Uma terceira coisa que acho importante foi ter contribuído para a recuperação vigorosa da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária]. A quarta é ter estabelecido no ministério uma visão sistêmica de planejamento estratégico. Além disso, as reformas estruturais (seguro rural e novos papéis que nós lançamos) também são importantes.

FOLHA - E o negativo?
RODRIGUES - Fiquei 40 anos trabalhando pela agricultura na área privada e levei propostas, projetos e idéias para todos os ministros [da Agricultura] dos últimos 20 anos. De modo que cheguei [ao ministério] com a convicção de que, em seis meses, seria o maior ministro da Agricultura da história do Brasil. Ia resolver tudo e fazer coisas formidáveis. A frustração por não ter conseguido chegar lá é enorme. Tenho uma grande tristeza por não ter conseguido montar um programa de defesa sanitária no Brasil.


FOLHA - O sr. teve responsabilidade pela volta da aftosa? RODRIGUES - Acho que foi um conjunto de coisas. Acho que o ministério também teve sua parcela de responsabilidade, mas diria que [a parcela de responsabilidade] é menor.

FOLHA - O presidente Lula disse que vê "cretinice" e ações oportunistas de alguns fazendeiros, principalmente, por causa da época de eleição. O sr. concorda com isso?
RODRIGUES- Achei que foi uma declaração infeliz. Isso foi dito por pessoas que participaram da reunião com ele. A declaração, se houve, não é generalizante. Mas acho que, em anos de eleição, sempre tem, em todos os setores, gente aproveitando o momento.

FOLHA - Como foi a atuação do ministro nessa crise agrícola?
RODRIGUES - Se tive culpa nesse processo, foi por não ter sido suficientemente convincente, dentro do governo, com as áreas que desejava ter modificado. Não deixei de lutar um minuto. Talvez, se culpa tenho, é por não ter sido capaz de transmitir a importância de priorizar a agricultura no rol das atividades do governo.

FOLHA - É uma situação difícil?
RODRIGUES - É sempre uma questão, como todas, que tem dois lados. Primeiro, tenho convicção do que estou fazendo. E, segundo, tenho esperança de que vá conseguir melhorar as coisas. Enquanto a esperança persistir, continuarei meu trabalho. Ainda tenho um resto de esperança.

FOLHA - Para agüentar até 31 de dezembro?
RODRIGUES - Dia 25 [amanhã] está aí. Vamos ver o que vem.